VI CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
Recife, de 05 a 08 de setembro de 2002
CO/10 PSICANÁLISE E PSIQUIATRIA: A ANGÚSTIA DO DESAMPARO COMO
PROPOSTA PARA UM DIÁLOGO INTERDISCIPLINAR. Carreira, LB & Rocha, Z.
UNICAP. Recife - PE.
RESUMO
A angústia é fundamental na clínica pois remete o sujeito a confrontar-se com o seu desamparo. O pathos suscitado nessa
experiência comporta um ensinamento e funda o sujeito enquanto desejante, desde que uma escuta o sustente. Diálogo
interdisciplinar entre a psicanálise-psiquiatria sobre a angústia do desamparo, ressaltando as principais conseqüências destas
abordagens para a clínica. Pesquisa no campo da Psicopatologia Fundamental valendo-se da teoria Psicanalítica sobre a noção
de angústia do desamparo (Freud-Lacan) e com o saber psiquiátrico atual. Freud ao reformular sua primeira teoria da angústia
coloca a Hilflosigkeit como sua causa fundamental. Lacan,acrescenta que ela não é sem objeto: trata-se do objeto a. Reporta-se
não ao trauma do nascimento (como se dá em Freud), mas à constituição do sujeito desejante no campo do Outro. Na tradição
médica, a relação da angústia com o desamparo e o desejo, cede espaço à uma abordagem positivista. Na atualidade a
psiquiatria tem fundamento biológico, e as neurociências fornecem seus instrumentos teóricos, reduzindo o funcionamento
psíquico ao cerebral, produzindo mudanças terapêuticas e éticas. A psicofarmacologia é privilegiada e a angústia, enquanto
pathos, negligenciada. A abordagem pragmático-operacional dos fenômenos psicopatológicos é atualmente hegemônica na
psiquiatria. Ela negligencia seus aspectos humanos-subjetivos, e seus benefícios têm limites. É indispensável o diálogo
interdisciplinar sobre o pathos humano, já que este não se esgota em um único saber.
A manifestação do sofrimento acompanha o homem desde sempre, contudo,
nem sempre este se colocou o problema da angústia.
Na Grécia arcaica, por exemplo, a idéia de um interior de si não se colocara, e
tampouco a angústia era concebida como inerente ao sujeito.
Mesmo para Ésquilo, que evoca diversos tipos de temor, permanece
condicionando-os a vontade dos deuses, mantendo portanto a responsabilidade
acerca do acontecimento do sofrimento alheio e distante do homem.
Com Kierkergaard, este se depara com a angústia ao voltar-se para si mesmo:
diante do NADA, o homem tenta agora debruçar-se sobre o enigma de sua
existência, e o vazio da angústia começa a ser concebido como dimensão intrínseca
da própria condição humana.
Contudo, a angústia (pathos) pode revestir-se da promessa de um “
enriquecimento interior”, desde que a posição daquele que a escuta sustente um
vazio que possibilite a transferência. É preciso, portanto, inclinar-se ao sofrimento do
outro para que este possa ser transformado em experiência.
A Psicanálise e a Angústia:
Na elaboração freudiana do conceito de angústia, percebemos que em sua
primeira teoria a angústia é concebida como fruto do recalque, sendo ressaltados
seus aspectos natural, adaptativo e funcional. Contudo, ao repensar a natureza da
angústia, Freud libertou-se de uma certa “obsessão econômica”, o que fazia acreditar
que a angústia tinha sempre uma origem derivada.
Freud coloca agora em evidência o desamparo ( Hilflosigkeit ) como causa
fundamental da angústia. Lembremos que em 1926 ele faz várias referências à
situação de desamparo (situação que ele designa como traumática) e admite a
angústia como sendo caracterizada pela falta de objeto, para contrastá-la com o
medo, que seria uma reação adequada e consumada à percepção de um perigo
identificado e denominado.
Freud é levado então, a introduzir a idéia de que a angústia seria angústia
diante de algo, e sabemos que ao término de suas reflexões designou a angústia a
partir de sua função essencial de se constituir enquanto um sinal.
Lacan retoma Freud, e sublinha que a angústia se produz como um sinal no
eu sobre o fundamento do desamparo, mas acrescenta que a mesma não é sem
objeto. Reporta-se não ao trauma do nascimento ( como se dá em Freud ), mas à
constituição do sujeito no campo do Outro.
Nesse sentido, Lacan indica-nos que somente a noção do Real permite situar
esse algo diante do qual nasce a angústia. Dentre todos os sinais, “a angústia é o que
não engana”. Ela é o sinal de um certo modo irredutível sob o qual o Real se
apresenta ao sujeito em sua experiência.
Podemos dizer que o que há de mais fundamental na elaboração de Lacan
sobre a angústia diz respeito à relação essencial existente entre a angústia e o
desejo do Outro, e nesse sentido não se pode ver, em Lacan, uma concepção de
angústia totalmente descolada do registro da representação, como puro excesso
econômico.
Para Lacan como vimos, a angústia não é sem objeto. Todavia, se trata de um
objeto palpável, especularizável ou sequer imaginarizável. O objeto em questão, é
esse objeto que é apenas um lugar, que tem um estatuto especial de causa do
desejo: o objeto a.
Lacan ao comentar a “angústia sinal” que Freud apresenta em “ Inibição,
Sintoma e Angústia”, diz que esta é um sinal, mas não da perda do objeto, e sim da
intervenção do objeto a. Ela é sinal em certos momentos da relação do sujeito com
esse objeto e, por isso, é um sinal também para o analista.
O que provoca a angústia, portanto, é quando algo surge no lugar da castração
imaginária, uma vez que a falta falta. Segundo Lacan, é isso que dá o verdadeiro
sentido ao que Freud designa como perda de objeto em relação à angústia.
Sabemos que Lacan enunciou muitas vezes que o desejo do homem é o
desejo do Outro, ou seja, o desejo do que o Outro deseja nessa relação ambígua em
que o objeto de seu desejo fica velado.
O desejo do Outro não reconhece o sujeito ( nem o desconhece), ele o coloca
em questão, o interroga na raiz mesmo do seu desejo com “a”, como causa de desejo
e não como objeto. A única via para romper esse aprisionamento é engajar-se nele,
por isso Lacan nos diz que o desejo é o remédio contra a angústia.
Engajar-se ou implicar-se em seu desejo significa responsabilizar-se pelo
prazer e pela dor que este suscita, reconhecer-se na incompletude e estar disposto a
dialogar com os fantasmas que construimos sobre nós mesmos. O processo analítico
visa revelar ao sujeito esta dimensão, e talvez seja nesse sentido a referência
freudiana de que toda análise deve conduzir ao rochedo de castração.
Mas o que a psiquiatria tem a nos dizer sobre sua psicopatologia?
Para se apoderar deste aspecto tão desconcertante da patologia, a psiquiatria
teve que se armar na noção de doença dos órgãos e das funções antes de considerar
a doença mental como um tipo todo especial de doença, que altera o homem em seu
psiquismo, isto é, em sua “humanidade”, ou, se quisermos, em sua coexistência com
o outro e na construção de seu mundo.
Em relação aos estados que envolviam a angústia surgia uma dificuldade
ainda maior, inerente à sua própria natureza: a de ser considerada ao mesmo tempo
a manifestação de uma doença , porém de uma doença que não era orgânica pura e
simplesmente.
Na segunda metade do século XIX, começaram a surgir descrições cada vez
mais minuciosas a respeito desses estados, e lembremos que até então, desde o seu
nascimento no início do século XIX, a psiquiatria vinha seguindo o grande movimento
da ciência da época, sustentando-se em modelos anatomoclínicos, e instituindo-se
portanto, através da delimitação nosográfica das entidades mórbidas.
Nesse sentido, a psicopatologia Kraepepeliniana tinha um caráter
eminentemente descritivo; e a referência principal recaía sobre o observador e não
sobre o paciente. Nesses termos podemos dizer que era uma psicopatologia que
partia do saber do psicopatólogo e não a partir do saber daquele que sofria.
Foi nesse contexto que as descobertas freudianas revolucionaram a psiquiatria
clássica dita “Kraepeliniana”, tratando-se de um momento no qual as concepções da
psiquiatria, da psicopatologia e da psicanálise encontravam-se compartilhando um
campo clínico em comum, permanecendo assim até os anos 1950/60.
No entanto, a partir desenvolvimento da psicofarmacologia iniciou-se um
movimento de inversão de posições: se antes, a psicanálise servia de referência
fundamental para a psiquiatria, agora, passa a ser a psiquiatria ( fundando-se no
discurso das neurociências) o modelo para o campo do saber psicopatológico.
Começa uma nova era para a psiquiatria, já que possui, enfim, uma
farmacopéia própria, apesar da ausência de uma descoberta no sentido científico do
termo, já que se desconhecia o porquê ou como tais medicamento atuavam.
Desconhecia-se inclusive a própria fisiopatogenia do processo mórbido envolvido.
Mas como agiam estas substâncias com propriedades extraordinárias?
Elas se tornaram objeto de investigação para os biólogos, e originaram o
desenvolvimento de um campo importante na neurobiologia, já que esta intrincação
de abordagens deu lugar a uma corrente de pesquisas conhecida pelo nome de
Psiquatria Biológica, que passou a se ocupar em descobrir a causa hipotética do
distúrbio mental.
Com isso, a psicofarmacologia se tornou o suporte da prática psiquiátrica,
conferindo-lhe uma identidade teórica e epistemológica bastante afastada da
psicanálise. Nos anos 1980/90, a psiquiatria biológica, fundada nas neurociências, se
emplementaria na clínica de maneira hegemônica.
Mas o qual o substrato teórico da Psiquiatria Biológica?
Sabemos que se trata de um campo que tem por hipótese teorias que
concebem as alterações psíquicas como fruto de uma etiologia orgânica.
Tratam-se, portanto, de teorias organomecânicas, pois o esquema
etiopatogênico que propõem consiste em reduzir a doença psíquica à fenômenos
elementares engendrados diretamente por lesões ou disfunções cerebrais.
É característico destas teorias, considerar que os sintomas constituem-se
fortuitamente como produtos mecânicos de lesões de centros funcionais específicos.
Do ponto de vista clínico, analisam os “quadros psicopatológicos” como que
constituídos unicamente de sintomas determinados diretamente por lesões deste ou
daquele sistema funcional cerebral. Não há diferenciação ou especificação em
relação às nuances subjetivas que esses sintomas carregam, pois a subjetividade é
colocada em segundo plano.
E qual a conseqüência desta mudança de paradigma?
Como já vimos, nos anos 1950 a psiquiatria já começava a constituir seu
arsenal medicamentoso, mas não dispunha de diagnósticos no sentido médico do
termo, enquanto que todas as outras disciplinas médicas já os haviam definido antes
da descoberta terapêutica.
Se até então isso não incomodava, com o avanço da indústria farmacêutica a
posição da psiquiatria torna-se frágil, pois desafiava seu status como ramo da
medicina, e progressivamente amadureceu-se a idéia da criação de critérios
diagnósticos explícitos para doenças mentais.
Um marco nesta tentativa foram os critérios estabelecidos por um grupo da
Universidade de Washington, que ficou conhecido como grupo de St. Louis.
Ao ser publicado em 1952, o DSM acolhia ecleticamente os diversos discursos
no campo do psicopatológico e levava em conta as conquistas da psicanálise. Porém,
o equilíbrio entre o tratamento através dos psicotrópicos e a psicanálise foi rompido, e
pôde-se observar nas diversas revisões sofridas pelo Manual, o abandono
progressivo da síntese efetuada pela psiquiatria dinâmica.
Calcado no esquema sinal- diagnóstico- tratamento, ele acabou eliminando de
suas classificações a própria subjetividade.
Com critérios explícitos, surgem vantagens mas também surgem problemas.
Um deles é o aumento do número de casos sem diagnóstico, pois quanto mais
explícitos e rígidos são os critérios, maiores são as exceções à regra. Além do quê,
se instala um paradoxo quando um transtorno é classificado a partir da presença de
alguns sintomas dentre outros, pois observa-se indivíduos bem diversos sob um
mesmo rótulo diagnóstico, já que a combinação dos sintomas são múltiplas.
Porém, também temos as vantagens. Somente com a criação de grupos
homogêneos de pacientes é possível prever curso, prognóstico e de se
estabelecerem terapêuticas específicas.
Com isso, o paradigma biológico da psiquiatria se impôs, reconstituindo o
discurso psicopatológico em novas bases, evitando-se pensar na angústia como
pathos fundamental.
Mas como buscar um meio-termo entre o pragmatismo norte-americano que
enfatiza a análise da forma, de inegáveis benefícios ( e limitações) e a psicanálise?
Qual psicopatologia agora se observa, se a questão diagnóstica assujeita-se a
reunião de determinados critérios- sintomáticos, passíveis de remissão unicamente
através do psicotrópico ? À que lógica essa psicopatologia obdece? Quem ganha
com essa maneira de se conceber o psicopatológico?
Como se estabelecer o diagnóstico ao pensarmos na angústia?
Para toda terapêutica, há de se estabelecer inicialmente o diagnóstico. Afinal,
como se propor a tratar algo quando não se sabe o que esse algo é? Nomear um
sintoma, designá-lo ou reconhecê-lo, significa poder fazer referência ao que ele é.
Para a psicanálise, a implicação lógica de causa orgânica- efeito
comportamental da clínica psiquiátrica perde sua validade, já que a causalidade
psíquica e o caráter imprevisível dos efeitos do inconsciente operam por outras vias.
O analista também necessita de pontos de balizamento para sustentar a
elaboração do diagnóstico, porém não admite a existência de agenciamentos estáveis
entre a natureza das causas e a dos efeitos, e tampouco inferências infalíveis entre
as causas psíquicas e os efeitos sintomáticos na determinação de um diagnóstico.
O sintoma é um produto de elaboração psíquica, um produto de estrutura cuja
identidade não oferece nenhuma garantia diagnóstica particular.
Neste sentido, o sintoma, enquanto tal, não é jamais senão uma metáfora, isto
é, uma substituição significante, já que sua sobredeterminação deve-se
essencialmente ao fato de que seu substrato significante manifesto substituiu-se ao
significante latente do desejo.
O Édipo, então, assume todo o seu sentido já que é em suas vicissitudes que
o sujeito negocia sua relação com o falo e portanto sua adesão à sinergia do desejo e
da falta.
Já discutimos um pouco a função da angústia nesse ponto quando tocamos na
contribuição específica que Lacan, mas vale ressaltar o aspecto de “sinal” que a
angústia tem em sua relação absolutamente necessária com o desejo, na medida em
que ela está intimamente ligada a falta e assume nesse referencial, a possibilidade de
apreendermos sua função reveladora, pois ela porta um saber que o sujeito até então
desconhece.
Mas, como pensar a função diagnóstica em psiquiatria quando exercida
através de uma lógica objetiva de reconhecimento de comportamentos ( e de
sintomas ) em categorias de diagnóstico?
Como conceber que a abordagem psicofarmacológica seja a modalidade
essencial da intervenção psiquiátrica, e que nas classificações atuais o diagnóstico
seja definido a partir do psicotrópico oferecido?
De certa forma não se está “petrificando” o sujeito já que este diagnóstico pode
ser exercido como um rótulo?
Será que não se priva o sujeito justamente da possibilidade deste vir a saber
sobre seu sintoma, vir a saber de si, vir a saber sobre a sua angústia?
Essa dimensão ética, tão radicalmente oposta entre a psicanálise e a
psiquiatria de pressupostos biológicos parece que fica mais marcante quando
confrontada com a questão da Angústia; com a angústia enquanto portadora de um
saber, e não meramente um afeto desagradável a ser abolido.
O que a psiquiatria dos dias atuais tem a nos dizer sobre a angústia?
A separação entre ansiedade, angústia e medo não parece relevante para
vários autores. Limites claros entre elas implicam uma certa dose de arbitrariedade, já
que a distinção fenomenológica destas categorias pode ser difícil.
As três podem emergir como experiência normal ou como sintoma de doença,
nem sempre são distinguíveis para o indivíduo e , de fato, podem ocorrer
simultaneamente. Em todo caso, acaba-se utilizando em Psiquiatria o termo
ansiedade como sinônimo de angústia.
Vejamos:
“ Ansiedade se refere a um conjunto de manifestações físicas – como
taquicardia, sudorese, hiperventilação e tensão muscular – e psicológicascomo apreensão, alerta e inquietude- que tanto podem ser experimentadas por
indivíduos sadios, como acompanhar ou caracterizar enfermidades”. 1
Mas será que o fator “físico”, a manifestação corpórea, não nos poderia
sinalizar um possível diferenciador entre angústia e ansiedade?
Se a ansiedade é admitida como expressão no corpo de um desajuste, será
que se encontra em um mesmo registro psíquico quando comparada à angústia
propriamente dita?
Será que não estamos novamente nos deparando com a antiga questão das
neuroses atuais x psiconeuroses de defesa?
Será que a “ansiedade” não está mais relacionada aos quadros onde há uma
insuficiência de simbolização, e o que seria a angústia mantém-se colada ao real do
corpo?
Essas questões pareceram-me importantes sobretudo ao analisarmos as
categorias de diagnóstico dos “Transtornos ansiosos”, como veremos mais adiante.
A ansiedade é concebida, na psiquiatria, como um fator de ajuste e otimização
dos recursos do indivíduo face a diferentes exigências ambientais, e enquanto
fenômeno adaptativo pode ser observada em um sem-número de circunstâncias.
Sua intensidade pode variar, mas admite-se que há um “quantum” envolvido
em diferentes situações da vida normal, no sentido de otimizar os recursos do
indivíduo para lidar com elas.
Uma vez considerada a ansiedade tanto na vida normal, como fenômeno
fisiológico, quanto no contexto de enfermidades físicas ou mentais, como sintoma,
cabe agora abordá-la enquanto situação funcional em si, restritivo à vida funcional do
indivíduo e nosologicamente circunscrita.
Existem condições clínicas que se caracterizam justamente pela ocorrência de
manifestações ansiosas, porém, o estabelecimento de limites precisos para onde
começa e termina a ansiedade “doença” sempre é difícil.
Os contornos da ansiedade enquanto condição patológica poderiam começar a
ser delineados no momento em que sua função adaptativa original passa a se perder:
quando sua intensidade ou duração já não correspondem àquele “quantum”
1
Longman Dictionary of Psychology and Psychiatry, 1984.
necessário ou apropriado a uma ou mais situações, ultrapassando-o numa escala
variável até o ponto de total fracasso de qualquer papel funcional.
A ansiedade “doença”:
Considera-se aqui as “doenças” ou transtornos ansiosos como sendo aquelas
síndromes descritas sob essa rubrica no DSM-IV e CID-10 ( e como já vimos, ambos
adotam critérios operacionais), e que clinicamente se distinguem umas das outras
pelos fenômenos que circundam a ansiedade (como os sintomas obsessivocompulsivos, pânico e fobias), e nas quais a ansiedade constitui o elemento central.
Sobre a causa da ansiedade/angústia :
Dois problemas principais parecem permear a interpretação das investigações
sobre os aspectos biológicos da ansiedade. O primeiro, reside no fato de que seus
aspectos biológicos e psicológicos não co-variam, ou seja, as medidas fisiológicas e
psicológicas da ansiedade não mantém uma relação direta.
O segundo problema está em delimitar a fisiopatologia da ansiedade
patológica. Do ponto de vista estritamente biológico, a que nível estaria a disfunção?
Clinicamente, afinal, as manifestações ansiosas são as mesmas na ansiedade
patológica e na não-patológica!
Enquanto as alterações cardíacas e viscerais apontam para níveis de
hiperatividade do Sistema Nervoso Autônomo (SNA), o estado subjetivo de
apreensão e alerta que caracteriza a ansiedade tem sido associado ao que, em
inglês, se convencionou denominar “arousal”: um estado de mobilização e ativação
fisiológica central que, direta ou indiretamente, atinge todo o organismo.
Há no entanto, uma grande distância entre o estado fisiológico de “arousal” e
a ansiedade: emoções como a raiva e a euforia, por exemplo, também encontram
correspondência fisiológica no “arousal”.
Existem portanto, dificuldades reconhecidas para que se discuta a ansiedade
em termos estritamente orgânicos e, conseqüentemente, para a proposição de
modelos de ansiedade que sejam exclusivamente biológicos.
Há ainda a dificuldade adicional de que muitas investigações não podem ser
executadas em humanos, e apesar de não se questionar a importância dos estudos
em animais, a experiência da angústia é eminentemente humana!
A neuroquímica:
Existem substâncias que produzem ou que aliviam manifestações ansiosas,
tanto em indivíduos sadios como em pacientes ansiosos. Na medida em que se
conheça a estrutura e o modo de ação dessas substâncias, supõem-se que, através
de seu uso experimental, os mecanismos biológicos da ansiedade podem ser
identificados.
Estudos experimentais com ansiogênicos, por exemplo, põem em destaque o
papel de um ou outro sistema de neurotransmissão. No entanto, as drogas usadas no
tratamento da ansiedade “patológica” parecem indicar que nenhum dos
neurotransmissores detém o monopólio exclusivo do fenômeno.
Afinal, efeito ansiolítico similar é obtido por substâncias que, supostamente,
agem através de sistemas de neurotransmissão diferentes.
Benzodiazepínicos, por exemplo, modulam receptores do ácido gamaaminobutírico (GABA), tricíclicos e inibidores da monoaminoxidase atuam sobre os
sistemas monoaminérgicos, e o efeito ansiolítico de toda uma nova geração de
drogas, como a buspirona ( agonista parcial 5HT 1 A), tem sido atribuído à sua
especificidade por receptores serotonérgicos.
A conclusão genérica é a de que os principais sistemas centrais de
neurotransmissão implicados na ansiedade são o gabaérgico, o noradrenérgico e o
serotonérgico. Além do que, a atividade ansiolítica dos neurolépticos também sugere
o envolvimento do sistema dopaminérgico.
Em suma, não há evidência empírica sobre um substrato biológico definitivo
para a ansiedade.
A respeito da cura:
É essencial compreender que um psicotrópico não ataca as causas dos
transtornos psíquicos, que são desconhecidas. Eles tratam dos sintomas. Um
ansiolítico é tão eficaz na ansiedade de um deprimido, em um sujeito exclusivamente
ansioso ou em uma ansiedade que sobreveio durante uma psicose delirante.
É preciso, enfim, tomar consciência do fato de que somente o
desaparecimento do sintoma no âmbito dos transtornos psíquicos não poderia
conduzir à cura.
Mas é legítimo prescrever à operação analítica a finalidade de curar?
Se não se pode falar em cura, pode-se falar em constituição de efetivas
possibilidades de sublimação e criação.
Mas, para isso é preciso sustentar a falta! O analista, na medida em que
ocupa o lugar do Outro, desse Outro para o qual o sujeito se volta em seu sofrimento,
recusa-se a ser o mestre. É por isso que falamos de ética da psicanálise e do desejo
do analista, como de um desejo que recusa o desejo de ser o mestre. Esse desejo é
enigmático.
Freud exprimia isso a sua maneira, alertando o psicanalista contra o desejo de
curar, em nome do desejo científico. Já distinguia o desejo do analista do desejo de
saber, para que o sujeito possa encontrar a questão de seu desejo além da
identificação.
Logo, é na dependência estrita do destino que o analisando der a seu
desamparo que poderá se fundar enquanto sujeito desejante, pois não existe a
possibilidade de identificação com a figura do analista.
Se a cura analítica visa, como afirma Lacan, “atravessar” a dimensão
imaginária do eu até provocar a aparição das determinações simbólicas ( os S1,
significantes–mestres, de que fala Lacan) sobre as quais funda-se o desejo
inconsciente, ela desembocará, então, em uma confrontação do sujeito com o seu
próprio Hilflosigkeit.
E como pensar a cura na psiquiatria?
Se a motivação da administração do fármaco é a de “ curar” no sentido médico
do termo, este ato não estaria tamponando a falta, e impedindo o confronto do sujeito
com o seu desamparo?
Em oposição à ética do desejo, o psicotropismo não estaria atendendo à uma
ética de consumo?
Sabemos no entanto, que o medicamento em si não se opõe ao tratamento
pela fala, desde que uma escuta sustente o Pathos.
Lembremos do pharmakon de Platão e na existência da ambivalência entre
remédio e veneno...
A operação platônica consiste nessa desqualificação do pharmakon como
substância ( é uma substância, mas também uma não- substância ) e em sua resignificação pela fala.
Se a atualidade pode ser circunscrita em um momento onde a ordem clínica ( e
social ) é o de recusar o estado de sofrimento e agarrar-se a uma promessa
aliviadora, como ficam, então, a semiologia psiquiátrica e o espírito nosográfico?
Como fica a psicopatologia?
A abordagem pragmático-operacional dos fenômenos psicopatológicos é
atualmente hegemônica no campo psiquiátrico. Ela oferece vantagens em relação
aos aspectos objetiváveis do Pathos, mas negligencia seus aspectos humanos e
subjetivos. Não se trata de negarmos seus benefícios, mas de reconhecermos seus
limites, e do quanto é indispensável o diálogo interdisciplinar sobre o Pathos humano,
já que este não se esgota em um único saber.
Luciana Brandão Carreira.
Download

CO/10