PRESENTE E FUTURO: Tendências na
Cooperação Internacional Brasileira e o
Papel das Agências Ecumênicas
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arquivo Inesc
Brasília, 03 de abril de 2012.
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O presente texto foi elaborado por Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do INESC,
e contou com os comentários de: Iara Pietricovsky, integrante do Colegiado de Gestão do Instituto
de Estudos Socioeconômicos (INESC); Mara Manzoni Luz, representante da Christian Aid no Brasil;
João Paulo Vergueiro, assessor de Financiamentos da Christian Aid no Brasil; Emma Donlan,
representante da Christian Aid na Bolívia; Susana Eróstegui, diretora executiva da UNITAS da Bolívia;
Anivaldo Padilha, integrante da equipe de assessores da Koinonia, membro da Diretoria do Conselho
Latino-Americano de Igrejas (Região Brasil), membro da Junta Diretiva do Church World Service dos
Estados Unidos e membro da Coordenação do Fórum Ecumênico ACT Aliança Brasil; e Kjled Jakobsen,
consultor em Cooperação e Relações Internacionais. Para mais informações, veja a nota
metodológica, no anexo.
PESQUISA
Expediente:
INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos
SCS Qd. 01, Ed. Márcia,13º Andar – Cobertura - Brasília-DF - Cep: 70 307 900
Brasília/DF/Brasil - Fone: (61) 3212- 0200, Fax: (61) 3212 0216 – Email: [email protected]
– site: www.inesc.org.br
Conselho Diretor
Eva Teresinha Silveira Faleiros
Fernando Oliveira Paulino
Jurema Pinto Werneck
Luiz Gonzaga de Araújo
Márcia Anita Sprandel
Colegiado de Gestão
Iara Pietricovsky de Oliveira
José Antônio Moroni
Cooordenaodra da Assessoria
Nathalie Beghin
Assessoria
Alessandra Cardoso
Alexandre Ciconello
Cleomar Manhas
Edélcio Vigna
Eliana Magalhães
Lucídio Barbosa
Márcia Acioli
Assistente de Direção
Ana Paula Soares Felipe
Comunicação
Vértice/Gisliene Hesse
Coordenação e redação da pesquisa
Nathalie Beghin
Diagramação
Ivone Melo
Revisão
Paulo de Castro
Apoio institucional
ActionAid, Charles Stewart Mott Foundation, CLUA, Christian Aid, DFID, EED, Fastenopfer, Fundação
Avina, Fundação Banco do Brasil, Fundação Ford, Instituto Heinrich Böll, Internacional Budget
Program, Kindernothilfe, Norwegian Church Aid, Oxfam, Oxfam Novib, União Européia, Unicef,
ONU Mulheres.
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SUMÁRIO
Executive summary ......................................................................................................5
Resumo executivo ......................................................................................................10
Introdução .................................................................................................................16
1. As contradições da sexta economia mundial......................................................19
1.1 O Brasil pujante ...................................................................................................19
1.2 Nem tudo o que brilha é ouro ..............................................................................21
1.2.1 Milhões de brasileiros vivem em péssimas condições de vida: a África é aqui
também ......................................................................................................................22
1.2.2 A desigualdade como dimensão estruturante da sociedade brasileira ...........23
2. O Brasil e a cooperação internacional recebida ............................................... 27
2.1 As mudanças no cenário internacional da Assistência Oficial ao
Desenvolvimento (AOD) ............................................................................................ 27
2.1.1 Diminuição relativa da AOD ..............................................................................28
2.1.2 Emergência de novas prioridades .................................................................... 28
2.1.3 Inadequação dos critérios de distribuição da AOD ......................................... 29
2.1.4 Baixa efetividade da AOD ................................................................................ 30
2.1.5 Entrada em cena de novos doadores ............................................................... 31
2.1.6 Emergência de novas problemáticas de caráter transnacional: os bens comuns
globais ....................................................................................................................... 32
2.2 A agenda da cooperação não governamental em transformação .......................33
2.2.1 As metamorfoses da cooperação solidária ...................................................... 33
2.2.2 A crescente atuação do setor empresarial ...................................................... 36
2.3 A cooperação internacional e o Brasil ................................................................ 37
2.3.1 A cooperação oficial recebida .......................................................................... 37
2.3.2 A cooperação solidária recebida ...................................................................... 39
2.3.3 A cooperação de origem empresarial .............................................................. 42
3. A cooperação internacional oferecida: o Brasil parceiro ................................. 43
3.1 Panorama geral ................................................................................................... 44
3.2 Vantagens e desafios da cooperação brasileira para o desenvolvimento
internacional ............................................................................................................. 47
3.2.1 Uma cooperação marcada pela solidariedade e pela procura da
sustentabilidade ........................................................................................................ 47
3.2.2 As ambivalências e ambiguidades da CID brasileira ....................................... 49
3.3 A cooperação brasileira não governamental oferecida ...................................... 52
3
4. Os impactos do Brasil emergente na América do Sul ...................................... 54
5. Considerações finais: elementos para justificar a continuidade da cooperação
ecumênica no Brasil e no âmbito da América do Sul ........................................... 60
5.1 Quatro argumentos para a cooperação permanecer no Brasil ........................... 60
5.1.1Combater as relações de poder que perpetuam a desigualdade e a miséria... 60
5.1.2 Fortalecer movimentos e organizações sociais de defesa de direitos
ameaçados pelas relações de poder hegemônicas .................................................. 61
5.1.3 Influenciar a agenda global de tomada de decisões ....................................... 62
5.1.4 Replicar em outros países experiências bem-sucedidas de cooperação no
Brasil ......................................................................................................................... 62
5.2 Proposta de agenda de ação ............................................................................... 63
5.2.1 Influenciar a agenda brasileira ..................................................................... 63
5.2.2 Influenciar a agenda global via Brasil ............................................................ 65
Lista de siglas e abreviaturas................................................................................... 67
Referências bibliográficas e sites consultados....................................................... 70
Anexo: nota metodológica ..................................................................................... 79
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Executive summary
Global geopolitics has been shifting dramatically with the rise of new players, the
so-called emerging countries. Brazil is one of these actors. In this context, international
cooperation “ whether official or non-governmental “ is undergoing major changes,
such as: Official Development Assistance (ODA) is facing both a qualitative and a
quantitative crisis; new “ governmental and non-governmental “ donors have emerged
and new cooperation practices have been adopted; social movements and civil society
organisations have become increasingly active in global decision-making bodies; and
new, hitherto unknown topics have been included in the international cooperation global
agenda, especially topics related to common goods.
Brazil has gained a prominent role in this scenario not only due to its status as a
“global power”, but also because it has become both a recipient and a provider of
official international cooperation. Consequently, some actors believe that Brazil does
not need external aid any longer, as it is now provided with sufficient resources to
tackle its problems on its own. However, others have the opposite perception: they
believe that their continued presence in Brazil is strategic to influence global governance
and contribute to preserving a multipolar balance in power relations. Brazil is provided
with key natural resources and political weight, and its participation in the global debate
on universal access to common goods is therefore essential. However, despite its
status as an economic giant, Brazil has failed to eradicate its main source of injustice,
poverty and extreme poverty, namely, inequality. Clear social improvements have been
registered in the country, but only marginally considering the size of its economy, as it
still has millions of people living in extremely precarious conditions2. It is therefore
feared that, as its economic and political power increases, Brazil could spread, on a
global level, practices, ideas and beliefs that produce and reproduce extreme poverty.
For this reason, strengthening national institutional mechanisms that promote fair
access to a more inclusive development is required to fight the kind of power relations
still prevailing in the country, which systematically nurture social exclusion processes
that are not being dissolved by Brazil’s economic vigor.
Faced with these tensions and contradictions, Christian Aid’s programmes in Brazil
and Bolivia and INESC have decided to carry out a joint reflection on the subject to
2
In Brazil, official data register that 36 million people live in poverty which is bigger than all Uganda’s
population. And more: one third of the Brazilians, that is similar to Myanmar’s population, face some
degree of food insecurity every day. Little bit less than half of the workforce is informal, which means
that more than 40 million workers have no labour rights like minimum wage; maternity leave and
maternity pay; vacation leave and vacation pay, sick leave and sick pay, pension, among others. Two
million children from 5 to 15 years old are working: this is equal to Botswana’s entire population.
5
come up with inputs for their strategies in the near future. For this purpose, INESC,
with the support of Christian Aid Bolivia and Brazil and the collaboration of UNITAS/
Bolivia, conducted a research on the topic based on a literature review, interviews and
meetings with strategic actors between December 2011 and February 2012. One of
the first facts that the study observed is that there is little information available on
Brazilian cooperation, particularly on cooperation offered by Brazil. Additional studies
are required to provide a better understanding of the magnitude and meaning of this
cooperation and its impacts both in South America and in other regions of the planet.
Given the scarcity of data and of more structured reflections on the topic, this research
effort took the form of an essay mainly intended to contribute elements to this debate
and to offer a few assumptions.
It should be stressed that this document constitutes an interpretation of
organisations working to promote democracy and grassroots participation, whose
actions are therefore based on defending human rights and fostering the radicalisation
of democracy and social justice.
The document is structured in five sections. The first one addresses ambivalences
and ambiguities that characterize Brazil as well as the weakening process that civil
society organizations are going through. It shows that the significant economic growth
experienced in recent years in Brazil has not been able to do away with societal
arrangements that produce and mantain social exclusion. Brazilian economy is going
through a modernization process that has ensured better living conditions to some
segments of its population, but continues to keep millions in poverty and extreme
poverty in numbers equivalent to the entire population of some African countries. This
process increases structural inequality. Given that Brazil has been increasingly playing
a key role in the regional and international scenario, the question to be asked is to
what extent an economic growth model that does not ensure universal citizenship
rights could be disseminated elsewhere by means of foreign policy and international
cooperation mechanisms, whether the cooperation is received, triangular or offered
by the country?
The second section deals with international cooperation received by Brazil. It begins
by providing an overview of the situation internationally and then it analyses the
behavior of the cooperation received by Brazil, whether official or non-governmental.
It notes that the Official Development Assistance (ODA) allocated to Brazil is
quantitatively small, i.e. less than 0.02% of GDP. There is no evidence that it has
decreased in recent years, but changes have been observed in its agenda and in the
profile of donors: for example, contributions from Germany and Japan for energy and
environment-related programmes have increased. As for non-governmental
international cooperation, no consensus was found in the literature. Some authors
believe that the availability of development assistance funds is decreasing, especially
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PESQUISA INESC
because Brazil has been ranked as a medium- to high-income democracy that does not
depend on external funds to tackle its economic, social, cultural, environmental, climaterelated, and institutional problems any longer. Other authors believe that the nongovernmental cooperation received by Brazil is not shrinking, but rather that a shift in
its focus is underway (toward an agenda more specifically focused on fighting poverty
and on reporting actual results), combined with foreign exchange-related factors,
namely, appreciation of the Brazilian currency and depreciation of the euro and the US
dollar. All authors seem to agree, however, that the economic crisis that has afflicted
the North since 2008 is likely, at least in relative terms, to lead to a decrease in
cooperation levels in coming years. It is worth noting at this point that, in general,
ecumenical cooperation levels have not decreased in Brazil overall; actually, the
situation is quite the opposite, as this kind of cooperation has remained true to its
BASIC principles, preserving its historical relations with key partners in actions to defend
human rights and economic, social, environmental and climate justice. Private sector,
specially the transnationals, is an emergent actor in the international cooperation
agenda, with the risks and opportunities that it carries out.
The cooperation offered by Brazilian government is addressed in the third section,
which is focused on understanding the new role Brazil has been playing in relation to
South-South and triangular cooperation. Despite the scarcity of data and academic
studies on the subject, cooperation flows are currently estimated at about 0.02% of
the Brazilian GDP, most of which, three thirds, are allocated to multilateral organisations
(UN, MERCOSUR and development banks). Although not very significant, the bilateral
cooperation offered by Brazilian government has increased and has tended to focus
on Latin America. Brazilian official bilateral cooperation affords several advantages in
terms of promoting international development, such as that of being more in tune with
the demands and needs of local organisations; of ensuring investments in productive
sectors that promote changes of a more structural nature, as opposed to the more
“paternalistic” approach traditionally adopted by rich countries; and of not imposing
conditionalities and “matched aid” rules linked to cooperation arrangements. It is seen
as a more horizontal, partnership-based relationship under which shared goals are
established by both parties. However, the technical cooperation offered by Brazil faces
risks in the medium and long term if some emerging challenges are not satisfactorily
addressed, such as: the lack of an appropriate regulatory framework, of social
participation and accountability mechanisms. In addition, there are positive examples
of Brazilian NGOs providing horizontal assistance to counterparts in Latin America.
The fourth section explores the role of Brazil in South America beyond aspects
related to bilateral and multilateral cooperation, with emphasis on Brazilian
investments in the region and their consequences for regional integration. It exposes
the ambiguous and ambivalent nature of Brazilian foreign policy, showing that, on the
one hand, it supports integration processes in the region, while on the other it subsidises
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huge investments through BNDES (National Economic and Social Development Bank)
that, in some cases, violate the human and environmental rights of peoples and
communities lacking the means to defend themselves.
Finally, in the light of data and considerations raised in previous chapters, the final
considerations section mentions several arguments that justify the continuity of
international cooperation in Brazil, particularly of ecumenical cooperation arrangements,
and presents a proposal for an Action Plan for reflection. It argues that the cooperation
received by Brazil should continue for four main reasons, namely: to fight power relations
that perpetuate inequality and poverty in the country, so as to prevent this model from
being exported to other regions of the planet; to strengthen social movements and
organisations engaged in actions to defend rights threatened by hegemonic power
relations; to influence the global decision-making agenda toward defending rights
and social justice; and to identify and “export” successful experiences promoted by
international cooperation in Brazil and that have the potential to be replicated overseas
(innovation, technologies, good governance etc.). It is estimated that the presence of
international ecumenical cooperation in Brazil and South America in coming years is
strategic for their survival in the medium and long term. The withdrawal of international
cooperation from Brazil on the basis of simplistic income criteria can only be supported
by short-sighted and “short-termist” perspectives. In response, alliances such as the
Process of Articulation and Dialogue (PAD) between ecumenical agencies and Brazilian
Partners, the Anglican Alliance and the ACT Alliance, among others, are becoming
stronger, as they enhance the impact and effectiveness of different organisations by
fostering links between them at the local, national, regional and global levels.
Considering these four sets of arguments, it can be said that there’s room for
international ecumenical cooperation to strengthen the work being carried out by
Brazilian social movements, ecumenical organisations, NGOs and their networks with
the aim of fostering much-needed changes both domestically and around the world. A
summary of the proposed Action Plan is presented here:
√
√
√
√
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Shaping the Brazilian agenda:
Keeping an agenda of development programmes, particularly to support the
development and expansion of social technologies that can be replicated and
adapted in Brazil and elsewhere.
Supporting ecumenical organisations, social movements and NGOs in Brazil to
enable them to carry out actions that can contribute to change power relations
that lead to inequality, poverty and extreme poverty.
Contributing to enhance the economic and political sustainability of Brazilian
social movements and organisations by consolidating an institutional framework
as a structuring element for democracy in Brazil.
Contributing to produce information and foster the establishment of Brazilian
social movements and organisations to monitor Brazilian official cooperation
arrangements and investments financed by Brazil “ directly through its state
enterprises and indirectly through BNDES “ and to take part in the process of building
a fairer and more inclusive and participatory Brazilian Foreign Policy, including a
Brazilian International Cooperation Policy.
√ Supporting efforts to train Brazilian organisations to engage in cooperation
arrangements in other countries in the South.
√ Supporting Brazilian organisations to deal with the consequences of the position of
Bazil in the region, such as human mobility and migration.
Shaping the global agenda through Brazil:
With regard to the external agenda, Brazil, as a new global power, has a major role
to play in the international cooperation arena. Supported by international agencies,
Brazilian civil society has also gone global, expanding its activism on a global scale.
Consolidating this movement is necessary not only to offset actions of a more
“imperial” nature of the Brazilian government in developing countries, but also to
strengthen civil society organisations in other countries in the South and to make
progress in establishing a global movement that can truly contribute to eliminating
environmental and climate injustices and threats that affect our planet. For these
purposes to be achieved, it is necessary to:
√ Support Brazilian civil society organisations for them to share their initiatives and
projects with other countries through non-governmental, triangular cooperation
mechanisms.
√ Support Brazilian ecumenical organizations, social movements, NGOs and their
networks to enable them to: (i) guarantee that Brazil maintain it propositive and
leadership positions in the development cooperation, both to share and replicate
experiences, technology as well as to absorb good practices and support from
developed countries; (ii) monitor cooperation flows and their contents, both from
OECD countries and emerging nations, in order to build a new architecture for a
more transparent, effective and participatory development approach; (iii) press
countries in the North to abide by their agreed-upon international cooperation
target of spending 0.7% of their GDP on ODA and to identify and implement
innovative mechanisms to finance international cooperation arrangements; (iv)
challenge the operations of multilateral financial institutions and the role of new
donors in those organisations, such as Brazil, so as to prevent them from reproducing
the social exclusion schemes implemented over the past sixty years; (v) come up
with information to expose problems caused by the operations of transnational
corporations for discussion and propose global regulatory mechanisms in the
economic, social and environmental realms; (vi) produce information and develop
training processes on South-South cooperation in South America and on the current
status of its institutional framework; (vii) influence global decision-making forums
to ensure human rights universally, achieve greater equality in relation to common
global goods, and regulate economic and financial globalization. Challenge the
creation of blocks made up of artificial countries, such as the BRICS – Brazil, Russia,
India, China and South Africa –, to the detriment of coalitions with a more solid
cooperation agenda, such as IBSA – India, Brazil and South Africa.
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Resumo executivo
A geopolítica global vem sendo profundamente alterada pela entrada em cena de
novos atores, os chamados países emergentes. Este é o caso do Brasil. Neste contexto,
a cooperação internacional – seja ela oficial ou não governamental – passa por
profundas transformações, podendo-se mencionar: a crise da Assistência Oficial ao
Desenvolvimento (AOD), tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo; a
participação de novos doadores – governamentais e não governamentais – e de novas
práticas de cooperação; o crescente envolvimento de movimentos sociais e
organizações da sociedade civil nas instâncias globais de decisão; e a inclusão – na
pauta de debates de governos e organizações – de temáticas até então desconhecidas,
especialmente aquelas que têm relação com a ideia de bem comum.
O Brasil ganha papel de destaque neste cenário, não somente pela sua condição
de “país potência”, mas, também, porque hoje se caracteriza como ator que tanto
recebe como promove cooperação internacional oficial ou governamental. Diante disso,
alguns avaliam que o país não precisa mais de apoio externo, pois já dispõe de recursos
suficientes para enfrentar sozinho seus problemas. Entretanto, outros têm percepção
oposta: entendem que a permanência no Brasil é estratégica se o que se busca é
influenciar a governança global e contribuir para manter um equilíbrio multipolar das
relações de poder. O Brasil é detentor de recursos naturais e políticos que são
imprescindíveis para o futuro da humanidade, o que requer inseri-lo no debate global
sobre o acesso universal aos bens comuns. Entretanto, apesar da sua condição de
gigante econômico, o Brasil não conseguiu eliminar a principal fonte produtora de
injustiça, pobreza e miséria, que é a desigualdade. As melhorias sociais são reais,
mas estão à margem do sistema e, por isso, ainda encontram-se milhões de pessoas
vivendo em condições extremamente precárias.3 Teme-se, portanto, que com sua
crescente força política e econômica o país espalhe pelo mundo práticas, ideias e
crenças que produzam e reproduzam miséria. Por isso, avalia-se ser importante reforçar
institucionalidades nacionais que sejam capazes de combater as relações de poder
vigentes, responsáveis por sistemáticos processos de exclusão, que não são dissolvidos
pela chamada pujança econômica brasileira.
3
Segundo dados oficiais, o Brasil conta com 36 milhões de pessoas vivendo na pobreza. Este
contingente é maior do que toda a população de Uganda. E mais: um terço dos brasileiros, o que
corresponde a 60 milhões de pessoas, sofre algum tipo de insegurança alimentar. Este quantitativo
equivale à população de Mianmar. Pouco menos da metade da força de trabalho vive na informalidade.
Ou seja, mais de 40 milhões de trabalhadores não têm acesso a direitos básicos, como salário
mínimo, licença maternidade, seguro contra acidente de trabalho, férias, 13º salário e aposentadoria,
entre outros benefícios. Dois milhões de crianças de 5 a 15 anos, o que equivale à população de
Botsuana, estão ocupadas no mercado de trabalho.
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Diante destas tensões e contradições, os programas da Christian Aid no Brasil e na
Bolívia e o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) resolveram empreender,
conjuntamente, uma reflexão sobre o assunto com o intuito de subsidiar suas
estratégias de atuação para o futuro próximo. Para tanto, entre os meses de dezembro
de 2011 e fevereiro de 2012, o INESC, com o apoio da Christian Aid e a colaboração da
UNITAS/Bolívia, realizou pesquisa sobre o tema a partir de revisão bibliográfica e de
entrevistas e oitivas com atores estratégicos. Uma das primeiras constatações da
investigação é que são poucas as informações disponíveis sobre a cooperação
brasileira, especialmente a oferecida. Estudos adicionais se fazem necessários para
melhor se entender a magnitude e o significado desta cooperação, bem como seus
impactos tanto na América do Sul como em outras regiões do planeta. Frente à escassez
de dados e de reflexões mais estruturadas, a presente pesquisa assume o conteúdo
de um ensaio que busca, mais do que tudo, aportar elementos ao debate e levantar
algumas hipóteses.
Faz-se mister ressaltar que este documento corresponde a uma interpretação de
organizações que pertencem ao chamado campo democrático e popular e que,
portanto, pautam suas lutas pela defesa dos direitos humanos, pela radicalização da
democracia e pela justiça social.
O documento está estruturado em torno de cinco partes. Na primeira, apresentamse as ambivalências e ambiguidades que caracterizam o Brasil. Mostra-se que o
expressivo crescimento econômico vivenciado nos últimos tempos não foi capaz de
eliminar os arranjos societais que produzem e reproduzem exclusão. A economia
brasileira se moderniza, consegue melhorar as condições de vida de alguns segmentos
de sua população, mas continua mantendo na pobreza e na miséria milhões de pessoas,
contingentes correspondentes a populações inteiras de países africanos. Este processo
contribui para intensificar uma desigualdade estrutural. Levando-se em consideração
que o Brasil adquire papel cada vez mais central nos cenários regional e internacional,
a pergunta que se faz é a seguinte: em que medida o modelo de crescimento econômico
que não assegura a universalização da cidadania será levado a outros lugares, por
meio de instrumentos da política externa e da cooperação internacional, seja ela
recebida, triangular ou oferecida?
Na segunda parte deste documento, discute-se a cooperação internacional recebida.
Primeiro, faz-se um apanhado da situação em âmbito internacional para, depois, verificar
como se comporta a cooperação recebida pelo Brasil, seja ela oficial ou não
governamental. Observa-se que a Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD)
destinada ao Brasil é quantitativamente pequena, pois representa menos de 0,02% do
Produto Interno Bruto (PIB). Não existem indícios de sua diminuição nos últimos anos,
mas sim uma alteração no conteúdo da agenda e no perfil dos doadores: crescem os
aportes da Alemanha e do Japão em temas relacionados a energia e meio ambiente,
11
por exemplo. Quanto à cooperação solidária, a literatura existente revelou não haver
consenso. Para uns, os recursos estariam diminuindo, considerando-se, especialmente,
que o Brasil é uma democracia classificada como de renda média/alta e não mais
necessita de aportes externos para resolver seus problemas econômicos, sociais,
culturais, ambientais, climáticos e institucionais. Já para outros, a cooperação não
governamental recebida pelo Brasil não estaria se retraindo. Segundo eles, o que
estaria acontecendo trata-se de uma mudança de enfoque: uma agenda mais focada,
essencialmente voltada para o tema da pobreza e a apresentação de resultados,
associada a fatores cambiais, valorização do real e desvalorização do euro e do dólar.
De toda a sorte, parece haver concordância em torno de um ponto: com a crise
econômica que se abateu nos países do Norte desde 2008, é provável que, pelo menos
em termos relativos, os níveis de cooperação tendam a decrescer nos próximos anos.
Aqui cabe registrar que, em geral, a cooperação ecumênica no Brasil não tem diminuído
sua presença, muito pelo contrário, pois tem sido fiel aos seus princípios constitutivos,
mantendo suas históricas relações com seus tradicionais parceiros no marco da defesa
dos direitos humanos e da justiça econômica, social, ambiental e climática. Note-se,
por fim, o crescente papel do setor empresarial, especialmente das multinacionais,
na agenda da cooperação internacional, com as oportunidades e os riscos que tal
atuação acarreta.
A cooperação oficial brasileira oferecida é abordada na terceira parte deste
documento, na qual procura-se entender este novo papel que o Brasil está
desempenhando no marco da cooperação Sul-Sul e da cooperação triangular. Apesar
da escassez de dados e de análises acadêmicas sobre o tema, verifica-se que
atualmente os fluxos de cooperação governamental são da ordem de 0,02% do PIB
brasileiro, sendo que a maior parte dos recursos, dois terços, se destina a organismos
multilaterais (ONU, Mercosul e bancos de desenvolvimento). Ainda que de pequena
monta, a cooperação oficial bilateral brasileira tem crescido e tende a privilegiar a
América Latina. A cooperação governamental brasileira, especialmente a bilateral e a
humanitária, apresenta uma série de vantagens na promoção do desenvolvimento
internacional, como, por exemplo: (a) maior adequação às demandas e necessidades
das organizações locais; (b) investimentos em setores produtivos e que promovem
mudanças mais estruturais, em detrimento de uma ajuda de caráter mais
assistencialista, tradicionalmente implementada pelos países ricos; e (c) ausência de
condicionalidades e de regras de “ajuda casada” atreladas à cooperação. Trata-se de
uma relação mais horizontal, de parceria, de estabelecimento de objetivos partilhados
por ambas as partes. Entretanto, o sucesso da cooperação brasileira oferecida corre
riscos a médio e longo prazos se alguns desafios que desde já se vislumbram não
forem enfrentados a contento, como, por exemplo: a ausência de marco regulatório
apropriado, a falta de participação social e a inexistência de mecanismos de
accountability. Adicionalmente, existem inúmeros exemplos, positivos, de ONGs
12
brasileiras que promovem cooperação horizontal com outras organizações não
governamentais em países da América Latina.
Na quarta parte deste documento, explora-se a atuação do Brasil na América do
Sul para além da cooperação bilateral e multilateral, pondo ênfase nos investimentos
brasileiros na região e suas consequências para a integração regional. Fica evidente o
caráter ambivalente e ambíguo da política externa brasileira, que por um lado apoia
processos de integração dos povos da região e, por outro, subsidia – por intermédio
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – vultosos
investimentos que, por vezes, violam direitos humanos e ambientais de povos e
comunidades que não dispõem de recursos suficientes para se defender.
Por fim, nas considerações finais, à luz das reflexões e dos dados abordados nos
capítulos anteriores, arrola-se uma série de argumentos que justificam a permanência
da cooperação internacional no Brasil e, em especial, da cooperação ecumênica. De
igual forma, apresenta-se, para reflexão, uma proposta de Plano de Ação. Entende-se
que a cooperação recebida deve permanecer por quatro grandes motivos, a saber: (1)
para combater as relações de poder que perpetuam a desigualdade e a miséria no
país, evitando-se, assim, exportar este modelo para outras regiões do planeta; (2)
para fortalecer movimentos e organizações sociais de defesa de direitos ameaçados
pelas relações hegemônicas de poder; (3) para influenciar a agenda global de tomada
de decisões no sentido da defesa de direitos e de justiça social; e (4) para identificar
experiências bem-sucedidas resultantes da cooperação no Brasil que possuem
potencial de ser replicadas e levá-las para outros países (inovação, tecnologias sociais,
boa governança, entre outras). Avalia-se que a presença da cooperação internacional
ecumênica no Brasil e na América do Sul nos próximos anos é questão estratégica
para sua própria sobrevivência a médio e longo prazos. Somente uma visão míope e
“curtoprazista” poderia defender uma retirada do país baseada em critérios simplistas
de renda. Neste sentido, ganham força articulações como o Processo de Articulação e
Diálogo de Agências Ecumênicas Europeias e Entidades Parceiras no Brasil (PAD), a
Aliança Anglicana e a Aliança ACT, entre outras, pois elas possibilitam aumentar o
impacto e a efetividade das organizações, na medida em que estabelecem laços entre
os âmbitos local, nacional, regional e global.
Considerando-se estes quatro conjuntos de argumentos, há espaço para a cooperação
internacional ecumênica atuar no Brasil no fortalecimento de movimentos sociais,
organizações ecumênicas e ONGs, bem como suas redes, com o intuito de promover
mudanças tanto internamente quanto no resto do mundo. A seguir, resume-se o Plano
de Ação proposto neste documento:
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Influenciar a agenda brasileira:
Manter uma agenda de programas de desenvolvimento especialmente para apoiar
o desenvolvimento e a expansão de tecnologias sociais que podem ser replicadas
e adaptadas tanto no Brasil como alhures.
Apoiar organizações ecumênicas, movimentos sociais e ONGs brasileiros para que
desenvolvam ações que contribuam para alterar as relações de poder que geram
desigualdade, pobreza e miséria.
Contribuir para aumentar a sustentabilidade econômica e política dos movimentos
e organizações sociais brasileiros por meio da consolidação de uma
institucionalidade que seja parte estruturante da democracia brasileira.
Contribuir para produzir informações e processos de formação de movimentos e
organizações sociais brasileiros para que monitorem a cooperação brasileira, bem
como os investimentos financiados pelo Brasil – diretamente por meio de suas
estatais e indiretamente por intermédio do BNDES –, e para que participem da
construção de uma Política Externa Brasileira, incluindo uma Política Brasileira de
Cooperação Internacional, mais justa, inclusiva e participativa.
Apoiar a capacitação de organizações brasileiras para fazer cooperação em outros
países do Sul.
Apoiar organizações brasileiras para enfrentar, de forma qualificada, as consequências
da posição do Brasil na região em áreas como mobilidade humana e migração.
Influenciar a agenda global via Brasil:
No que se refere à agenda externa, o novo “Brasil-potência” é um ator de relevância
para a cooperação internacional. A sociedade civil brasileira, apoiada pelas agências
internacionais, também se globalizou, expandindo seu ativismo em escala planetária.
Este movimento precisa ser consolidado não somente para contrarrestar uma atuação
mais “imperialista” do governo brasileiro em países em desenvolvimento, como
também para fortalecer organizações da sociedade civil de outros países do Sul e
avançar na constituição de um movimento global que contribua para eliminar as
injustiças e as ameaças ambientais e climáticas que afetam nosso planeta. Isto
significa:
• Apoiar organizações da sociedade civil brasileira para que partilhem suas iniciativas
e seus projetos com outros países por meio de mecanismos de cooperação não
governamental triangular.
• Apoiar organizações ecumênicas, movimentos sociais e ONGs, bem como suas
redes, para: (i) garantir que o Brasil mantenha sua posição de liderança propositiva
no campo da cooperação internacional de modo a partilhar e reproduzir experiências
bem-sucedidas, bem como para absorver boas práticas e o apoio oriundos da AOD
dos países do Norte; (ii) monitorar os fluxos de cooperação e seus conteúdos tanto
dos países integrantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE) como os das nações emergentes, de modo a construir uma
14
•
nova arquitetura mais transparente, eficaz e participativa para o desenvolvimento;
(iii) pressionar os países do Norte para que cumpram as metas acordadas no campo
da cooperação internacional (entre elas, a meta de alocar 0,7% de seu PIB na
AOD) e para que identifiquem e implementem mecanismos inovadores de
financiamento da cooperação internacional; (iv) desafiar a atuação das instituições
financeiras multilaterais e o papel dos novos doadores nessas organizações, como
é o caso do Brasil, para que não reproduzam os esquemas de exclusão social
implementados nos últimos sessenta anos; (v) produzir informação de modo a
problematizar a atuação das transnacionais e propor mecanismos de regulação
global nos campos econômico, social e ambiental; (vi) produzir informação e
processos de formação sobre a cooperação Sul-Sul na América do Sul e seu atual
estágio de institucionalidade; e (vii) influenciar os espaços globais de tomada de
decisão de modo a universalizar os direitos humanos, a alcançar maior igualdade
em relação aos bens comuns globais e a regular a globalização econômica e
financeira.
Desafiar a criação de articulações artificiais de países, como, por exemplo, o BRICS
– Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, em detrimento de coalizões que
possuem agenda concreta de cooperação, como é o caso do IBAS – Índia, Brasil e
África do Sul.
15
Introdução
O sistema internacional vem sendo profundamente alterado pela entrada em cena
de novos atores, os chamados países emergentes, que se aglutinam em torno de
siglas tais como: BRICS, IBAS, BIC, Eagles, Civets, BASIC,4 etc. Tais articulações
envolvem países como Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Nigéria, África do Sul,
Turquia e Vietnã, para citar apenas alguns países entre aqueles que se estima que
ocuparão os vinte primeiros postos no ranking mundial das economias até 2050 ou
talvez antes.
Neste contexto, a cooperação internacional – seja ela oficial ou não governamental
– passa por profundas metamorfoses, podendo-se mencionar: a crise da Assistência
Oficial ao Desenvolvimento (AOD), tanto do ponto de vista qualitativo como
quantitativo; a entrada em cena de novos doadores (governamentais e não
governamentais) e de novas práticas de cooperação; a crescente participação de
movimentos sociais e organizações da sociedade civil nas instâncias globais de decisão;
e a inclusão – na pauta de debates de governos e organizações – de temáticas até
então desconhecidas, especialmente aquelas que têm relação com a ideia de bem
comum.
O Brasil ganha papel crescente neste cenário, não somente pela sua condição de
“país potência”, mas, também, porque hoje se caracteriza como ator que tanto recebe
como promove cooperação internacional. Diante disso, algumas organizações do campo
da cooperação internacional, tanto públicas como privadas, vêm avaliando que o país
não precisa mais de apoio externo, pois já dispõe dos recursos (financeiros,
institucionais, humanos, etc.) necessários para enfrentar sozinho seus problemas.
Entretanto, outras entidades têm percepção oposta: entendem que a permanência no
Brasil é estratégica, e isso por diversos motivos. Doravante, as principais decisões de
âmbito internacional passarão necessariamente pelo Brasil. Daí a importância de
estabelecer parcerias duradouras com o país para poder influenciar a agenda global e
contribuir para manter um equilíbrio multipolar das relações de poder. O Brasil é
detentor de recursos naturais que são imprescindíveis para o futuro da humanidade, o
4
Estas siglas se referem aos seguintes grupos de países: BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul; IBAS – Índia, Brasil e África do Sul; BIC – Brasil, Índia e China; EAGLES – Emerging and Growth
Leading Economies; CIVETS – Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul; BASIC – Brasil,
África do Sul, Índia e China.
16
que requer inseri-lo no debate global sobre o acesso universal aos bens comuns,
também conhecidos como bens públicos. Apesar da sua condição de gigante econômico
– o país é atualmente a sexta economia do mundo –, o Brasil não conseguiu eliminar
a principal fonte produtora de injustiça, pobreza e miséria, que é a desigualdade. As
melhorias sociais são reais, mas estão à margem do sistema e, por isso, ainda
encontram-se milhões de pessoas vivendo em condições extremamente precárias.
Teme-se, portanto, que com sua crescente força política e econômica o país espalhe
pelo mundo práticas, ideias e crenças que produzem e reproduzem miséria. Por isso,
avalia-se ser importante reforçar institucionalidades nacionais que sejam capazes de
combater as relações de poder vigentes, responsáveis por sistemáticos processos de
exclusão, que não são dissolvidos pela chamada pujança econômica brasileira.
Diante destas tensões e contradições, o INESC e os programas da Christian Aid no
Brasil e na Bolívia resolveram empreender, conjuntamente, uma reflexão sobre o
assunto com o intuito de subsidiar suas estratégias de atuação para o futuro próximo.
Para tanto, procurou-se responder algumas perguntas, tais como: é verdade que o
Brasil está conseguindo resolver seus problemas sociais e ambientais? Qual é o cenário
da cooperação internacional e como o Brasil se insere neste campo? Existem novidades
no ar? Qual é o impacto de o Brasil ter se tornado país emergente, especialmente
para a América do Sul? Quais elementos justificam a permanência da cooperação não
governamental no Brasil e, em especial, da cooperação ecumênica?
Este ensaio representa uma tentativa de responder a tais indagações. A partir de
revisão bibliográfica e de entrevistas junto a atores estratégicos para o tema,5 elaborouse uma primeira narrativa, que busca, mais do que tudo, aportar elementos ao debate
e levantar algumas hipóteses. Faz-se mister registrar a abertura e a generosidade
com as quais os entrevistados nos receberam, partilhando informações, comentários
e sugestões. Note-se, contudo, que o texto é resultado das reflexões de seus autores,
não cabendo aos entrevistados qualquer responsabilidade por eventuais erros ou
omissões e pela interpretação dos fatos.
É importante destacar que o presente documento representa um olhar de
organizações que lutam por políticas públicas e pela garantia de direitos humanos,
5
Entre os meses de dezembro de 2011 e fevereiro de 2012, foram entrevistados para esta pesquisa:
Milton Rondó Filho, coordenador-geral de Ações Internacionais de Combate à Fome (CGFome), do
Ministério das Relações Exteriores (MRE); Marco Farani, diretor da Agência Brasileira de Cooperação,
do MRE; Marcos Cintra, diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Carlos Mussi, diretor da Comisión Económica para América
Latina y el Caribe (CEPAL) no Brasil; Daniel Augusto Furst Gonçalves, especialista em Cooperação SulSul do PNUD; Maria Cristina Araújo, assessora do Programa de Cooperação da Delegação da União
Europeia no Brasil; Simon Ticehurst, chefe do Escritório da Oxfam no Brasil; Júlia Esther Castro
França, coordenadora-executiva do Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas Europeias
e seus Parceiros no Brasil (PAD); Sandra Andrade, da Anglican Alliance; Kjeld Jakobsen, consultor em
Cooperação e Relações Internacionais; e Marilia Schüller, assessora de Projetos da Koinonia.
17
pela ampliação da democracia e pela justiça social. Trata-se, pois, de interpretação
de organizações que se definem como democráticas, pluralistas, antirracistas,
antissexistas e anti-homofóbicas e que lutam contra todas as formas de discriminação,
de desigualdades, pela construção de modos sustentáveis de vida e pela radicalização
da democracia. Neste sentido, o desenvolvimento é enfocado na perspectiva dos
direitos humanos. Tal enfoque representa ferramenta importante para superar a
discriminação e a falta de prerrogativas individuais das quais sofrem as mulheres e os
homens que não usufruem dos resultados do crescimento econômico. Este enfoque
possibilita, ainda, visibilizar os responsáveis pelos processos de exclusão social, pela
discriminação no acesso aos recursos produtivos, pela exclusão dos mecanismos de
tomada de decisão e pela exploração das pessoas vulneráveis. Assim, entende-se
que estratégias alicerçadas em direitos humanos constituem-se em instrumentos
poderosos com potencial de empoderamento rumo a transformações políticas, sociais,
econômicas, ambientais e climáticas. Enquanto políticas e práticas não forem
adaptadas a estes princípios e enquanto as relações de poder desiguais não forem
desafiadas, não será possível enfrentar os problemas da desigualdade, da exclusão
social e da pobreza. É neste entendimento que se situa a presente pesquisa.
O documento está dividido em mais cinco partes, além da presente introdução. Na
primeira, apresentam-se as ambivalências e ambiguidades que caracterizam o Brasil.
Mostra-se que o expressivo crescimento econômico vivenciado nos últimos tempos
não foi capaz de eliminar os arranjos societais que produzem e reproduzem exclusão.
A economia brasileira se moderniza, consegue melhorar as condições de vida de alguns
segmentos de sua população, mas continua mantendo na pobreza e na miséria milhões
de seus habitantes, contingentes correspondentes a populações inteiras de países
africanos. Por isso, afirma-se que a África é aqui também. Na segunda parte, discutese a cooperação internacional. Primeiro, faz-se um apanhado da situação geral para,
depois, verificar como se comporta a cooperação recebida pelo Brasil, seja ela oficial
ou não governamental. A seguir, na terceira parte, aborda-se a cooperação internacional
brasileira, procurando-se entender este novo papel que o Brasil está desempenhando
no marco da cooperação Sul-Sul. Na quarta parte, explora-se a atuação do Brasil na
América do Sul para além da cooperação bilateral e multilateral, pondo ênfase nos
investimentos brasileiros na região e suas consequências para a integração regional.
Fica evidente o caráter ambivalente e ambíguo da política externa brasileira, que por
um lado apoia processos de integração dos povos da região e, por outro, subsidia
vultosos investimentos que por vezes violam direitos humanos e ambientais de povos
e comunidades que não dispõem de recursos suficientes para se defender. Por fim,
nas considerações finais, à luz das reflexões e dos dados abordados nos capítulos
anteriores, arrola-se uma série de argumentos que justificam a permanência da
cooperação internacional no Brasil e, em especial, da cooperação ecumênica.
18
PESQUISA INESC
1. As contradições da sexta economia mundial
1.1
O Brasil pujante
O Brasil é um país paradoxal, pois cresce sem verdadeiramente produzir inclusão
social. Como a desigualdade, em todas as suas dimensões (social, econômica, regional,
racial e étnica, geracional e de gênero), é estruturante da sociedade brasileira, tal
fenômeno permite que o país conviva com milhões de pobres apesar de constituir-se
na sexta maior economia do mundo.6 Com efeito, a partir dos anos 1990, o país
conquistou estabilidade econômica, atraindo investimentos estrangeiros. Em 2011, o
PIB brasileiro superou a marca de 2 trilhões de dólares, ultrapassando países como
Canadá, Itália e Reino Unido. Entre os anos de 2000 e 2010, o PIB cresceu 40% em
termos reais, o que equivale a um incremento anual médio de 3,7%. No mesmo período,
a riqueza per capita aumentou em mais de 130%. As exportações quintuplicaram na
década de 2000, passando de aproximadamente 50 bilhões de dólares no início da
década para mais de 250 bilhões de dólares em 2011.7 Suas reservas econômicas
internacionais estão acima dos 350 bilhões de dólares. O país possui empresas de
abrangência mundial nos campos petrolífero (Petrobras), de exploração mineral (Vale),
de construção de aviões (Embraer), de siderurgia (Gerdau), de telecomunicações (Rede
Globo), de alimentos e bebidas (Brasil Foods, AmBev) e de engenharia (Odebrecht), o
que lhe oferece razoável vantagem em penetração comercial em diversos continentes.
No que se refere à crise econômica que sacudiu o mundo em 2008, o Brasil conseguiu
enfrentá-la a partir de um conjunto de medidas8 que amorteceu seu impacto.
O país é considerado “celeiro do mundo”, pois se destaca na produção e exportação
de alimentos, tais como açúcar, carne bovina, café, suco de laranja, soja e carne de
frango. É também um dos maiores produtores de etanol e de minérios, como ferro,
bauxita, manganês e nióbio. Ainda do ponto de vista dos recursos naturais, o Brasil é
o maior detentor de bacias de água doce do planeta e possui a 9ª reserva de petróleo
do mundo, após a confirmação recente do estoque do Pré-Sal na bacia de Santos (SP).
O país possui a sexta maior reserva de urânio. Além disso, o seu território possibilita
6
A este respeito, veja o artigo do jornal The Guardian: “Brazil overtakes UK as sixth-largest economy”,
publicado em 26 de dezembro de 2011. Disponível na página: <http://www.guardian.co.uk/business/
2011/dec/26/brazil-overtakes-uk-economy>.
6
A este respeito, consulte o IPEAData no site: <http://www.IPEAdata.gov.br>.
7
O governo brasileiro implementou um conjunto de medidas anticíclicas, tais como: isenção de
impostos e aumento da liquidez (empréstimos para agentes financeiros, empresas exportadoras e
construtoras; flexibilização do redesconto, redução dos depósitos compulsórios, expansão do crédito
para o agronegócio e ampliação do financiamento do setor exportador) para estimular a economia;
e aumento do gasto social para elevar o consumo. Note-se, contudo, que o Brasil se beneficiou do
bom desempenho da China, seu principal parceiro comercial em 2009.
8
O Brasil possui fronteiras com Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai,
Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
19
que seja a quinta maior extensão de terra do mundo, com ampla área agricultável. O
Brasil abriga uma das mais ricas biodiversidades do planeta, contando com cerca de
18% da biota global, um litoral de mais de 7.000 km, o que permite fácil escoamento
da produção para o oceano Atlântico pelos diversos portos existentes no país, e uma
diversidade climática que propicia variada produção agrícola.
O Brasil tem a quinta maior população do mundo, tem fronteiras com dez países9 e
é governado, no marco da democracia e do Estado de Direito, com estabilidade política
desde o começo dos anos de 1990 e, atualmente, é presidido, pela primeira vez, por
uma mulher de origem búlgara, Dilma Rousseff, que goza de popularidade invejável.10
É indiscutível que a democracia representativa vem se consolidando no Brasil nos
últimos 30 anos. O país dispõe de um aparato institucional que garante eleições
legítimas, regulares, com resultados rápidos e alternância política no poder. O país é
ainda caracterizado pela presença de uma sociedade civil atuante, diversa e que se
renova periodicamente com a emergência de novos e vibrantes movimentos sociais. A
institucionalidade política, em construção desde o fim da ditadura militar, em meados
dos anos de 1980, criou condições para alargar a democracia, o que resultou em
reconquistas de liberdades e de instituições mais democráticas, de construção de
espaços de participação e concertação política (conferências, conselhos, fóruns,
comitês, comissões), de formulação de demandas de inclusão econômica, social,
ambiental e cultural.
No campo social, o Brasil vem conhecendo melhorias no que se refere à pobreza e
à desigualdade de renda,11 que podem ser explicadas por fatores demográficos, sociais,
econômicos e políticos. Assim, por exemplo, as transformações demográficas pelas
quais o país vem passando nos últimos anos estão sendo decisivas para esta mudança,
com o chamado “bônus demográfico” criado pelas alterações na estrutura etária da
pirâmide populacional, com o aumento constante da população economicamente ativa
previsto até 2030, que deverá gerar uma redução do número da população de inativos
que dependem da população de ativos. A maior participação das mulheres no mercado
de trabalho é mais um fator, na medida em que contribuiu para aumentar a renda
familiar.12 Outro elemento relevante diz respeito ao desempenho mais favorável da
economia na década de 2000, conforme visto anteriormente, que possibilitou a elevação
dos níveis de emprego e renda, especialmente das populações mais pobres. Merece
9
O Brasil possui fronteiras com Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai,
Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
10
Segundo a última pesquisa de opinião, realizada pela Datafolha em janeiro de 2012, a gestão de
Dilma Rousseff é considerada ótima ou boa por 59% dos brasileiros. “O crescimento de 10 pontos
percentuais em seis meses faz a presidente atingir o maior índice de aprovação ao final do primeiro
ano de governo desde a volta das eleições diretas, em 1989”. Folha de São Paulo, 22 de janeiro de
2012, capa.
11
A este respeito, veja: IPEA (2010).
12
A este respeito, consulte: IPEA, SPM, SEPPIR, ONU Mulheres (2011).
20
PESQUISA INESC
ainda destaque a atuação do Estado, que contribui para a ampliação e implementação
de políticas e programas que alargaram a cobertura de direitos sociais
constitucionalmente adquiridos em 1988. Com isso, cerca de 40 milhões de pessoas
saíram da pobreza na década de 2000.13 A seguir, listam-se algumas das principais
medidas tomadas neste sentido: (a) o aumento real do salário mínimo, que tem impacto
direto na renda dos trabalhadores, ativos e inativos, bem como beneficiários dos
programas assistenciais;12 (b) a expansão da cobertura dos benefícios monetários
oriundos da previdência social e dos programas de transferência de renda (Programa
Bolsa Família, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – Peti, Benefício de
Prestação Continuada – BPC);14 (c) o relativo aumento da eficiência da máquina pública,
que tem contribuído para incrementar a arrecadação e melhorar a fiscalização
trabalhista e previdenciária, diminuindo – ainda que não erradicando – o trabalho em
condições análogas à escravidão, o trabalho infantil, bem como elevando os níveis de
formalidade do mercado de trabalho e, consequentemente, de proteção social dos
trabalhadores; (d) a expansão do Sistema Brasileiro de Proteção Social tanto do ponto
de vista da alocação de recursos financeiros bem como da cobertura dos beneficiários.
Assim, por exemplo, os gastos do Estado com as políticas sociais (previdência social,
assistência social, saúde, educação, emprego e renda, desenvolvimento agrário,
saneamento, habitação, alimentação e nutrição) são atualmente da ordem de 24% do
PIB (em meados dos anos de 1980, pouco antes da promulgação da Constituição, este
percentual era de apenas 13%);15 e (e) o crescimento do crédito subsidiado destinado
à agricultura familiar e a micro, pequenos e médios empreendimentos.
1.2 Nem tudo o que brilha é ouro
Apesar deste cenário alvissareiro, o Brasil enfrenta uma série de desafios, podendose destacar: a pobreza, a desigualdade, a corrupção, a destruição do meio ambiente e
a emissão de gases de efeito estufa. Tais mazelas podem comprometer este futuro
aparentemente tão promissor. Conforme destacam Luz e Wolff:
Predomina no exterior – e o governo brasileiro contribui em muito para exacerbar isso – uma
imagem um tanto simplista na qual os problemas sociais brasileiros estariam em vias de
resolução a partir de medidas governamentais como, por exemplo, o Bolsa Família ou, mais
recentemente, o Programa de Erradicação da Miséria. Esta perspectiva, de certa forma
13
A este respeito, veja os dados do Plano Nacional de Superação da Extrema Pobreza “Brasil Sem
Miséria” na página: <http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao-2>.
14
Estudos realizados por Hoffmann e pelo IPEA revelam a importância das políticas de transferência
de renda na diminuição da pobreza e das desigualdades de renda no Brasil. Simulações realizadas
pelo IPEA para o ano de 2004 mostram que, se fossem retirados da renda domiciliar dos extremamente
pobres o conjunto de benefícios monetários transferidos pelo Estado, a pobreza extrema dobraria,
passando de 11,3% da população para 22,6%. No caso da pobreza, o percentual se elevaria de 30,1%
para 41,7%. A este respeito, veja: IPEA (2007) e Hoffmann (2005).
15
A este respeito, veja palestra proferida por Márcio Pochmann, presidente do IPEA (2011).
21
‘tecnicista’, do enfrentamento das questões sociais tem sido recebida com muita simpatia no
âmbito internacional e, frequentemente, ofuscado esforços do campo não governamental
para elaboração de um quadro mais completo e diferenciado da realidade brasileira que
aponta a continuidade e mesmo o aprofundamento de problemas estruturais, e alimenta a
argumentação em prol da necessária continuidade da cooperação internacional no Brasil
(Luz e Wolff, 2011:7).
1.2.1 Milhões de brasileiros vivem em péssimas condições de vida: a África é aqui
também
A pujança descrita no item anterior não é capaz de enfrentar as graves questões
sociais que permanecem no Brasil. Conforme destaca Loretta Minghella, diretora da
Christian Aid, em artigo publicado na mídia inglesa nos primeiros dias de 2012,16 o
Brasil pode ter uma economia maior do que a britânica, mas suas condições de vida
estão longe de se assemelhar às dos habitantes da ilha. Com efeito, ainda existem no
Brasil grupos da população marginalizados e excluídos que correspondem a populações
inteiras de países da África Subsaariana e do Sudeste Asiático. Segundo dados oficiais,17
o país conta com 36 milhões de pobres18 – quantitativo que corresponde a 19% dos
brasileiros, o que é maior do que toda a população de Uganda19– e 16 milhões de
extremamente pobres20 (8,5% dos brasileiros), mais do que o conjunto dos habitantes
do Níger.21 Associado a isso, um terço da população, o que corresponde a mais de
sessenta milhões de pessoas, ou seja, mais do que a população de Mianmar,22 vive em
domicílios considerados precários, porque não têm acesso a água encanada, esgoto
ou banheiro, porque são construídos com paredes e tetos feitos de material não
permanente ou porque estão em situação de irregularidade fundiária. O analfabetismo
de pessoas de 15 anos ou mais de idade atinge 14 milhões de brasileiros, o equivalente
a toda a população do Camboja.23 A mensuração da escolaridade da população jovem
de 18 a 24 anos de idade com 11 anos de estudo é considerada essencial para avaliar
a eficácia do sistema educacional de um país, bem como a capacidade de uma
sociedade para combater a pobreza e melhorar a coesão social. No caso do Brasil, a
proporção de jovens que possuem tal escolaridade ainda é extremamente baixa, apenas
37,9%, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
2009. No que se refere à mortalidade infantil, excelente indicador de medição das
16
Minghella (2012).
A este respeito, consulte: IBGE (a) e (b), bem como o site do Brasil Sem Miséria.
18
Pobreza aqui entendida como renda familiar per capita mensal inferior ou igual a R$ 140,00.
19
Segundo o “Uganda at a Glance”, do Banco Mundial, a população de Uganda é da ordem de 33
milhões de pessoas. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/uga_aag.pdf>.
20
Pobreza extrema aqui entendida como renda familiar per capita mensal inferior ou igual a R$ 70,00.
21
Segundo “Niger at a Glance”, do Banco Mundial, a população do Níger é da ordem de 15 milhões de
pessoas. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/ner_aag.pdf>.
22
Segundo “Myanmar at a Glance”, do Banco Mundial, a população de Mianmar é da ordem de 50
milhões de habitantes. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/mmr_aag.pdf>.
23
Segundo “Cambodia at a Glance”, do Banco Mundial, a população do Camboja é da ordem de 14,8
milhões de habitantes. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/khm_aag.pdf>.
17
22
PESQUISA INESC
condições gerais de vida de uma sociedade, o Brasil apresenta uma taxa pouco superior
a 22 óbitos por mil crianças nascidas vivas, taxa que é cerca de cinco vezes maior do
que a observada no Reino Unido. No Estado de Alagoas, a taxa de mortalidade infantil
é de 46,4 por mil. A luta cotidiana para alimentar-se permanece um problema para
milhões de brasileiros: um terço da população do país se encontra em algum grau de
insegurança alimentar. Pouco menos da metade da força de trabalho ainda é informal;
portanto, não tem acesso aos direitos atrelados ao trabalho, tais como previdência
social, seguro desemprego, licença maternidade, férias, 13º terceiro salário, fundo de
garantia, seguro contra acidentes de trabalho, entre outros benefícios. Como se isso
não bastasse, 2,0 milhões de crianças de 5 a 15 anos de idade, o que equivale à
população de Botsuana,24 estão ocupadas no mercado de trabalho, das quais cerca de
44% estão concentradas na Região Nordeste e 24%, na Região Sudeste.
Vê-se que existe um enorme abismo entre a cidadania formal e a cidadania real:
são milhões os brasileiros marginalizados e excluídos dos frutos do crescimento
econômico.
E mais: as precárias condições de vida não são universalmente distribuídas entre
as populações pobres. Sexo, raça, etnia e endereço são variáveis que aumentam as
probabilidades de que mulheres, negros, indígenas, povos e comunidades tradicionais,
nordestinos, camponeses e habitantes das periferias das cidades estejam mais
vulneráveis. São elementos fundamentados em ideias e crenças que se aliam a
processos sociais, econômicos e políticos para criar sistemas de exclusão que têm
sido pouco afetados, até o momento, pelo crescimento do país.
1.2.2 A desigualdade como dimensão estruturante da sociedade brasileira
A desigualdade é estruturante da sociedade brasileira, pois está presente em todas
as dimensões da vida social: entre negros e brancos, entre mulheres e homens, entre
pobres e ricos, entre as regiões do país, entre o campo e a cidade, entre os que não
têm terra e os que têm muita terra, etc. Conforme destaca recente relatório lançado
pela Oxfam (2012), o Brasil é o segundo país mais desigual entre o grupo do G20,
perdendo somente para a África do Sul. Segundo o Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD) (2010), o Brasil é o terceiro país mais desigual da América
Latina, atrás da Bolívia e do Haiti.
O tema da desigualdade tanto no Brasil como na América Latina é tão dramático
que o PNUD resolveu dedicar-lhe relatório específico, pois se consolida o entendimento
de que se as desigualdades não forem enfrentadas, o desenvolvimento sustentável
jamais será alcançado. Para o PNUD:
24
Segundo “Botsuana at a Glance”, do Banco Mundial, a população de Botsuana é da ordem de 2
milhões de habitantes. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/bwa_aag.pdf>.
23
A desigualdade restringe as oportunidades de desenvolvimento de amplos segmentos da
população, dificulta a formação de capital humano e limita as possibilidades de investir em
educação e saúde, o que, por sua vez, compromete a capacidade de crescimento econômico.
Além disso, ao preservar as instituições que privilegiam os setores dominantes, a desigualdade
eterniza a maior acumulação relativa da riqueza nas faixas mais ricas da sociedade (...). Do
mesmo modo, se existem níveis altos de desigualdade, a capacidade regulatória do Estado se
vê debilitada e, nesse contexto de debilidade institucional, cresce a probabilidade de ocupação
do Estado por parte dos grupos econômicos mais poderosos (...). A desigualdade também
tende a provocar tensões sociais que podem acentuar a instabilidade política e institucional,
o que afeta não apenas a governabilidade, mas também os incentivos para o investimento
interno e externo, entre outros aspectos (...) (PNUD, 2010: 30).
Vê-se, pois, que a principal razão pela qual parcelas significativas das famílias
brasileiras encontram-se em situação de pobreza não está na escassez geral de
recursos, mas na sua péssima distribuição. Nunca se promoveu uma efetiva inclusão
dos mais pobres na história do país, que se desenvolveu mantendo expressivos
contingentes de miseráveis. Este processo de desenvolvimento que “administra a
pobreza” tem sido caracterizado por especialistas como uma “modernização
conservadora”: o Estado produz transformações significativas na economia sem romper
(ou apenas alterando superficialmente) com a ordem econômico-social estabelecida.
Ou seja, apesar de haver ingressado no seleto clube das nações mais ricas do mundo
e de ter o universalismo como fundamento de suas políticas públicas, o país ainda
não foi capaz de assegurar salários decentes e um mínimo de proteção social para
uma grande parte de seus habitantes.
Os arranjos societais que mantêm a desigualdade e a exclusão se alimentam de
processos cotidianos de discriminação, especialmente de gênero e de raça/etnia, de
políticas públicas pouco efetivas e de uma democracia que vive sob ameaça. Com
efeito, tais arranjos são resultantes da pressão de forças conservadoras que atuam
para que o aparato institucional em vigor no país não seja utilizado de modo a alterar
radicalmente os fatores determinantes da desigualdade. Assim, por exemplo, a
especulação fundiária e imobiliária nas grandes cidades, associada à ausência do
Estado em determinadas áreas, obriga contingentes expressivos da população urbana
a viver em moradias insalubres, sem acesso a serviços básicos (notadamente
saneamento ambiental, acesso à terra urbanizada e transportes públicos de qualidade),
vítimas da segregação social e racial, bem como da violência.25 Nas áreas rurais, a
produção agrícola, um dos principais motores do crescimento do país e de sua liderança
25
O caso “Pinheirinho”, ocorrido recentemente em São José dos Campos (SP), é emblemático: 1,5 mil
famílias pobres foram violentamente expulsas sem qualquer motivo de urgência e com emprego de
tropa de choque da Polícia Militar. Seus bens foram apreendidos e suas casas destruídas com uso de
tática militar de surpresa e com o agravante de não lhes ter sido ofertado um teto substitutivo de
abrigo. A este respeito, veja, por exemplo, matéria de Walter Maierovitch na Carta Capital de 28 de
janeiro de 2012, intitulada “No Pinheirinho, o Brasil das Trevas”. Veja na página: <http://
www.cartacapital.com.br/sociedade/no-pinheirinho-o-brasil-das-trevas>.
24
PESQUISA INESC
comercial no cenário internacional, está submetida a um modelo econômico
excludente, estruturado em torno do agronegócio e da crescente exportação de seus
produtos (soja; carnes; produtos florestais, como papel, celulose e madeira; álcool;
açúcar e café, entre outros). Esta estratégia beneficia muito mais as empresas do que
a população rural, uma vez que o latifúndio, a monocultura e o monopólio da cadeia
produtiva por empresas transnacionais contribuem, por um lado, para expulsar do
campo os agricultores familiares e os trabalhadores rurais e, por outro, concentram a
riqueza em uma escala raramente vista em outros países.
Outro fator de grande impacto para a permanência das desigualdades no Brasil é o
sistema tributário regressivo, que taxa, sobretudo, o consumo e o trabalho e poupa o
grande capital. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),26
em 2003, a carga tributária dos mais ricos, isto é, dos que ganhavam acima de 30
salários mínimos por mês, foi de 26,3% da renda familiar. Já para os trabalhadores
mais pobres, com rendimento mensal de até dois salários mínimos, o percentual foi
praticamente o dobro, de 48,9%. O mais dramático é que esta diferença só vem
aumentando ao longo do tempo.27No caso das políticas sociais, há uma lógica bastante
parecida. Desde o começo da década de 1990, instaurou-se um mecanismo que permite
que o Governo Federal desvincule 20% dos impostos e das contribuições originalmente
previstos para a área social, a chamada Desvinculação de Recursos da União (DRU).
São bilhões de reais que, anualmente, são utilizados para a realização do superávit
primário destinado ao pagamento de juros e à amortização da dívida.28 Em outras
palavras, fortalece-se a desigualdade na medida em que, de um lado, remuneram-se
regiamente os mais abastados (os credores da dívida pública) e, de outro, deixa-se de
ampliar o atendimento às populações mais pobres.
Do ponto de vista político, os recentes escândalos de corrupção que atingem todos
os poderes acentuam a descrença generalizada na eficácia das instituições
governamentais. Os partidos políticos também entraram em crise, com cada vez menos
capacidade de unificar os setores sociais, orientar o Estado e articular as políticas
governamentais. As organizações da sociedade civil brasileira do chamado campo
democrático vêm sendo sistematicamente fragilizadas – dos pontos de vista de sua
sustentabilidade política, institucional e financeira –, encontrando, desta feita, enormes
dificuldades em desafiar e transformar o poder, a estrutura, as relações, os processos
e as políticas em que se baseiam a sociedade e o seu desenvolvimento econômico.
26
A este respeito, veja: IPEA (2010).
A este respeito, veja: Salvador (2007).
28
A título de ilustração, entre os anos de 2005 e 2006, foram retirados cerca de R$ 66 bilhões de
recursos inicialmente destinados às áreas de previdência social, saúde e assistência social. Isto
equivalia a sete anos de Bolsa Família, cujo orçamento anual na época era de R$ 9,2 bilhões. Na
educação, estima-se que, entre os anos de 2000 a 2007, R$ 45 bilhões deixaram de ser aplicados no
setor por conta da Desvinculação das Receitas da União (DRU). A este respeito, veja: Salvador (2007).
27
25
Como resultado, o Brasil acumula os elementos necessários para se tornar uma
economia emergente e um poder ascendente na geopolítica do mundo, ao mesmo
tempo em que mantém quase intocadas as condições de exclusão e desigualdade
social, notadamente de mulheres, negros, indígenas, povos e comunidades
tradicionais, bem como de camponeses. Em suma, apesar de seus enormes ganhos, a
democracia brasileira fracassa quando se trata de garantir o acesso de todos os
brasileiros e brasileiras aos direitos humanos; de produzir uma base econômica justa,
solidária e sustentável; e de fortalecer um poder político mais participativo e aberto
aos cidadãos e às cidadãs.
A sociedade civil brasileira sob ameaça
O Brasil possui uma sociedade civil organizada complexa, que inclui organizações diversas, tais
como: organizações sem fins lucrativos de caráter filantrópico, organizações religiosas,
organizações de defesa de direitos, movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores, redes de
organizações e movimentos, entidades que promovem a responsabilidade social empresarial,
entre outras. Os últimos dados disponíveis29 revelam que, em 2005, o país contava com 338 mil
associações e fundações sem fins lucrativos divididas da seguinte forma: (i) religiosas = 25%; (ii)
de desenvolvimento e defesa de direitos = 18%; (iii) de profissionais e associações empresariais
= 17%; (iv) de cultura = 14%; (v) de assistência social = 12%; (vi) de educação = 6%; (vii) de moradia,
saúde e meio ambiente = 2%; e (viii) outras = 6%.
Parte destas organizações e destes movimentos, especialmente aqueles articulados em torno da
defesa de direitos e de promoção da democracia, assume papel central na pressão que exercem
sobre o poder público e também sobre o setor privado, para o alargamento dos direitos e para a
construção de um modelo de desenvolvimento que seja efetivamente inclusivo e sustentável. Esta
tarefa não é fácil, pois os desafios são imensos, a começar pela própria dívida social que o país
tem para com seus cidadãos. Além disso, instituições públicas brasileiras - nos três poderes e
nos três níveis de governo - estão mergulhadas em esquemas de corrupção, de tráfico de influência
e de defesa de demandas corporativas em detrimento de questões de interesse público. Outro
agravante deve-se à crise financeira pela qual passam importantes organizações da sociedade
civil. Este fenômeno decorre de diversos fatores, tais como a diminuição e o rearranjo dos recursos
provenientes da cooperação internacional, além da inexistência de cultura de doação fora das
esferas familiar, de vizinhança e religiosa. Com efeito, com exceção do movimento sindical,30 não
há no país uma política pública articulada e coordenada de financiamento dessas organizações.
Existem diferentes mecanismos, operados por distintos órgãos públicos, geralmente pouco
transparentes e com poder discricionário do Estado31. O melhor exemplo desta falta de cultura
da doação pode ser dado pelo projeto Criança Esperança,32 iniciativa da Rede Globo, em parceria
com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A cada
ano, estas duas organizações promovem uma campanha nacional utilizando o horário nobre da
maior rede de televisão do país. Apesar da marca e do poder de formação de opinião e de
29
A este respeito, consulte: IBGE; IPEA; ABONG; GIFE (2008).
Pela lei brasileira, os sindicatos são financiados anualmente com recursos oriundos de um dia de
salário dos trabalhadores do setor formal, independentemente da sua condição de sindicalizados
ou não. Trata-se da chamada “contribuição sindical”.
31
A este respeito, consulte: Beghin et al. (2005).
32
Veja o site: < http://criancaesperanca.globo.com/>.
30
PESQUISA INESC
26
mobilização destas entidades, os recursos arrecadados em 2011 foram de apenas R$ 18 milhões.
Outro fator que acarreta esta dada realidade refere-se à focalização dos recursos de origem
empresarial para entidades que prestam serviços sociais. O que o setor empresarial mobiliza
para a área social também não é expressivo: menos de 0,5% do PIB33. E mais: a absoluta maioria
destes recursos é destinada a organizações que atendem diretamente a população com atividades
de assistência social, alimentação, saúde e educação, entre outras. Raras são as verbas que
buscam apoiar entidades que defendem direitos humanos.
Outros agravantes para a perpetuidade desta cultura são a criminalização dos movimentos
sociais e os constantes ataques às organizações da sociedade civil defensoras de direitos
humanos, que diariamente se confrontam com poderosos interesses dos detentores dos meios de
produção e seus aliados.34,35 As tensões presentes na sociedade brasileira precisam ser mais
expostas, de modo a se poder enfrentá-las e encontrar saídas para o seu equacionamento. Sem
uma sociedade civil atuante que lute por políticas públicas e pela garantia de direitos humanos,
pela ampliação da democracia e pela justiça social, não será possível enfrentar os problemas da
desigualdade, da exclusão social e da pobreza.
Levando-se em consideração que o Brasil adquire papel cada vez mais central nos
cenários regional e internacional, a pergunta que se faz é a seguinte: em que medida
o modelo de crescimento econômico que não assegura a universalização da cidadania
será levado a outros lugares, por meio de instrumentos da política externa e da
cooperação internacional, seja ela recebida, triangular ou oferecida?
2. O Brasil e a cooperação internacional recebida
2.1 As mudanças no cenário internacional da Assistência Oficial ao Desenvolvimento
(AOD)
A cooperação internacional governamental, chamada de Assistência Oficial ao
Desenvolvimento (AOD), fornecida pelos doadores tradicionais,36 vem passando por
uma série de mudanças, devido a diversos fatores que são resumidos a seguir.37
33
A este respeito, consulte: Peliano (2006).
Um exemplo disso pode ser comprovado pelas três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI)
sobre ONGs instaladas no Congresso Nacional durante a década de 2000. Mencione-se, ainda, a
recente atitude da presidenta Dilma Rousseff de suspender, de forma indiscriminada, o repasse de
recursos de convênios às organizações da sociedade civil (OSCs), ferindo acordos públicos, criando
ambiente de insegurança jurídica e colocando o foco dos mecanismos de corrupção nas ONGs e não
nos políticos beneficiários das práticas ilícitas. A este respeito, veja o artigo de Durão (2011).
35
A este respeito, veja o dossiê elaborado pelo PAD em julho de 2010 sobre o tema intitulado: “A
repressão aos defensores de direitos humanos e movimentos sociais no Brasil”. Acesse o site:
<www.pad.org.br>.
36
Os doadores tradicionais se reúnem no âmbito do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da
OCDE (DAC OCDE). O DAC é integrado por representantes de 24 países membros, a saber: Alemanha,
Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coreia (integrante desde 2010), Dinamarca, Espanha, Estados
Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Nova Zelândia,
Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e União Europeia. Representantes do Banco Mundial,
do FMI e do PNUD participam do DAC como observadores.
37
A este respeito, veja: Fordelone (2009), CEPAL (2010), Wilks (2010), Ayllón (2011), Ballón (2011),
Fernández (2011a e b), Tomlinson (2009, 2010, 2011) e comentários de vários dos entrevistados.
34
27
2.1.1 Diminuição relativa da AOD
Segundo dados do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE (DACOCDE),38 a Assistência Oficial ao Desenvolvimento aumentou na década de 2000,
passando de 0,22% do PIB em 2000 para pouco mais de 0,30% do PIB em 2010, o que
corresponde a um aumento de 41% para o período. Entretanto, apesar desta melhora,
mais poderia ter sido feito. Segundo Tomlinson (2010: 30-31), nos últimos cinquenta
anos, observa-se brecha crescente entre a riqueza dos países doadores e as alocações
da ajuda per capita, particularmente desde o início dos anos de 1990. Assim, por
exemplo, o PIB per capita dos doadores cresceu mais de 200% entre 1961 e 2008,
enquanto que a ajuda per capita elevou-se em somente 66% no mesmo período. A
AOD dos países doadores teve um incremento anual de somente US$ 1,00 por habitante;
no entanto, a riqueza nacional destes países elevou-se US$ 600,00 por ano. Em 1961,
a ajuda per capita representava 0,5% do PIB per capita; em 2008, este percentual caiu
para menos de 0,3%.
Soma-se a isso o fato constatado de que os países doadores estão longe de ter
cumprido as metas acordadas na Conferência Internacional sobre Financiamento para
o Desenvolvimento, celebrada em Monterrey,39 em 2002, principalmente a meta de
alocar 0,7% do PIB à AOD. O desrespeito aos acordos resultou num “déficit” da ajuda
da ordem de US$ 150 bilhões somente em 2010. Com efeito, naquele ano, o valor total
da AOD foi de cerca de US$ 130 bilhões. Se o patamar de 0,7% do PIB tivesse sido
respeitado, o montante deveria ter alcançado a soma de US$ 282 bilhões (Tomlinson,
2010: 24).
No futuro próximo, ao que tudo indica, a situação deverá piorar como consequência
do agravamento da grave crise econômica que afeta os países desenvolvidos desde
2008.
2.1.2 Emergência de novas prioridades
Soma-se também a este cenário de escassez relativa de recursos a emergência de
novos problemas para os países desenvolvidos. Assim, por exemplo, depois do “11 de
Setembro”, os Estados Unidos têm dado prioridade ao Iraque e ao Afeganistão. Vultosos
recursos da União Europeia (UE) têm sido canalizados para processos de integração
dos novos países que se somaram mais recentemente à UE, bem como para o
atendimento de carências sociais dos países mais pobres da região. Além disso, o
Japão vem dando especial atenção às vítimas do violento terremoto que sacudiu o
38
A este respeito, consulte a página:
<http://www.oecd.org/department/0,2688,en_2649_33721_1_1_1_1_1,00.html>.
39
Note-se que a primeira vez em que os países desenvolvidos acordaram esta meta foi na Assembleia
Geral da ONU de 24 de outubro de 1970, por meio da Resolução nº 2.626 (XXV).
28
país em 2011. Tais problemas acabam reorientando o destino das verbas de AOD ou
competindo pelos seus recursos, seja para países considerados estratégicos do ponto
de vista geopolítico, seja para a resolução de questões internas dos países doadores.
2.1.3 Inadequação dos critérios de distribuição da AOD
O principal critério para definir a AOD dos países doadores diz respeito à chamada
renda média per capita dos países, que privilegia aqueles que apresentam índices de
renda baixa (Low Income Countries – LIC). Se é bem verdade que, em 1990, mais de
90% dos pobres se concentravam nestes países, atualmente a tendência se inverteu:
três quartos dos pobres vivem nos países de renda média (Middle Income Countries –
MIC).40 Entretanto, tais países receberam somente 40% da AOD na década de 2000.
Além disso, o critério de renda per capita pressupõe uma distribuição homogênea dos
recursos, o que está longe de ser realidade. A baixa efetividade deste indicador é
mostrada pela Cepal (2010: 13): o nível de renda per capita do grupo de países
classificados como de renda média/baixa, para a média dos anos de 2000 a 2008,
oscilou entre um mínimo de US$ 1.943,00 e um máximo de US$ 9.077,00. A taxa de
pobreza neste grupo de países, por sua vez, ficou entre um mínimo de 2% e um máximo
de 84%.41 A mesma disparidade se observa num grupo de países de renda média/alta,
onde o nível de renda per capita oscilou entre um mínimo de US$ 4.100,00 e um máximo
de US$ 19.547,00. Já a taxa de pobreza variou entre um mínimo de 2% e um máximo de
43%. Na América Latina e no Caribe, onde a maior parte dos países é classificada
como de renda média/alta, as taxas médias de pobreza para o período de 2000 a 2008
variaram de 2%, como mínimo, para 21%, como máximo.
Vê-se, pois, que – mesmo que a pobreza tenha diminuído nos países de renda
média – a miséria continua pouco compatível com os níveis de desenvolvimento destas
nações, o que põe abaixo o argumento de que tais países possuem recursos suficientes
(financeiros, institucionais, humanos, etc.) para enfrentar, sozinhos, suas mazelas
sociais. O foco na pobreza ofusca os verdadeiros problemas, que estão na raiz das
precárias condições de vida e da sistemática violação de direitos humanos e ambientais
que ainda prevalecem nesses países. É preciso desenvolver um olhar mais apurado
para enfrentar a complexidade das questões sociais, ambientais e climáticas que
afligem o planeta. Assim, considerando-se esta heterogeneidade, bem como as
disparidades existentes em cada país, os critérios para a alocação de recursos da
AOD deveriam fixar-se com base em um conjunto mais amplo de indicadores que
reflita as particularidades concretas dos países e permita detectar onde estão as
principais necessidades e demandas de cada caso específico.
40
A este respeito, consulte: IDS (2010).
Os dados fazem referência ao nível do PIB per capita medido em paridade com o poder de compra
(PPP). A taxa de pobreza é medida utilizando-se a linha de US$ 2,00 (dois dólares) diários. Os dados
provêm da base de dados do “World Development Indicators”, do Banco Mundial (CEPAL, 2010: 4).
41
29
2.1.4 Baixa efetividade da AOD
Depois de cinco décadas de ajuda, cresce o entendimento de que tal ajuda teria
tido baixa efetividade, uma vez que os países doadores tenderam a atrelar suas
atividades de cooperação aos seus interesses econômicos e políticos, muito mais do
que a promover o desenvolvimento das comunidades e dos povos beneficiários da
AOD. Com isso, houve pouca preocupação: (a) com as reais necessidades das
comunidades atendidas; (b) com o fortalecimento de institucionalidades democráticas
locais; (c) com o empoderamento das sociedades nacionais receptoras da cooperação
internacional; (d) com a promoção dos direitos humanos; (e) com a igualdade de gênero;
(f) com a defesa do meio ambiente; e (g) com a avaliação dos resultados. Somam-se a
isso: (i) a predominância de uma visão excessivamente assistencialista; (ii) o desperdício
de recursos proveniente da ausência de coordenação das agências promotoras da
AOD e da consequente superposição das ações; (iii) a falta de transparência na alocação
de recursos; (iv) a insuficiente prestação de contas tanto às sociedades doadoras
quanto às receptoras; e (v) a excessiva dependência da AOD por parte de alguns
países. Apesar dos acordos selados na Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda
(2005)42 e no Plano de Ação de Acra (2008),43 os avanços observados desde metade da
década de 2000 foram pequenos. Representantes da sociedade civil global que
acompanharam a reunião do IV Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, realizado
em Busan, na República da Coreia, em novembro de 2011, manifestam sua
preocupação, pois consideram que os doadores e os governos parceiros não
conseguiram cumprir a maior parte dos compromissos pactuados em Paris e em Acra
(Better Aid, 2011). Para além destes acordos urge incorporar na agenda de debates
temas centrais para a promoção do efetivo desenvolvimento sustentável, como, por
exemplo, restrições comerciais sem compensação; sistemas tributários frágeis e
recessivos; regulação das transnacionais, tanto nas suas ações mercantis como nas
suas intervenções ditas de responsabilidade social; bens comuns globais; mudanças
climáticas; ausência de participação das organizações e dos movimentos sociais nos
espaços e processos decisórios, entre tantos outros.
42
O II Fórum de Alto Nível para Eficácia da Ajuda decorreu em Paris, em 2005, e juntou os doadores
tradicionais (bilaterais e multilaterais), novos doadores, organizações da sociedade civil e do setor
empresarial com o objetivo de avaliar o estado da arte da assistência internacional ao
desenvolvimento. Os compromissos assumidos ficaram traduzidos na Declaração de Paris sobre a
Eficácia da Ajuda, que se assenta em cinco pressupostos considerados essenciais para a promoção
do desenvolvimento: 1º) apropriação: os países parceiros exercem uma liderança efetiva sobre as
suas políticas e estratégias de desenvolvimento; 2º) alinhamento: os doadores baseiam sua ajuda
nas estratégias de desenvolvimento dos parceiros; 3º) harmonização: os doadores coordenam suas
atividades e minimizam os custos relacionados à ajuda; 4º) gestão para os resultados: os doadores
e parceiros orientam suas atividades de forma a atingir os resultados desejados; e 5º) prestação de
contas mútuas: os doadores e os países parceiros comprometem-se a prestar contas mutuamente
sobre os resultados de uma melhor gestão da ajuda.
43
O Plano de Ação de Acra resultou do III Fórum de Alto Nível para a Eficácia da Ajuda. O plano lista
um conjunto de ações com vistas a acelerar e aprofundar a implementação da Declaração de Paris.
Tais ações estão estruturadas em torno de três eixos: a apropriação pelos países; a construção de
parcerias mais sólidas e inclusivas; a gestão para resultados e a prestação de contas mútuas.
30
PESQUISA INESC
2.1.5 Entrada em cena de novos doadores
Os anos recentes se caracterizam pela irrupção de novos doadores no cenário da
cooperação internacional, especialmente os países considerados emergentes, como
Brasil, China, Índia, Coreia do Sul, África do Sul, Arábia Saudita, entre outros. Estimase que o aporte destes países seja da ordem de 10% do total da AOD dos doadores
tradicionais (Tomlinson, 2011: 59). Ainda que o volume de recursos mobilizado por
estes novos doadores seja pequeno, tais países vêm contribuindo para alterar a forma
de fornecer assistência para o desenvolvimento. Novas modalidades vêm sendo
desenhadas, como, por exemplo, a cooperação Sul-Sul e a cooperação triangular.
A cooperação Sul-Sul (CSS) foi definida na Resolução nº 64/222 da Assembleia Geral
da ONU, de 21 de dezembro de 2009, como iniciativa comum dos países do Sul, advinda
de experiências compartilhadas e afinidades, com base em objetivos comuns e
solidariedade afim entre eles, sendo guiada, entre outras motivações, pelos princípios
de respeito à soberania e aos direitos nacionais, livres de qualquer condicionalidade
(apud CEPAL, 2010: 5). Para a Secretaria Geral Ibero-Americana (SEGIB, 2011), a
cooperação Sul-Sul é um tipo de cooperação entre países em desenvolvimento ancorada
nos seguintes critérios:
√ A cooperação é baseada na horizontalidade, na solidariedade e no estabelecimento
de interesses mútuos.
√ O intercâmbio de conhecimentos é considerado mais relevante do que fatores
financeiros. Abrange um amplo espectro de campos de atuação que se implementam
no marco da assistência técnica ou do fortalecimento institucional.
√ A CSS é marcada pela reciprocidade, pelo respeito mútuo, bem como pelo respeito
à soberania dos países envolvidos.
√ A CSS busca ser efetiva no uso dos recursos.
√ A cooperação Sul-Sul busca construir relações entre parceiros da mesma região,
entre países de continentes distintos, bem como estabelecer novas e inéditas
alianças.
Se é bem verdade que existem vantagens comparativas de que dois países com
trajetórias políticas, culturais e sociais semelhantes estabeleçam relações de parceria
entre si, é também verdade que somente isso não garante a efetiva promoção de um
desenvolvimento sustentável dos pontos de vista econômico, político e social. Os
chamados novos doadores, na sua grande maioria, não se submetem aos acordos
celebrados em Paris, Acra e Busan porque não fazem parte do Comitê de Assistência ao
Desenvolvimento da OCDE – com exceção da Coreia, que ingressou no DAC recentemente
– ou porque não concordam com os termos dos acordos. Verifica-se que existe pouca
transparência nas informações, além de baixa participação de movimentos e organizações
da sociedade civil nas tomadas de decisão, na implementação e no acompanhamento
das atividades de cooperação. Também não se tem notícias dos resultados da CSS.
31
A cooperação triangular, por seu turno, é um tipo de relação que envolve, em geral,
três atores: um doador tradicional (país integrante do DAC da OCDE ou organismo
internacional), um país emergente e um terceiro país, menos desenvolvido. Cada nação
contribui com sua experiência, todos voltados para a construção de objetivos comuns
atrelados às prioridades de desenvolvimento do terceiro país. Note-se que estão
surgindo novos formatos de cooperação triangular, como, por exemplo, alguns que
envolvem somente países do Sul ou que mobilizam mais do que três parceiros (a
chamada cooperação múltipla). Em que pesem os avanços que este formato de
cooperação possa trazer, especialmente a melhor adequação da agenda às
necessidades do terceiro (o país beneficiado), e o envolvimento de organizações não
governamentais, pairam sobre ele alguns questionamentos, como, por exemplo:
aumento dos custos; manutenção de uma cooperação orientada pelos interesses dos
países do Norte, que continuam hegemônicos no cenário da cooperação internacional;
morosidade na implementação dos projetos; imposição da agenda dos países
emergentes ao país beneficiário; maiores dificuldades para assegurar a transparência
e a prestação de contas; e a substituição, em vez da complementaridade, da AOD
Norte/Sul (bilateral e multilateral) por esta forma de atuação.
2.1.6 Emergência de novas problemáticas de caráter transnacional: os bens comuns
globais
Existem outros elementos que influenciam os movimentos da cooperação
internacional e que estão relacionados aos chamados “bens comuns globais”, também
conhecidos como bens públicos. Estes bens são de responsabilidade de toda a
comunidade mundial, pois de sua preservação depende o futuro da humanidade. São
exemplos de bens comuns: a água, o meio ambiente e o clima, mas, também, os
direitos humanos, a equidade, a paz, a segurança, a justiça internacional, o combate
à corrupção e às drogas, a erradicação de epidemias, a diversidade cultural, a
estabilidade econômica e financeira e o desenvolvimento de uma institucionalidade
internacional capaz de adotar princípios de equidade e solidariedade. Neste caso, a
América Latina e especialmente o Brasil são estratégicos para as nações do Norte,
considerando-se que abrigam um dos principais reservatórios de água potável do
mundo, bem como dispõem de biomas que são fundamentais para o equilíbrio da
Terra, como é o caso da Amazônia. Além disso, a região abriga três integrantes do G20
(Argentina, Brasil e México) e um país emergente, o Brasil, mostrando que tem poder
de influência nos espaços de decisão internacionais, tanto no marco da Organização
das Nações Unidas (ONU) quanto de outros espaços multilaterais de decisão.
32
2.2 A agenda da cooperação não governamental em transformação
2.2.1 As metamorfoses da cooperação solidária
A cooperação não governamental, também chamada de cooperação solidária quando
é implementada por organizações, entidades ecumênicas e movimentos sociais,
também vem passando por mudanças, especialmente no que se refere às agências
internacionais de países do Norte. Entre os fatores que explicam estas alterações,
pode-se mencionar os seguintes:44
a) Diminuição dos recursos
A crise econômica internacional que sacode os países do Norte e os
questionamentos que pairam sobre a efetividade da ajuda contribuem para diminuir o
aporte de recursos, tanto os oriundos da AOD como os de doadores privados (individuais
ou corporativos). Além disso, alguns países desenvolvidos mudaram prioridades e
formas de atuação. Este é o caso, por exemplo, da Noruega, que se comprometeu a
transferir US$ 1 bilhão para o Brasil, mais especificamente para o Fundo Amazônia,
por intermédio do BNDES. O governo considera que sua contribuição ao país se esgota
neste repasse, deixando, desta feita, de apoiar projetos tradicionalmente
implementados por agências ecumênicas norueguesas no Brasil.
A escassez relativa de recursos tem resultado em aumento da concorrência entre
as agências e na emergência de novas organizações que se utilizam de mensagens
apelativas de cunho mais assistencialista.
b) Mudanças nas agendas
Várias agências internacionais não governamentais vêm alterando suas prioridades
em função da mudança na visão estratégica que as sociedades ditas desenvolvidas
outorgam ao papel da cooperação internacional, pautando-se pelos critérios de renda
média dos países que serão beneficiados pela ajuda. Tal postura tem resultado na
progressiva diminuição de recursos destinados à maior parte dos países da América
Latina (avaliados como de renda média) e na reorientação de prioridades para outras
regiões consideradas menos favorecidas, como a África e a Ásia. Além disso, ganham
destaque projetos de combate à pobreza que apresentam resultados comunicáveis do
ponto de vista midiático, em detrimento de ações que atacam as causas de produção
e reprodução da pobreza. Note-se, contudo, que existem exceções e, neste particular,
merece menção o dado de que as agências ecumênicas, em sua maioria, não somente
não se retiraram do Brasil e da América Latina, como continuaram a pautar suas agendas
44
A este respeito, veja: Luz e Wolff (2011), Caccia Bava (2011a e b), Fernández e Balbis (2011) e Croce
(2010).
33
de trabalho em torno da promoção dos direitos humanos e do combate à desigualdade
e à injustiça social. Ademais, buscaram fortalecer sua atuação criando novas formas
de interação. Este é o caso, por exemplo, do Processo de Articulação e Diálogo entre
Agências Ecumênicas Europeias e suas Entidades Parceiras no Brasil (PAD).45 Trata-se
de iniciativa inédita e precursora que criou uma rede formada hoje por seis agências
ecumênicas europeias (Christian Aid, NCA, EED, HEKS, ICCO, PPM) e mais de 160
entidades parceiras no Brasil, cujo objetivo é gerar nova cultura de diálogo multilateral
e espaço de reflexão sobre as políticas de cooperação, tomando como eixos temáticos
a sustentabilidade institucional das organizações e os direitos humanos. Criado em
1995, o PAD orientou sua atuação na busca da promoção de uma nova cultura de
diálogo multilateral e na construção de um espaço de compreensão das políticas de
cooperação internacional. O ecumenismo e o multilateralismo sempre foram valores
norteadores desta articulação. A interação e a parceria ativa entre agências de
cooperação e parceiras brasileiras são valores intrínsecos à estrutura da rede, que se
pauta pela busca de uma nova solidariedade entre o Sul e o Norte.
c) Alterações na forma de organização
Recentemente, as agências não governamentais têm procurado novas formas de
atuação para aumentar seus resultados, conquistar maior efetividade e incrementar a
captação de recursos. Neste sentido, pode-se mencionar iniciativas, tais como: (i)
fusões entre agências, como no caso da EED com a “Pão para o Mundo” (PPM); (ii)
implementação de modelos descentralizados de atuação, ancorados na criação de
escritórios ou representações regionais ou nacionais, como, por exemplo, a Christian
Aid com seus escritórios no Brasil e na Bolívia; (iii) nacionalização de suas organizações,
especialmente nos países emergentes, como é o caso de Greenpeace, WWF, ActionAid,
Save the Children, Anistia Internacional e Oxfam, entre outras; (iv) criação de redes ou
alianças de modo a ampliar a capacidade de articulação internacional entre as agências
de maior afinidade, como, por exemplo, a Aliança ACT.46
d) Posturas de apoiadores governamentais mais “intervencionistas”
Vários governos dos países do Norte, que financiam majoritariamente suas ONGs,
procuram aumentar o nível de influência sobre a política das agências não
governamentais, muitas vezes a partir de interesses ligados à política externa ou a
questões econômicas e de suposta necessidade de concentrar esforços e recursos em
poucos temas (“alinhamento e harmonização”) para gerar efeitos mais amplos,
chamados de resultados.
45
Para mais informações, acesse o site: <http://www.pad.org.br>.
A Aliança ACT reúne 125 igrejas e organizações afins, que trabalham conjuntamente nas áreas de
cooperação ao desenvolvimento, incidência política e ajuda humanitária. A Aliança ACT foi fundada
em 2009 e atualmente está presente em 140 países, mobilizando recursos anuais da ordem de US$
1,6 bilhão. Para mais informações, acesse o site: <http://www.actalliance.org>.
46
34
PESQUISA INESC
e) Movimento de luta por uma cooperação internacional para o desenvolvimento
entendida como bem comum
Recentemente, as organizações da sociedade civil passaram a desenvolver papel
mais proativo na defesa de um sistema internacional de cooperação para o
desenvolvimento que seja considerado como bem público ou bem comum, voltado para
financiar o desenvolvimento, realizar os direitos humanos de todas as populações, bem
como para combater toda e qualquer forma de exclusão e de opressão. Neste sentido, a
cooperação é uma responsabilidade de todos e, portanto, requer a participação dos
governos e das organizações da sociedade civil. A discussão dos movimentos e das
organizações sociais inclui também a reflexão sobre sua própria atuação no sistema
internacional de cooperação, já que cerca de 6,5% da AOD é canalizada por intermédio
de ONGs (Fernández, 2011a; Tomlinson, 2008). Para esta finalidade, movimentos e
organizações sociais se organizaram em torno de iniciativas, tais como: The Reality of
Aid Network,47 Better Aid48 e o Fórum Aberto sobre a Eficácia do Desenvolvimento das
Organizações da Sociedade Civil.49 Graças a este ativismo, hoje os espaços oficiais de
cooperação internacional (isto é, DAC da OCDE, Fórum de Alto Nível da Efetividade da
Ajuda, Organização das Nações Unidas) reconhecem, mais do que antes, que as OSCs
são atores do desenvolvimento e cumprem papel relevante para: (a) melhorar a efetividade
do desenvolvimento; (b) ampliar a realização dos direitos humanos; (c) otimizar a
promoção da igualdade de gênero, da justiça social, do trabalho decente, da
sustentabilidade ambiental e da paz; e (d) acabar com a corrupção e a impunidade no
marco de uma governança democrática. Graças a este tipo de organização e pressão, as
instâncias globais e regionais de promoção da cooperação internacional têm passado a
envolver mais as organizações da sociedade civil nos processos de tomada de decisão,
embora este envolvimento ainda se encontre muito aquém do desejado.
47
Trata-se de uma rede de organizações não governamentais, do Sul e do Norte, criada no começo
dos anos de 1990 e voltada para a análise e a incidência das políticas e práticas da cooperação
internacional e de seu impacto na diminuição da pobreza. Para mais informações, acesse o site:
<http://www.realityofaid.org>.
48
A Better Aid, criada em 2007, é uma plataforma aberta que reúne mais de 700 organizações da
sociedade civil global para desafiar a efetividade da ajuda internacional. A Better Aid promove um
conjunto amplo de atividades, tais como a realização de consultas internas e de estudos e pesquisas,
o monitoramento da ajuda e o acompanhamento das reuniões do Fórum de Alto Nível da Efetividade
da Ajuda. Para mais informações, acesse o site: <http://www.betteraid.org>.
49
O Fórum Aberto sobre a Eficácia do Desenvolvimento das Organizações da Sociedade Civil é uma
iniciativa promovida por diversas coalizões de organizações da sociedade civil do mundo para
identificar elementos que são essenciais para o desenvolvimento efetivo das organizações e dos
movimentos sociais, nacionais, regionais e globais. Para mais informações, veja o site: <http://
www.cso-effectiveness.org>. Em setembro de 2010, foi realizada em Istambul, na Turquia, a 1ª Assembleia
Global do Fórum para a Efetividade do Desenvolvimento das Organizações da Sociedade Civil. Durante a
Assembleia, foram aprovados os Princípios de Istambul, segundo os quais as OSCs se comprometem a
tomar medidas proativas para melhorar suas práticas em favor do desenvolvimento e prestar contas
por estas práticas. Para mais informações, veja a página: <http://www.cso-effectiveness.org /-8istanbul-development,067-.html?lang=en>. Em junho de 2011, foi organizada a 2ª Assembleia do
Fórum, em Siem Reap, Camboja, na qual foi aprovado o Marco Internacional para a Eficácia da
Contribuição das OSCs ao Desenvolvimento, também conhecido como o Consenso de Siem Reap. Para
mais informações, veja a página: <http://www.cso-effectiveness.org/IMG/pdf/final_framework_for_
cso_dev_eff_07_2011-3.pdf>.
35
2.2.2 A crescente atuação do setor empresarial
Outro ator que vem intensificando sua atuação no marco da cooperação internacional
é o setor empresarial. Sua intervenção, amplamente apoiada pela Organização das
Nações Unidas, pela União Europeia e pela OCDE, entre outras instâncias multilaterais,
adota diversos formatos que podem ser agrupados em Iniciativas de Múltiplas Partes
Interessadas (IMPIs) ou Parcerias Público-Privadas Globais do Social (PPPGS). Exemplos
de IMPIs são certificações ou selos (Fair Labour Association – FLA, Forest Stewardship
Council – FSC, ISO 26.000 de Responsabilidade Social, Selo Rugmark) indicadores de
prestação de contas e de difusão de boas práticas (Global Reporting Initiative – GRI,
Global Compact, da ONU), códigos (Clean Cloth Campaign – CCC, Ethical Trading
Initiative – ETI) e acordos de marcos internacionais entre sindicatos e transnacionais.
As Parcerias Público-Privadas Globais do Social envolvem empresas transnacionais
ou suas fundações, organizações da ONU e, por vezes, organizações da sociedade
civil. Este é o caso, por exemplo, do movimento global Educação para Todos (EPA), da
Aliança Global para Vacinas e Imunização (Gavi Alliance), da Aliança Global para
Melhorar a Nutrição (GAIN), do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária
(Global Fund) e do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil, entre
outras.50
Se, por um lado, a entrada em cena destes atores traz vantagens (recursos adicionais,
novas tecnologias e novas soluções para enfrentar problemas sociais, ganho de escala
de determinadas ações, entre outras), por outro levanta uma série de riscos e
preocupações, podendo-se destacar: (i) subordinação dos interesses públicos aos
interesses privados; (ii) alteração da agenda pública global, de forma a concentrar as
prioridades em temas, regiões e países que apresentam mais chances de sucesso,
evitando-se assim enfrentar os desafios estruturais que produzem e reproduzem
miséria; (iii) aumento da influência política das transnacionais, de forma que estas
acabem obtendo vantagens comerciais, como diminuição de tarifas e taxas, isenções
fiscais, maior celeridade nos registros de novos produtos – em especial, os
farmacêuticos e os alimentícios; (iv) apresentação de problemas sociais, como
problemas tecnológicos, que, portanto, requerem soluções somente no campo
tecnológico (assim, por exemplo, os problemas educacionais se resolvem com a
distribuição de laptops de baixo custo; a desnutrição é erradicada com o fornecimento
de compostos alimentares multivitamínicos que não têm qualquer relação com os
hábitos alimentares das populações beneficiárias; a problemática agrícola se soluciona
por meio de sementes transgênicas, etc.); e (v) fragmentação da governança global,
50
Para mais detalhes sobre a participação das empresas privadas no combate à pobreza em âmbito
global, veja: Beghin (2009: capítulo 2).
36
PESQUISA INESC
na medida em que se multiplicam os instrumentos e as ações sem qualquer
coordenação pública.
2.3 A cooperação internacional e o Brasil
No Brasil, a cooperação internacional recebida – tanto a bilateral e a multilateral
quanto a oficial e a não governamental – nunca foi relevante do ponto de vista
quantitativo, ainda que tenha tido indiscutivelmente seu papel numa perspectiva mais
qualitativa (transferência de conhecimentos, técnicas, experiências, equipamentos,
produtos e serviços, entre outros; fortalecimento de movimentos e organizações da
sociedade civil do campo democrático, etc.). Talvez este seja um dos motivos pelos
quais não existam avaliações mais abrangentes sobre os impactos desta cooperação
no país nas últimas décadas. Por seu turno, a cooperação oficial oferecida é um
fenômeno muito recente, sobre o qual também não se dispõe de muitas informações.
Assim, diante da carência de dados e de análises mais abrangentes, este pequeno
preâmbulo tem por objetivo explicar que o tema da cooperação será abordado neste
item e nos próximos muito mais com o intuito de problematizar a temática e levantar
hipóteses do que de trazer afirmações e defender teses.
2.3.1 A cooperação oficial recebida
Para a América Latina e o Caribe, existem evidências de que a cooperação
internacional vem perdendo fôlego. Com efeito, segundo dados da Cepal (2010), nas
décadas de 1990 e 2000, a América Latina viu a cooperação internacional recebida
diminuir em termos proporcionais: em 1990, a AOD recebida correspondia a 0,5% do
PIB da região. No final dos anos de 2000, este percentual caiu para cerca de 0,2%. Do
total da AOD, 8% se destina à América Latina e ao Caribe. A região é vítima de seu
próprio sucesso. É a única região em desenvolvimento na qual prevalecem regimes
democráticos e governos estáveis; onde não existem conflitos militares entre países
e onde a absoluta maioria dos países é de renda média. Além disso, os impactos da
crise econômica do final dos anos de 2000 foram relativamente bem absorvidos.
Entretanto, os países da América Latina apresentam importantes necessidades não
cobertas e setores com alto grau de vulnerabilidade. O critério de renda média adotado
pelos doadores tradicionais para a distribuição da AOD não leva em conta a
complexidade da questão social na região. Além do mais, os países da região sofrem
as consequências da crise provocada pelos países desenvolvidos, mas são pouco
indenizados: os fluxos de ajuda ao desenvolvimento deveriam atenuar em certa medida
estes efeitos produzidos pelo vaivém dos fluxos de capitais privados e proporcionar
uma fonte de financiamento estável aos países. Ainda mais no cenário pós-crise, os
fluxos de AOD deveriam cumprir papel importante no momento de compensar a restrição
37
de recursos em nível externo à América Latina para impedir retrocessos reais na situação
social da região.
No Brasil, não existem evidências de que a cooperação recebida estaria diminuindo,
pelo menos nos tempos recentes. Segundo dados do DAC da OCDE,51 o aporte da AOD
líquida ao Brasil é da ordem de US$ 370 milhões por ano, em média. Em 2007, o valor
foi de US$ 321 milhões. No ano seguinte, subiu para US$ 460 e, em 2009, voltou a
baixar para US$ 338. O valor teria sido da ordem de US$ 300 milhões no começo da
década de 2000. Os principais doadores na atualidade são, de longe, Alemanha e
Japão. Seguem-se França, Espanha, União Europeia, Estados Unidos, GEF/PNUD, Itália,
Noruega e Fundos Especiais do BID. Note-se, contudo, que a cooperação é pequena
se comparada com o PIB do país: é menor do que 0,02%. Seria interessante realizar
uma avaliação da evolução do conteúdo da agenda da cooperação recebida, pois existe
a hipótese de que ela vem se alterando, passando de uma atuação mais tradicional de
cooperação (nas áreas de pobreza, saúde, saneamento, educação e meio ambiente,
entre outras) para temas considerados mais estratégicos diante do papel de global
player que o Brasil vem ocupando no cenário internacional: mudanças climáticas,
Amazônia, segurança, energia, fóruns globais de decisão (G20, OMC, ONU, IFIs, etc.)
e cooperação triangular. Ademais, acredita-se que os instrumentos de cooperação
também estejam passando por mudanças. Assim, por exemplo, recentemente, a União
Europeia (UE) anunciou que irá encerrar a cooperação bilateral com o Brasil.52
Entretanto, as relações Brasil/UE vêm se intensificando desde 2007, quando o Brasil
virou parceiro estratégico da Comunidade Europeia. Desde então, são realizadas
cúpulas anuais entre ambos os parceiros e celebrados Planos de Ação Conjunta com
duração de três anos. O último Plano 2012-2014 foi acordado em Bruxelas (Bélgica),
no final de 2011, e contém propostas de atuação concertada em áreas como: promoção
da paz e da segurança; parceria econômica, social e ambiental; cooperação em ciência,
tecnologia e inovação; cooperação regional e cooperação triangular; intercâmbio em
áreas de educação e cultura; e aproximação das sociedades civis.
Ainda que o Brasil não faça parte do grupo dos “doadores tradicionais” reunidos no
marco do DAC da OCDE, o país vem participando dos Fóruns de Alto Nível da OCDE,
mas apresenta críticas ao seu funcionamento, pois considera que a visão ainda é
predominantemente North-driven. O Brasil entende que a concepção do sistema de
desenvolvimento mundial é rígida, na qual os países só podem ser classificados como
“doadores” ou “receptores”, pois não há o entendimento de que os países são
“parceiros” e de que os princípios que deveriam nortear a cooperação para o
51
A este respeito, consulte “Brazil at a Glance”, na página: <http://www.oecd.org/dataoecd/57/22/
1868114.gif>.
52
Note-se que esta cooperação bilateral mobilizava recursos de pequena monta. Segundo dados da
União Europeia para o período 2007-2013, o orçamento previsto para a cooperação bilateral é da
ordem de 61 milhões de euros. A este respeito, consulte a página: <http://eeas.europa.eu/
delegations/brazil/eu_brazil/tech_financial_cooperation/bilateral_coop/index_pt.htm>.
38
desenvolvimento são a igualdade entre as partes, o respeito por sua independência, a
soberania nacional, a diversidade cultural e de identidades, a diversidade linguística
e a não interferência nos assuntos domésticos. O Brasil lamenta ainda que a cooperação
Sul-Sul receba tão pouca atenção nos debates e defende um espaço de articulação
mais amplo, no marco da ONU (Campos et al., 2011).
2.3.2 A cooperação solidária recebida
No que se refere à cooperação recebida das agências não governamentais
internacionais, não há consenso entre especialistas. Na falta de dados abrangentes,
uns especulam que os recursos estariam diminuindo, enquanto outros avaliam que a
tendência não é de retração, mas de alteração de conteúdo das agendas associada a
fatores cambiais.
Com efeito, segundo alguns autores,53 os recursos da cooperação internacional
para a América Latina, incluindo o Brasil, estão se retraindo. As explicações para esta
mudança de comportamento são diversas, como, por exemplo:
√ O status do Brasil como país emergente passa a impressão, simplista, de que
estaria resolvendo seus problemas sociais e que, portanto, não precisa mais de
ajuda.
√ As organizações ecumênicas, as ONGs e os movimentos sociais brasileiros, bem
como suas redes, são vítimas de seu próprio sucesso. Sua força política e atuação
nas últimas décadas contribuíram para a volta da democracia e para a conquista
de inúmeros direitos. Tais elementos tornam mais complexo o contexto da
cooperação internacional com o Brasil e possibilitam o surgimento de distintas
leituras, que acarretam, em alguns casos, cisões de históricas relações de parceria.
Assim, por exemplo, são crescentes os questionamentos entre algumas agências
sobre a pertinência de se manter apoio a atores sociais brasileiros já dotados de
capacidades e habilidades que outros atores, de países mais pobres, ainda não
possuem. Também existem críticas à excessiva proximidade de determinadas
organizações e movimentos junto a governos – municipais, estaduais e federal –
pertencentes à coalizão política vencedora na década de 2000, o que não lhes
possibilita adotar uma postura crítica e autônoma. Verifica-se, ainda, o
questionamento, também simplista, ao fato de que as OSCs de base nacional não
envidaram suficientes esforços para captar recursos junto à sociedade brasileira.
√ A crise econômica que afeta os países desenvolvidos, diminuindo a capacidade de
mobilizar recursos públicos e privados.
√ Os critérios de partilha de recursos de parte das agências muitas vezes estão
centrados na temática da pobreza e não nas causas que geram esta mazela, como
53
A este respeito, veja Croce (2010), Caccia Bava (2011a e b), Fernández e Balbis (2011), Silva e Vargas
(2009), Luz e Wolff (2011) e Vargas e Ferreira (s/d).
39
a desigualdade. Além disso, a especialização crescente de algumas agências, que
passam a concentrar seus recursos em torno de temas específicos, não contribui
para apoiar de forma adequada as demandas das organizações parceiras frente
às complexidades e ambiguidades do contexto brasileiro atual.
√ A crescente competição das agências internacionais com as organizações
nacionais. Muitas das agências internacionais se nacionalizam ou estão em
processo de nacionalização (tais como: WWF, Greenpeace, ActionAid, Oxfam, Anistia
Internacional, Save the Children) e passam a disputar recursos com as nacionais.
Trata-se de uma disputa desigual, uma vez que as agências internacionais possuem
vantagem comparativa, na medida em que dispõem de recursos financeiros, marca,
tecnologia, conhecimentos, etc.
Note-se, contudo, que esta posição é questionada por alguns especialistas. Para
autores como Ribeiro (2011), a cooperação internacional no Brasil não estaria
diminuindo: o que estaria acontecendo é uma mudança de enfoque associada a fatores
cambiais. Segundo a dirigente da Associação Brasileira de Organizações Não
Governamentais (ABONG), a forte valorização do real, associada à desvalorização do
euro e do dólar, resultou numa expressiva perda de recursos para as ONGs brasileiras
que dependiam da cooperação europeia e americana para o desenvolvimento de suas
atividades. Estima-se que a perda seja da ordem de um terço nos últimos cinco anos.
Tal diminuição de recursos em nada é influenciada pelas decisões das agências de
cooperação e das avaliações dos governos dos países desenvolvidos sobre a
capacidade do Brasil de resolver, sozinho, seus problemas. Como segundo fator, a
especialista menciona a tendência à concentração de recursos: a cooperação externa
mantém o volume de recursos que aporta no país, mas diminui o número de projetos
apoiados, favorecendo organizações com maior capacidade de impacto. Por fim, novos
enfoques e estilos de relacionamento das agências de cooperação com seus parceiros
correspondem a um fator adicional (que produz mudanças) e reconfiguram o campo.
Agências com as quais organizações e movimentos sociais brasileiros construíram
relações de confiança e conhecimento mútuo nas décadas de 1970, 1980 e 1990 estão
sendo alteradas, no período recente, por revezes devidos a questões de ordem política
em seus países de origem. Alguns governos europeus inclinam-se à direita, colocando
na defensiva setores simpáticos a agendas progressistas de política externa. A eficácia
das organizações da sociedade civil na assistência ao desenvolvimento é regularmente
questionada. Por tal razão, passam a ser exigidos delas, cada vez mais, resultados
mensuráveis quantitativamente e focalização do investimento no combate à pobreza.
Tais exigências são transferidas às contrapartes no Brasil, o que vai tornando mais
difícil a manutenção de parcerias estratégicas de longo prazo.
Ainda segundo Ribeiro, neste cenário reconfigurado nem tudo é adversidade. Um
conjunto não negligenciável de países desenvolvidos continua identificando o Brasil
como país estratégico, por razões tanto econômicas quanto políticas, e mantendo o
40
PESQUISA INESC
fluxo de recursos de AOD. No âmbito da sociedade civil, também um número importante
de agências de cooperação permanece no país, tratando de afirmar seus princípios
políticos e buscando com suas contrapartes nacionais novas estratégias para tornar
mais efetivas e visíveis as conquistas em termos de empoderamento de setores sociais
mais vulneráveis e de identificação de alternativas de desenvolvimento sustentável.
Este é o caso de muitas agências ecumênicas europeias, que não estão encolhendo
sua presença no Brasil, nem concentrando seus recursos em organizações de maior
porte, mas que continuam apostando fortemente numa agenda de defesa de direitos
humanos e de justiça social. Por tal razão, por exemplo, é consenso no âmbito da
ABONG que a aliança que se estrutura em torno do PAD é emblemática neste sentido.
Ribeiro conclui que existem elementos suficientes que indicam que o que se tem hoje
na área de cooperação internacional no Brasil não é abandono, mas sim uma disputa
sobre a relevância das organizações da sociedade civil como promotoras do
desenvolvimento e sobre os princípios, métodos e objetivos da cooperação.
Estudo coordenado por Biekart (2005) para a América Latina vai na mesma direção:
segundo o pesquisador, as principais agências de cooperação europeias não teriam
reduzido os recursos destinados à região entre os anos de 1990 a 2005:
Primero, ha habido una reducción gradual de la asignación relativa de presupuestos a América
Latina, especialmente después del año 2000. Pero como los presupuestos de las agencias
también han crecido sustancialmente en los últimos años, el volumen de financiación para
Latinoamérica en términos absolutos no parece haber decido significativamente. De hecho,
se puede detectar más bien un leve incremento en el lapso de 1995 al 2000 (…). La segunda
tendencia, muy notable es que la gran mayoría de agencias europeas no ha experimentado
recortes en sus presupuestos dedicados a América Latina durante la década pasada (Biekart,
2005: 18).
Ainda que, em geral, os recursos não tenham diminuído, observaram-se mudanças
de foco tanto nos países atendidos – por exemplo, saem de cena Argentina, Chile e
Uruguai e entram Bolívia, Colômbia e Haiti – quanto na diminuição de parceiros latinoamericanos:
La reducción del número de contrapartes es especialmente visible en los 4-5 años pasados,
debido a que las cifras estaban aun en aumento a finales de los 90s (...). El sistema (los
donantes de los donantes) estimula la tendencia a apoyar programas de gran envergadura
incluso con organizaciones más grandes, en tanto que estas minimizan el overhead por cada
euro del donante gasto (Biekart, 2005: 21).
No que se refere à atuação futura, segundo Biekart (2005), as agências estariam
diminuindo seus aportes na provisão de bens e serviços sociais e fortalecendo a área
de campanhas de modo a comprometer os estados dos países em desenvolvimento –
em âmbito nacional, regional e local – a assumir suas responsabilidades. Na ocasião,
em meados da década de 2000, avaliava-se que a cooperação internacional privada
não iria diminuir drasticamente, mas paulatinamente: “La tendencia es más bien a
41
ener contrarpartes ‘estrategicas’ y a largo plazo, más que a alianzas orientadas a
proyectos de corto plazo” (Biekart, 2005: 21).
Entretanto, a crise que afetou o Ocidente em 2008, que, ao que tudo indica, terá
efeitos muito mais prolongados do que o inicialmente imaginado, pode comprometer
o cenário. Note-se, ainda, que novas posturas e novos temas de interesse dos países
doadores podem vir a alterar o conteúdo das agendas das agências de cooperação
privada e o volume de recursos aportados. Este é o caso da pressão que alguns governos
do Norte vêm pondo em suas ONGs: (i) para que procurem por fontes complementares
de recursos, como, por exemplo, junto à União Europeia ou ao setor empresarial (pois
tais setores terão influência no perfil futuro de atuação da cooperação solidária no
Brasil); e (ii) para que se envolvam em processos de cooperação Sul-Sul e cooperação
triangular. Além disso, novos temas de interesse geopolítico emergem, como a temática
dos bens comuns e os novos espaços multilaterais de poder (isto é: G20, BRICS, IBAS,
BASIC, UNASUL). Nestes casos, o Brasil – como poder emergente – é fundamental
para influenciar a agenda global.
Vê-se, pois, que não está clara a tendência da cooperação internacional não
governamental no que se refere à alocação de recursos. Entretanto, o que é comum a
todas as análises é que o conteúdo da cooperação está passando por transformações
radicais que podem comprometer parcerias históricas celebradas com organizações
brasileiras que foram cruciais nas conquistas obtidas pelo Brasil nos últimos 30 anos.
2.3.3 A cooperação de origem empresarial
Ao que tudo indica, a cooperação de origem empresarial deverá crescer no futuro
próximo, uma vez que todas as grandes transnacionais possuem sede no Brasil e
estão à procura de legitimidade política e social, bem como de novos mercados.
Estudos54 mostram que a atuação das empresas na área social em caráter voluntário
obedece a diversas motivações por vezes contraditórias: para uns, o investimento
social privado tem por objetivo complementar os recursos públicos, atualmente
insuficientes para fazer face à problemática social brasileira. Para outros, trata-se de
demanda de consumidores – tanto dos países de origem quanto dos países receptores
– cada vez mais conscientes, que pressionam as empresas para que incorporem nos
seus negócios novas dimensões que dizem respeito à vida social e cultural e à
preservação ambiental. Há, ainda, os que entendem o investimento social privado
como um recurso de marketing utilizado pelas empresas para minimizar as críticas
pelo poder excessivo que elas hoje detêm. Por fim, outros analistas avaliam que a
atuação empresarial na área social integra o movimento neoliberal, que busca
54
A este respeito, veja Croce (2010), Caccia Bava (2011a e b), Fernández e Balbis (2011), Silva e Vargas
(2009), Luz e Wolff (2011) e Vargas e Ferreira (s/d).
42
desmanchar as referências aos direitos sociais, considerados como entraves à
acumulação do capital.
Qualquer que seja a motivação, o que se observa, em geral, é que o setor empresarial
atua em áreas – como assistência social, alimentação, saúde, educação e cultura,
entre outras – que não comprometem sua imagem e que não dizem respeito às
verdadeiras causas da pobreza, da miséria e da desigualdade. Ainda que se verifiquem
melhorias nas condições de vida de milhares de pessoas, devido aos investimentos
sociais empresariais, tal atuação em pouco contribui para que os pobres se tornem
sujeitos de seus destinos.
3. A cooperação internacional oferecida: o Brasil parceiro
O governo brasileiro vem dando importantes passos no campo da cooperação
internacional com outros países do Sul e, em especial, com estados latino-americanos.55
Com o intuito de consolidar sua estratégia de ator global, os recursos alocados pelo
Executivo federal para a cooperação internacional56 têm crescido em tempos recentes.
De acordo com estudo publicado pelo IPEA, em parceria com a Agência Brasileira de
Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), 57 a
cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional foi da ordem de US$ 1,6
bilhão para o período de 2005 a 2009. E mais: em termos constantes, a cooperação
cresceu cerca de 50% no quinquênio. Já a revista The Economist apresenta dados
mais vultosos, ainda que as metodologias não possam ser comparadas: em matéria
publicada em julho de 2010,58 o semanário afirma que a cooperação brasileira pode
alcançar quantias da ordem de US$ 4 bilhões por ano. Mesmo que sejam de amplitudes
e origens distintas, tais dados permitem formular a hipótese de que, atualmente, o
Brasil aporta mais recursos para a cooperação internacional do que os recebe. Estudos
adicionais devem ser empreendidos para validar, ou não, tal hipótese.
Nos últimos 30 anos, a consolidação da democracia, o fortalecimento das organizações
e dos movimentos sociais, a reforma constitucional, a reformulação e a consolidação de
políticas sociais, o reconhecimento internacional destas e a maior estabilidade econômica
e financeira garantiram crescente consistência e viabilidade à cooperação brasileira,
que se intensifica nos anos 2000. O Brasil vem projetando uma presença internacional,
55
A este respeito, veja IPEA; ABC (2010); e Balanço de Governo 2003-2010.
Segundo o IPEA, existem cinco modalidades diferentes de cooperação internacional: assistência
humanitária; bolsas de estudo para estrangeiros; cooperação técnica, científica e tecnológica;
contribuições para organizações internacionais; e operações de paz. Entretanto, outras organizações
computam algumas ações (como o perdão da dívida de países pobres e juros subsidiados para obras
de infraestrutura) como se fossem recursos de cooperação.
57
IPEA; ABC (2010).
58
The Economist (2010).
56
43
na qual combina ações de assistência humanitária, programas de cooperação horizontal
e presença militar-policial. É o que mostra o estudo do IPEA realizado em parceria com a
ABC (2010), que representa um primeiro esforço na quantificação da atuação do Brasil
para além das fronteiras, bem como na prestação de contas à sociedade. Note-se que
os dados não podem ser comparados com a definição de AOD da OCDE, pois o IPEA
somente contabilizou os recursos alocados a fundo perdido.59
3.1 Panorama geral
Conforme mencionado anteriormente, o estudo do IPEA e da ABC (2010) revela que a
cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional (CID) foi da ordem de U$
1,6 bilhão, em valores constantes, para o período 2005-2009, o que equivale a uma
média de U$ 320 milhões por ano (veja a tabela 1). Note-se, contudo, que três quartos
deste valor correspondem a contribuições para organizações internacionais e bancos
regionais, cabendo às demais modalidades (assistência humanitária, bolsas de estudo
e cooperação técnica) o outro quarto. Destaque-se que, embora a assistência humanitária
represente o menor valor gasto (5% do total), este item multiplicou-se por 58 vezes em
cinco anos, saindo de U$ 750 mil em 2005 para U$ 44 milhões em 2009. Também se
observou sensível aumento da cooperação técnica, que era da ordem de U$ 18 milhões
em 2005 e elevou-se para U$ 48 milhões em 2009. Tais incrementos constituem um
sinal inequívoco da crescente importância que o Brasil vem atribuindo à cooperação
internacional, em um marco global de desenvolvimento econômico e social.
Tabela 1. Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional (2005-2009)
(Em US$ constantes)
Itens
Assistência humanitária
Bolsas de estudos para estrangeiros
Cooperação técnica
Contribuições para organizações internacionais
Total
Cooperação Brasileira para o
Desenvolvimento Internacional
(2005‐2009)
Total, US$ co nstantes
81.042.825,42
160.093.340,18
136.770.694,52
1.230.488.257,73
1.608.395.117,85
% em relação ao
total
5,04
9,95
8,50
76,50
100,00
Fonte: IPEA; ABC (2010: 21)
59
Segundo o IPEA; ABC (2010: 17), a cooperação brasileira para o desenvolvimento refere-se à
totalidade de recursos investidos pelo governo federal, totalmente a fundo perdido, no governo de
outros países, em organizações nacionais de outros países em território brasileiro ou em organizações
internacionais, com o propósito de contribuir para o desenvolvimento internacional, entendido
como o fortalecimento das capacidades de organizações internacionais e de grupos ou populações
de outros países para a melhoria de suas condições socioeconômicas.
44
PESQUISA INESC
No que se refere à assistência humanitária internacional (AHI), deve-se mencionar
que seu perfil tem mudado drasticamente nos últimos anos, uma vez que se constata,
atualmente, que há maior preferência dos países em oferecer a assistência de maneira
direta aos territórios acometidos pela calamidade ou pelo conflito, em vez de ajudar
por meio de organizações internacionais. Segundo o IPEA e a ABC (2010), em 2009,
97% dos recursos da AHI foram canalizados bilateralmente, sem a mediação de
organismos internacionais. Este percentual era da ordem de 42% em 2005. A
distribuição geográfica da assistência humanitária do Brasil é majoritária em países
da América Latina e do Caribe, que receberam 76% da ajuda enviada diretamente aos
países beneficiados, especialmente Bolívia, Paraguai, Haiti, Cuba, Jamaica, Peru,
Honduras e Nicarágua. A Ásia beneficiou-se com 16% e a África com 8%.
As principais áreas da AHI referem-se à alimentação e aos direitos humanos. Quanto
à forma de utilização dos recursos desembolsados, pode-se destacar as doações em
espécies (alimentos e medicamentos), o repasse de recursos às embaixadas brasileiras
para a compra de produtos no mercado local, bem como os custos com serviços de
frete, com passagens e diárias, com utilização de materiais e equipamentos, com a
hora técnica de profissionais brasileiros e com custos administrativos associados à
AHI. Note-se, ainda, que a estratégia de assistência humanitária é definida por um
Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pelo Ministério das Relações Exteriores
(MRE), que conta com a participação de organizações da sociedade civil.60
Em resumo, a assistência humanitária brasileira distingue-se daquela praticada
pelos países do Norte porque privilegia:61
√ As compras locais de alimentos, principalmente aqueles produzidos por agricultores
de base familiar.
√ Ações de resposta que prevejam a rápida recuperação socioeconômica.
√ A participação da sociedade civil na construção, na execução e no controle social
dos projetos.
√ A implementação de ações pós-emergenciais para que os países e suas populações
se tornem capazes de superar suas vulnerabilidades de longo prazo.
Vê-se, pois, que o Brasil tem procurado imprimir uma marca diferenciada no
atendimento de emergências, o que contribui para influenciar tanto os governos dos
países parceiros como os próprios organismos multilaterais. Este é o caso, por exemplo,
do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que moldou o programa Purchase for
Progress (P2P), inspirado no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo
brasileiro. O PAA compra localmente alimentos da agricultura familiar para doá-los,
60
Trata-se do Grupo de Trabalho Interministerial de Cooperação Humanitária Internacional (GTICHI), criado em 2006. Reúne 15 ministérios sob a coordenação da Coordenação-Geral de Ações de
Combate à Fome (CGFome), do MRE. Representantes de organizações da sociedade civil participam
do GTI como observadores.
61
A este respeito, veja: MRE (2011).
45
na forma de cestas básicas, àqueles que, na outra ponta, estão em situação de
insegurança alimentar (vítimas de enchentes ou secas, desabrigados de todo o tipo,
acampados da reforma agrária, comunidades indígenas e quilombolas). O PAA também
abastece mercados institucionais, como escolas e hospitais, bem como mercados
privados (feiras, supermercados). Trata-se de programa que fortalece a agricultura
familiar, combate a insegurança alimentar e promove o consumo de uma alimentação
mais saudável, pois, em geral, refere-se a produtos básicos produzidos sem agrotóxicos
e sem sementes modificadas.
A concessão de bolsas para alunos estrangeiros que realizam seus estudos no Brasil
ou no exterior é uma das modalidades mais tradicionais da cooperação no país.
Comparando-se os gastos realizados nas demais modalidades de cooperação
internacional, o volume de recursos para a concessão de bolsas se apresenta constante
no quinquênio 2005-2009.
No que se refere à área de cooperação técnica, científica e tecnológica, o Brasil
reúne consideráveis acervos de tecnologias, conhecimentos, técnicas e experiências
que podem ser partilhados com outros parceiros do Sul, o que explica o expressivo
incremento desta modalidade no período analisado, conforme assinalado
anteriormente. A absoluta maioria dos recursos (97%) é utilizada em treinamentos e
capacitações. Os custos administrativos associados e as atividades são implementados
bilateralmente. As áreas de atuação são as mais diversas, podendo-se destacar:
agricultura, saúde, transferência de renda, segurança alimentar, educação, sistemas
de informações, entre outras.
As contribuições do governo brasileiro a organismos internacionais e a destinação
de recursos para a integralização de capital dos bancos regionais correspondem, de
longe, à principal modalidade de cooperação. No âmbito da ONU, o país participa de
operações de paz, sobretudo no Haiti, acolhe número cada vez maior de refugiados e
aporta contribuições crescentes junto a organismos internacionais, tais como:
Organização Mundial da Saúde (OMS), Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR), Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação (FAO), Programa Mundial de Alimentos (PMA) e International Strategy
for Disaster Reduction (ISDR), entre outras. Na esfera regional, menção especial deve
ser feita às contribuições para o Fundo de Convergência Estrutural e de Fortalecimento
Institucional do Mercosul (Focem). O Fundo é constituído por aportes anuais de US$
100 milhões, dos quais o Brasil aporta 70%. A outra parte das contribuições refere-se
aos repasses aos bancos de desenvolvimento – Banco Mundial, Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) e Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Tais recursos
representam 37% das contribuições a organismos internacionais e 28% do total da
cooperação brasileira para o desenvolvimento.
46
PESQUISA INESC
3.2 Vantagens e desafios da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional
3.2.1 Uma cooperação marcada pela solidariedade e pela procura da sustentabilidade
Segundo declarações de oficiais do governo brasileiro,62 a cooperação técnica
horizontal (ou cooperação Sul-Sul) é balizada pelo conceito de diplomacia da
solidariedade, na qual o Brasil coloca à disposição de outros países em desenvolvimento
as experiências e os conhecimentos de instituições especializadas nacionais, com o
objetivo de colaborar na promoção do progresso econômico, social, cultural e
institucional de outros povos. Ao promover a cooperação bilateral, o Brasil tem particular
cuidado em atuar com base nos princípios do respeito à soberania e da não intervenção
em assuntos internos de outras nações. Ainda segundo autoridades brasileiras, em
suas relações com os países em desenvolvimento, o governo federal busca se distinguir
pelo compromisso em conceber, de forma conjunta com o país parceiro, iniciativas
ancoradas no desenvolvimento efetivo de capacidades locais, abordagem que fortalece
o exercício da apropriação e potencializa a autoestima dos beneficiários diretos dos
programas, dos projetos e das ações.
Além disso, mais recentemente, o governo tem buscado envolver movimentos e
organizações sociais em formas de cooperação com a sociedade civil, procurando
trazer para o debate suas experiências de participação social. Conforme destaca Caccia
Bava:
Não é demais lembrar a importância e a projeção internacional que tem o OP, o
Orçamento Participativo, como experiência inovadora de um governo democrático. Ele
começou em Porto Alegre cerca de vinte anos atrás, e hoje é adotado por 13.500
municípios distribuídos em todo o planeta (Caccia Bava, 2011b: s/p).
Pode-se mencionar, ainda, a participação de organizações da sociedade civil no
Grupo de Trabalho Interministerial de Cooperação Humanitária Internacional (GTI-CHI),
coordenado pelo MRE. Merece especial destaque a experiência brasileira com o
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que foi referência
para a reforma do Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas (CSA), que
aconteceu em 2009 e introduziu, em caráter inédito, o mecanismo oficial de participação
de organizações da sociedade civil.63
A cooperação brasileira apresenta uma série de vantagens na promoção do
desenvolvimento internacional,64 como, por exemplo, maior adequação às demandas
e à necessidade dos parceiros. Com efeito, a proximidade quanto ao estágio de
62
A este respeito, veja também: IPEA; ABC (2010) e MRE (2011).
A este respeito, consulte as páginas do Consea: <http://www4.planalto.gov.br/consea/
internacional> e do Civil Society for the Committee on World Food Security: <http://cso4cfs.org/civilsociety-mechanism>.
64
A este respeito, veja: ODI (2010); ABONG (2011).
63
47
desenvolvimento e a similaridade nas dinâmicas econômicas e sociais favorecem a
atuação do Brasil nos países com os quais coopera. Além disso, a história do Brasil se
assemelha às histórias de muitos países que ele apoia. Por isso, tende a financiar setores
produtivos e que promovem mudanças mais estruturais, em detrimento de uma ajuda
de caráter mais assistencialista, tradicionalmente implementada pelos países ricos. Por
fim, o Brasil é, simultaneamente, beneficiário e promotor de cooperação internacional,
o que lhe dá melhor condição de entender as necessidades dos países parceiros.
Outra vantagem da cooperação brasileira diz respeito à ausência de
condicionalidades e de regras de “ajuda casada” (aquelas por meio das quais os países
receptores ficam obrigados a comprar dos países donatários produtos e serviços
associados ao apoio) atreladas à cooperação. Trata-se de uma relação mais horizontal,
de parceria, de estabelecimento de objetivos partilhados por ambas as partes.
É por todas estas razões que a cooperação Sul-Sul brasileira tem crescido, assim
como a cooperação triangular. O Brasil tem privilegiado a América Latina,65 ainda que
suas ações de cooperação se estendam também para os continentes africano e asiático.
Exemplos de cooperação triangular envolvendo o Brasil
A CSS brasileira está ampliando o leque de parceiros, envolvendo cada vez mais agências e
programas da ONU e os departamentos de cooperação de países da OCDE (como, por exemplo, JICA, GIZ,
AECID e DFID) e da União Europeia, o que faz do Brasil um dos principais protagonistas da cooperação
Sul-Sul. A seguir, apresentam-se alguns exemplos de cooperação triangular que envolvem o Brasil:66
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Brasil e França em atuação na área de agricultura em Moçambique.
Brasil e França no desenvolvimento de projetos de aquicultura em Camarões.
Brasil, Argentina, Canadá e Espanha na promoção da construção de hortas no Haiti.
Brasil e Espanha em projetos de reflorestamento no Haiti.
Brasil e Canadá em projetos de imunização no Haiti.
Brasil e Noruega no fortalecimento institucional dos governos de Angola e de Guiné-Bissau.
Brasil e Espanha em projetos de saneamento na Bolívia.
Brasil e Alemanha na prevenção e no combate à aids em países da América Latina.
Brasil e Itália em projetos de mobilidade urbana em Moçambique.
Segundo informações do governo brasileiro,2 em 2010, a ABC mantinha 19 projetos de cooperação
triangular em negociação ou em execução, com orçamento total de US$ 49 milhões, dos quais a
Agência brasileira financiava pelo menos 30%. Com o Japão, destaca-se o projeto de desenvolvimento
agrícola da savana tropical em Moçambique (PROSAVANA), executado pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e pela
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER). Também em Moçambique, o projeto de
apoio à inovação tecnológica é realizado em parceria com The United States Agency for International
Development (USAID). Na área ambiental, a partir da experiência bilateral com a Alemanha, foram
concebidos projetos em benefício ao Peru, para disseminação de políticas para a Amazônia. Os
projetos trilaterais aprovados entre 2003 e 2010 envolveram investimentos de aproximadamente
US$ 20 milhões do lado brasileiro, complementados por recursos mobilizados pelas contrapartes
bilaterais e multilaterais do Brasil.
65
Segundo dados da SEGIB (2009: 11), a cooperação Sul-Sul na América Latina foi da ordem de US$ 13
milhões em 2008. Destes 13 milhões, mais de 80% tiveram como ofertante o Brasil.
66
A este respeito, veja: Fordelone (2009).
48
PESQUISA INESC
Ainda que tímida, a cooperação brasileira tem sido, em geral, movida por princípios
alinhados a visões de relações equânimes e de justiça social, constituindo-se em
importante instrumento de política externa. De fato, o Brasil acumulou significativos
resultados na implementação de suas políticas sociais. À medida que estas se
ampliavam e se consolidavam internamente, o governo recebia crescentes pedidos
para compartilhar suas experiências e boas práticas com países parceiros. A
repercussão positiva destas políticas, por sua vez, garantiu ao Brasil crescente
reconhecimento internacional, consolidado, sobretudo, ao longo da primeira década
do século XXI. Mais de uma centena de instituições brasileiras do governo federal,
entre ministérios e entidades vinculadas, estão hoje diretamente envolvidas nas ações
de cooperação internacional. Entretanto, apesar das citadas características positivas,
a cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional ainda é eivada de tensões
e contradições, que – se não forem abordadas adequadamente – podem levar a
comprometer sua efetividade no futuro próximo.
3.2.2 As ambivalências e ambiguidades da CID brasileira
O sucesso da cooperação brasileira oferecida corre riscos a médio e longo prazos
se alguns desafios que desde já se vislumbram não forem enfrentados a contento. A
seguir, listam-se alguns destes gargalos.
a) Recursos ainda pouco expressivos
Conforme observado anteriormente, as verbas alocadas à cooperação para o
desenvolvimento são da ordem de US$ 320 milhões ao ano, o que corresponde a cerca
de 0,02% do PIB do país. Ainda há espaço para crescimento, pois – segundo depoimentos
de representantes do governo e de organismos internacionais que atuam no país –
existe enorme demanda por projetos vinda de países em desenvolvimento que aguardam
apoio do Brasil. Outro exemplo pode ser dado pelo aporte relativamente pequeno do
Brasil ao Focem, considerando-se, de um lado, o porte da economia brasileira e, de
outro, as enormes assimetrias existentes entre os integrantes do Mercosul.
b) Predominam os repasses a organismos internacionais e, em especial, a bancos
de desenvolvimento
Soma-se à baixa disponibilidade de recursos o fato de que a cooperação bilateral
absorve somente um quarto das verbas alocadas para a CID brasileira. O restante, a
maior parte, se destina a organizações internacionais e, especialmente, aos bancos
de desenvolvimento, como o Banco Mundial, o BID e o BAD, que, conjuntamente, se
apropriam de pouco mais de um quarto dos recursos (28%). São bem conhecidas as
críticas à atuação destas instituições, que, em geral, impõem condicionalidades, pouco
se preocupam com as reais necessidades das comunidades locais, são pouco
transparentes e nada representativas dos interesses dos países a quem devem servir.
49
c) Ausência de marco regulatório apropriado
A Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores
(MRE), vem buscando profissionalizar e aprimorar sua atuação, mas enfrenta
dificuldades devido à falta de instrumentos adequados e à inexistência de um marco
legal que possibilite o desenho, a coordenação e a implementação de uma efetiva
estratégia de cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional.
Levantamentos iniciais realizados pelo próprio governo identificam dezenas de
instituições federais que desenvolvem ações de cooperação com países em
desenvolvimento, nem sempre de forma articulada e integrada. Conforme destaca
Hirst (no prelo), observa-se um “déficit regulatório”, o que gera como consequência
uma situação de insegurança jurídica e, muitas vezes, provoca atrasos ou soluções
administrativas improvisadas. Se o Brasil quiser assumir papel de destaque no cenário
internacional, especialmente buscando imprimir novos valores e práticas nas políticas
de cooperação, deve, urgentemente, criar uma institucionalidade capaz de dar
sustentação a este protagonismo.
À ausência de um marco regulatório apropriado somam-se as dificuldades que o
Brasil enfrenta para suas próprias estratégias de redução de riscos de desastres e de
reconstrução frente às crescentes catástrofes climáticas que se abatem anualmente
sobre o país. Todo ano, centenas de pessoas morrem e milhares ficam desabrigadas
em consequência de secas ou enchentes. Apesar de tratar-se de eventos previsíveis,
muito pouco é feito tanto para preveni-los como para a reintegração social e econômica
das vítimas. Além de um sistema de Defesa Civil pouco operante, a falta de
planejamento acompanha e agrava outros erros, tanto administrativos como
ambientais, sem deixar de mencionar a existência de sistemáticos processos de
corrupção e de desvio de recursos públicos para fins privados. Este quadro interno é
bastante inquietante para a cooperação internacional, uma vez que, se o país não
criar políticas e instituições específicas, salvaguardas e mecanismos de monitoramento
da aplicação dos recursos, corre-se o risco de exportar para outros países menos
desenvolvidos modelos de Redução de Riscos e Desastres (RRD) e de reconstrução
reprodutores de pobreza, miséria e desigualdade.
d) Fronteiras por vezes tênues entre o sentido público e os interesses comerciais e
políticos
A vinculação entre interesses econômicos e as ações de cooperação internacional
poderá se tornar um tema sensível para a CSS brasileira. Na maior parte dos casos,
são as embaixadas brasileiras nos países que promovem as ações de cooperação e,
em geral, tendem a fazer prevalecer os interesses comerciais, especialmente devido
à falta de política e de instrumentos de cooperação Sul-Sul. Conforme alerta a ABONG
(2011), as relações entre o Brasil e os países latino-americanos, africanos e asiáticos
50
nos anos recentes ilustram a integração entre a política de cooperação, a intensificação
das relações comerciais e o investimento de empresas brasileiras (isto é: Petrobras,
Vale, Odebrecht, OAS), em especial nas áreas de mineração e infraestrutura. Neste
contexto, entende-se que não é possível julgar a eficácia da CID brasileira sem aquilatar
a coerência entre essas diversas frentes:
Até que ponto as atividades envolvidas no comércio, no investimento empresarial em
infraestrutura, a assistência técnica e a ajuda humanitária promovem, de fato e no conjunto,
o direito das nações africanas ao desenvolvimento justo e sustentável? O mesmo raciocínio
é válido com relação à presença do Brasil na América Latina e na Ásia (ABONG, 2011).
Outra vinculação que também pode suscitar questionamentos diz respeito às
ambições internacionais do Brasil, que adquiriram maior visibilidade a partir do governo
Lula. O país busca projetar-se como ator com influência na configuração da agenda
Sul-Sul, de modo a expandir e consolidar sua atuação em espaços e processos de
negociações regionais e globais. Neste sentido, a cooperação oferecida pelo Brasil é,
por vezes, carregada de um sentido instrumental para a política externa, o que permite
identificá-la como uma ferramenta de poder brando (Hirst, no prelo).
Um exemplo de intervenção Sul-Sul eivada de ambivalência e ambiguidades é a
presença do Brasil no Haiti. A crescente hostilidade em relação à Missão de
Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah) e as críticas à falta de resultados
da cooperação internacional no país parecem colocar em evidência a exaustão desta
forma de cooperação.68
e) Insuficiente accountability
Apesar dos esforços recentes do IPEA, da ABC e do CGFome, do MRE, em divulgar
dados sobre a atuação do Brasil no campo da cooperação internacional, as informações
ainda são insuficientes, especialmente do ponto de vista qualitativo. Sabe-se muito
pouco sobre quais ações são empreendidas, que organizações e países parceiros estão
envolvidos, quem são os beneficiários e quais são os resultados e impactos dessas
parcerias.
f) Falta de participação social
Ainda que existam algumas iniciativas de envolvimento da sociedade civil brasileira
em atividades de cooperação, especialmente na área de ajuda humanitária, em geral,
a cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional não prevê a participação
68
A este respeito, veja a carta que alguns ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, centenas de ONGs,
legisladores e personalidades de mais de 40 países entregaram ao secretário-geral da ONU, em
outubro de 2011, reclamando a imediata retirada das tropas internacionais do Haiti. Para mais
informações, acesse a página: <http://www.dominionpaper.ca/weblogs/wadner_pierre/4207>.
51
social nem no desenho, nem na implantação, nem no monitoramento e nem na
avaliação das ações. Assim, não há, até o momento, qualquer apropriação democrática
das práticas de cooperação do Brasil para o fortalecimento do desenvolvimento
internacional. É por esta razão que a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP)
vem defendendo a criação do Conselho Nacional de Política Externa, para que integre
os diferentes atores envolvidos com cooperação internacional.69
3.3 A cooperação brasileira não governamental oferecida
A partir do final do século passado, as ONGs, as organizações ecumênicas e os
movimentos sociais brasileiros pertencentes ao chamado campo democrático e popular
passaram a se articular com organizações e movimentos de outros países, conformando
redes internacionais que operavam no monitoramento e no questionamento do papel
das instituições multilaterais, bem como no acompanhamento do ciclo de conferências
promovidas pela ONU. Neste início de século, foi o Fórum Social Mundial (FSM) a face
mais importante da ação internacional das organizações brasileiras, evento que reúne
seus participantes sob o lema de que “Um Outro Mundo é Possível”. Nascido em Porto
Alegre (RS), o Fórum Social Mundial espalhou sua metodologia e sua indignação por
todos os espaços internacionais, multiplicando-se em fóruns regionais, nacionais, locais
e temáticos e mostrando a força da unidade da sociedade civil na sua diversidade de
trajetórias, agendas e práticas.70
É importante destacar que a efetiva atuação das organizações brasileiras deve-se,
em grande parte, ao esforço de solidariedade das agências internacionais, entre elas
as ecumênicas, especialmente as europeias. Foi o apoio dessas entidades que
possibilitou a construção e a consolidação de tecnologias, práticas e formas de
intervenção que resultaram no dinamismo da sociedade civil brasileira. Este apoio
deve permanecer se as agências do Norte almejam poder influenciar os espaços globais
de tomada de decisão.
Merecem também menção experiências como as do Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST)/Via Campesina, que estão no Haiti desde janeiro de 2009, por meio
da Brigada Dessalines. O trabalho da brigada acontece diretamente com os movimentos
camponeses haitianos e está centrado em frentes, tais como: a produção de sementes
de grãos e hortaliças, uma vez que a maior parte delas é importada; a construção do
69
Para mais informações sobre as propostas da REBRIP, acesse a página: <http://www.REBRIP.org.br/
_REBRIP/pagina.php?id=2621>.
70
A este respeito, veja o artigo de Opinião da ABONG, de autoria de Sérgio Haddad, intitulado “A
importância da incidência política internacional de ONGs brasileiras”. Disponível na página: <http:/
/www.ABONG.org.br/informes.php?id=4708>.
52
PESQUISA INESC
Centro Nacional de Formação e Agroecologia; o reflorestamento, por meio da
implantação de viveiros de árvores frutíferas e lenhosas; a criação da Escola Técnica
de Agroecologia, voltada para a formação e a capacitação de nível médio para jovens;
a instalação de cisternas e sistemas de captação de água, entre outras tantas
atividades de cooperação entre os movimentos camponeses de ambos os países.
Agora, novos desafios emergem no cenário internacional para o trabalho de
incidência de ONGs, organizações ecumênicas e movimentos sociais brasileiros, como
o monitoramento dos poderes emergentes da geopolítica global, incluindo o Brasil,
em temas que vão desde o modelo de desenvolvimento até a nova conformação da
cooperação internacional. Além disso, as organizações brasileiras são cada vez mais
demandadas, pelas suas congêneres do Sul, a partilhar suas experiências nas áreas
de participação social, segurança alimentar e nutricional, agroecologia, economia
solidária e popular, orçamento público, redução de riscos de desastres, formação
política de dirigentes de movimentos sociais e sindicais, entre tantas outras. Além
dos temas, das tecnologias e do conhecimento, o trabalho conjunto com entidades
brasileiras é valorizado pelas mesmas razões da CID: semelhanças culturais, respeito
às reais necessidades do parceiro, capacidade de adaptação a situações adversas,
compreensão da dimensão política dos problemas locais, etc. Tais demandas iniciam
uma fase inédita de atuação das organizações brasileiras, que – para além da incidência
– devem promover doravante um esforço de solidariedade para com seus pares de
países menos desenvolvidos. Aqui, também, a manutenção do apoio das agências do
Norte é central, não somente porque a atual legislação brasileira não permite que as
entidades não governamentais nacionais transfiram recursos para outros países, como
porque as organizações brasileiras ainda não têm conhecimento e expertise para atuar
fora do país.
Note-se que também deverão crescer as ações sociais de transnacionais brasileiras
em países do Sul, devido à expansão dos negócios dessas empresas. Urge, pois,
desenvolver e implementar mecanismos de monitoramento dessas ações. O apoio
das agências internacionais não governamentais nesse campo é igualmente crucial,
devido à sua presença em diversos desses países, o que lhes possibilita estabelecer –
em parceria com as organizações, as entidades ecumênicas e os movimentos brasileiros
e suas redes – as conexões entre o local, o nacional, o regional e o internacional.
53
. Os impactos do Brasil emergente na América do Sul
Como foi visto no capítulo 1 do presente documento, o Brasil é um país estratégico
no cenário internacional dos pontos de vista geográfico, político, econômico e social.
Estas características de país emergente têm contribuído para reorganizar a geopolítica
global, dando efetivamente mais voz aos países do Sul.71 O governo do Brasil tem
dado prioridade à América do Sul, buscando barrar as forças liberalizantes
internacionais – como foi o caso quando não apoiou a criação da Área de Livre Comércio
das Américas (Alca) em 2005 –, aumentando significativamente seus investimentos
na região e intensificando a cooperação Sul-Sul. Para isso, o país vem fortalecendo
espaços de integração regional, como o Mercosul e a UNASUL; subsidiando
vultosamente grandes empresas brasileiras que atuam na América do Sul por intermédio
do BNDES; e promovendo programas de cooperação bilateral, especialmente nas áreas
social, de agricultura familiar e de segurança.
O papel cada vez maior que o Brasil exerce na região deve-se, em parte, ao seu
crescente peso econômico e, em parte, à perda de peso relativo dos Estados Unidos
no continente. Segundo Sorj e Fausto (2011), os fatores que influenciam a aposta do
Brasil na integração sul-americana são os seguintes:
a) A avaliação de que a integração regional serve ao objetivo prioritário de assegurar
mais poder e autonomia ao Brasil em sua ampla estratégia de inserção na economia
global e projeção no sistema internacional.
b) A importância econômica da região para o país: a América do Sul absorve cerca de
20% das exportações brasileiras e é destino importante para suas manufaturas.
Além disso, existe potencial importante de integração em temas como energia,
infraestrutura e recursos naturais, bem como a Amazônia.
c) A criação do North American Free Trade Agreement [Tratado de Livre Comércio da
América do Norte] (Nafta) e o fracasso da ALCA consolidaram a ideia de “América
do Sul”, substituindo a de “América Latina”.
d) A importância cada vez maior dos fluxos comerciais e dos investimentos com a
China, hoje principal parceiro comercial do Brasil – o que reforça o seu perfil de
exportador de matérias-primas e importador de produtos manufaturados, além do
fato de que a grande capacidade comercial chinesa “rouba” o mercado regional
em detrimento dos produtos brasileiros.
e) A necessidade de maior controle das fronteiras diante do desenvolvimento de
redes criminosas articuladas em torno do tráfico de drogas, de armas e de seres
humanos.
71
Neste sentido, veja a liderança do Brasil em grupos de países como o G20 OMC, o G20 Financeiro,
o IBAS, o BASIC, assim como sua atuação em eventos globais, como as Cúpulas Climáticas e de
Desenvolvimento Sustentável, entre outras.
54
Pode-se adicionar ainda outro fator: o aumento da imigração. A crise nos países do
Norte, associada à imagem de um “Brasil pujante”, empurra levas de imigrantes para
o Brasil. Levantamento do Ministério da Justiça mostrou, em meados de 2011, que a
quantidade de estrangeiros que vivem no Brasil superou, pela primeira vez em 20
anos, o número de brasileiros que deixam o país para viver no exterior pelos mesmos
motivos. Segundo o Ministério da Justiça, o número de estrangeiros em situação regular
no Brasil aumentou em 52,4% somente no primeiro semestre de 2011, alcançando
cerca de 1,5 milhão de estrangeiros.72 Não há estatísticas oficiais sobre a quantidade
de imigrantes em situação irregular no país, mas os principais institutos e ONGs que
trabalham com este tema no Brasil calculam o número em torno de 600 mil, o que
levaria o total de estrangeiros que moram hoje no Brasil para mais de dois milhões,
quantitativo que representa pouco mais de 1% da população brasileira.
Um dos principais instrumentos do governo brasileiro para ganhar poder e influência
no mundo e na América do Sul, em especial, é o BNDES. E mais: o banco vem ganhando
espaço no cenário internacional. Recentemente, em setembro de 2011, o banco participou
da criação do Clube Internacional de Financiamento ao Desenvolvimento,73 criado para
coordenar a atuação dos bancos de desenvolvimento em todo o mundo. O foco do clube
é promover o desenvolvimento social e ambientalmente sustentável, a inovação e o
investimento em infraestrutura. Além do BNDES, integram o clube outras 19 instituições.
O presidente do BNDES é um dos quatro vice-presidentes do referido clube.
A atuação do banco, por meio de empréstimos subsidiados, busca promover
exportações de bens e serviços brasileiros; estimular a internacionalização de empresas
nacionais; e cobrir lacuna de crédito em alguns países. “A estratégia é que com os
investimentos são criados fluxos de comércio com os países da região. É algo que os
governos locais querem, porque gera emprego”, explica Luciene Machado,
superintendente de Comércio Exterior do BNDES.74 A instituição financeira vem
ampliando o crédito a empresas nacionais, permitindo uma expansão nunca vista das
multinacionais brasileiras na América Latina e no Caribe. Segundo cifras do próprio
banco, seus empréstimos para financiar obras de empresas brasileiras na região
cresceram mais de 1000% (mil por cento) entre 2001 e 2010,75 a maior parte na
América do Sul. O banco prevê que em 2011 seus investimentos na região cheguem a
valores da ordem de US$ 1 bilhão.
72
A este respeito, veja matéria no jornal “O Globo”, que pode ser acessada na página: <http://
oglobo.globo.com/economia/crise-global-crescimento-do-brasil-fazem-numero-de-imigrantescrescer-52-no-ano-superando-2-milhoes-3079211>.
73
Para mais informações, acesse o site: <http://www.idfc.org/>.
74
Depoimento dado ao site do “Terra”, em 9 de setembro de 2011: <http://noticias.terra.com.br/
i n t e r n a / 0 , , O I 5 3 3 8 9 6 9 - E I 8 1 7 7 , 0 0 Desembolsos+do+BNDES+a+America+Latina+crescem+vezes+em+anos.html>
75
Artigo do jornal “O Estado de São Paulo” de 9 de novembro de 2011. Acesse a página: <http://
www.estadao.com.br/noticias/internacional,bndes-impulsiona-maior-presenca-brasi leira-naamerica-latina,796686,0.htm>.
55
O apoio do BNDES às empresas brasileiras representa uma vantagem comparativa
frente a outras de países latino-americanos que não dispõem de instrumentos similares.
São especialmente as empresas do setor da construção civil que recebem apoio do banco:
Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão e Odebrecht. Os recursos destinam-se, sobretudo,
à construção de hidrelétricas, gasodutos, rodovias e transporte urbano. Os principais países
que recebem os investimentos do banco são: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador,
Guatemala, Nicarágua, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
O poder do BNDES é de tal monta que os empréstimos representam
financiamento praticamente sem risco. Assim, por exemplo, a linha de crédito à
exportação para a América Latina tem risco menor do que a média do banco, porque
os contratos são garantidos pelo Convênio de Crédito Recíproco (CCR), sistema
de compensação entre bancos centrais.
Se, por um lado, o BNDES tem contribuído para fortalecer a liderança do Brasil na
região e implementar projetos de infraestrutura que possibilitem maior integração
econômica dos países da América do Sul, por outro, este processo tem sido realizado
deixando rastros de violações de direitos humanos e de degradação ambiental,
evidenciando a face menos nobre da política externa brasileira. Segundo a Rede Brasil,
a estratégia de internacionalização das empresas brasileiras, especialmente na América
do Sul, tem como objetivo o monopólio dos mercados latino-americanos e o acesso
aos recursos naturais desses países. Recentemente, em novembro de 2011, um conjunto
de organizações brasileiras76 encaminhou carta ao Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas com recomendações para que o governo brasileiro cumpra as
obrigações internacionais e deixe de ser omisso frente às violações de direitos
humanos, em território nacional ou estrangeiro, cometidas por empresas,
especialmente aquelas financiadas pelo BNDES. “O Estado brasileiro não está
cumprindo com sua obrigação de ‘proteger’, isto é, de impedir que terceiros (neste
caso, as empresas) violem os direitos humanos e transgride também sua obrigação
de investigar e punir violações de direitos humanos, independentemente de quem as
cometa”, afirma o texto. O documento aborda três questões principais: barreiras ao
acesso à justiça, especialmente em relação aos danos causados pela indústria
extrativa; falta de controle sobre o duplo padrão de atuação das empresas brasileiras
no exterior; e, por fim, ausência de transparência do BNDES, agravada por uma avaliação
deficiente sobre os impactos socioambientais causados pelos projetos financiados.
Entre as recomendações diretamente relacionadas ao banco está a necessidade de
que a instituição financeira informe quais são os projetos que financia no exterior,
detalhando para cada item dados como os relacionados aos beneficiados, aos objetivos,
ao valor do financiamento, às condicionantes financeiras, ao prazo de pagamento,
aos impactos sociais e ambientais esperados, entre outras informações.
76
Ágere, Conectas, Instituto Mais Democracia, Justiça Global, Plataforma BNDES, Rede Brasil e Repórter
Brasil. Para mais informações, acesse o site da Plataforma BNDES no endereço:
<http://w w w.plataformabndes.org . b r /site/index.php/noticias /31-destaque/227-onu-receberecomendacoes-da-sociedade-civil-sobre-bndes>.
56
PESQUISA INESC
Tipnis: crônicas de uma tragédia anunciada
Os recentes episódios que aconteceram no Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure
(Tipnis), na Bolívia, são emblemáticos da postura do BNDES na promoção do chamado desenvolvimento
regional. O Banco financiou – a pedido do governo boliviano e por intermédio da construtora brasileira
OAS e da Agência Boliviana de Carreteras – a construção de uma estrada na Bolívia, sendo que parte
dela deveria atravessar o Tipnis, uma reserva de pouco mais de um milhão de hectares, onde vivem
cerca de 10 mil indígenas das comunidades de moxeño, yurakaré e chimane.
Após semanas de infrutíferos debates com o governo boliviano, em agosto de 2011, os líderes de
Tipnis decidiram impedir a construção da estrada. Os argumentos arrolados são diversos, podendose destacar: o impacto ambiental decorrente da chegada de colonizadores, plantadores de coca,
exploradores de madeira e hidrocarbonetos, reserva adentro, por intermédio da estrada; o não
envolvimento dos legítimos habitantes da reserva na discussão do projeto; e a denúncia de
superfaturamento das obras.
A resposta do governo boliviano foi brutal: resultou em confrontos com manifestantes pacíficos,
especialmente crianças e mulheres, bem como no pedido de demissão da então ministra da Defesa
daquele país, indignada com a postura de seu governo. Diante disso, o presidente Evo Morales
suspendeu as obras. Organizações bolivianas, brasileiras e de outros países, reunidas no marco da
Plataforma BNDES,77 vêm interpelando o BNDES quanto à sua corresponsabilidade nos conflitos
ocorridos na Bolívia.
Este desastroso incidente revela outra face da integração regional, que não é a dos povos, mas
dos interesses econômicos. Neste caso, o Brasil e suas instituições – banco público de
desenvolvimento, Ministério das Relações Exteriores e empresa privada, a OAS – não contribuíram
para promover a solidariedade internacional e o respeito aos direitos dos povos indígenas. Se é bem
verdade que o governo brasileiro deve respeitar a soberania do governo boliviano, principal
responsável pela construção da estrada, é também verdade que poderia evitar participar da imposição
de uma agenda que resultou em profundas violações de direitos humanos e ambientais, reforçando
a imagem “imperialista” do Brasil, em detrimento da imagem de “parceiro”, impulsor de uma nova
forma de fazer desenvolvimento.
Além disso, estudos78 mostram que, para estimular as exportações brasileiras e a
inserção externa das empresas nacionais, o BNDES condiciona os empréstimos à
contratação de serviços e produtos brasileiros. O repatriamento dos lucros feitos no
exterior é outro critério importante; no entanto, não existem informações claras sobre
como tais lucros são reinvestidos no Brasil. A falta de transparência e acesso público
aos términos dos empréstimos é um fator de preocupação e demanda de organizações
sociais brasileiras79 e sul-americanas.
A América do Sul é o espaço de legitimação de novo ativismo internacional brasileiro,
bem como área ampliada de acumulação de capital. Isso significa que a integração
77
A este respeito, acesse a página: <http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/noticias/
104-carta-em-defesa-dos-indigenas-na-bolivia>.
78
A este respeito, veja, por exemplo, Instituto Rosa Luxemburgo (2009).
79
A este respeito, consulte o site da Plataforma BNDES.
57
regional como locus privilegiado da política externa do Brasil, que possibilita a formação
de plataforma política para as pretensões globais do país, é também um espaço de
imbricamento dos negócios nacionais para além das fronteiras. Mais do que o resultado
aparente das vias de comércio, a relação econômica entre os países da América do
Sul tem-se adensado pela expansão do investimento brasileiro na região.80 As
ambivalências e ambiguidades da atuação brasileira na região devem-se ao fato de
que o Brasil ainda é um país emergente no cenário internacional: sabe que tem
responsabilidades para com os outros, mas ainda não sabe como exercê-las.
Entretanto, a relação do Brasil com os demais países da região vem reproduzindo o
mesmo padrão da divisão internacional do trabalho que caracteriza a clássica situação
de dependência, com o Brasil aumentando as exportações de produtos manufaturados
para os demais países da América do Sul, que, por sua vez, vêm aumentando o
fornecimento de produtos primários para o Brasil. No Brasil, segundo a Cepal (apud
Porto-Gonçalves: 2011), observa-se diminuição da participação dos produtos primários
na pauta de exportações: o país é o único da região sul-americana a diminuir as
importações dos demais países da região com relação ao aumento intrarregional das
suas exportações, sobretudo com seus produtos industrializados. De acordo com Fiori
(2010), o diferencial do Brasil entre o resto do continente está crescendo e deve ficar
ainda maior depois da crise econômica de 2008. Em 2001, o PIB brasileiro era inferior
à soma do PIB dos demais países sul-americanos. Oito anos depois, a relação mudou
radicalmente: o PIB brasileiro cresceu e atingiu valor que representa mais do que o
dobro da soma do PIB de todos os demais países da região. Neste mesmo período, a
economia brasileira obteve superávits comerciais expressivos e crescentes com todos
os países da região – com exceção da Bolívia –, paralelos ao aumento dos
investimentos privados brasileiros na América do Sul, que vêm progredindo de forma
constante em quase toda a região.
Segundo Porto-Gonçalves (2011), as grandes obras de infraestrutura previstas para
a região, como aquelas que se aglutinam ao redor da Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), não objetivam a integração física das
capitais dos Estados sul-americanos: têm por propósito interligar portos. A integração
regional deve cumprir papel de articular competitivamente a região aos mercados
mundiais. Assim, ignorar os territórios e povos que neles habitam e privilegiar os
fluxos em torno dos eixos implica reconfigurar, desconfigurar e configurar blocos de
poder que se articulam em torno dos Estados-nação. Além disso, ao privilegiar uma
integração regional na perspectiva de oportunidades que se abrem nos mercados
mundiais, não se parte das realidades locais que devem ser viabilizadas. Deste modo,
são ignorados os grupos sociais que se forjam nestas escalas, os quais tendem a
80
58
A este respeito, veja: Calixtre e Barros (2011).
PESQUISA INESC
aparecer como obstáculos a este projeto. As iniciativas de integração regional em
curso mantêm o silêncio em relação à diversidade biológica de áreas como o ChacoPantanal, os cerrados brasileiros, os llanos venezuelanos, a floresta amazônica, os
contrafortes andino-amazônicos e o Darién, que são áreas que se inscrevem como de
altíssima diversidade biológica e de disponibilidade de águas, entre os quais se inclui
o Aquífero Guarani, um dos maiores do mundo. Também mantêm o silêncio sobre
quem ocupa essas áreas. Assim, à medida que aumentam os investimentos brasileiros
diretos na região, o risco de tensões políticas tende a crescer, e não a diminuir. O
Brasil passa a ser percebido pelos vizinhos como um país “necessário”. Segundo Sorj
e Fausto (2011: 18), existem nos países da América do Sul um temor e uma resistência
ao “subimperialismo brasileiro” e à excessiva dependência econômica com relação
ao Brasil. Destaque-se que no Fórum Social Temático, realizado em Porto Alegre (RS),
na última semana de janeiro de 2012, oradores internacionais – como o sociólogo
português Boaventura de Souza Santos, o sociólogo venezuelano Edgardo Lander e a
feminista uruguaia Lilian Celiberti – denunciaram um “que” de neocolonialismo na
política externa brasileira.81
A integração regional de caráter liberal, fundamentada nas reformas de mercado,
ao integrar países com economias de magnitude desigual, tende a reproduzir
amplamente as desigualdades sociais, raciais, étnicas e regionais existentes. O
mercado não é o lugar de redistribuição social de renda e de riqueza. Para que esta
tendência possa ser revertida, é fundamental a definição clara do projeto político que
comandará a integração, uma vez que mesmo uma perspectiva liberal, de “reformas
de mercado”, implica forte apoio das instituições públicas. É o que se pode ver na
ação do BNDES no fortalecimento das grandes corporações com sede no Brasil. A
tensão vivida entre o BNDES e o Banco do Sul é emblemática do caráter contraditório
da integração regional em curso.
Desde os anos de 2000, ocorreu uma inflexão política na região. Além do progressivo
fortalecimento da democracia representativa nos países, viu-se a ascensão de
formações políticas identificadas com a esquerda na absoluta maioria dos países,
com exceção, na atualidade, do Chile e da Colômbia. Nessa mesma onda, fortalecemse os movimentos e as organizações da sociedade civil, que passam a defender pautas
políticas, econômicas, sociais e ambientais. Movimentos e organizações que ganham
relevância para além da dimensão nacional, explicitando com seu protagonismo o
aprofundamento e a complexificação das relações entre as escalas locais, nacionais,
regionais e globais. Neste contexto, o território e sua ocupação constituem-se numa
questão teórico-política que não pode mais ser ignorada. O aprofundamento dos
81
A este respeito, veja matéria do Repórter Brasil na página: <http://www.reporterbrasil.com.br/
exibe.php?id=1995>.
59
processos de globalização e integração regional sul-americana nas últimas décadas
complexificou o jogo geopolítico mundial não só porque realinhou a correlação de
forças entre Estados, mas também porque envolve outros protagonistas. A demanda
por matérias-primas, a revolução tecnológica e os debates ambiental e climático
proporcionaram a emergência de grupos sociais que até então se mantinham à margem
das relações políticas. E são esses grupos que precisam ser fortalecidos para lutar por
uma cooperação internacional para o desenvolvimento efetivamente justo e solidário.
5. Considerações finais: elementos para justificar a continuidade da
cooperação ecumênica no Brasil e no âmbito da América do Sul
5.1 Quatro argumentos para a cooperação permanecer no Brasil
Diante da discussão que precedeu este último capítulo, entende-se que existem quatro
grandes conjuntos de argumentos que justificam a permanência da cooperação
internacional não governamental no Brasil e, em especial, a cooperação ecumênica.
5.1.1 Combater as relações de poder que perpetuam a desigualdade e a miséria
O primeiro argumento diz respeito à necessidade de combater os arranjos societais
vigentes no Brasil, que, por um lado, contribuem para melhorar na superfície as
condições de vida de alguns segmentos da população brasileira e, por outro, mantêm
as perversas relações de poder que, até hoje, produzem e reproduzem desigualdades
e violam sistematicamente os direitos humanos. É por isso que, mesmo sendo
atualmente a sexta economia do mundo, o Brasil apresenta indicadores sociais muito
pouco compatíveis com o seu poder econômico e abriga contingentes populacionais
marginalizados equivalentes a populações inteiras de diversos países da África
Subsaariana. Ademais, as questões ambientais e climáticas tendem a se agravar com
o crescimento econômico, uma vez que o país não conta com projeto estratégico de
desenvolvimento sustentável e tem sua economia baseada em atividades de baixa
tecnologia e alto consumo de recursos naturais. Em outras palavras, o que a experiência
brasileira revela é que a riqueza de um país simplesmente medida pela sua renda é
um péssimo indicador para avaliar questões como solidariedade, justiça e equidade.
Ao contrário: permite ocultar processos perversos de relações subalternas, que – a
médio e longo prazos – são insustentáveis do ponto de vista econômico, cultural,
social, ambiental e climático.
Este cenário é assustador para parte expressiva da população brasileira que não
consegue usufruir dos resultados do crescimento econômico. Em outras palavras, agora
mais do que nunca, de modo a desfazer definitivamente o mito de que riqueza é
sinônimo de universalização de bem-estar, é preciso apoiar as vozes resistentes dentro
60
PESQUISA INESC
do país. Isto porque tais vozes denunciam os arranjos institucionais responsáveis pela
produção e reprodução das desigualdades, que, por seu turno, resultam em pobreza e
miséria e impedem que milhões de pessoas sejam sujeitos dos seus próprios destinos
e, assim, tenham acesso à cidadania plena. Daí a necessidade de que a cooperação
internacional, particularmente a ecumênica, ajude na promoção da articulação política
das forças sociais, na produção de conhecimento, na colaboração em processos de
formação, no apoio a um campo ecumênico de igrejas e religiões engajadas na luta
por direitos e no desenho de formatos alternativos de desenvolvimento. Tal apoio é
ainda mais urgente diante da crescente fragilização das organizações brasileiras, cuja
existência está ameaçada justamente devido às relações de poder hegemônicas, que
atuam para manter o status quo, para modernizar o país sem incluir.
5.1.2 Fortalecer movimentos e organizações sociais de defesa de direitos ameaçados
pelas relações de poder hegemônicas
Assim, apresenta-se o segundo argumento, que também tem relação com as
contradições inerentes ao aparente sucesso do modelo brasileiro de desenvolvimento,
isto é, com o atual enfraquecimento das forças que outrora possibilitaram a conquista
da democracia e o fortalecimento do papel do Estado na condução da economia. São
hoje criminalizadas e marginalizadas as organizações não governamentais, as
entidades ecumênicas e os movimentos sociais que foram atores centrais do processo
de redemocratização do país (a partir dos anos de 1970), da luta contra a agenda
liberalizante (que predominou nas décadas de 1980 e 1990) e da defesa da instalação
no poder de uma coalizão política a favor de maior justiça e equidade. Tais processos
de exclusão ocorrem por meio de perseguições físicas (incluindo assassinatos,
propagados pelas elites ameaçadas), morais (mediante campanhas midiáticas de
difamação) e de inviabilização financeira (quando o governo se recusa a implementar
um marco legal que estimule a participação de organizações – públicas, privadas e de
cidadãos – no fortalecimento de entidades não governamentais que atuam na defesa
dos direitos humanos, da cidadania universal, da justiça e da equidade). Por outro
lado, o setor empresarial, ator que ganha cada vez mais força no campo social, não
está disposto a apoiar movimentos que questionem violações de direitos, que, em
geral, ocorrem por sua responsabilidade. Suas ações tendem a se limitar à prestação
de serviços em áreas que não ameacem sua razão de ser (assistência, saúde, educação,
esporte e cultura). No Brasil, a cultura da doação e da ajuda mútua é bastante
propagada, mas limita-se a certo campo religioso e às relações de parentesco e de
vizinhança. Soma-se a isso o crescente mal-estar decorrente da visibilidade de práticas
de corrupção que atravessam os três poderes do Estado – o Executivo, o Judiciário e o
Legislativo – em seus três níveis de governo (o federal, o estadual e o municipal),
minando, desta forma, a credibilidade dessas instituições. E mais: os partidos políticos
não têm sido capazes de mediar as demandas e necessidades da população, permitindo
que o Congresso Nacional e seus congêneres nos estados e municípios sejam
61
desacreditados como pilares centrais de uma democracia. Assim, de modo a evitar a
fragilização da democracia brasileira (tão duramente conquistada), a solidariedade
das agências não governamentais internacionais é imprescindível até por questão de
coerência histórica, uma vez que foram elas que contribuíram para que o Brasil se
liberasse do julgo da ditadura militar. Neste sentido, o apoio da cooperação
internacional é crucial: para além do aporte de recursos que fortaleçam o papel político
das organizações nacionais, faz-se necessária a transferência de tecnologia e de know
how para o desenvolvimento de uma cultura nacional de reconhecimento e valorização
de ações de defesa de direitos humanos e de crescimento com justiça social e
ambiental.
5.1.3 Influenciar a agenda global de tomada de decisões
O terceiro argumento está diretamente relacionado ao crescente poder do Brasil
no cenário internacional e à sua capacidade de promover mudanças, que, como foi
visto ao longo do presente documento, podem ampliar direitos humanos ou, ao
contrário, restringi-los, levando para outros espaços, especialmente países menos
desenvolvidos, arranjos societais produtores e reprodutores de desigualdades e,
portanto, de pobreza e miséria. Será cada vez mais difícil influenciar os espaços globais
de decisão – ONU, instituições financeiras multilaterais, Organização Mundial do
Comércio (OMC), G20, etc. – sem passar pelo Brasil. Daí a importância de que a
cooperação internacional ecumênica mantenha e consolide laços estreitos e duradouros
de parceria com organizações e movimentos brasileiros, de modo a lutar,
conjuntamente, por regras globais mais justas, que promovam equidade e solidariedade
internacional. E mais: a cooperação internacional não governamental tem a vantagem
comparativa de poder estabelecer pontes entre os âmbitos local, nacional, regional e
global. O distanciamento do Brasil, como pregam muitos, poderá resultar na
progressiva perda de poder e de influência das ONGIs no cenário global, o que terá
como consequência sua paulatina deslegitimação em seus países de origem.
5.1.4 Replicar em outros países experiências bem-sucedidas de cooperação no Brasil
Por fim, o quarto argumento diz respeito à enorme colaboração que organizações
ecumênicas podem fornecer na identificação de experiências bem-sucedidas
(resultantes da cooperação recebida no Brasil) que possuem potencial para que sejam
replicadas. Tais iniciativas podem ser levadas e adaptadas em outros países do Sul
(nas áreas de inovação, tecnologias sociais, boa governança, entre outras) e mesmo
do Norte, como é o caso da metodologia “Orçamento e Direitos”, desenvolvida pelo
INESC, que está em vias de ser aplicada na Holanda.
62
Entende-se que a presença da cooperação internacional ecumênica no Brasil e na
América do Sul nos próximos anos é questão estratégica para sua própria sobrevivência
a médio e longo prazos. Somente uma visão míope e “curtoprazista” poderia defender
uma retirada do país baseada em critérios simplistas de renda. A América do Sul (e
nela o Brasil) é uma região central para o futuro da humanidade, pois se constitui em
reservatório de água, de florestas e de terras agricultáveis, além de abrigar vultosos
recursos energéticos renováveis e não renováveis. A região ainda oferece
conhecimentos ancestrais, bem como uma cultura de estreita relação e respeito com
a natureza, especialmente no campo dos povos indígenas e de comunidades
tradicionais, que são cruciais para se pensar que “Um Outro Mundo é Possível”. Neste
sentido, ganham força articulações como o PAD, a Aliança Anglicana e a Aliança ACT,
entre outras, pois possibilitam aumentar o impacto e a efetividade das organizações
nacionais e internacionais.
5.2 Proposta de agenda de ação
Considerando-se os quatro conjuntos de argumentos, há espaço para a cooperação
internacional ecumênica atuar no fortalecimento de organizações brasileiras com o
intuito de promover mudanças tanto internamente quanto no resto do mundo, tais
como as apresentadas a seguir.
5.2.1 Influenciar a agenda brasileira
• É necessário manter uma agenda de programas de desenvolvimento, especialmente
para apoiar o desenvolvimento e a expansão de tecnologias sociais que podem
ser replicadas e adaptadas tanto no Brasil quanto alhures, como, por exemplo:
metodologia de captação de água potável para consumo próprio e para produzir
na região do semiárido brasileiro, adotada pela ASA; metodologia de “Orçamento
e Direitos”, de autoria do INESC; metodologia de alfabetização do Movimento de
Educação de Base (MEB); práticas de economia solidária e de agroecologia;
atividades de fortalecimento dos sindicatos de trabalhadores; e iniciativas de
orçamento participativo. O apoio a projetos locais é fundamental para levar
experiências bem-sucedidas a outros países, para não se perder o contato com a
realidade e, assim, contribuir efetivamente para a influência no desenho, na
implementação e no monitoramento de políticas públicas que assegurem direitos.
Ademais, os projetos possibilitam que os envolvidos adquiram confiança em sua
própria força, encontrem soluções que possibilitem a melhoria das suas condições
de vida e fortaleçam sua identidade social, política e cultural. Com a ajuda de
projetos, os grupos sociais e étnicos passam a ser visibilizados pela sociedade
como sujeitos sociais autônomos e com direitos. Dos projetos originam-se novas
63
experiências e enfoques, que se tornam referências para as políticas públicas
nacionais e internacionais.
• É indispensável apoiar organizações, entidades ecumênicas e movimentos sociais
brasileiros para que desenvolvam ações que contribuam para alterar as relações
de poder que geram desigualdade, pobreza e miséria (como, por exemplo, as
reformas política e tributária, as ações afirmativas, modelos alternativos de
produção e consumo). Para tanto, faz-se necessário fortalecer as comunidades
que são afetadas pelos impactos das grandes obras; os povos indígenas; os povos
e as comunidades tradicionais; o movimento de mulheres; o movimento negro; os
movimentos do campo; as populações que vivem em situação de rua; os movimentos
urbanos; os movimentos de trabalhadores; e as plataformas que defendem reformas
estruturais, como as reformas política e tributária. Faz-se mister, ainda, produzir
conhecimentos na perspectiva da universalização dos direitos humanos, da
educação popular, das transformações sociais e da ética.
• É fundamental contribuir para aumentar a sustentabilidade econômica e política
das organizações ecumênicas, das ONGs e dos movimentos sociais brasileiros,
bem como de suas redes, por meio da consolidação de uma institucionalidade que
seja parte estruturante da democracia brasileira. Isso implica:
9 Aprimorar a capacidade de se relacionar com um público mais amplo e
desenvolver novas e criativas formas e conteúdos de comunicação que mostrem
de maneira transparente, inteligível e evidente a importância do seu trabalho.
Trata-se de criar condições de legitimidade e credibilidade que permitam
consolidar o suporte político às suas ações e viabilizar novas formas de
arrecadação de fundos junto à sociedade brasileira.
9 Apoiar a elaboração e a implementação de marco legal que regule a relação
entre o Estado e as organizações da sociedade civil, seguindo os princípios
weberianos da burocracia estatal (legalidade, impessoalidade, moralidade e
publicidade) e garantindo segurança jurídica para os atores envolvidos na
parceria.
9 Buscar uma relação com organismos e instâncias governamentais nos níveis
locais, estaduais e no federal, de maneira a viabilizar formas sustentáveis de
cooperação, com preservação da autonomia institucional.
9 Conseguir uma relação equilibrada com atores emergentes mais esclarecidos
do setor privado empresarial brasileiro, sem corromper os termos de sua missão
institucional.
• É imprescindível contribuir para produzir informações e processos de formação de
organizações ecumênicas, ONGs e movimentos sociais brasileiros, para que
monitorem a cooperação brasileira e os investimentos financiados pelo Brasil tanto
diretamente (via suas estatais) quanto indiretamente (por intermédio do BNDES).
Para a sociedade civil de nosso país, seria fundamental que ela participasse da
construção de uma Política Externa Brasileira, incluindo uma Política Brasileira de
Cooperação Internacional, mais justa, inclusiva e participativa. Neste caso, a
64
•
•
cooperação internacional ecumênica tem muito a contribuir, ajudando a elaborar
ou desenhar uma nova cooperação Sul-Sul diferente do modelo da cooperação
Norte-Sul adotado até agora. Deve-se consolidar, também, uma ajuda humanitária
diferenciada.
É essencial apoiar a capacitação de organizações brasileiras para fazer cooperação
em outros países do Sul. As agências ecumênicas possuem vasta experiência
acumulada nesse campo.
É preciso apoiar organizações brasileiras para enfrentar, de forma qualificada, as
consequências da posição do Brasil na região em áreas como a mobilidade humana
e a migração.
5.2.2 Influenciar a agenda global via Brasil
No que se refere à agenda externa, o novo “Brasil-potência” é um ator de relevância
para a cooperação internacional. A sociedade civil brasileira, apoiada pelas agências
internacionais, também se globalizou, expandindo seu ativismo em escala planetária.
Este movimento precisa ser consolidado não somente para contrarrestar uma atuação
mais “imperialista” do governo brasileiro em países em desenvolvimento, como
também para fortalecer organizações da sociedade civil de outros países do Sul e
avançar na constituição de um movimento global que contribua para eliminar as
injustiças e as ameaças ambientais e climáticas que afetam nosso planeta. Isso
significa:
• Apoiar organizações da sociedade civil brasileira para que partilhem suas iniciativas
e seus projetos com outros países, por meio de mecanismos de cooperação não
governamental triangular. A partir da experiência adquirida durante anos de
trabalho na área internacional, tanto influenciando as políticas públicas nacionais
quanto as políticas de cooperação e de ajuda humanitária, as agências de
cooperação internacional podem agora repassar este know-how para o Brasil.
• Apoiar organizações ecumênicas, movimentos sociais e ONGs, bem como suas
redes, para:
9 Garantir que o Brasil mantenha sua posição de liderança propositiva no
campo da cooperação internacional, de modo a partilhar e reproduzir
experiências bem-sucedidas e para absorver boas práticas e o apoio
oriundos da AOD, na perspectiva de que a cooperação internacional para o
desenvolvimento é um bem comum. Neste sentido, todos os países devem
cooperar uns com os outros e devem fazê-lo para combater: as causas da
miséria, da pobreza e das desigualdades; a violação de direitos humanos;
e a destruição do meio ambiente, onde quer que estes fenômenos ocorram.
Daí a importância da horizontalização das práticas de cooperação entre
países. É preciso sair de um sistema articulado em torno do binômio doador/
receptor para um sistema internacional de cooperantes.
65
9
9
9
9
9
9
‘
66
Monitorar os fluxos de cooperação e seus conteúdos, tanto dos países da
OCDE como os das nações emergentes, de modo a construir uma nova
arquitetura mais transparente, eficaz e participativa para o desenvolvimento.
Pressionar os países do Norte para que cumpram as metas acordadas no
campo da cooperação internacional (entre elas, a meta de alocar 0,7% de
seu PIB na AOD) e para que identifiquem e implementem mecanismos
inovadores de financiamento da cooperação internacional, como, por
exemplo: taxação de operações financeiras entre países; fim dos paraísos
fiscais; ou, ainda, proibição de mecanismos de evasão fiscal praticados
por empresas transnacionais sediadas em países pobres.
Desafiar a atuação das instituições financeiras multilaterais e o papel dos
novos doadores nessas organizações, como é o caso do governo brasileiro,
para que não reproduzam os esquemas de exclusão social implementados
nos últimos sessenta anos.
Produzir informações de modo a problematizar a atuação das transnacionais
e do BNDES na América do Sul e propor mecanismos conjuntos de regulação
global nos campos econômico, social e ambiental.
Produzir informações e processos de formação sobre a cooperação Sul-Sul
na América do Sul e sobre seu atual estágio de institucionalidade.
Influenciar os espaços globais de tomada de decisão, de modo a
universalizar os direitos humanos, a alcançar maior igualdade em relação
aos bens comuns globais e a regular a globalização econômica e financeira.
Deve-se desafiar a criação de articulações artificiais de países, como, por
exemplo, o BRICS, em detrimento de coalizões que possuem agenda concreta
de cooperação, como é o caso do IBAS.
Lista de siglas e abreviaturas
ABC – Agência Brasileira de Cooperação
ABONG – Associação Brasileira de ONGs
ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
AECID – Agencia Internacional de Cooperación para el Desarrollo
AHI – Assistência Humanitária Internacional
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas
ALOP – Associação Latino-Americana de Organizações de Promoção
do Desenvolvimento
AOD – Assistência Oficial ao Desenvolvimento
ASA – Articulação no Semiárido Brasileiro
BAD – Banco Africano de Desenvolvimento
BASIC – Brasil, África do Sul, Índia e China
BIC – Brasil, Índia e China
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CID – Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
CIVETS – Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul
CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
CSA – Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas
CSS – Cooperação Sul-Sul
DAC-OCDE – Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE
DFID – Department for International Development/UK
DRU – Desvinculação de Recursos da União
EAGLES – Emerging and Growth Leading Economies
EED – Evangelischer Entwicklungsdienst (Church Development Service)
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação
67
FMI – Fundo Monetário Internacional
FOCEM – Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul
FSM – Fórum Social Mundial
GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit
IBAS – Índia, Brasil e África do Sul
ICCO – Inter Church Organisation for Development Cooperation
IED – Investimento Estrangeiro Direto
IFIs – Instituições Financeiras Internacionais
IMPI – Iniciativas de Múltiplas Partes Interessadas
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana
ISDR – International Strategy For Disaster Reduction
JICA – Japan International Cooperation Agency
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MINUSTAH – Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti
MIST – México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia
MRE – Ministério das Relações Exteriores
NAFTA – Tratado Norte-Americano de Livre Comércio
NCA – Norwegian Church Aid
OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
OMC – Organização Mundial do Comércio
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONG – Organização Não Governamental
ONGI – Organização Não Governamental Internacional
ONU – Organização das Nações Unidas
OSC – Organizações da Sociedade Civil
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PAD – Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas Europeias
e suas Entidades Parceiras no Brasil
68
PIB – Produto Interno Bruto
PMA – Programa Mundial de Alimentos
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPM – Pão para o Mundo
PPPGS – Parcerias Público-Privadas Globais do Social
REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos
SEGIB – Secretaria Geral Ibero-Americana
SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SPM – Secretaria de Políticas para as Mulheres
TIPNIS – Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure
UE – União Europeia
UNASUL – União de Nações Sul-Americanas
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNITAS – Unión Nacional de Instituciones para el Trabajo de Acción Social/Bolívia
USAID – Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
69
Referências bibliográficas e sites consultados
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• Agência Brasileira de Cooperação (ABC): <http://www.abc.gov.br>.
• Asociación Latinoamericana de Organizaciones de Promoción al Desarrollo (Alop):
<http://www.alop.org.mx>.
• Associação Brasileira de ONGs (ABONG): <http://www.abong.org.br>.
• Balanço do Governo 2003-2010: <http://www.balancodegoverno.presidencia.gov.br>.
• Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri): <http://www.cebri.com.br>.
• Christian Aid: <http://www.christianaid.org.uk>.
• IPEA Data: <http://www.ipeadata.gov.br>.
• Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais – Nupri/USP: <http://www.usp.br/
nupri>.
• Observatório Político Sul-Americano (Opsa): <http://www.opsa.com.br>.DAC): <http:/
/www.oecd.org/department/0,2688,en_2649_33721_1_1_1_1_1,00.html>.
• Open Forum for CSO Development Effectiveness: <http://www.cso-effectiveness.org>.
• Plataforma BNDES: <http://www.plataformabndes.org.br>.
• Processo de Articulação e Diálogo (PAD): <http://www.portalecumenico.net>.
• Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais: <www.rbrasil.org.br>.
• Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP): <http://www.rebrip.org.br>.
• The Anglican Alliance: <http://www.aco.org>.
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• The Reality of Aid: <http://www.realityofaid.org>.
• UNITAS: <http://www.redunitas.org>.
• World Council of Churches (WCC): <http://www.oikoumene.org>.
78
Anexo
Nota metodológica
A pesquisa “Presente e Futuro: Tendências na Cooperação Internacional Brasileira
e o Papel das Agências Ecumênicas” é o resultado de uma parceria entre os programas
da Bolívia e do Brasil da Christian Aid e o INESC. O estudo foi realizado em um período
de dois meses e meio (do início de dezembro de 2011 até meados de fevereiro de
2012) e contou com a participação da UNITAS, parceira da Christian Aid na Bolívia.
A pesquisa teve por objetivo geral analisar o contexto no qual ocorrem os
financiamentos para a cooperação internacional, tendo o Brasil como doador e receptor
destes recursos. Tal análise procurou evidenciar práticas e políticas implementadas
no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento, de modo a identificar
tendências que possam orientar a atuação de agências ecumênicas e suas coalizões
– especialmente a Christian Aid – e seus parceiros tanto no Brasil quanto no resto da
América do Sul.
1.
2.
3.
4.
Para tanto, foram acordados os seguintes objetivos específicos:
Identificar ambivalências e ambiguidades do Brasil emergente: mostrar em que
medida sua condição de economia pujante não foi capaz de resolver seus problemas
sociais e ambientais na magnitude esperada.
Realizar breve balanço da cooperação internacional no Brasil – a recebida, a
oferecida, a oficial e a não governamental.
Analisar as implicações mais relevantes, especialmente para a América do Sul, do
crescente papel do governo brasileiro como promotor de cooperação internacional
e o lugar do BNDES na região.
Listar os elementos-chave que justifiquem a continuidade da cooperação ecumênica
no Brasil.
O estudo foi desenvolvido a partir da realização de entrevistas, de revisão
bibliográfica e de debate com especialistas.
No que se refere às entrevistas, foram identificados atores-chave no campo da
cooperação internacional, que foram acionados para responder a um roteiro
semiestruturado e organizado em torno das seguintes indagações:
• Quais fatores influenciam a cooperação internacional recebida no Brasil?
• Qual é a perspectiva da cooperação internacional recebida no Brasil, tanto a oficial
quanto a não governamental?
• Quais são as implicações de o Brasil ter se transformado em país doador ou país
parceiro? Qual é o impacto deste novo papel para a América do Sul?
79
•
•
•
•
Qual é o futuro da cooperação brasileira oferecida?
Quais são os impactos dos investimentos brasileiros na América do Sul,
especialmente daqueles financiados pelo BNDES?
O que deve ser feito para aprimorar a cooperação internacional no Brasil e do
Brasil para os países com os quais coopera, especialmente na América do Sul?
Quais são as razões que justificam (ou não) a permanência da cooperação
internacional no Brasil, seja ela a oficial ou a não governamental?
De modo a se obter panorama abrangente de visões e interpretações, foram
identificados representantes de diversas instituições e órgãos, tais como: do governo
federal, de organismos internacionais, entidades de pesquisa, redes de entidades
ecumênicas e organizações internacionais não governamentais que atuam no Brasil.
Infelizmente, devido ao curto tempo disponível para a pesquisa, além da época em
que ela foi realizada (festas de fim de ano e férias anuais), não foi possível contatar
profissionais oriundos de órgãos e organizações relevantes para o estudo, tais como:
representantes do Parlamento, doadores governamentais bilaterais, profissionais do
setor empresarial e do BNDES. Em estudos posteriores, tais instituições poderão ser
consultadas.
As entrevistas foram gravadas e sistematizadas. Note-se que a contribuição dos
atores-chave serviu de subsídio para orientar a reflexão e, portanto, os depoimentos
não serão divulgados, pois se assegurou aos entrevistados que suas entrevistas não
seriam tornadas públicas. Neste sentido, é importante que fique claro que o resultado
final da pesquisa é fruto da reflexão de seus promotores, não cabendo aos entrevistados
qualquer responsabilidade por eventuais erros ou omissões e pela interpretação dos
fatos. Ao todo, foram realizadas onze entrevistas, que somaram cerca de nove horas
de conversa. No quadro 1, apresenta-se a lista dos entrevistados e das datas das
entrevistas.
80
Quadro 1. Dados referentes às entrevistas: quem e quando
Áreas de atuação
Governo Federal
Organismos
internacionais
Organizações
internacionais
privadas de
cooperação que se
nacionalizaram ou
que estão em
processo de
nacionalização
Organizações
internacionais
ecumênicas que
atuam no Brasil
Informantes-chave
Datas das
entrevistas
Dados de contato dos
entre vista dos
Milton Rondó Filho:
Coordenador-geral de Ações
Inte rnacionais de Combate à
Fome/CGFome, do MRE
(Brasília)
08/12/201 1
m [email protected]
Marco Farani:
Diretor da Agência Brasileira de
Cooperação do MRE
(Brasília)
15/12/201 1
Danie l Augusto Furst Gonçalves:
Especialista em Cooperação Sul/Sul
do PNUD
(Brasília)
25/01/201 2
Carlos Mussi:
Diretor da Cepal no Brasil
(Brasília)
14/12/201 1
Ana Elena Vale – secre tária
[email protected]
Entrevista
presencial
[email protected]
(61) 3038-9187
Entrevista
presencial
Entrevista
presencial
[email protected]
(61) 3315-5473
Soraia Barbosa – secretária
[email protected]
Maria Cristina Araújo:
Assessora do Program a de
Cooperação da Delegação da União
Europeia no Brasil
(Brasília)
25/01/201 2
Sim on Ticehurst:
Chefe do Escritório da Oxf am no
Brasil
(Brasília)
08/12/201 1
[email protected]
Entrevista
presencial
(61) 3321-4044
Júlia Esther Castro França:
Coordenadora-executiva do PAD
(Goiânia)
24/01/201 2
[email protected] .br
Sandra Andra de:
Anglican Alliance
(Brasília)
Marilia Schülle r:
Assessora de Projetos da Koinonia
Aliança ACT
(Rio de Janeiro)
Estudos e
pesquisas
Entrevista
presencial
Kjeld Jakobsen:
Consultor e m Coope ração e
Relaçõe s Internacionais
(São P aulo)
Marcos Cintra:
Diretor de Estudos e Relações
Econôm icas e Políticas
Inte rnacionais do IPEA
(Brasília)
cristina.araujo@ eeas.europa.eu
Entrevista
presencial
Entrevista por
escrito
11/01/201 2
Entrevista
presencial
14/02/201 2
[email protected]
(61) 3443-4305
[email protected]
(21) 3042-6445
Entrevista por
telefone
10/01/201 2
Entrevista por
skype
23/01/201 2
[email protected]
marcos.cintra@ IPEA.gov.br
(61) 3315 5173
Entrevista
presencial
81
A revisão bibliográfica baseou-se em extensa literatura da atualidade, conforme
pode ser observado no item “Referências bibliográficas e sites consultados” do
documento da pesquisa. Procurou-se analisar documentos oficiais, textos e reflexões
oriundos de redes e organizações da sociedade civil tanto brasileiras quanto
internacionais, bem como documentos de organismos multilaterais (da Organização
das Nações Unidas, da União Europeia e da OCDE).
Por fim, a reflexão foi complementada com a realização de um workshop, em São
Paulo (SP), nos dias 9 e 10 de fevereiro de 2010. Tal evento contou com a presença de
representantes da Christian Aid no Brasil (Mara Manzoni Luz, representante; e João
Vergueiro, assessor de Financiamentos), do INESC (Iara Pietricowski, membro do
Colegiado de Gestão; e Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política) e da
diretora executiva da Unión Nacional de Instituciones para el Trabajo de Acción Social
da Bolívia (UNITAS), parceira da Christian Aid naquele país. Também participaram dois
especialistas do tema: Kjeld Jakobsen, consultor em Cooperação e Relações
Internacionais; e Anivaldo Padilha, integrante da equipe de assessores da Koinonia
Presença Ecumênica e Serviço, membro da Diretoria do Conselho Latino-Americano
de Igrejas (Região Brasil), membro da Junta Diretiva do Church World Service dos
Estados Unidos e membro da Coordenação do Fórum Ecumênico ACT Aliança Brasil. O
resultado dos debates foi incorporado para compor a versão final do texto.
Faz-se mister registrar que o documento oriundo da pesquisa é mais um ensaio do
que uma tese. Buscou-se problematizar o tema e levantar uma série de hipóteses e
sugestões que poderão ser aprofundadas em estudos posteriores.
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PESQUISA INESC
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