Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Fotojornalismo nos meios impresso e digital: as diferentes linguagens fotográficas
no jornal Diário Gaúcho e no blog Diário da Foto1
Photojournalism in print and digital media: the different photographic languages in the
Diário Gaúcho newspaper and Diario da Foto blog
Beatriz Sallet2
Carina Mersoni3
Resumo: O artigo tem por objetivo propor uma reflexão sobre as diferentes linguagens
fotográficas para os públicos do jornal Diário Gaúcho nos meios impresso e digital,
considerando a edição impressa diária e o blog Diário da Foto. O veículo, que segue a
linha editorial popular e pertence ao Grupo RBS, circula principalmente na região
metropolitana de Porto Alegre (RS). Por meio de entrevistas realizadas em diferentes
momentos com o então editor de Fotografia, André Feltes, problematizamos como os
dois suportes, pertencentes ao mesmo veículo, tratam a linguagem visual. No impresso,
o projeto gráfico limita o espaço destinado à fotografia, que precisa sintetizar os fatos.
Já no blog, o acontecimento jornalístico assume novas formas, onde a narrativa e a
estética se sobressaem.
Palavras-chaves: Fotojornalismo. Linguagem. Diário Gaúcho. Diário da Foto.
Abstract: The paper aims to propose a reflection on the different photographic
languages for readers of Diário Gaúcho newspaper in print and digital media,
considering the daily print edition and the Diário da Foto blog. The vehicle, which
follows the popular editorial line and belongs to the RBS Group, circulates mainly in
the metropolitan region of Porto Alegre (RS). Through interviews conducted at different
times with the then editor of photography, André Feltes, we discussed how the two
brackets, belonging to the same vehicle, treat the visual language. In the printed one,
graphic design limits the space devoted to photography, which has to summarize the
facts. In the blog, the journalistic event takes on new forms, where the narrative and
aesthetic excel.
Keywords: Photojournalism. Language. Diário Gaúcho. Diário da Foto.
1 Trabalho apresentado no GT 7- Fotografia, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e
Imagem - ENCOI.
2 Doutoranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Docente na mesma instituição, onde coordena o curso de Fotografia. E-mail: [email protected].
3 Mestre em Ciências da Comunicação e Jornalista pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos). Docente na Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves (RS). E-mail:
[email protected].
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1. Introdução
Ao construir a narrativa visual dos acontecimentos, a imprensa busca por
imagens que sejam eficientes na transmissão das informações (GURAN, 2002). Porém,
entendendo que o processo de construção e interpretação das imagens está diretamente
relacionado às experiências e conhecimentos, é preciso pensar a fotografia como
resultado de um processo que considera as necessidades comunicacionais, tanto de
quem produz a informação pela fotografia, com a sua intenção sobre o que quer
comunicar, quanto de quem consome, o público-alvo, a partir de seu repertório cultural.
(BARTHES, 2009).
Sousa (2002, p. 7) considera “[...] as fotografias jornalísticas como
aquelas que possuem ‘valor jornalístico’ e que são usadas para transmitir informação
útil em conjunto com o texto que lhes está associado”. Ele reconhece ser difícil
expressar com exatidão o que significa “valor jornalístico”, porque cada veículo de
comunicação valoriza de forma diferenciada as informações. Tem “valor jornalístico”,
segundo o autor, tudo o que tem valor como notícia.
As teorias mais tradicionais do fotojornalismo são fundamentadas na
constituição do suporte impresso, o que remete ao período anterior à era tecnológica em
que vivemos atualmente. Quando tratam da internet, o que temos são considerações
acerca das imagens que compõem o jornalismo online dos veículos – entendendo-se
este jornalismo online como a página onde são veiculadas as notícias em tempo real,
notícias estas que também interessam ao impresso, mas ganham novos formatos. As
coberturas passam a abastecer, então, os diferenciados canais de comunicação com o
público, nas multiplataformas em que cada veículo passou a atuar.
Com a internet, abriram-se novas possibilidades narrativas, ampliando-se
também os horizontes do fotojornalismo. A escolha da fotografia síntese do
acontecimento, ou das poucas imagens que integram uma reportagem, deu lugar à
narrativa com séries de fotografias. Esta nova realidade é possível com a criação de
blogs pelas editorias de Fotografia de grandes veículos de comunicação, um movimento
que ganhou força mais pela determinação de fotógrafos dispostos a ofertar ao público
um material fotográfico diferenciado, além de terem um maior aproveitamento das
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coberturas jornalísticas, do que pelo incentivo das empresas de comunicação.
(SALLET; HENN, 2014).
Neste artigo, em que tratamos da segmentação fotojornalística em dois
suportes onde o jornal Diário Gaúcho atua – o impresso e o blog –, buscamos propor
uma reflexão sobre as diferentes linguagens fotográficas para os públicos deste veículo
que segue a linha editorial popular. Problematizamos a questão principalmente pela
atuação no blog, onde o perfil das fotografias diverge com mais força da linguagem
fotográfica que o jornalismo popular preconiza.
Para analisar os diferentes modos de comunicação visual do Diário
Gaúcho, destacamos aqui trechos de entrevistas realizadas com o então editor de
Fotografia do Diário Gaúcho, André Feltes, em diferentes momentos pelas autoras 4,
tensionados à luz de autores da Comunicação e, principalmente, da Fotografia. Em
ambas as entrevistas, com objetivos distintos por se tratarem de pesquisas
independentes, buscamos um diálogo com o campo empírico, aprofundando
conhecimentos a respeito das rotinas de produção. Optamos pela “[...] entrevista
individual em profundidade, técnica qualitativa que explora um assunto a partir da
busca de informações, percepções e experiências de informantes para analisá-las e
apresentá-las de forma estruturada”. (DUARTE, 2008, p. 62).
2. Diário Gaúcho e o “novo” jornalismo popular
Lançado no ano de 2000 pelo Grupo RBS (Rede Brasil Sul de
Comunicação) em Porto Alegre, o Diário Gaúcho foi criado para atender a um público
segmentado que, conforme pesquisas, não tinha o hábito de ler jornal. Segundo a
empresa, o público está definido como classes B, C e D. (Grupo RBS, 2014). Com
4 A primeira entrevista foi realizada em 2011, por Carina Mersoni, para a pesquisa intitulada
“Fotojornalismo na imprensa tradicional e popular: as linguagens fotográficas dos jornais Zero Hora e do
Diário Gaúcho”, desenvolvida como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na graduação em Jornalismo
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sob orientação de Beatriz Sallet. A segunda
entrevista foi realizada por Beatriz Sallet em 2014, que contou com a presença do fotógrafo Mateus
Bruxel, com fins para a pesquisa de tese desenvolvida no doutorado do Programa de Pós-Graduação da
Unisinos, em andamento, que investiga as novas narrativas fotográficas no ambiente da cultura digital.
André Feltes deixou a função de editor de Fotografia do Diário Gaúcho em agosto de 2014.
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circulação principalmente na região metropolitana e algumas cidades do interior do
Estado, o Diário Gaúcho segue a linha editorial popular – não no velho modelo,
relacionado ao sensacionalismo, quando a violência era presença constante nas
fotografias e textos, mas em um novo formato. O sensacionalismo, por sua vez, já é
considerado um “conceito errante” por estudos recentes, onde se reconhece a falta de
aportes teóricos para caracterizar a imprensa popular. (AMARAL, 2005).
No novo modelo de jornalismo popular, ganham destaque conteúdos das
áreas de esporte, polícia, comunidade, serviços e entretenimento, mas principalmente
informações que se aproximam do cotidiano dos leitores. (ANGRIMANI, 1995). Hoje
longe de relatar histórias inverídicas, essas publicações passaram a ser denominadas
pela indústria de jornais populares de qualidade (SELIGMAN, 2008), na tentativa de
libertar-se dos velhos conceitos.
Com circulação de segunda-feira a sábado, o Diário Gaúcho é vendido
somente em bancas e com jornaleiros. Apresenta ampla cobertura de notícias esportivas
e policiais, em detrimento dos assuntos de política e internacionais, que aparecem de
forma discreta. Também aborda com frequência a qualificação para quem busca
emprego, problemas de infraestrutura e serviços públicos. Outras seções são as de
entretenimento, assuntos relacionados à televisão e famosos, colunistas, cartas dos
leitores, fotos sociais, entre outros.
Uma das características marcantes do Diário Gaúcho diz respeito às
notícias que tratam de histórias humanas e dramas cotidianos. Nestes espaços, pessoas
que não pertencem a grupos de autoridades ou especialistas viram fonte principal e
geralmente aparecem nas fotografias, o que acontece com menos frequência com as
fontes oficiais. “O rosto e a fala do povo têm acesso explícito às páginas dos jornais”.
(AMARAL, 2003, p. 7).
O veículo mantém um site de notícias, onde o perfil jornalístico
aproxima-se do impresso, e investe em publicações em redes sociais, como o Facebook,
onde interage com seus leitores. Desde 2010, o Diário Gaúcho também segue a nova
tendência do jornalismo, com a criação do blog Diário da Foto, mantido pela editoria de
Fotografia. Para o blog, escoam ensaios fotográficos, onde as histórias são contadas
com séries de imagens que, antes da criação desta plataforma, não eram publicadas.
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O blog abre uma nova possibilidade de narrativa: as fotografias
excedentes das pautas, antes relegadas aos arquivos, por falta de espaço. Isto porque é
comum os fotógrafos retornarem das ruas com materiais amplos, que extrapolam as
necessidades do impresso e do online. No blog, as narrativas fotojornalísticas tomam a
forma de ensaios com diferentes fios condutores, que vão desde um acontecimento
único até a junção de imagens feitas por diversos fotógrafos e reunidas por temáticas.
3. O fotojornalismo no Diário Gaúcho impresso
Na edição impressa do Diário Gaúcho, a tradicional conceituação do
fotojornalismo rege o trabalho de produção e edição fotográfica: o jornal busca compor
fotos que sintetizem as informações em pauta a serem transmitidas, a chamada fotosíntese. (GURAN, 2002). O editor de Fotografia do Diário Gaúcho, André Feltes, é
enfático ao definir que a fotografia “[...] tem que estar muito ‘casada’ com a matéria e
com a informação. Ser informativa, o que para nós é muito importante. Depois, vem
uma questão plástica, [...] mas também obviamente tem questões de organização
visual”. Plasticidade, neste caso, que é uma das características consideradas primordiais
no jornalismo de referência (MERSONI, 2011), fica em segundo plano, o que nos
remete à fotografia valorizada pela informação em si, e não pela estética.
O instante em que todos os elementos convergem para uma significação,
chamado de “momento decisivo” por Cartier-Bresson, é abordado por Guran (2002, p.
18): “A escolha do momento é fundamental para a otimização do resultado”. Este seria
o principal sentido da fotografia, conforme o autor:
“[...] uma das potencialidades da fotografia é destacar um aspecto particular
que se encontra diluído em um vasto e seqüenciado campo de visão,
explicitando, mediante a seleção do momento e do enquadramento, o
significado e a transcendência de uma determinada cena”. (GURAN, 2002, p.
17).
Ao tentarmos diferenciar o fotojornalismo praticado pela imprensa
popular em relação ao praticado pela imprensa tradicional – no caso, pela Zero Hora,
conforme pesquisa realizada em 2011 –, uma das principais características que emergem
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das falas dos editores de Fotografia está relacionada ao grau de rebuscamento das
imagens, que podem ser objetivas ou subjetivas.
As fotografias, destaca Feltes, são construídas de acordo com o perfil do
público-alvo do jornal. Sendo o Diário Gaúcho uma publicação voltada às classes
consideradas populares, vendida apenas em banca, e partindo da premissa que quanto
mais articulada uma pessoa for, mais subsídios tem para fazer a leitura das imagens,
imagina-se que, para o leitor do Diário Gaúcho, o ideal é a fotografia mais direta. Feltes
diz que este perfil fotográfico também vai de encontro ao tipo de texto publicado: curto,
direto, disposto de forma a facilitar a leitura e o entendimento. São fotos mais “cruas”,
escolhidas pela notícia em si, onde não haja um alto grau de plasticidade ou
complexidade visual.
Feltes destaca que a foto não pode complicar a leitura, especialmente
porque o público do Diário Gaúcho costuma ler o jornal na rua, no ônibus ou no trem:
“Que não seja tão subjetiva, que o cara não precise ficar pensando muito no que é
aquilo”. Estas imagens seguem o estilo hard news e referem-se, na maioria dos casos, a
assuntos factuais – para as imagens soft news, não há espaço.
A objetividade das imagens no Diário Gaúcho impresso também está
relacionada ao hábito da maioria dos leitores do veículo, que acessa o site com pouca
frequência. Neste caso, o jornal, teoricamente, mostra os fatos para leitores que estão
vendo-os pela primeira vez. Ao contrário da imprensa tradicional, onde boa parte dos
leitores acompanha as notícias pela internet e, neste caso, o jornal impresso, no dia
seguinte, precisa mostrar os fatos sob diferenciados ângulos, enquadramentos e
contextualizações. Essa diferença na relação tempo-notícia pode ser comparada à
disparidade verificada há algum tempo entre jornais diários e revistas semanais:
trazendo para a atualidade, podemos dizer que a imprensa tradicional impressa, em
muitos casos, comporta-se como revista, enquanto a popular segue a essência do antigo
modo de fazer jornalismo.
Lima (1989) observa que um veículo se comunica de acordo com o perfil
da fatia da população que atinge e as diferenças no tratamento das notícias vão além da
periodicidade. “As notícias transmitidas pelos jornais se ligam ao fato da passagem da
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informação [...] O fotógrafo de revista trabalha para um leitor que já está envolvido com
a notícia”. (LIMA, 1989, p. 79-80).
Outra característica que reflete no fotojornalismo praticado pelo Diário
Gaúcho diz respeito ao conteúdo: o jornalismo popular é pautado por assuntos que estão
muito próximos de seus leitores. Notícias internacionais ou de economia (quando
relacionadas apenas a números) não costumam ter espaço no jornal, onde encontramos
raras imagens de agências, assim como a cobertura política também é reduzida.
A maior parte das fotografias é oriunda da produção da equipe de
fotógrafos do veículo e comunicam sobre pessoas e fatos relacionados ao cotidiano dos
leitores. Desta forma, muitas pautas são abordadas por um ângulo humanizado, que
buscam aproximar dos leitores assuntos que poderiam parecer distantes, como os de
economia, por exemplo. Feltes explica:
O nosso foco são sempre as pessoas, as pessoas comuns. Qualquer retrato ou
qualquer pessoa ambientada é sempre uma foto importante para o Diário
[Gaúcho]. Porque ele é muito calcado em cima das pessoas, as pessoas que
normalmente, no início, não se viam no jornal, não liam o jornal.[...] Sempre
vai ter o viés do personagem. Aumentou a alface, a gente não vai ‘fazer’
simplesmente a alface. A gente vai ou na senhora que comprou alface, ou no
vendedor, ou no cara que planta. É comum, boa parte dos jornais faz, mas
aqui é muito forte. Tu nunca vais ter uma matéria de economia com dados
[...].
Feltes comenta que outra característica do Diário é usar pouco as fotos de
autoridades, retrato que é considerado distante do leitor: “Não é uma coisa que sirva de
chamariz”. Esta poderia ser considerada a “inspiração no interesse humano” da qual
Sousa (2004) fala ao enumerar os fatores determinantes para o desenvolvimento do
moderno fotojornalismo na Alemanha dos anos 20: percebe-se que o público não se
interessa somente pelos acontecimentos ligados a figuras públicas, mas por fatos
próximos de suas vidas. Estes diferentes critérios de noticiabilidade de acordo com o
perfil das pessoas envolvidas são comentados por Amaral (2006): enquanto que na
imprensa de referência um acontecimento terá mais chances de virar notícia se envolver
indivíduos famosos ou que ocupam cargos relevantes, na imprensa popular a
probabilidade maior é de serem noticiados fatos cujos personagens tenham identificação
com os leitores.
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Feltes comenta que para o público popular o importante é identificar-se
com a imagem, o que percebe pelos retornos dos leitores. Geralmente, não é “gostei da
foto do pôr do sol”, mas “gostei da foto da dona Joana com as crianças”, exemplifica.
Considerado de suma importância pela influência no aproveitamento das
imagens, o projeto gráfico do Diário Gaúcho conta com um visual chamativo,
elementos de arte, ilustrações e diversas cores. Além disso, é comum as fotografias
sofrerem recortes totais ou parciais, deixando de lado o formato retangular tradicional.
Elementos textuais, como título e legendas, também costumam estar sobrepostos às
imagens, especialmente quando elas ocupam um espaço maior; na maioria dos casos, há
pouco espaço destinado às fotografias. Estes recortes e invasões textuais, muitas vezes,
influenciam o fotógrafo no momento da obtenção da foto: são escolhidos
enquadramentos com espaços “neutros” para essas inserções.
4. O fotojornalismo no Diário da Foto
No blog Diário da Foto, a fotografia assume uma nova e destacada
posição, protagonizando notícias de variados tipos. As imagens publicadas neste
suporte, na maioria dos casos, estão relacionadas a notícias, mas oferecem uma leitura
visual que se afasta do perfil fotojornalístico do impresso. No blog, a foto-síntese
valorizada pelo impresso dá lugar a um conjunto de imagens, que, muito além de
mostrar os fatos, exploram a estética.
As narrativas fotográficas do blog, por contarem histórias por meio de
sequências fotográficas, constituem um dos gêneros fotojornalísticos definidos por
Sousa (2002): as picture stories. Pode ser considerada, portanto, um foto-ensaio.
“O foto-ensaio é uma história em fotografias que procura analisar a realidade
e opinar sobre ela (fotografia com ponto de vista). Uma das diferenças mais
significativas e comuns entre as foto-reportagens e os foto-ensaios na
actualidade reside na abertura destes últimos a formas alternativas de
expressão”. (SOUSA, 2002, p.131).
O blog, como em diversos outros veículos, foi criado pela editoria de
Fotografia e não é uma prioridade no trabalho diário dos fotógrafos, o que limita o seu
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desenvolvimento. Se em veículos de referência o blog também é mantido pelos
fotógrafos e não percebe-se interesse das empresas em investir nesta plataforma, no
jornal popular esta realidade é ainda mais limitadora, uma vez que esta imprensa lida
com um público maior no meio impresso do que no digital. Esta migração já é
percebida, mas ocorre com menor força, gradativamente.
Feltes relembra: “[...] o blog [...] nasceu de uma vontade da Fotografia, a
gente reconheceu que havia ali uma possibilidade de mostrar nosso material, com maior
profundidade, e colocar notícias de fotografia”. Conforme o fotógrafo Mateus Bruxel,
que foi designado para cuidar do blog, nem sempre as pautas rendem ensaios para o
Diário da Foto.
Na produção da editoria de Fotografia, as pautas são pensadas para o
impresso, que é a prioridade da redação, podendo render ou não imagens para o blog.
Não há pautas pensadas especificamente para esta plataforma digital, o que exigiria uma
dedicação exclusiva de algum dos fotógrafos. Porém, o jornal trabalha com uma equipe
considerada enxuta. Por isso, não há uma regularidade nas publicações.
Um ensaio que marca a trajetória do blog ocorreu em um dia de temporal
em que Feltes fotografou, com Iphone, a caminho do jornal, guarda-chuvas destruídos
pela ventania que estavam pelas calçadas. A publicação no online teve grande audiência
e o caso5 gerou discussão quanto à publicação ou não no impresso e à importância
frente a imagens de pessoas que haviam tido suas casas atingidas pelos temporais. O
retorno dos leitores, no caso dos guarda-chuvas, mostra um interesse por imagens onde
a estética se sobrepõe à notícia, o que vai contra os princípios do fotojornalismo
popular, pelo menos no perfil do impresso.
Outro caso, lembrado por Feltes, que rendeu um pico de audiência no
blog foi a publicação de um ensaio com a atriz Ingra Liberato, da fotógrafa Cynthia
Vanzella, em julho de 2010. Ao acompanhar a repórter que fez a entrevista com a atriz,
Cynthia resolveu ir além da imagem única que atenderia à demanda do impresso e
versão online do jornal, e retornou à Redação com um ensaio de diferentes ângulos,
5 O caso dos guarda-chuvas é abordado no artigo “Outras possibilidades de narrativas fotojornalísticas: o
caso do blog Diário da Foto”, de autoria de Beatriz Sallet e Ronaldo Henn, apresentado no 12º Encontro
Nacional de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), em novembro de 2014.
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contemplando uma diversidade de poses e expressões da atriz. A própria fotógrafa
comenta no blog como foi o ensaio, justificando seu post com a observação de que “o
espaço no papel foi curto para tanto material”:
“Caras e bocas de Ingra. Semana passada o DG encontrou a atriz Ingra
Liberato para uma conversa no Parcão. O resultado você pode conferir
na Revista Diário Gaúcho TV+Novelas desta semana, que está nas bancas
desde a última sexta. Além de linda, a Ingra é uma pessoa super simpática:
sem nenhuma exigência, topou posar para várias fotos com a maior
disposição até brincou fazendo caras e bocas para a lente. Acompanhada da
repórter Lis Aline, eu ‘abusei’: voltei para a Redação com muitas fotos da
atriz. No entanto, mais uma vez, o espaço no papel foi curto para tanto
material, então resolvi mostrar aqui alguns cliques exclusivos da Ingra.”
O conteúdo do post está relacionado a uma das áreas mais exploradas
pelo jornalismo popular no impresso e no online: a vida de famosos e a abordagem de
assuntos relacionados à televisão. Outra característica do blog, que o diferencia de
outros do mesmo gênero, e que podemos observar neste exemplo, é trazer, junto às
narrativas fotográficas, informações textuais que dão conta dos fatos, o que dá ao ensaio
um teor jornalístico, embora as imagens nos mostrem que vão muito além disto. Neste
caso, percebemos que se trata de um conteúdo ao qual o público já está habituado, mas
que é oferecido em um novo formato de visualidade.
Para Feltes, estes marcos consolidam a ideia de que o blog é o canal para
materiais diferenciados, o que abre novas possibilidades no jornalismo popular, embora,
reconheça, trata-se, pelo menos inicialmente, de um nicho de mercado, um espaço para
quem aprecia fotografia. O editor considera: “Mas também não sei em que momento a
gente talvez não possa chamar o público além-nicho para a gente. [...] Talvez uma
forma seja de vez em quando a gente também ter boas pautas fotográficas que tenham
um chamamento para o público que seja além da nossa fotografia em si”.
Quando surgem comentários no blog, o fato chama a atenção. Porque não
é comum os leitores interagirem por este canal. Buscando ampliar o público do blog,
também há um esforço conjunto com a equipe que cuida do site e das redes sociais,
como o Facebook, onde o Diário da Foto é divulgado e novos leitores são convidados a
acessar a página.
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5. Considerações finais
A principal questão que se coloca frente às novas possibilidades de
narrativas visuais ofertadas pela criação do blog Diário da Foto diz respeito a uma velha
questão no jornalismo: oferecer aos leitores apenas o que eles desejam ou estão
acostumados a receber, ou buscar desenvolver neles novos hábitos de consumo e novas
possibilidades de leitura visual?
Quando falamos em imagens, nossos questionamentos vão além. A
fotografia, por estar relacionada ao real e ao sentido que mais usamos na aquisição do
conhecimento – a visão –, no jornalismo, assume o papel de educar visualmente o leitor.
Considerando que as leituras se dão de acordo com as experiências visuais individuais,
e que só podemos reconhecer nas imagens aquilo que já conhecemos, qual deve ser o
verdadeiro papel da fotografia na imprensa? O de ofertar apenas o que o espectador
espera e conhece? Ou proporcionar a ele novas visualidades?
Há tempos o fotojornalismo passou a ir além das fotografias que apenas
corroboram o que está dito nos textos. No jornalismo popular, onde os textos ainda são
curtos e diretos, não interpretativos, a fotografia tende a acompanhar este perfil. Porém,
com a criação do blog, percebemos neste suporte o potencial para oferecer ao público,
pelo menos no meio digital, o fotojornalismo em formatos que “[...] alargam as
experiências, ampliam os modos de ver e reeducam a visualidade”. (HENN; SALLET,
2014, p. 3).
Acreditamos que, já que a proposta do novo jornalismo popular é
justamente buscar sua libertação da pecha do sensacionalismo, convêm propor a
alteração gradativa de modelos tradicionais na forma de produzir o fotojornalismo
impresso, e também pensar a linguagem específica do meio digital, nos espaços novos
que a fotografia vem ocupando, como os blogs. Importante destacar que isso já vem
sendo feito pelos blogs dos jornais de referência, onde o público já é preparado para
receber a fotojornalística mais subjetiva.
Como a proposta do blog é justamente dar o acontecimento pela
fotografia, seria, também no jornalismo popular, o lugar para se pensar em produzir algo
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novo para o fotojornalismo, de forma a ventilar seus enunciados visuais. Características
do fotojornalismo impresso na imprensa popular, como a valorização de retratos de
fontes populares, a produção de imagens que sejam familiares ao cotidiano dos leitores
e até mesmo a busca pela foto-síntese, podem seguir guiando o trabalho fotográfico,
mas se faz necessário que, gradativamente, as estéticas fotográficas possam fugir aos
padrões de linguagem visual. Um caminho para despertar os leitores para as narrativas
fotográficas dos blogs é o próprio fotojornalismo autoral, que tem sido pautado por
estéticas mais rebuscadas.
A oferta de conteúdos aos quais os leitores da imprensa popular já estão
habituados, mas sob novos e diversificados pontos de vista, mostra-se como uma
alternativa para ampliar as visualidades. Da mesma forma, a informação textual que
costuma acompanhar os ensaios no blog Diário da Foto, uma vez que, no jornalismo
popular, a valorização dos conteúdos se dá pela utilidade prática na vida dos leitores.
Gradativamente, com os conteúdos sendo ampliados – ao ponto de que
um ensaio possa se justificar apenas por sua estética – e as informações textuais sendo
reduzidas, o Diário Gaúcho estará inserindo seu leitor em um novo mundo de
possibilidades visuais, ampliando os repertórios imagéticos individuais e possibilitando
infinitas leituras. Desta forma, despertando os leitores para uma visualidade
esteticamente mais aprimorada e tornando-os mais críticos.
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Fotojornalismo nos meios impresso e digital: as diferentes