Responsabilidade Social
Voluntariado
Solidariedade
a qualquer tempo
Mudar a realidade com
algumas horas semanais de
dedicação é a recompensa do
trabalho voluntário
texto Viviane Marques
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Rafael Ohana
H
istórias tristes, muitas vezes trágicas, são
parte da rotina da 1ª Vara da Infância e da
Juventude do Distrito Federal e Territórios
(VIJDFT). Crianças e jovens cujas necessidades básicas não são supridas nem pela família, nem pelo Estado, são o foco da rede solidária Anjos do Amanhã,
criado como um projeto interno de voluntariado e
que hoje faz parte da estrutura do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Na gigante de energia Petrobras, o programa para voluntários
começou abraçando instituições de assistência nas
quais os próprios empregados já atuavam, mas com o
tempo foi reformulado e ampliado. Sinal de que para
fazer o bem basta começar.
A Rede Solidária Anjos do Amanhã conta com
uma equipe de seis funcionários e aproximadamente 170 voluntários (pessoas físicas e jurídicas), que
fornecem atendimento médico, odontológico, cursos
profissionalizantes, estágios, roupas e brinquedos. A
equipe interna é, segundo o supervisor substituto,
Gelson de Souza Leite, a instância articuladora de
ações. “De um lado, temos o público-alvo representando as necessidades; de outro, os voluntários com
os recursos. Nossa grande missão é mobilizar a sociedade civil para a realidade dessas crianças e adolescentes e sensibilizá-los para a ação voluntária”, afirma
Leite.
Quando iniciou seu programa de voluntariado,
em 2003, com o nome Voluntariado Petrobras Fome
Zero, a companhia apoiava financeiramente institui-
“O voluntário não pode,
simplesmente, querer impor
seu olhar, com superioridade,
preconceito. Precisa relativizar a
realidade e investir afetivamente”,
diz Gelson de Souza Leite, da Rede
Solidária Anjos do Amanhã.
ções nas quais seus empregados
já atuavam como voluntários.
Em 2010, reformulado e ampliado, passou a apresentar quatro
formas de participação: rede social, na qual há um intercâmbio
de solicitações e atendimentos
de demandas; comitês locais nas
comunidades em que a empresa
está presente, com ações diretas
como hortas, eventos e cursos;
formação, composta por cursos da
Universidade Corporativa sobre o
tema; e concurso de projetos.
Chefias apoiam
A Petrobras contabiliza cerca
de quatro mil voluntários cadastrados em todo o Brasil. Ana Paula
Mattos, consultora do Programa
de Voluntariado Petrobras, conta
que a maior parte das chefias não
só apoia a participação da equipe,
como também se engaja. Segundo
ela, os 50 comitês locais espalhados
pelo país foram iniciativas de gerentes. E na área de Tecnologia da
Informação e Comunicações (TIC),
uma pesquisa interna apontou que
97% dos gerentes são favoráveis à
atuação da equipe em projetos de
voluntariado. “Nossa proposta é
que o voluntário seja proativo, traga
projetos e iniciativas para a empresa
apoiar”, afirma Ana.
Leite, do Anjos do Amanhã,
se orgulha de o TJDFT ir além de
seu papel oficial. “Podíamos atuar na seara estrita da justiça, mas
vamos além. A Rede Solidária é
um exemplo de um Judiciário que
não está meramente preso à sua
função e se alinha com a responsabilidade social dentro da esfera
pública”, afirma.
E como funciona essa rede?
“Cadastramos instituições beneficiárias, levantamos as necessidades de cada uma e as atualizamos
e identificamos os voluntários cadastrados que podem atender às
demandas”, explica. A equipe também gerencia uma lista de discussão na internet, composta por voluntários e beneficiários que, além
de fazer a ponte entre a necessidade de doar e de receber, funciona
como um elo entre as cerca de 70
instituições cadastradas. Entre
elas há abrigos, creches, instituições que aplicam medidas socioeducativas e que promovem tratamento para usuários de drogas.
“As próprias instituições passaram
a se conhecer melhor e, quando
têmrecursosexcedentes,oferecem
a outras por meio da rede”, conta
o supervisor substituto.
Ana Paula, da Petrobras, reforça a importância de que qualquer
iniciativa solidária precisa, antes de
tudo, estabelecer qual a real necessidade da instituição ou do grupo
a ser assistido, evitando excessos
que prejudiquem em vez de ajudar.
Um exemplo é ter mais voluntários
que um evento comporta, outro é
enviar leite quando o beneficiário
precisa de fraldas: “Na estruturação de qualquer projeto é importante fazer essa ponte, para que o
trabalho funcione. Temos uma
preocupação com a instituição que
vai receber o voluntário”.
Uma das chamadas “portas”
de participação no Programa de
Voluntariado Corporativo da Petrobras é justamente o concurso
de projetos, o qual Ana Paula considera uma espécie de aperfeiçoamento da experiência adquirida
Agência Petrobras
"Nossa proposta é que o voluntário seja proativo,
traga projetos e iniciativas para a empresa
apoiar", diz Ana Paula Mattos, da Petrobras.
com o Petrobras Fome Zero. Tem
regras, duração e capacitação para
os envolvidos, além de um padrão
para a elaboração dos projetos,
que serão monitorados simultaneamente em todas as etapas.
Para o supervisor substituto
do Anjos do Amanhã, a atitude do voluntário e a percepção
de que o voluntariado é um trabalho fazem toda a diferença.
“Sensibilizar-se não é suficiente. É
necessário tempo, dedicação, determinação, persistência e um mínimo de planejamento”, enumera.
“Também é preciso se aproximar
do público-alvo, desfazer-se de
algumas crenças e valores para
poder aprender com as pessoas
com quem está lidando. O voluntário não pode, simplesmente,
querer impor seu olhar, com superioridade, preconceito. Precisa
relativizar a realidade e investir
afetivamente para estabelecer um
vínculo de confiança. Se trabalhar com foco e competência, verá
mudança”, conclui.
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Tempo para doar
Banco de Imagens Petrobrás
Foto: Rafael Ohana
Ana Dóris Silva mora em Brasília, é casada,
mãe de três filhas adultas, tem um neto de 1
ano e aposentou-se em 2011 como servidora
do Ministério da Fazenda. Daniela Schindler é
engenheira de produção no
Rio de Janeiro, empregada
da Petrobras, onde ingressou
por concurso há quatro anos.
O que elas têm em comum?
A dedicação ao trabalho
voluntário – apesar da rotina
atribulada de trabalho e
compromissos diversos.
Em 1993, com um grupo
de integrantes da casa
espírita que frequentava, Ana
Dóris fundou a Associação
para Auxílio à Maternidade,
Infância e Adolescência
(Amai), em Santa Maria,
cidade-satélite de Brasília.
Começaram providenciando
doações de enxoval a recémnascidos e promovendo
palestras sobre cuidados
com bebês e planejamento
familiar.
Posteriormente,
construíram a creche Ponto de
Luz, que atualmente atende
50 crianças de 1 a 6 anos de
idade, cujas mães ganhem até
um salário mínimo e meio.
Para
aprimorar
seu
trabalho como voluntária,
estudou
acupuntura
e
homeopatia,
motivada
pelos inúmeros casos de dependência química
que presenciou. Em 2002, a Amai deu “filhote”: a
Comunidade Terapêutica Centro de Apoio Casa
Azul, no município de Padre Bernardo, em Goiás,
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para tratamento de mulheres com vício em
drogas. “Em 2003, fui cursar Psicologia, porque
ia me aposentar e queria me dedicar ainda mais
integralmente ao projeto”.
A rotina de Ana Dóris como voluntária inclui
idassemanaisnacreche,nacasadetratamento,uma
tarde de atendimentos psicológicos no consultório
e as tardes de domingo dedicadas a ministrar
tratamentosgratuitosdeacupunturaehomeopatia
em Santa Maria. “Não existe apoio ao trabalho
voluntário no serviço público, diferentemente de
muitasempresasprivadas,nasquaisosfuncionários
podemdoarumatardeporsemanaemtrocadeuma
hora a mais trabalhada nos demais dias”, comenta.
Na Petrobras – que, vale ressaltar, é uma
empresa de capital misto – Daniela encontrou a
oportunidade para trabalhar com responsabilidade
social. A engenheira atua na Coordenadoria de
Responsabilidade Social da área de Abastecimento.
Aos16anos,elajádavaaulasdeDireitosHumanosem
uma escola municipal na Zona Sul da cidade do Rio
deJaneiroeoptoupelaáreadevidoàoportunidadede
ter um trabalho focado no terceiro setor.
Daniela destaca, dentre as iniciativas que
participou, a parceria que a coordenadoria realizou,
em 2011, com a Operação Sorriso, ONG que
promove cirurgias corretivas de lábio leporino em
crianças carentes. Ela trabalhou tanto na campanha
interna – que arrecadou alimentos especiais para o
as crianças ingerirem no período pós-operatório
– quanto no dia, como voluntária. “Brinquei com
as crianças e orientei os outros voluntários. Ver a
emoção das crianças e os pais felizes foi muito bom.
Você sai se sentindo bem, acho que o voluntário
ganha mais que as pessoas beneficiadas”, comenta.
Para Gelson de Souza Leite, do Anjos do
Amanhã, quando um voluntário se aproxima de
coração aberto, vira referência e uma porta aberta
para alguém sair da margem da sociedade: “O
voluntário dá e recebe. É uma via de mão dupla,
uma experiência enriquecedora”.
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