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Sexualidade e Subjetividade na voz do professor do Ensino Médio
Rita de Cássia Bighetti Saran
Profa. Dra. Célia Regina Vieira de Souza-Leite
No
processo
ensino-aprendizagem,
segundo
estudos
de
renomados
pesquisadores da área das ciências sociais tais como Araújo e Neves (2006 apud
BEZERRA, 2013), Martínez (2011 apud BEZERRA, 2013) e González Rey (2008 apud
BEZERRA, 2013), a aprendizagem humana depende do desenvolvimento das
capacidades cognitivas, porém não dispensa os fatores subjetivos e sociais.
Ao se falar em subjetividade, e, aqui, particularmente, do aluno do ensino
médio, há que se levar em conta a sexualidade, uma vez que na Modernidade ela
passou a ser o objeto primordial no processo de subjetivação. A sexualidade, uma
característica inerente do ser humano, é o instrumento utilizado a partir do qual é
estabelecido uma série de parâmetros ligados à moral de uma sociedade,
determinando padrões de comportamento.
Diante disso, este estudo, a partir da perspectiva de Foucault, teve por objetivo
investigar qual o tipo de discurso que embasa a atitude do professor naquilo que
concerne à sexualidade, a maneira como o professor atua na constituição do aluno,
mais especificadamente, como ele se relaciona com a sexualidade do aluno.
O trabalho contou com uma pesquisa de campo com professores do ensino
médio e foi dividido em três etapas: referencial teórico com noções de arqueologia e
genealogia; Foucault e a educação e, na última etapa, metodologia e análise dos
dados da pesquisa a partir das teorias de Foucault.
Através do método foucaultiano da genealogia, buscamos mapear as relações
de poder que circundam a relação entre o professor, o aluno e a sexualidade, notandose que é impossível compreender adequadamente ou aplicar corretamente a
concepção foucaultiana a respeito da genealogia sem, antes, ter passado por um
significativo entendimento referente à arqueologia.
O método arqueológico aparece bem sistematizado na obra A arqueologia do
saber (FOUCAULT, 2007) e tem como objeto de estudo o discurso, um elemento
concreto formado pela soma de enunciados. A arqueologia busca encontrar
regularidades numa dada formação discursiva, ou seja, as regras de uma determinada
formação discursiva que permitem o aparecimento de objetos, modalidades
discursivas, conceitos e temáticas. Relaciona, também, os vários discursos e
instituições que possam envolver o mesmo objeto.
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A formação do objeto de um dado discurso é resultado das relações entre
emergência, ou melhor esclarecendo, uma prática discursiva depende dos
pressupostos ou condições de uma determinada época, bem como está inserido em
um domínio ou área do conhecimento ( medicina, educação, justiça entre outros) e
deve estar enquadrado em um sistema de classificação. Assim, podemos dizer que,
em um determinado período, uma certa área de conhecimento estabelece uma série
de classificações sobre um dado objeto dando visibilidade a ele.
O sujeito do enunciado, em uma formação discursiva, por sua vez, ocupa um
lugar institucional que lhe dá status e poder para pronunciar um enunciado específico:
a posição daquele que ensina, daquele que cura, daquele que pesquisa.
Naquilo que concerne à constituição dos conceitos, pode-se afirmar que, em
uma determinada época e em uma determinada prática discursiva, a formação dos
conceitos é o resultado do modo como se organizam os enunciados, as “formas de
subordinação de hierarquia e que regem os enunciados de um texto” (FOUCAULT,
2007, p. 66) e os “modos de crítica, de comentários de interpretação de enunciados já
formulados” (FOUCAULT, 2007, p. 66).
Naquilo que concerne à formação das temáticas (ou estratégias), pode-se dizer
que, em uma determinada época e em uma determinada prática discursiva, as
temáticas (ou estratégias) serão o resultado do modo como se dá a relação constituída
por tal prática discursiva, as escolhas referentes à relação entre os conceitos no
interior do discurso, ao conjunto geral em que figura o discurso (a posição da prática
discursiva com relação a outras práticas discursivas) e a função exercida pelo discurso
no interior do contexto histórico em que está envolvido.
Como já foi mencionado, o átomo de toda essa estrutura discursiva é o
enunciado. Assim, o discurso é formado por um conjunto de enunciados que deve ser
tratado como uma função, ou melhor, uma relação onde um elemento depende do
outro. Dessa forma, um conjunto de signos será considerado um enunciado quando
não se dirige diretamente a um objeto, mas sim a um conjunto de regras que permitem
que tal objeto seja digno de tal discurso. O sujeito de um enunciado, por sua vez, é
impessoal e adota uma postura impessoal, irracional que apenas reproduzem
verdades irrefutáveis.
Para o arqueólogo, uma frase ou qualquer outra proposição será considerada
um enunciado quando for relacionada a um contexto e requer uma consistência
material.
Essa espécie de “formula” da função enunciativa constitui-se na base do
método de Foucault: se uma coisa for submetida às quatro exigências da fórmula
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(conjunto de regras que constroem o objeto, postura do sujeito, contexto e
materialidade), essa coisa será um enunciado, notando-se que, no momento em que
distinguimos ou produzimos um determinado enunciado, podemos distinguir o discurso
no qual tal enunciado é um átomo e procurar estabelecer aquelas unidades
discursivas que são: objeto, modalidade enunciativa, conceitos, temas e estratégias.
Existe, no entanto, a continuidade necessária entre as noções de arqueologia e
de genealogia: a “arqueologia faz também com que apareçam relações entre as
formas discursivas e domínios não discursivos (instituições, acontecimentos políticos,
práticas e processos econômicos)” (FOUCAULT, 2007, p. 182-183). Como vemos,
claramente, por esta breve citação, fica difícil, a rigor, estabelecer uma rígida cisão
entre os objetos de estudo da arqueologia e da genealogia de modo que, apesar de
nossa divisão didática, a aplicação desses dois métodos está intimamente
relacionada: não é possível aplicar o método arqueológico sem entrar no campo
institucional da genealogia, e, por outro lado, não é possível entender a genealogia,
sem entender as regras da produção discursiva (ou da produção de saber, como
veremos melhor) estudadas na arqueologia.
O conceito chave da genealogia consiste na noção de poder: para Foucault o
discurso, necessariamente, possui hierarquias em seu interior; essas hierarquias, por
sua vez, estão intimamente relacionadas com hierarquias institucionais que
influenciam e, às vezes, até determinam a conduta dos sujeitos de um determinado
período histórico. Essa situação é, grosso modo, o que, para Foucault, define o poder:
o poder se constitui no conjunto das relações hierárquicas que provêm das interações
entre discursos e instituições, e geram hierarquias nas condutas dos indivíduos.
Para Foucault, o poder não é, necessariamente, decorrente da riqueza ou dos
meios de produção, uma vez que é, antes de tudo, uma relação entre forças e
discursos. Dessa forma, a repressão, decorrente do poder, é, assim, vista sob outro
ponto de vista. Ela não gera opressão (abuso da soberania), e deve ser entendida
como luta entre forças. Existe uma repressão muito acima desse conceito tradicional
(de opressão) estabelecendo os mecanismos do poder.
Dessa forma, o poder para Foucault difere da concepção da existência de um
poder central e é entendido como um conjunto de relações hierárquicas, sendo
praticado em rede. A relação saber-poder estabelece verdades que são divulgadas
através das instituições.
E, nesse momento, a repressão não é o que era a repressão
em relação ao contrato, ou seja, um abuso, mas, ao contrário,
o simples efeito e o simples prosseguimento de uma relação de
dominação. A repressão nada mais seria do que o emprego, no
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interior dessa pseudopaz solapada por uma guerra contínua,
uma relação de força perpétua (FOUCAULT, 2005, p. 24).
Através da análise genealógica, pretende-se chegar à raiz de um determinado
saber (discurso), acompanhando seu percurso, regularidades, técnicas e mecanismos
e compreender como um saber que gerou um poder atinge níveis globais.
Observando as análises históricas de Foucault no primeiro volume de sua
História da sexualidade (FOUCAULT, 2011), foi-nos possível a aplicação geral da
genealogia às temáticas mais específicas de nosso trabalho: a sexualidade e a
educação. Essa obra inicia-se com uma consideração a respeito das reflexões de
Foucault sobre a questão da sexualidade no período vitoriano.
Embora, no século XVIII, os lugares em que se permitia falar sobre
sexualidade, bem como o vocabulário fossem determinados, e aqui entra o papel das
instituições, houve, a partir de então uma enorme produção discursiva sobre a
sexualidade: quanto mais se fala sobre o sexo, maior controle podem as instituições
exercer sobre os indivíduos prescrevendo regras de comportamento daquilo que pode
e não pode ser pensado e falado (controle da enunciação); as quatro instâncias do
discurso condicionam o discurso, e este, por sua vez, também condiciona tais
instâncias. Foucault questionou, então, a repressão vitoriana e nomeou essa postura
de hipótese repressiva.
A partir do século XVIII, porém, o discurso sobre a sexualidade transpõe o
campo da moralidade religiosa e passa para o campo da ciência e do biológico. Os
discursos vigentes, servindo aos interesses econômicos, levam a população a
acreditar na legitimidade dos saberes que são proferidos e a induz a uma
autorrepressão. Fala-se, agora, em controle populacional, taxas de natalidade,
práticas contraceptivas e todo tipo de comportamento relacionado à vida sexual dos
cidadãos. Por meio dos discursos, determina-se o que é lícito e ilícito dizer. O espaço
físico das instituições, a literatura sobre educação sexual para crianças e jovens
impõe-se no controle da sexualidade. Os comportamentos ou práticas sexuais
diferentes da norma, agora menos perseguidos pela justiça e igreja, são controlados
pela medicina que inventa uma série de patologias e implanta o regime da
autovigilância. Esse procedimento permite que, através dos dispositivos de vigilância,
essas práticas sejam desnudadas e controladas. E o estímulo à confissão é a grande
arma para estabelecer esse controle: o indivíduo precisa confessar a verdade sobre si
naquilo que diz respeito à sua sexualidade. Pode-se dizer, assim, que todo aparelho
social passa a existir a partir do poder, ou, em função dele: as relações de força, que
começam de forma periférica, encadeiam-se e formam os grupos homogêneos.
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Importante ressaltar que a produção dos discursos, também, não está, apenas,
centrada em fixar o certo e o errado, mas simplesmente são elaborados discursos
diversos cujos conteúdos seguem estratégias que interessam à incessante produção
de poder.
Assim sendo, após o século XVIII, novos dispositivos sexuais, dentro da célula
familiar, surgiram e foram se entrelaçando com os já existentes no sentido de se fixar
as formas de controle que garantam domínio econômico: há o dispositivo da aliança
(regras que estabelecem o que pode e o que não pode nas relações de sexo familiar)
e o dispositivo da sexualidade (centrado nas sensações do corpo).
Os discursos nas instituições de ensino também são veiculados tendo como
base a ciência e difundem que o saber (conhecimento) é a arma contra o poder
repressivo. Na educação, ele, o poder, circula entre os professores, estudantes, pais e
os governantes. Através dessas relações em rede, age o poder disciplinar que leva o
aluno praticar o autogoverno: técnicas que estimulam a pedagogia do eu nas quais os
alunos se controlam e controlam uns aos outros, submetendo estudantes e
professores. Nesse sentido, no contexto da educação, há a multiplicidades de
discursos permeados de lutas e resistências.
Os dispositivos pedagógicos, naquilo que possuem de realmente repressivo,
agem no sentido de estimular o autoconhecimento quando utilizam dinâmicas, tanto no
aluno como no professor, que podem ser vistas como formas de um confessionalismo
que induza o autogoverno. Enfim, ao se utilizar a linguagem do discurso, objetiva-se
um modelo de subjetividade previamente estabelecido. Assim, quando o discurso, por
exemplo, coloca, para o indivíduo, a sexualidade como o objeto prioritário na
constituição da subjetividade, tal discurso já vem embasado pelos dispositivos
sustentados pelas instituições (principalmente escolares) que determinam o normal e o
pervertido em termos de comportamento sexual, construindo, dessa forma, uma
experiência de si em relação ao objeto. Foucault, então, preocupa-se em mostrar
esses dispositivos e como eles podem agir na constituição da subjetividade em meio a
um conjunto de normas. É um processo de sujeição nos discursos educacionais que
ocorre através de uma série de técnicas: técnicas de vigilância, hierarquia e exame
que sujeitam professores e alunos. Através dos discursos carregados de confissão, os
sujeitos da educação dizem quem são, classificam-se e se disciplinam mediante os
saberes. O exame também serve para classificar, julgar e disciplinar nas instituições
educacionais.
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Assim, para Foucault, o indivíduo já nasce submerso em um mundo construído
pela linguagem e discursos e, dessa forma, é impossível, para o sujeito pronunciar
enunciados libertos dos discursos que aí estão.
O presente trabalho teve o objetivo de constituir-se em uma aplicação, à área
da educação, do pensamento foucaultiano (arqueologia e genealogia), e, mais
especificamente, dos pensamentos que, na segunda fase, configuraram-se naquilo
que concernem a reflexão referente à sexualidade: investigamos qual tipo de discurso,
naquilo que refere à sexualidade, que embasa a atitude do professor, ou seja, a
maneira como o professor atua na constituição do aluno, como ele se relaciona com a
sexualidade do aluno. Esse pensamento sobre a sexualidade foi desenvolvido, aqui,
em íntima correlação com uma pesquisa de campo concernente à subjetividade,
naquilo que diz respeito à sexualidade humana, que predomina em professores de
ensino médio.
Para detectarmos os “núcleos de sentido”, utilizamo-nos da pesquisa qualitativa
denominada por Minayo, Deslandes e Gomes (2012) de Método de Interpretação de
Sentido e análise de conteúdo de Bardin (1979). Porém, para análise dos enunciados
utilizamos o pensamento arqueológico e genealógico de Foucault.
A presente pesquisa procurou encontrar, nos enunciados contidos nos
discursos dos professores, os dispositivos disciplinares que estão por trás dos regimes
de verdades veiculados nesses discursos, ou seja, qual a trama discursiva que está
sob determinadas visibilidades. A pergunta feita aos professores foi: como você,
professor, lida com a sexualidade dentro da sala de aula?
No exame
dos enunciados contidos nos discursos
dos professores
entrevistados, procuramos recortar as sequências enunciativas relacionadas à
sexualidade e, refletindo sobre suas regularidades (arqueologia) e poderes
(genealogia), agrupá-las formando campos associativos específicos em torno de
temas
e
expressões
foucaultianos
tais
como:
norma,
hipótese
repressiva,
scientiasexualis, “técnicas de si” e “vigilância, dispositivo de aliança e dispositivo de
sexualidade.
A partir dos séculos XVII e XVIII, os discursos sobre sexo, que antes eram
circunscritos à igreja, ganharam grande abrangência, passando, assim, a fazer parte
das prioridades das instituições tais como escolas, hospitais, prisões entre outros com
o intuito de controlá-lo. Assim, o filósofo questiona se houve mesmo repressão ao
sexo na modernidade e chamou de hipótese repressiva um dos dispositivos do poder
para controlar corpos. As instituições escolares com sua arquitetura, suas regras
disciplinares
criaram
estratégias
pedagógicas
autorizando
e
incentivando
a
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intensificação dos discursos sobre sexualidade, investidos de saberes e verdades. No
entanto, de acordo com Foucault (2011), todos esses discursos revestem-se de uma
linguagem que controla e limita os enunciados sobre sexualidade, produzindo efeitos
de sentidos moralistas e repressores.
Ao lermos os enunciados dos professores acima, nos foi possível relacioná-los
com a estratégia que Foucault (2011) chamou de hipótese repressiva, uma vez que
eles estimulam a confissão dos alunos e, em seguida, exercem seu papel de conduzir
e controlar a sexualidade dos alunos de acordo com as verdades sobre sexualidade
estabelecidas a partir da relação saber-poder: Sim, qualquer lugar, não é só em sala
de aula não... Qualquer lugar, filha. Até entre nós adultos, às vezes surge um papo na
brincadeira que acaba indo para um lado mais sério, acaba tirando dúvida de certas
pessoas que tenha (sic) alguma pergunta que ficou ali dentro sem resposta / entre
outros.
A scientiasexualis declara que a sexualidade dos indivíduos é passível de vir
acompanhada de patologias, necessitando, portanto, de acompanhamentos para
normalizar esses comportamentos tidos como anormais. Essa classificação bipolar
entre anormal e normal estende-se por todas as instituições inclusive pelas instituições
escolares. Ao traçarmos paralelo com o momento atual da educação, através da
nossa pesquisa de campo, pudemos perceber que essa estratégia de normalização
atrelada ao controle da sexualidade continua vigente e, mais ainda, fica claro o foco
dos docentes nas sexualidades periféricas :
Ahn... Pra (sic) mim o aluno, a
sexualidade do aluno é indiferente, tanto faz se ele tem tendência prum (sic) lado ou
pro (sic) outro, eu lido com ele normalmente, como se eu lidasse com a pessoa
hete...hetero/, entre outros.
A confissão sobre a sexualidade, a partir do século XIX, penetra nos
consultórios médicos, a escuta clínica investiga sujeitos, constrói saberes articulados
com os discursos científicos e dita a verdade sobre o sexo.
Assim foi criada a scientiasexualis que impregnou o sexo de patologias e
prescreveu receitas de normalização contra os ditos perigos do sexo. Então, os livros
científicos, a medicina que engloba a psiquiatria passaram a oferecer a sexualidade
sadia sem riscos. A confissão sobre a sexualidade, a partir do século XIX, penetra nos
consultórios médicos, a escuta clínica investiga sujeitos, constrói saberes articulados
com os discursos científicos e dita a verdade sobre o sexo e o professor alimenta esse
discurso: Entendeu? “Oh, sexo oral é seguro? Não é?” Deixo bem claro esses
conceitos.../ Se, por um acaso, chega alguma coisa que... que eu não tenha formação,
que eu não tenha... Eu sempre dou um jeito. Deixo claro isso pra (sic) eles que eu vou
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pesquisar melhor, que eu vou me inteirar melhor do assunto, tudo o mais,/,entre
outros.
Segundo Foucault (2005), nossa modernidade é constituída por sociedades
disciplinares que agem através de micropoderes, ou seja, uma rede de poderes em
que o médico, o professor, o psiquiatra entrecruzam discursos, criando uma
microfísica do poder. As regulações pedagógicas existentes na formação de
professores são um dispositivo de vigilância. Esse tipo de estratégia irá “definir, formar
e transformar um professor reflexivo, capaz de examinar e reexaminar, regular e
modificar constantemente tanto sua própria atividade prática, quanto, sobretudo, a si
mesmo, no contexto dessa prática profissional” (LARROSA, 2011, p. 49). Essa postura
de autoanálise, autocrítica que o professor incorpora leva-o a adotar posturas e
atitudes ligadas à “sua identidade moral como educador, com o valor e o sentido que
confere à sua prática, com sua autoconsciência profissional” (LARROSA, 2011, p. 50).
E é nessa posição de um profissional ciente de seu papel que o educador lança mão
de práticas pedagógicas que, de acordo com Foucault (2011), são dispositivos de
vigilância na produção da experiência de si do aluno: Eu acho, é... Explicar que têm
hora e lugar pra fazer isso. Ali dentro é um lugar cada um na sua, sem... Porque não tá
(sic) só os dois ali, nós tamos (sic) em quarenta e cinco alunos.../, Oh, (nome do
entrevistador), você sabe que eu nunca presenciei coisas assim... Já vi menina
passando a mão na perna de outra menina, tal... Mas eu ficava observando, dando as
minhas aulas observando.../, entre outros.
A partir do século XVIII, com o vínculo entre saber-poder, surgem quatro
estratégias ou dispositivos específicos para colocar o sexo em discurso, estimular
corpos e intensificar prazeres. A essas estratégias Foucault (2011) deu o nome de
Dispositivo da sexualidade que usa como método de controle a histerização do corpo
da mulher, a pedagogização do sexo da criança, socialização das condutas de
procriação e a psiquiatrização do prazer perverso. Porém, antes dos dispositivos de
sexualidade, o que dominava no controle da sexualidade era o dispositivo de aliança
que defendia, relações de parentesco, transmissão de bens, definindo, a partir de
então, o permitido e o proibido.
Ao olharmos de forma mais atenta os discursos dos entrevistados em nossa
pesquisa, pudemos perceber a ação desses dispositivos quando os professores
mostraram ter olhar acentuado nas ditas sexualidades desviantes e inseri-las nos
discursos pedagógicos: Olha, como anda o mundo hoje, como anda, pra (sic) mim foi
normal, sabe...Eles...elas me respeitaram dentro da sala e eu respeito o lado delas.
Tanto uma como a outra nunca me desrespeitaram, tava (sic) sempre as duas uma
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sentada do lado da outra, mas as duas sempre trabalhavam... Uma mais que a outra,
lógico, mas em relação a isso, eu não tive problema nenhum com elas, entre outros.
Portanto, baseados nos depoimentos dos professores, observamos as teorias
foucaultianas cortando os enunciados que, grosso modo, defendem que o indivíduo é
constituído de forma sujeitada por intermédio de sua inserção em discursos que
veiculam verdades construídas a partir da relação saber poder. E para que isso se dê,
existem procedimentos disciplinares e dispositivos agindo nesse processo. Outrossim,
a sexualidade do indivíduo, principal objeto de controle para disciplinar corpos, está
inserido no discurso pedagógico e são propagados pelos professores que aceitam
essa postura como algo natural.
REFERÊNCIAS.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 1979.
BEZERRA, M dos S. Aprendizagem e subjetividade: um caminho possível.
Disponível em:
<http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1472/1/20767418.pdf>. Acesso em:
30 mai. 2013.
FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
______. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2007.
______. História da sexualidade: A vontade de saber. São Paulo: Graal, 2011.
LARROSA, J. Tecnologias do Eu e educação. In: SILVA, T. T (org.). O sujeito da
educação. Petrópolis: Vozes, 2011, p.35-86.
MINAYO, M. C. S.; DESLANDES, S. F.; GOMES, R. Pesquisa Social: Teoria, método
e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2012.
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Sexualidade e Subjetividade na voz do professor