RAFAEL KUNZLER PARUCKER DIREITO À EDUCAÇÃO: O Distrito Federal e a implementação integral da educação infantil. . Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de pós-graduação da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios Orientador: Prof. Paulo Afonso Cavichioli Carmona BRASÍLIA 2009 2 3 Se tens planos para um ano, plante arroz. Se tens planos para dez anos, plante árvores. Se tens para cem anos, instrua o povo. Provérbio chinês Apud MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. VIII. 4 RESUMO O trabalho aborda o direito fundamental à educação e a deficiência na oferta gratuita pelo Governo do Distrito Federal de vagas em creche e pré-escola. O embate jurídico decorre da interpretação que extrai o Governo do Distrito Federal do disposto no art. 208, IV c/c 211, § 3º, ambos da Constituição Federal, que o eximiria do dever de atendimento de crianças de até 5 (cinco) anos em creches e pré-escola. A esta posição contrapõe-se o Ministério Público do Distrito Federal, que entende ser dever constitucional inescusável daquele ente federativo a efetivação deste direito. O estudo trata de temas relacionados ao direito à educação, como a sua inclusão nos direitos fundamentais, normas programáticas, a “reserva do possível”, as questões filosóficonormativas envolvidas, os instrumentos jurídicos garantidores, questões específicas, estudos de casos e jurisprudência. Conclui, pelo equívoco do entendimento do Governo do Distrito Federal. Palavras – chaves: Direito fundamental à educação. Educação infantil. Creche e préescola. Constituição Federal. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Dever do Estado. Reserva do possível. Ação Civil Pública nº. 61.425/93. Recurso Extraordinário nº. 229760. Jurisprudência. Distrito Federal. 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 7 1 DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO................................................................. 9 1.1 1.2 1.3 1.4 2 Evolução dos direitos fundamentais.......................................................................... 9 Os direitos fundamentais de segunda geração........................................................... 9 As normas constitucionais programáticas.................................................................. 13 A reserva do possível................................................................................................. 17 O FUNDAMENTO FILOSÓFICO-NORMATIVO.......................................................... 22 2.1 2.2 2.2.1 2.2.2 2.3 2.3.1 2.3.1.1 2.3.1.2 2.3.1.3 2.3.1.4 2.3.1.5 3 Considerações............................................................................................................ 22 Da Doutrina da Situação Irregular à Doutrina da Proteção Integral.......................... 22 A Doutrina da Situação Irregular............................................................................... 22 A Doutrina da Proteção Integral................................................................................ 26 O Estatuto da Criança e do Adolescente.................................................................... 30 Os responsáveis pela garantia do direito à educação................................................. 32 O Poder Público......................................................................................................... 33 O Poder Judiciário...................................................................................................... 36 O Ministério Público.................................................................................................. 38 A Sociedade................................................................................................................ 40 A Família.................................................................................................................... 42 INSTRUMENTOS JURÍDICOS....................................................................................... 47 3.1 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.3 3.2.4 3.2.5 3.2.6 3.3 3.3.1 3.3.2 3.3.3 3.3.3.1 3.3.3.2 3.3.3.3 3.3.4 3.3.5 3.3.6 3.4 4 Considerações............................................................................................................ 47 Dos mecanismos extrajudiciais................................................................................ 47 A atuação extrajudicial do Ministério Público........................................................... 47 As gestões de ordem administrativa........................................................................... 48 A audiência pública.................................................................................................... 49 O compromisso de ajustamento de conduta............................................................... 50 A recomendação administrativa................................................................................. 51 O inquérito civil......................................................................................................... 52 Os instrumentos judiciais........................................................................................... 54 A ação de rito sumário prevista na Lei 9.394/1996................................................... 55 A ação civil pública.................................................................................................... 55 O mandado de segurança........................................................................................... 57 O mandado de segurança individual.......................................................................... 58 O mandado de segurança coletivo............................................................................. 59 A ação mandamental.................................................................................................. 59 A ação popular........................................................................................................... 60 O mandado de injunção.............................................................................................. 61 A intervenção federal e estadual................................................................................ 62 Considerações finais.................................................................................................. 64 EDUCAÇÃO INFANTIL.................................................................................................. 65 4.1 4.2 4.3 4.4 Considerações............................................................................................................ Responsabilidade pela oferta da educação infantil.................................................... Gratuidade e obrigatoriedade.................................................................................. O financiamento da educação básica......................................................................... 65 67 68 70 6 4.4.1 4.4.2 FUNDEF e FUNDEB................................................................................................ 71 Considerações finais acerca do financiamento........................................................ 75 5 O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO DISTRITO FEDERAL ..................................................................................................................................................... 76 5.1 5.2 5.2.1 5.2.2 5.3 6 Contexto..................................................................................................................... 76 A posição do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios............................ 77 A ação civil pública nº. 61.425/93............................................................................. 77 O recurso extraordinário nº. 229760.......................................................................... 84 A posição do Governo do Distrito Federal................................................................ 86 JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA............................................................................ 93 6.1 6.2 6.3 Supremo Tribunal Federal......................................................................................... 93 Superior Tribunal de Justiça...................................................................................... 98 Tribunais do Distrito Federal e Estados..................................................................... 98 CONCLUSÃO............................................................................................................................ 103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................ 107 7 INTRODUÇÃO No séc. XVIII europeu, quando da afirmação dos direitos fundamentais, estes se limitavam à garantia da liberdade do indivíduo frente ao Estado. Com a evolução do pensamento jurídico, entretanto, percebeu-se que a liberdade das pessoas não restava plenamente satisfeita pela simples negativa do Estado em imiscuirse na vida dos indivíduos, porquanto estes, apesar de possuírem uma liberdade formal, garantida por lei, não possuíam meios materiais para exercer tal liberdade. Essa necessidade de liberdade concreta demandou o reconhecimento de direitos dos indivíduos ao suprimento de suas necessidades sociais pelo Estado. Assim, surgiram à cena histórica os direitos sociais fundamentais. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados, como estatui a Constituição Federal. De todos esses direitos, para tema deste trabalho elegeu-se o direito à educação. Primeiro, pela sua suprema relevância social, porquanto é instrumento capaz de garantir a plena liberdade e dignidade dos indivíduos, garantindo-lhes chances iguais de acesso à própria cidadania e ao mercado de trabalho – além de assegurar o combustível para iluminar as mentes das futuras gerações, para que saibam bem cuidar do mundo por vir. Em segundo lugar, pelo fato da educação, em nosso País, encontrar obstáculos concretos no que tange à sua efetivação, notadamente no que se refere à oferta para crianças de 0 a 5 anos, legalmente designada educação infantil, prestada em creche e pré-escola. 8 Nesta esfera, no Distrito Federal, um problema inquietante parece ser o não atendimento pleno ao direito de acesso “à educação infantil, em creche e préescola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade” (art. 208, IV, CF/88). O presente trabalho pretende examinar temas relacionados ao direito à educação, como a sua inserção nos direitos fundamentais – mais especificamente os sociais ou de 2ª geração –, e nas normas programáticas, a teoria da “reserva do possível” e as questões filosófico-normativas envolvidas, além de algumas questões específicas, estudo de caso e a jurisprudência. O assunto é atual e importante, posto que o tema é presente no cotidiano forense do DF; tem extrema relevância social, porque envolve o direito ao desenvolvimento de milhares de crianças brasilienses. No âmbito acadêmico, nos limites desta instituição de ensino, é original, porquanto dá enfoque à questão da educação infantil no DF, salvo engano ainda não invocada diretamente em nenhuma monografia da FESMPDFT. Possui viabilidade, ante a considerável variedade bibliográfica, legal e jurisprudencial que se encontra à disposição. Ademais, é científico, visto que possui uma metodologia baseada em estudo de bibliografia, casos e jurisprudência, além de buscar trazer, na medida necessária da imparcialidade, os aspectos jurídicos, econômicos, políticos e sociais que envolvem a efetivação do direito à educação infantil no Distrito Federal. Por fim, com o intuito de resumir o consenso quanto à necessidade de valorizar a educação das nossas crianças, ficam as palavras de um antigo provérbio africano: “O mundo que temos hoje nas mãos não nos foi dado por nossos pais, ele nos foi emprestado por nossos filhos”. 9 1. O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO 1.1. Evolução dos direitos fundamentais Parte da doutrina, como nos ensina Fabiani Oliveira de Medeiros1, distingue os direitos fundamentais em quatro gerações ou dimensões, das quais nos limitaremos ao estudo apenas das duas primeiras, posto que satisfazem ao objeto do estudo (o direito social à educação). Para a autora, “os direitos de primeira dimensão são apresentados como os de cunho “negativo”, já que são dirigidos a uma abstenção e não a uma conduta positiva por parte dos Poderes Públicos”. Os de terceira dimensão, também denominados de direitos de solidariedade e de fraternidade, caracterizam-se como direitos de titularidade coletiva ou difusa, como o direito à paz, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao consumo2. Por fim, há os direitos de quarta dimensão, que surgem como resultado da globalização dos direitos fundamentais, dentre os quais podemos citar o direito à democracia e ao pluralismo3. Já os direitos de segunda dimensão são conhecidos como direitos econômicos, sociais e culturais. Sua origem remonta ao século XIX, quando a intensificação da industrialização passou a gerar graves problemas sociais e econômicos a exigir do Estado um comportamento positivo na realização da justiça social4. É sobre 1 MEDEIROS, Fabiani Oliveira de. A eficácia dos direitos sociais em face da reserva do possível. Revista de Administração Municipal – ano 52. nº 260. outubro/novembro/dezembro de 2006. p. 69. 2 Ibidem. p. 69. 3 Ibidem. p. 69. 4 Ibidem. p. 69. 10 esses direitos que aprofundaremos nosso estudo, porquanto é neles (direitos de segunda geração), que se encontra o direito à educação. 1.2. Os direitos fundamentais de segunda geração. Valemo-nos do conceito dado por Alexy5: Os direitos a prestações em sentido estrito (direitos sociais fundamentais) são direitos do indivíduo frente ao Estado a algo que – se o indivíduo possuísse meios financeiros suficientes e se encontrasse no mercado uma oferta suficiente – poderia obter também de particulares. Nesse contexto social, o Estado, que antes tinha o dever de não intervir em virtude do princípio da liberdade de todos perante a lei, passa a ter a obrigação de promover ativamente a liberdade de todos na lei. A igualdade formal cede lugar à igualdade material, a qual somente é possível com a intervenção constante do Estado por meio da concessão de prestações sociais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc. Ocorre que estes direitos, por serem prestacionais, estão diretamente vinculados às tarefas estatais de distribuição dos recursos existentes por meio de políticas públicas, como nos ensina, mais uma vez, Fabiani Oliveira de Medeiros6. 5 Apud COELHO, Helena Beatriz Cesarino Mendes. Direitos Fundamentais Sociais: Reserva do Possível e Controle Jurisdicional. Revista da Procuradoria-Geral do Estado/Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul – RPGE, Porto Alegre, v. 30, nº. 63, p. 99-122, jan./jun. 2006. p. 124. 6 MEDEIROS, Fabiani Oliveira de. A eficácia dos direitos sociais em face da reserva do possível. Revista de Administração Municipal – ano 52. nº. 260. outubro/novembro/dezembro de 2006. p. 69. 11 Ao tratar do tema, Norberto Bobbio7 observa que “na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas puramente de programáticas”. Ante a constatação, o autor italiano indaga: Será que já nos perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem e permitem um futuro indefinido e sem prazo de coerência claramente delimitado? E, sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gêneros de direitos são esses que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados “sine die”, além de confinados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o ‘programa’ é apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política, pode ainda ser chamado corretamente de ‘direito’? Nacionalizando o tema, alguns ilustres juristas brasileiros sustentam que “a alegação de que os direitos sociais não consubstanciem direito subjetivo individual é de cunho meramente ideológico”, como diz Helena Beatriz Coelho8. Argumentam eles que a natureza aberta e a forma vaga das normas que tratam dos direitos sociais “não acarretam, por si só, o impedimento de sua imediata aplicabilidade e plena eficácia, já que constitui tarefa precípua dos tribunais a determinação do conteúdo dos preceitos normativos, por ocasião de sua aplicação9”. Outros, a seu turno, argumentam que os direitos sociais, por força do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, têm caráter de autênticos direito subjetivos, pois a citada norma, combinada com mandamento constitucional do art. 5º, inc. XXXV (inafastabilidade do controle judiciário), autorizaria os tribunais a assegurar, no caso concreto, a efetiva fruição da prestação. Nesse caso, a lacuna oriunda de ausência de 7 Apud BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite à eficácia e efetividade dos direitos sociais. Revista do Ministério Público. Porto Alegre. Nº. 51. maio/set/2004. p. 1 a 288 p. 51/52. 8 Apud COELHO, Helena Beatriz Cesarino Mendes. Direitos Fundamentais Sociais: Reserva do Possível e Controle Jurisdicional. Revista da Procuradoria-Geral do Estado/Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul – RPGE, Porto Alegre, v. 30, nº. 63, p. 99-122, jan./jun. 2006. p. 127/128. 9 COELHO, Helena Beatriz Cesarino Mendes. Direitos Fundamentais Sociais: Reserva do Possível e Controle Jurisdicional. Revista da Procuradoria-Geral do Estado/Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul – RPGE, Porto Alegre, v. 30, nº. 63, p. 99-122, jan./jun. 2006. p. 127/128. 12 atuação do legislador poderia ser suprida pelo Poder Judiciário mediante o recurso à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito, como autorizado pela Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º, sem que houvesse afronta ao princípio da separação dos Poderes10. Para Jorge Miranda: Imbricada como está com a vida econômica e social – e esta avaliável sempre no âmbito do contraditório político – a realização dos direitos sociais aparece, por conseguinte, indissociável da política econômica e social de cada momento (ao passo que a realização dos direitos, liberdades e garantias dir-se-ia, “prima facie”, actividade eminentemente jurídica) 11. Muitos alegam, também, argumentos contrários ao reconhecimento de direitos subjetivos a prestações com base na “reserva do possível”, a ser estudada mais à frente12. Os que seguem esta compreensão destacam que a questão envolve o tema da competência, porquanto compete precipuamente ao legislador ordinário decidir sobre a aplicação e destinação dos recursos públicos, incluindo-se a eleição das prioridades das políticas públicas. Em sendo assim, a concretização dos direitos sociais pelo Poder Judiciário, à revelia do legislador, acarretaria afronta ao princípio da separação dos Poderes e, pois, ao próprio Estado de Direito. Ressaltam que a concretização dos direitos sociais depende, no mais das vezes, de condições de natureza macroeconômica, as quais fogem da análise meramente jurídica elaborada pelos juízes, como diz Helena Beatriz Cesarino Mendes Coelho13. 10 COELHO, op. cit., p. 127/128. Idem, p. 126. 12 Item 1.4, infra. 13 COELHO, op. cit., p. 128. 11 13 Contrapondo-se às correntes que não concebem os direitos sociais como verdadeiros direitos, mas como garantias institucionais, negando-lhes a característica de direitos fundamentais, no dizer de José Afonso da Silva, há uma “doutrina mais conseqüente que, contudo, vem refutando essa tese, e reconhece neles a natureza de direitos fundamentais, ao lado dos direitos individuais, políticos e do direito à nacionalidade”. Assim, são direitos fundamentais do “homem-social”, e até “se estima que, mais que uma categoria de direitos fundamentais, constituem um meio positivo para dar um conteúdo real e uma possibilidade de exercício eficaz de todos os direitos e liberdades.”14 E continua o autor, dizendo que a Constituição segue essa doutrina, incluindo os direitos sociais entre os direitos fundamentais no seu título II. Não lhes tira essa natureza o fato de sua realização poder depender de providências positivas do Poder Público. Por isso, caracterizam-se como prestações positivas impostas às autoridades públicas pela Constituição15. Segundo Paulo Bonavides: Os direitos fundamentais de segunda geração passaram por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigiam do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos.16 E, aprofundando a tese de Bonavides, José Afonso da Silva afirma: 14 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª Ed. 2ª Tiragem. Malheiros Editores. São Paulo: 2003. p. 151. 15 Ibidem. p. 151. 16 Apud BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite á eficácia e efetividade dos direitos sociais. Revista do Ministério Público. Porto Alegre. Nº. 51. maio/set/2004. p 52. 14 De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não terem, para sua concretização, aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos de liberdade. Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.17 Destarte, percebemos que é assumida uma posição firme sobre os direitos sociais fundamentais. Passemos a analisar, portanto, alguns de seus aspectos mais importantes para o nosso tema. Avancemos para nova esfera de discussão, qual seja a relativa às normas programáticas, onde se inclui como nos mostraram os autores, boa parte dos direitos fundamentais de 2ª geração, entre eles, o direito à educação. 1.3. Das normas constitucionais programáticas Para explicar o tema com acerto e segurança, beberemos na fonte da doutrina brasileira que trata da natureza dos direitos previstos em normas constitucionais programáticas. Trata-se da corrente esposada pelo ilustre doutrinador José Afonso da Silva, que com mestria debruçou-se sobre o tema da aplicabilidade das normas constitucionais18, a que acompanharemos na maior parte deste tópico. Ao detalhar as normas constitucionais de princípio programático, o autor lembra-nos que, historicamente, “as constituições contemporâneas constituem documentos jurídicos de compromisso entre o liberalismo capitalista e o intervencionismo.” 19 Assim: 17 Apud BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite á eficácia e efetividade dos direitos sociais. Revista do Ministério Público. Porto Alegre. Nº. 51. maio/set/2004. p. 52. 18 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª Ed. 2ª Tiragem. Malheiros Editores. São Paulo: 2003. 19 Ibidem. p. 135. 15 Esse embate entre o liberalismo, com seu conceito de democracia política, e o intervencionismo ou o socialismo repercute nos textos das constituições contemporâneas, com seus princípios de direitos econômicos e sociais, comportando um conjunto de disposições concernentes tanto aos direitos dos trabalhadores como à estrutura da economia e ao estatuto dos cidadãos20. Prossegue Silva dizendo que “o conjunto desses princípios formam o chamado conteúdo social das constituições.” 21 Acrescenta que “vem daí o conceito de ‘constituição-dirigente’22, de que a Constituição de 1988 é exemplo destacado, porquanto define fins e programas de ação futura no sentido de uma orientação social democrática23. Destarte, ao citar José Horácio Meirelles Teixeira, José Afonso escreve que programáticas são aquelas “normas constitucionais através das quais o constituinte”, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, “limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos, como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado24”. Ademais, destaca o autor que “o estudo da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais manifesta-se mais acentuadamente na sua consideração em relação às chamadas normas programáticas”.25 Para ele, existem três razões que destacam essa relevância: A primeira é que “se ouve em relação à Constituição de 1988 20 Ibidem. p. 135. Sobre o assunto, José Afonso indica a leitura de LUCAS, Fábio. Conteúdo social das Constituições brasileiras, Belo Horizonte, Ed. Da Faculdade de Ciências Econômicas da UMG, 1959. 22 O referido autor alude também a CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contribuição para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra, Coimbra Editora, 1983. 23 Ibidem. p.136. 24 Apud SILVA, op. cit.. p. 138. 25 SILVA, op. cit., p.138-139. 21 16 que ela está repleta de normas de intenção, como se jurídicas e imperativas não fossem26”. Outra razão aduzida pelo constitucionalista é que tais normas “traduzem os elementos sócio-ideológicos da constituição”. Uma terceira razão é que “indicam os fins e objetivos do Estado”. Com efeito, concordamos com a constatação do autor, no sentido de que o tema da efetividade das normas de conteúdo programático é polêmico por natureza. No curso da discussão sobre eficácia e aplicabilidade das normas programáticas, o autor, contrariando a opinião comum, defende, com acerto, o caráter imperativo e vinculativo das normas programáticas27. Citando Gomes Canotilho, José Afonso explica que há muito se superou a denominada “regulamentação da liberdade”, ou seja, “que as condições e os limites de sua aplicabilidade fossem determinados por uma lei orgânica. Pois as normas constitucionais que enunciam os direitos individuais são de aplicabilidade imediata e direta28”. 26 José Afonso pontua: “é bem verdade que essa é uma postura especialmente de privativistas, que, quando escrevem sobre direito constitucional, insistem em dar efeitos diversos às normas constitucionais em função de sua natureza material ou formal, como se lê no pranteado Prof. Carlos Alberto Bittar (“A Constituição de 1988 e sua interpretação”, RT 635/33, setembro/88) (...) entendo que as materiais “têm vigência imediata, independentemente de declaração formal do legislador constituinte”, enquanto, “as demais – em que se encartam as relações privadas – somente produzem efeito em sua plenitude com a adaptação da legislação correspondente”; assim, “as normas de Direito de Família somente terão eficácia plena quando ajustado o Código próprio”. Não existem relações privadas reguladas pela Constituição. Se ela regulou, nos limites por ela postos, a matéria passa a ser constitucional. Nela não há direito civil nem comercial, mas normas constitucionais sobre matéria civil ou comercial, pondo princípios regedores da sociedade civil. 27 Ibidem, p. 139. 28 Apud SILVA, op. cit., p. 139. 17 Logo, e resumidamente, o autor conclui que o problema atual consiste em buscar mecanismos constitucionais e embasamentos teóricos para permitir sua concretização prática.29 Sobre o direito à educação, o autor observa que a sua exigibilidade é patente, posto que, nesse caso, há um dever correlato de um sujeito determinado: “o Estado – que, por isso, tem a obrigação de satisfazer aquele direito. Se esta não é satisfeita, não se trata de programacidade, mas de desrespeito ao direito, de descumprimento da norma”.30 A questão da efetividade dos direitos sociais fundamentais e das normas programáticas, como são classificados os primeiros, esbarra muitas vezes no argumento da escassez de recursos para a sua concretização. Esse argumento originou uma teoria, praticamente uma fórmula jurídica, por meio da qual o Estado logra escafeder-se de seu dever constitucional de efetivar os direitos sociais. O nome desta teoria jurídica é “teoria da reserva do possível”. Dela que nos ocuparemos a partir de agora. 1.4. A reserva do possível Andreas Krell leciona que o conceito de “reserva do possível” é oriundo do direito alemão, fruto de uma decisão da Corte Constitucional daquele país, em que ficou assente que “a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos do Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos 29 30 SILVA, op. cit., p. 140. SILVA, op. cit.. p. 150. 18 recursos.”31 Segundo tal entendimento, a disponibilidade desses recursos estaria localizada no campo discricionário das decisões políticas, através da composição dos orçamentos públicos. A referida decisão da Corte Constitucional Alemã menciona que estes direitos a prestações positivas do Estado (os direitos fundamentais sociais) “estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade.”32 Nesta deliberação foi recusada a tese de que o Estado seria obrigado a criar uma quantidade suficiente de vagas nas universidades públicas para atender a todos os candidatos. Fernando Facury Scaff assinala que, apoiando-se nessa tese, vários autores brasileiros alegam que não cabe aos juízes a análise de direitos fundamentais sociais. Nessa ótica, trata-se de algo que depende de disponibilidade orçamentária, logo, matéria de interesse público cujo alcance não caberia ao Poder Judiciário, mas apenas ao Legislativo e ao Executivo33. O autor denota que a Constituição brasileira estabeleceu vários objetivos a serem alcançados, o que pode ser vislumbrado no art. 3º 34 . E, em face do expresso na Carta Política, Scaff aduz que estes objetivos devem ser perseguidos pelos governos que se sucederem no comando do Estado. Toda a estrutura de Estado deve 31 Apud SCAFF, Fernando Facury. Reserva do Possível, Mínimo Existencial e Direitos Humanos. Interesse Público. Porto Alegre: Ano 2005. p. 89. 32 SCAFF, op. cit.. p. 89. 33 Ibidem, p. 89. 34 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 19 servir à obtenção destes desígnios. Daí que todo o sistema de planejamento que a Constituição de 1988 estabeleceu para o desenvolvimento nacional deve estar voltado para a consecução desses objetivos35. No âmbito orçamentário, fundamental para que o Estado demonstre a origem das receitas (oriundas de seu patrimônio, de imposições fiscais e de empréstimos) e o destino das despesas e investimentos, foi estabelecido um sistema de planejamento constituído por um conjunto de 3 (três) leis que se sucedem e se complementam: a Lei do Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Todos os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição deverão ser elaborados em consonância com o Plano Plurianual (art. 165, § 4º, CF), e a LDO deverá estar sempre em consonância com o PPA (art. 166, § 4º, CF)36. Explica Fernando Borges Mânica37 que, com o aparecimento do Estado Social, surge, por meio de políticas públicas – e do orçamento –, a intervenção positiva do Poder Público na ordem econômica e na ordem social. Portanto, o orçamento instrumentaliza as políticas públicas e define o grau de concretização dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. Existem limitações no âmbito da receita que se traduzem, por exemplo, nos princípios da reserva legal tributária, da anterioridade, da irretroatividade 35 SCAFF, op. cit., p. 90. Ibidem. p. 90/91. 37 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: direitos fundamentais a prestações e a intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas. Revista Brasileira de Direto Público – RBDP. Editora Fórum. Belo Horizonte. Ano: 5. nº. 18. p. 1.262. jul./set. 2007. p. 170. 36 20 tributária, entre vários outros. Existem também limitações no âmbito da despesa, impedindo que o gasto público aconteça ao bel prazer dos legisladores. Tais limites podem ser formais, especificados em normas positivas, como a obrigatoriedade de gastos com educação (art. 122, CF), ou podem ser materiais, fundados em princípios e interpretações das leis. Materialmente, o uso de recursos públicos deve se dar de forma a permitir que os objetivos estabelecidos no art. 3º da Constituição sejam alcançados. Releva destacar, de tudo, que os gastos públicos não permitem que o legislador, e muito menos o administrador, realizem gastos de forma desvinculada aos objetivos impostos pela Carta, especialmente em seu art. 3º. 38 Assim, não há total e completa liberdade do legislador para incluir neste sistema de planejamento o que bem entender. Ela é conformada pela supremacia da Constituição39. A reserva do possível é condicionada pelas disponibilidades orçamentárias; porém os legisladores não possuem ampla liberdade de disposição, pois estão vinculados ao princípio da supremacia constitucional, devendo implementar os objetivos estabelecidos na Constituição de 1988, que se encontram no art. 3º, dentre outras normas-objetivo. 38 39 SCAFF, op. cit., p. 92. Ibidem. p. 91. 21 Esta teoria somente pode ser argüida quando for comprovado que os recursos públicos estão sendo utilizados de forma proporcional aos problemas enfrentados pela parcela da população que não puder exercer sua liberdade jurídica40. Por outro lado, considerando-se a posição estatal, é forçoso buscar outras alternativas, perante a própria comunidade, para o suprimento de parte dessas carências sociais. Se é verdade que todos possuem, ilustrativamente, direito à saúde, à segurança e a uma infra-estrutura adequada para transitar nas rodovias, não menos o é que os membros da coletividade também têm o dever de procurar suprir as necessidades dos seus pares, que não podem ser exaustivamente atendidas pelo Estado41. Aliás, como dito por Guido Zanobini, “tudo aquilo que é juridicamente regulado, é também juridicamente limitado42”. Por fim, no entendimento adotado por nossos tribunais, a “reserva do financeiramente possível” tem sido afastada como panacéia capaz de eximir a obrigatoriedade de concretização dos direitos fundamentais pelo Poder Público. É que as decisões têm exigido não a mera alegação de inexistência de recursos, mas a comprovação de ausência de recursos, também denominada exaustão orçamentária43. Assim deve ser entendida “a reserva do possível”. 40 Apud SCAFF, op. cit., p. 101/102. OLIVEIRA NETTO, Sérgio de. O Princípio da Reserva do Possível e a eficácia das decisões judiciais. Estudos Jurídicos – Revista da Procuradoria-Geral Federal junto à Universidade Federal Fluminense. Niterói. N. 3. 2006. p. 109/110. 42 Apud OLIVEIRA NETTO, op. cit., p. 110. 43 MÂNICA, op. cit.. p. 182/183. 41 22 2. DO FUNDAMENTO FILOSÓFICO-NORMATIVO 2.1 Considerações A luta pelos Direitos Humanos como meio para a construção de uma sociedade mais justa e democrática se faz a todo o momento e em todos os campos, teórico e prático. Igualmente, como ressalta José Ricardo Cunha, a luta pelos direitos infanto-juvenis requer trabalhos constantes de caráter teórico e prático44. O autor continua a explanação filosófica, denotando que “a teoria ilumina a prática e a prática interpela a teoria, numa tal dialética que uma não pode ser pensada sem a outra, pois a teoria sem a prática se torna estéril e a prática sem teoria se torna cega45”. Essa integração dialética ora serviu de fundamento à Doutrina da Situação Irregular, que sustentou o extinto Código de Menores e ora à Doutrina da Proteção Integral. O que são tais doutrinas e quais são seus impactos sócio jurídicos é o que passaremos a detalhar neste momento. 2.2. Da Doutrina da Situação Irregular à Doutrina da Proteção Integral 2.2.1. A Doutrina da Situação Irregular A Doutrina da Situação Irregular, nas palavras de João Batista Costa Saraiva, “é aquela em que os menores passam a ser objeto da norma quando se 44 CUNHA, José Ricardo. O Estatuto da Criança e do Adolescente no marco da Doutrina jurídica da Proteção Integral. Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes. V. 1, n. 1. (dez. 1996) – Rio de Janeiro: SBI, FDCM, 1996 – Anual. P. 91. 45 Ibidem. P. 91. 23 encontrarem em estado de patologia social, assim definida legalmente (no revogado Código de Menores)46”. Em outros termos, aquele adolescente considerado em abandono ou na prática de delinqüência era tido como em situação irregular, ou seja, incapaz de se adaptar à vida em sociedade, como salienta José Ricardo Cunha47. Esta denominação oficializou-se somente no final da década de setenta do século passado, mas designa um tipo de orientação ao atendimento que se inicia cerca de cinco décadas antes, quando tornou-se necessária e urgente uma reavaliação do atendimento aos então ditos “menores”. Registra José Ricardo Cunha que, na esteira da Doutrina da Situação Irregular, surge no Brasil, Rio de Janeiro, em 1923, o primeiro Juizado de Menores da América Latina e, em 1927, nosso primeiro Código de Menores48. Na segunda metade do séc. XX, mais precisamente em 1964, o governo militar “baixa” o Decreto-Lei intitulado “Da Política Nacional do Bem Estar do Menor” e, com ele, cria a “Fundação Nacional de Bem Estar do Menor – FUNABEM”. Aqui a Doutrina da Situação Irregular encontrou seu ápice. A metodologia utilizada implicava na internação nas unidades da FUNABEM de todo “menor” tido como em situação irregular (abandono-delinquência), para que aprendesse a viver em sociedade. Cópia evidente do sistema carcerário, que, com indica José Ricardo Cunha49, foi a tônica desse modelo de atendimento. 46 Apud LEITE, Carla Carvalho. Da doutrina da situação irregular à doutrina da proteção integral: aspectos históricos e mudanças paradigmáticas. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro, nº 23, jan./jun. 2006. p. 97. 47 CUNHA, op. cit., p. 98. 48 Ibidem. p. 99. 49 Ibidem. p. 99. 24 Posteriormente, em 1979, foi publicada a Lei Federal nº. 6.697/79, que instituiu o “novo” Código de Menores50. Sobre a disposição do Código de Menores, Carla Carvalho Leite51 nota que o referido Código não fazia qualquer distinção entre menor abandonado e menor delinqüente, considerando ambos em situação irregular e, portanto, passíveis de aplicação das mesmas medidas – geralmente a de internação, e pior: no mesmo estabelecimento. A autora percebe ainda que, sob a vigência do Código de Menores, havia, portanto, uma clara e triste distinção entre “criança” e “menor”. Considerava-se “criança” o(a) filho proveniente de família financeiramente abastada e “menor” o(a) filho de família pobre52. Dessa forma, a assistência à infância consistia mais especificamente aos menores – assim considerados os que se encontravam no vasto conceito legal de “situação irregular” –, na proteção da criança contra a ação ou omissão de sua família, vista pelo Poder Público, em suas três esferas (Executivo, Legislativo e Judiciário), e, por vezes, pela própria família, como incapaz de educá-la. 50 Art. 1º - Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores: I – até 18 anos de idade, que se encontrem em situação irregular; II – entre 18 e 21 anos, nos casos expressos em Lei. Parágrafo único – As medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor de dezoito anos, independentemente de sua situação. Art. 2º - Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsáveis; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsáveis de provê-los; II – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral devido a: encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V – com desvio de conduta, em virtude de grave estado de inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de infração penal. Parágrafo único – Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independemente de ato judicial. 51 LEITE, op. cit.. p. 97. 52 Ibidem. p. 97-98. 25 Nesse diapasão, cumpre lembrar o que disse, certa vez, o jurista Pontes de Miranda. Segundo José Ricardo Cunha53, o famoso jurisconsulto teria comentado que o direito civil fora criado para os ricos enquanto o direito penal, para os pobres. Segundo o autor, essa máxima serve também para retratar a realidade infantojuvenil imbutida no país pelo Código de Menores: Vara de Família para as crianças ricas e Vara de Menores para as crianças pobres. No Brasil, conforme crítica de Márcio Thadeu Silva Marques54, o Código de Menores foi o instrumento mais poderoso na consolidação da chamada “doutrina da situação irregular”, com patente foco estigmatizante, alcançando notadamente meninos e meninas habitantes de rua. Dessa forma, perdia-se a oportunidade de construir a cidadania infanto-juvenil, que ficava sufocada pelo arbítrio paternalista dos entes estatais. Assim, no tocante à atuação do poder estatal sobre a infância e juventude sob influência da Doutrina da Situação Irregular, é possível concluir, como o faz Carla Carvalho Leite55, que: a) uma vez constatada a “situação irregular”, o “menor” passava a ser “objeto” de tutela do Estado, e; b) basicamente, toda e qualquer criança ou adolescente pobre era considerado “menor em situação irregular”, legitimando-se a intervenção do Estado, através da ação direta do Juiz de Menores e inclusão do “menor” no sistema de assistência adotado pela Política Nacional de Bem-Estar do Menor. 53 CUNHA, op. cit., p. 99. MARQUES, Márcio Thadeu Silva. Sistema de Garantia de Direitos da Infância e da Juventude. In Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 19. Renovar, 2000, P. 49. 55 LEITE, op. cit., p. 98. 54 26 E também, já por concluir este tópico, vale observar que foi curto o período de vigência do Código de Menores de 1979. Diante de inúmeras denúncias apontando injustiças cometidas contra crianças e adolescentes internados, emergiram debates sobre os direitos infanto-juvenis. Surgiam no cenário político vozes não isoladas que pregavam o fim do estigma decorrente da expressão “menor”, claramente excludente e classista, e das situações (chamadas) de risco, pugnando pelo reconhecimento da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direitos56. Tantas aspirações por mudanças acarretaram a criação, na Assembléia Constituinte, da “Comissão Nacional Criança e Constituinte”, culminando com alteraçõs de fundo na linha política institucional. São dessa época a inserção, na Constituição da República, de princípios da Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e, especialmente, o acolhimento da Doutrina da Proteção Integral, que passará a ser explicada a partir de agora. 2.2.2. A Doutrina da Proteção Integral Doutrina da Proteção Integral, no dizer de José Ricardo Cunha, é uma filosofia e uma normatividade, ou, ainda, uma filosofia normativa voltada para a renovação de comportamentos, crenças e instituições da sociedade brasileira no que diz respeito à defesa de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, os quais passam a ser tomados como direitos fundamentais de toda a sociedade57. A Doutrina da Proteção Integral, instituída pela Constituição Cidadã e posteriormente regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069/90 – rompeu de vez com os 56 RIZZINI, Irene (Org.). Olhares sobre a criança no Brasil: Perspectivas Históricas”, In Olhares sobre a criança no Brasil – Séculos XIX e XX. Rio de Janeiro. Série Banco de Dados – 5ª Ed. Universitária. Santa Úrsula, 1997, p. 26/27. 57 CUNHA, op. cit., p. 91. 27 paradigmas que lhe antecederam: da “situação irregular”, do “assistencialismo”, da “estatalidade” e “centralização” das ações e das “funções anômalas” do Poder Judiciário, com entende Carla Carvalho Leite58. A autora anota ainda que, no cenário legislativo internacional, a Doutrina da Proteção Integral veio a ser consagrada na Convenção da ONU sobre Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. Observa que a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada no dia 5 de outubro de 1988, para o orgulho jurídico dos brasileiros, antecipou-se à convenção da ONU a respeito dos direitos infanto-juvenis59. Prioridade, cabe enfatizar, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é: 1. Qualidade do que está em primeiro lugar, ou do que aparece primeiro; primazia. 2. Preferência dada a alguém relativamente o tempo de realização de seu direito, com preterição do de outros; primazia. 3. Qualidade de uma coisa que é posta em primeiro lugar, numa série ou ordem60. Focando ainda melhor o assunto, o Promotor de Justiça Wilson Donizeti Liberati61, especialista na área de direitos da criança afirma que: Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes (...) Por absoluta prioridade, entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não 58 LEITE, op. cit., p. 98. LEITE, op.cit., p. 100. 60 Novo dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 1.393. 61 LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentários. São Paulo: IBPS. P. 4/5 59 28 se deveria asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos, etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante. Depreende-se, portanto, que o Princípio da Prioridade Absoluta deverá refletir, sem sombra de dúvidas, no orçamento público; assim, inconcebível falar em “proteção integral” a crianças e adolescentes sem falar em políticas públicas voltadas à população infanto-juvenil. Essas políticas públicas, por sua vez, deverão demandar a utilização de recursos públicos em caráter prioritário e privilegiado, como bem assinala Murillo José Digiácomo62. O referido autor observa, igualmente, que a nova sistemática idealizada para o atendimento de crianças e adolescentes, ao contrário do que ocorria sob a égide do revogado “Código de Menores” de 1979, marca uma alteração de rumos. De fato, ela encerra uma preocupação eminentemente preventiva e voltada às questões coletivas, não sendo mais admissível que nos limitemos à análise de casos de violação de direitos individuais de crianças e adolescentes63. Ademais, a construção do atual modelo legal, que sustenta a visão global da questão da criança e do adolescente, levou o problema a extrapolar o âmbito estritamente jurídico. Estabeleceu-se, então, um regime de co-responsabilidade entre a sociedade, a família e o Estado64, em caráter de prioridade absoluta, como aduz Márcio Thadeu Silva Marques65. 62 DIGIÁCOMO, Murilo José. Planejamento e Garantia da Prioridade Absoluta à Criança e ao Adolescente no Orçamento Público – Condição Indispensável para sua Proteção Integral. Cadernos do Ministério Público do Paraná. V. 8. Nº. 1. Janeiro/Março – 2005. p. 16. 63 Ibidem. p. 15. 64 É o que advoga o Dês. Amaral Silva: “No novo modelo, a cada ator o seu papel. Nada de eufemismos ou mitos. O juiz surge como magistrado que previne e compõe litígios. O Ministério público é o fiscal da 29 A Doutrina da Proteção Integral foi sintetizada no art. 227 da Constituição Federal, in verbis: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão66. Destarte, pela leitura simples do texto constitucional, torna-se clara a dimensão que se dá à criança e ao adolescente como indivíduos; mais: como cidadãos, credores de direitos cujos responsáveis somos nós: Estado, sociedade e família. Outrossim, José Ricardo Cunha67, lançado um olhar mais atento sobre o referido artigo, destaca quatro pontos que dão substância à Doutrina da Proteção Integral: (1) ‘dever da família, da sociedade e do Estado’; quando a Constituição faz este elenco como responsáveis pela garantia dos direitos da criança e do adolescente, ninguém fica excluído; (2) ‘absoluta prioridade’; a palavra “prioridade” aparece diversas vezes no texto constitucional, contudo, uma única vez figura a expressão ‘absoluta prioridade’. Firme-se aqui que ‘absoluta prioridade’ não é apenas uma expressão, mas um princípio constitucional. Assim, ao direito à educação que tem a criança, corresponde o dever do Estado de garantir o ensino de boa qualidade e corresponde o dever da família de matricular, acompanhar e estimular o estudo. Tudo com absoluta prioridade. No art. 4º do ECA, estão elencados certos itens, que conformam o princípio constitucional da lei, titular da ação de pretensão sócio-educativa. O advogado aparece como causídico, defensor do jovem. As questões de pobreza e assistência social deixam os Juizados e passam à responsabilidade das Administrações locais, com os Conselhos Tutelares” (“O Judiciário e os novos paradigmas conceituais e normativos da infância e da juventude”, in Ricardo Bustamante e Paulo César Sodré (coords.), Ensaios Jurídicos: o Direito em Revista, p. 446). 65 MARQUES, op. cit., p. 46. 66 BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069Compilado.htm. Acesso em 21 de abril de 2008. 67 CUNHA, op. cit.. p. 101/102. 30 absoluta prioridade, entre eles a destinação privilegiada de recursos nas áreas relacionadas à proteção da criança e do adolescente; (3) ‘direitos fundamentais’; assim, quando se fala em garantir os direitos infanto-juvenis está se falando em garantia de direitos fundamentais; (4) ‘proteção especial’; a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Esses quatro pontos sintetizam a Doutrina da Proteção Integral, no âmbito constitucional. A Doutrina da Proteção Integral trata do início de uma postura que finalmente admite o direito da criança e do adolescente como um ramo do Direito com seus princípios particulares. É, assim, um avanço expressivo em relação ao ordenamento anterior, que considerava o “menor” não como esse novo sujeitos de direitos, mas como objeto de medidas de proteção. Todavia, para que a norma constitucional tivesse mais eficácia, foi editada lei que dispôs sobre os seus meios de concreção. Trata-se da Lei nº. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, como veremos a seguir. 2.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não trata particularmente da educação, mas sim da garantia deste e dos demais direitos da criança e do adolescente, enunciados no art. 227 da CF, como vimos quando do estudo da Doutrina da Proteção Integral. Destarte, apesar de não cobrir exatamente o tema, o ECA regula detalhadamente o direito à educação, contendo, inclusive, dispositivos sobre a 31 matéria não contemplados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, cujo estudo será mais à frente exposto68. Acompanhando José Ricardo Cunha, pode-se considerar o Estatuto da Criança e do Adolescente uma espécie de “regimento interno” da Doutrina da Proteção Integral. Isso poderia justificar o fato de o ECA ser sempre o alvo preferido daqueles chamados “menoristas”, ainda orientados pela Doutrina da Situação Irregular69. O autor continua sua ponderação definindo que o ECA é constituído por duas grandes partes: o Livro I e o Livro II. Em eficiente síntese, ele diz que “o Livro I contém a declaração dos Direitos Fundamentais, de maneira mais detalhada do que no artigo 227 da Constituição. Já o Livro II contém os mecanismos – órgãos e agentes – necessários para a garantia dos direitos do Livro I70”. Dessa forma, o Estatuto é o responsável pela operacionalização da Proteção Integral da Criança e do Adolescente no Brasil. Marisa Timm Sari observa que o Estatuto introduz um modelo sistêmico e descentralizado de organização e de gestão das políticas públicas do setor, trazendo inegáveis avanços e inúmeros desafios ao Poder Público e à sociedade71. Esta operacionalização dá forma a um “Sistema de Garantia de Direitos no contexto de uma Política de Atendimento”. Para tanto, vejamos o que, a respeito, diz o art. 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente: 68 Item 3, infra. CUNHA, op. cit.. p. 104. 70 Ibidem, p. 105. 71 SARI, Marisa Timm. A Organização da Educação Nacional. In Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 72/73. 69 32 A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente farse-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios72. Para aprofundar a compreensão do sistema, cabe refletir sobre alguns dos atores desta Política de Atendimento. 2.3.1. Os responsáveis pela garantia do direito à educação A responsabilidade pela oferta integral do direito à educação definida no ordenamento jurídico brasileiro acaba por exprimir a já mencionada Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente. De acordo com ela, é responsabilidade de todos – Família, Sociedade e Poder Público – exercer com a mais absoluta prioridade a educação de nossas crianças e adolescentes. A totalidade dos responsáveis engloba o Poder Público, que abrange os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o Ministério Público; a Sociedade, representada pelos Conselhos da Criança e do Adolescente, os de Educação e os Conselhos Tutelares, além, óbvio, da Sociedade Civil organizada e, por último, mas não menos importante, a Família. Como veremos, é inadmissível que o exercício desse encargo seja negligenciado ou delegado por qualquer dos entes referidos acima. Eles deverão buscar, através de uma ação conjunta e integrada, a solução dos problemas e obstáculos que vierem a se opor ao fiel cumprimento de sua obrigação comum. 72 BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069Compilado.htm. Acesso em 21 de abril de 2008. 33 2.3.1.1. O Poder Público A Constituição Federal Brasileira, em seu art. 227; o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 4º; e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no art. 2º; prevêem, baseados nos princípios da cidadania e da dignidade humana, a participação da Sociedade, da Família e do Estado na educação da criança, visando seu pleno desenvolvimento. A responsabilidade do Estado, perante seus cidadãos, está associada a um dever, que lhe é imposto pelo ordenamento jurídico, quer no âmbito constitucional, quer no infraconstitucional. No dizer de Regina Maria Fonseca Muniz, “a educação, condição para a formação do homem e tarefa fundamental do Estado, é um de seus deveres primordiais, sendo que, se não o cumprir, ou o fizer de maneira ilícita, pode ser responsabilizado por dano moral e/ou patrimonial”.73 Entre os diversos integrantes do Sistema de Garantias da Educação, não há dúvida quanto ao papel fundamental do Poder Público, em todos os níveis de governo, (municipal, distrital, estadual e federal), porquanto é por intermédio dele que são mantidos o Sistema Oficial de Ensino e os demais programas de atendimento por ele financiados, como dispõe a Lei nº. 8.069/9074, da qual vale destacar seu art. 86, que determina: A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente farse-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. 73 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. P. 211. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em 22 de abril de 2008. 74 em 34 Logo, é de clara compreensão que o Poder Público é o responsável pela obtenção dos recursos financeiros, materiais e humanos indispensáveis à formação e articulação da citada rede de atenção à criança e ao adolescente. No tocante aos investimentos do Poder Público, cumpre esclarecer que quando se fala em destinação privilegiada de recursos orçamentários próprios para a área infanto-juvenil, não devemos ter como parâmetro apenas as disposições constitucionais que estabelecem percentuais mínimos de investimento na educação (arts. 212 e 213 da CF). Trata-se, na verdade, de enfatizar o já mencionado princípio constitucional da “prioridade absoluta à criança e ao adolescente”, esculpido no art. 227, caput, da CF, com seu complemento legal contido no art. 4º, parágrafo único, do ECA, pois , como já dito acima, a obrigação de educar não compreende apenas a garantia formal do direito à educação. No dizer de Murilo José Diácomo, “as disposições constitucionais (...) estabelecem uma clara obrigação ao Poder Público de fazer com que isto ‘de fato’ aconteça (...), inclusive sob pena de responsabilidade do administrador ou agente público que se omite no cumprimento de tal mister75”. Ademais, cumpre a nós observarmos aqui tema de sensível importância, conexo à responsabilidade dos Poderes Públicos. Trata-se da superação da antiga noção de que a “discricionariedade coincide com a determinação ou a capacidade de determinação no sentido de uma noção deixada imprecisa pela lei, havendo nisso a possibilidade de escolher entre as diversas soluções, a melhor, ou a que for julgada 75 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 281. 35 melhor, por motivos de conveniência, de oportunidade, de interesse público.”76 Tal superação foi procedida pela melhor doutrina da atualidade (v.g Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Z. Di Pietro, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, dentre outros). Destarte, da ênfase que era dada à atividade discricionária, vinculada à idéia de poder, evolui-se para a idéia de poder-dever. Celso Antônio Bandeira de Mello77 é categórico ao analisar que “é o dever que comanda toda a lógica do Direito Público. Assim, o dever assinalado pela lei, a finalidade nela estampada, propõe-se, para qualquer agente público, como um imã, como uma força atrativa inexorável do ponto de vista jurídico”. Desse modo, trazendo a questão para a problemática do direito à educação, conclui-se que: a) sendo o direito à educação um dos direitos sociais e, estando estes últimos classificados como normas programáticas de “eficácia limitada” e; b) sendo o poder discricionário do administrador público, na verdade, um poder-dever, estando ele obrigado, dessa forma, a efetivar o disposto em Lei; Logo, estando o direito à educação expresso na Constituição Federal (Cap. III, Seção I, do Título VIII da CF Arts. 205 a 214) e devidamente regulamentado por legislação infraconstitucional (ECA – Lei nº. 8.069/90, LDB - Lei nº. 9.394/1996, Lei nº. 9.424/1996 – FUNDEF, entre outras), não cabe ao administrador público escolher quando e de que forma efetivar o direito à educação. 76 Apud MARCHESAN, Ana Maria Moreira. O Princípio da Prioridade Absoluta aos Direitos da Criança e do Adolescente e a Discricionariedade Administrativa. Revista dos Tribunais, Ano 87. v. 749. março de 1998. p. 86. 77 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade Administrativa e Controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 12/14. 36 É seu dever fazê-lo já e para todos. E, caso não o faça, é perfeitamente possível, como veremos a seguir, a invocação do Judiciário em busca da concretização desse direito social ferido. 2.3.1.2. O Poder Judiciário Vivemos, atualmente, dentro de uma nova perspectiva conceitual de proteção integral à criança e ao adolescente. Além de promover a criação de órgãos de participação popular, como os Conselhos já estudados, essa nova perspectiva trouxe, também, um papel reservado à Justiça da Infância e Juventude, completamente diferente daquele previsto no revogado Código de Menores, de 1979. Ocorreu, com a instituição da nova ordem constitucional/legal, instaurada pela CF/88 e o ECA, uma radical mudança de paradigma. Porém, em alguns casos essa mudança de orientação jurídica não foi acompanhada por parte daqueles encarregados de interpretar e aplicar a lei, gerando uma situação ambígua, irregular. No tocante a esse tema, de muita ajuda é a lição de Eugênio Couto Terra78, que chamou essa ambigüidade de concepções de “crise paradigmática”: A crise paradigmática é verificada, justamente, a partir dos sinais do surgimento de um novo paradigma, então operado por uma revolução conceitual e normativa no tratamento dos interesses das crianças e adolescentes. Vivemos em um mundo globalizado – quer gostemos ou não –, e cada vez mais há uma interação entre Direito Interno e Direito Internacional. A introdução na Carta Magna da Doutrina da Proteção Integral (...) decorreu da internacionalização da vertente protetora dos direitos humanos de caráter internacional, dos quais a proteção da criança e do adolescente é uma das facetas. Tanto é assim que o disposto no art. 227 é reconhecido como síntese das diretrizes fixadas pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança. O Brasil, ao 78 Apud DIGIÁCOMO, op. cit., P. 313/315. 37 ratificar a Convenção – e fez isso sem qualquer ressalva de reserva –, assumiu a obrigação de cumpri-la integralmente. Vale dizer, é vedado ao Estado Brasileiro tomar qualquer iniciativa que venha a tornar ineficaz ou contrariar qualquer dispositivo da Convenção sobre os Direitos da Criança, que, entre nós, por força do art. 5º, § 2º, tem status de norma constitucional. Isso porque a Carta Magna de 1988, na esteira de outras Constituições, passou a considerar as normas de tratados de direitos humanos como hierarquia constitucional. O tratado em referência, inequivocamente, tem conteúdo de proteção de direitos humanos. E, conclui, por fim o autor, no sentido de que é inviável qualquer interpretação que não passe por um debate principiológico, ou seja, só é possível a aplicação/interpretação da lei (latu sensu) em consonância com os princípios constitucionais que dão conformação do Estado Democrático de Direito. E assim é, pois só se justifica o existir do “Estado –‘domínio dos homens sobre os homens’ –“ porque a razão única de sua existência é o ser humano. O Estado que não tenha por fim a promoção da “dignidade humana – ou, se preferindo, a realização dos direitos fundamentais – não tem razão de ser”. A Constituição, ao determinar prioridade absoluta na concretização das condições de uma existência digna para a infância e juventude, estabelece que a promoção da dignidade humana dessa categoria de cidadão tem natureza fundamental, posto que visceralmente ligada ao princípio da dignidade humana. Sobre as idéias de Eugênio Couto, Murilo José Diácomo reflete acerca do “verdadeiro papel” da Justiça da Infância e Juventude dentro dessa nova sistemática. Entendendo ele que a Justiça da Infância e Juventude, não pode mais permanecer inerte ante a ameaça ou efetiva violação dos direitos infanto-juvenis, em especial quando constatada a omissão do Poder Público em implementar e manter uma estrutura de 38 atendimento adequada às mais diversas demandas existentes, inclusive àquelas de interesse de educadores e educandos79. Nesse sentido, determina a Lei nº. 8.069/9080: Art. 221. Se, no exercício de suas funções, os juízos e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura de ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis. Destarte, o Judiciário pode, e deve, sempre que preciso, assumir o papel de protagonista dessa imperiosa estruturação, provocando e fornecendo ao Ministério Público os elementos de convicção que tiver, para fazer, da forma que puder, com que, no caso, o Distrito Federal se ajuste ao que dispõem o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal. 2.3.1.3. O Ministério Público O Ministério Público (MP) é o órgão responsável pela defesa da sociedade, e, para tanto, reúne os requisitos necessários para a implementação da cidadania. Para Maria Cristina de Brito Lima81, o papel do MP no contexto brasileiro é muito forte, pois a lei lhe concede determinadas prerrogativas e não o faz aos particulares. Por exemplo, só o MP pode instaurar inquérito civil e requisitar provas diretamente, mediante ofício aos órgãos competentes. O papel do Ministério Público nesse Sistema de Garantias dos direitos infanto-juvenis pode ser valorado pela Constituição Federal em seus artigos 79 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 315. Estatuto da Criança e do Adolescente, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em 22 de abril de 2008. 81 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. P. 130. 80 39 12782 e 12983 que definem algumas das funções institucionais do órgão. E, seguindo o mesmo passo, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina a sua competência para atuar frente às questões da Infância e Juventude84. Para melhor entendimento, interessante interpretar as disposições referidas acima conjuntamente com os arts. 95, 191 e 194, todos da Lei nº. 8.069/90. Nesse mesmo sentido é a jurisprudência do STF: Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos, está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se 85 o abrigo estatal . Em razão do exposto, Murilo José Digiácomo nos diz que luminosa é a legitimidade do Ministério Público para a tomada de medidas administrativas e 82 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 83 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; 84 Art. 201. Compete ao Ministério Público: (...) V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal; (...) VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer juízo, instância ou tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente; (...) § 5º Para o exercício da atribuição de que trata o inciso VIII deste artigo, poderá o representante do Ministério Público: (...) c) efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita adequação. (...) Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público; 85 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29/06/01. 40 judiciais em defesa dos direitos e interesses infanto-juvenis no plano individual ou coletivo86. Por fim, vale lembrar que o Ministério Público, apesar de habilitado a proteger os interesses individuais das crianças, encontra sua vocação natural nas questões de interesse coletivo e difuso. Pode, através de um único procedimento administrativo ou judicial, favorecer toda uma coletividade de crianças e adolescentes do Município/Distrito Federal, como bem anota o douto Promotor de Justiça.87 2.3.1.4. A Sociedade A organização da população em associações e entidades representativas é da natureza do nosso regime democrático, como dispõe o art. 5º, XVII, entre tantos outros, da CF: “É plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. Absorvendo a orientação constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente conferiu às organizações representativas da população não apenas a possibilidade de participação nos já citados Conselhos de Direitos, mas também a legitimidade para propor a ação civil pública, vejamos: Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente: (...) III - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, dispensada a 86 87 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 318. Ibidem. p. 319. 41 autorização da assembléia, se houver prévia autorização estatutária. Destarte, a sociedade civil organizada também se inclui no Sistema de Garantias aos direitos infanto-juvenis, podendo intervir também em diversas ocasiões, como classifica Murilo Digiácomo88; vejamos: a) Por ocasião da política de atendimento, seja ou não integrante da ala não-governamental do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, propor discussões, fornecendo informações ou contribuindo com a solução de problemas atuais; b) Caso falhe essa primeira abordagem, utilizando-se da permissão legal contida no art. 220, do ECA, levando os mesmos elementos de convicção ao órgão do Ministério Público; c) Como última alternativa, propor ação civil pública, desde que preenchidos os requisitos constantes do art. 210, III, da Lei das Crianças e Jovens. Conclui-se, que o legislador buscou conferir a qualquer cidadão ou entidade representativa da sociedade, os meios para que protagonize as transformações que queira realizar em defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Ademais, sobre o dever de solidariedade social, consagrado no art. 3º, I, da Constituição (Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) I - construir uma sociedade livre, justa e solidária), Orlando Carvalho entende que o mesmo incide “sobre toda e qualquer pessoa que esteja em condições de 88 DIGIÁCOMO, Murilo José. Instrumentos Jurídicos para a Garantia do Direito à Educação, "In" Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo : Malheiros , 2004. 42 prestar o auxílio em causa”, e completa dizendo que “os direitos da personalidade implicam uma obrigação tout court, na medida em que a pessoa implica respeito (Achtung) – como diz Laurenz – que está longe de ser meramente passiva, até porque suporá, conforme defende a doutrina mais próxima, um dever geral de auxílio que é o inverso da indiferença89”. Assim, anota Regina Maria Fonseca Muniz que, em função do dever social da educação, imposto pelas legislações em vigor (arts. 3º, I, e 205 da CF/88, e 4º do ECA), é que se exige dos estabelecimentos de ensino uma boa formação moral, cultural e profissional para o educando, respondendo civilmente pelos danos causados a seus alunos, pela má administração educacional90. E, no mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves aduz que “o papel do educador (...) está, em grande parte, dividido com o Estado, os educadores profissionais e os meios de comunicação. Desde os três anos, são muitas as crianças que têm, hoje, a formá-los outras figuras além de pai e mãe91”. 2.3.1.5. A Família O 6º Princípio da Declaração dos Direitos da Criança, primeira parte, proclamada pela ONU, em 20/11/59, assegura que, para o desenvolvimento completo da personalidade infantil, é necessário que a criança receba amor e compreensão, sendo que os pais, sempre que possível, deverão oferecer aos filhos um ambiente de afeto, segurança moral e material. Assim dispõe o 6º Princípio: “A criança, para pleno e 89 CARVALHO, Orlando de, “in” Capelo de Souza, in Direito geral de personalidade, Coimbra, Editora Limitada, 1ª Ed., 1995. 90 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 91 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, São Paulo, Saraiva, 6ª Ed., 1995. 43 harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, necessita amor e compreensão. Sempre que seja possível, deverá crescer ao amparo e sob responsabilidade de seus pais e, em todo o caso, em um ambiente de afeto e segurança material”. No art. 10 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais92, de 16 de dezembro de 1996, o dever da família também se encontra presente: “Deve-se conceder à família, que é elemento natural e fundamental da sociedade, a mais ampla proteção e assistência possíveis, especialmente para sua constituição e enquanto ela for responsável pela criação e educação dos filhos”. Nesse diapasão, a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969, em seu art 19, dispõe: “Toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte da família, da sociedade e do Estado”. O preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 (Nova York)93 reconhece que “a criança, para pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio de sua família em um ambiente de felicidade, amor e compreensão”. A Constituição Federal, art. 227 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90), em seus arts. 4º e 22, reforçam o apelo das declarações e convenções, de modo especial a de Nova York (1989), estabelecendo o art. 4º que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com 92 Ratificado pelo Brasil pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, e promulgado pelo Decreto nº 592, de 6 de dezembro de 1992. 93 Ratificada pelo Governo brasileiro em 24/9/1990 (DOU de 22/11/90). 44 absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”; e no art. 22, que “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Do mesmo modo, o art. 1º da Lei nº. 9.394 (Lei de Diretrizes e Bases), de 20 de dezembro de 1996, atribui à família e ao Estado a tarefa da educação integral, assim dispondo: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No tocante ao Código Civil, os artigos 231, IV, 233, IV e 384, I e II, dizem respeito às obrigações dos pais, oriundas do pátrio poder94, este conferido pelo art. 380 do nosso Código e pelo art. 21 do ECA ( Lei nº. 8.069/90): “o pátrio poder será exercido igualmente pelo pai e pela mãe”, no sustento, guarda e educação dos filhos, tornando-os independentes, capacitando-os física e moralmente para viver em sociedade, de conformidade com o art. 22 da citada Lei. Sobre o assunto, Regina Maria Fonseca Muniz nota, em relação à legislação aqui apresentada “a preocupação constante com a formação educacional da criança na família, pois é nela que o indivíduo nasce, vive e cresce, surgindo, assim, as primeiras relações de convivência humana. (...) A criança tem nela, espontaneamente, 94 Novo Código Civil, arts. 1.630 a 1634, I a VII. 45 sua primeira escola. É ali que se formam os primeiros traços de caráter, sendo os pais os primeiros responsáveis para a formação sólida e garantidora de um equilíbrio social perfeito. A escola apenas supre a família, mas jamais a suplanta95”. O art. 21 do ECA reforça o princípio da isonomia elencado no art. 226, § 5º, da Constituição, incumbindo aos pais em igualdade de condições “o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhe ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Nesse sentido, é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação Cível nº. 34145-0/5, relatada pelo Des. Rebouças de Carvalho, que realçou aos pais “que não possuem as mínimas condições sociais para prestar atendimento necessário aos seus filhos, impõe-se a destituição do pátrio poder visando exclusivamente o interesse maior dos infantes, que se sobrepõe a todo e qualquer outro interesse96”. O Código Penal também pune, nos arts. 244 e 246, os pais que abandonam seus filhos, sem justa causa, não lhes dando a necessária assistência material ou intelectual, negligenciando a sua educação: Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. 95 96 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. RT 138/277. 46 Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. (...) Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. Mas antes de discutirmos a punição dos pais ou responsáveis por descuidar ou abusar no cuidado de seus filhos, devemos lembrar o dito no enunciado do art. 226 da CF: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Nesse contexto, fica clara a existência de uma “rede” de atenção aos direitos infanto-juvenis,a serem garantidos, no caso, não apenas pela família, mas também pelo Estado. Assim, o Estado deve garantir condições para que os pais ou responsáveis possam, bem e fielmente, cumprir seus deveres para com seus filhos e pupilos. 47 3. INSTRUMENTOS JURÍDICOS 3.1. CONSIDERAÇÕES Como se procurou demonstrar, a conquista de uma educação verdadeiramente de qualidade – e para todos (aí compreendidos mesmo aqueles que não se enquadram no conceito jurídico de crianças e adolescentes) – é uma tarefa grandiosa, que fica a cargo de inúmeros órgãos, instâncias, poderes e instituições. Todos são igualmente responsáveis, não sendo dado a qualquer deles se omitir, seja no que diz respeito à identificação de uma demanda e/ou deficiência estrutural específica, a ser solucionada por intermédio da implementação, por iniciativa do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, de políticas e programas de atendimento idôneos e adequados, seja no acionamento do Poder Judiciário para que este, na condição de último bastião do Sistema de Garantias – e, com ele, da proteção integral dos direitos infanto-juvenis –, faça prevalecer o império da lei e dos princípios constitucionais que a inspiram.97 3.2. DOS INSTRUMENTOS EXTRAJUDICIAIS 3.2.1. A atuação extrajudicial do Ministério Público Nem todos os mecanismos “jurídicos” criados para defesa do direito fundamental à educação e outros a ele correlatos são “judiciais”, ou seja, manejados junto ao Poder Judiciário – que deve realmente figurar como derradeira distância a ser acionada nesse sentido.98 97 DIGIÁCOMO, Murilo José. Instrumentos Jurídicos para Garantia do Direito à Educação. In Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 332. 98 Ibidem, p. 332. 48 Como vimos, inúmeros são os órgãos encarregados da proteção integral dos direitos infanto-juvenis. Dentre estes, no entanto, o Ministério Público foi o que recebeu maior destaque por parte do legislador estatutário, que para tanto lhe conferiu uma ampla gama de atribuições e responsabilidades, às quais correspondem poderes específicos, a serem manejados após a noticia da presença de situação periclitante ou lesiva aos interesses afetos a crianças e adolescentes que cabe ao Órgão defender.99 3.2.2. As gestões de ordem administrativa De posse de elementos que apontem para a mencionada ocorrência de ameaça ou violação dos direitos infanto-juvenis, poderá o órgão do Ministério Público (e recomenda-se que o faça) tentar solucionar o problema através de gestões de ordem administrativa sem que tenha que recorrer ao Poder Judiciário.100 A primeira dessas abordagens “alternativas” se dará através do contato direto com a pessoa, autoridade ou representante de órgão ou entidade, pública ou privada, a que se atribui a ação ou omissão potencial ou efetivamente lesiva aos interesses infanto-juvenis.101 E, tentando, através de argumentos de ordem jurídica e também técnica, deverá o órgão ministerial alertá-lo da ilegalidade da situação apurada e 99 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 333. DIGIÁCOMO, op. cit., p. 335. 101 Nesse sentido, dispõe o § 5º do art. 201 da Lei nº. 8.069/90: § 5º Para o exercício da atribuição de que trata o inciso VIII deste artigo, poderá o representante do Ministério Público: a) reduzir a termo as declarações do reclamante, instaurando o competente procedimento, sob sua presidência; b) entender-se diretamente com a pessoa ou autoridade reclamada, em dia, local e horário previamente notificados ou acertados; c) efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita adequação. 100 49 conceder-lhe um “prazo razoável” para eliminação do risco e/ou reparação do dano causado.102 3.2.3. A audiência pública Geisa de Assis Rodrigues103 ensina que, o que caracteriza a audiência pública é a existência do debate oral e informal, embora ordenado pelo órgão que a preside, sobre uma medida administrativa qualquer que tenha repercussão social. Na audiência pública, ao mesmo tempo que se informa o teor e implicações da medida administrativa analisada, se consulta a opinião sobre o assunto, sem contudo haver a vinculação da vontade do administrador, posto que na audiência pública se tem voz mas não voto. Não se confunde com os atos de colegiados públicos nos quais só participa quem e formalmente autorizado. No caso de problemas envolvendo as escolas e/ou o Sistema de Ensino, nada mais adequado que uma audiência pública com o Secretário de Educação e seu gabinete, realizada em uma das escolas da “rede”, na presença de pais, professores, servidores e comunidade em geral, onde lhe poderão ser “apresentadas” as pichações e outros atos de vandalismo, goteiras, mau estado de conservação do estabelecimento, falta de docentes, etc.104 Todo desenrolar da audiência deve ser documentado e, de preferência, gravado em áudio ou vídeo, podendo naquele mesmo ato ser colhido, junto ao acusado da ação ou omissão lesiva aos interesses infanto-juvenis, um Compromisso de 102 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 335. RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta: Teoria e Prática. Rio de Janeiro : Forense , 2002, p. 95. 104 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 336. 103 50 Ajustamento de Conduta, na forma do previsto no art. 211 da Lei nº. 8.069/90, que será adiante analisado.105 3.2.4. O compromisso de ajustamento de conduta Outro instrumento jurídico a ser manejado – agora, não apenas pelo Ministério Público, mas também por qualquer outro órgão público legitimado, na forma do disposto nos arts. 210 c/c 211, ambos da Lei nº. 8.069/1990 – é precisamente o Compromisso de Ajustamento de Conduta.106 Na forma da lei, o Compromisso de Ajustamento, uma vez firmado, “terá eficácia de título executivo extrajudicial”, podendo seu adimplemento, vencidos os prazos ajustados, ser exigido em juízo, onde não mais se discutirá se a obrigação é ou não devida, reconhecida que já foi pelo demandado.107 Segundo Hugo Nigro Mazzili: “Esses Compromissos de Ajustamento não são, a rigor, verdadeiras transações, pois que os órgãos públicos legitimados a tomá-los não são titulares do direito lesado(...), de forma que não têm como dispor do que não lhes pertence. Limitam-se apenas a tomar, dos acusados do dano, o compromisso de que estes ajustem suas condutas às exigências legais, dentro dos termos e condições fixadas.”108 105 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 337. DIGIÁCOMO, op. cit., p. 340. 107 Em caso de inadimplência, por se tratar de execução de obrigação de fazer ou não fazer respaldada em título executivo extrajudicial, o procedimento a ser adotado para compelir o devedor a faze-lo será aquele previsto nos arts. 632 a 645 do CPC, de aplicação subsidiária por força do disposto no art. 152 da Lei nº. 8.069/90. 108 MAZZILI, Hugo Nigro. Os interesses transindividuais – sua defesa judicial e extrajudicial. Pela Justiça na Educação, pp. 703-704. 106 51 Em outras palavras: não se negocia o direito invocado, mas apenas a forma e os prazos necessários para seu pleno atendimento pelo acusado de tê-lo ameaçado ou violado.109 3.2.5. A recomendação administrativa Com ou sem a celebração de um Compromisso de Ajustamento na audiência pública ou entrevista realizada com a pessoa ou autoridade investigada, é facultado ao Ministério Público, pelo art. 201, §5º, “c”, da Lei nº. 8.069/90, “efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita adequação”, a expedição da chamada “recomendação administrativa”, que deverá relacionar as irregularidades detectadas (nela podendo ser indicados os fundamentos técnico e jurídicos correspondentes110) e apontar alternativas para sua solução, concedendo “prazo razoável para sua perfeita adequação”. Registre-se que a depender da complexidade do problema, podem ser concedidos prazos diversos, estabelecendo-se uma espécie de “cronograma” a ser cumprido.111 A recomendação é um instrumento previsto, também, na Lei Complementar 75/93112 e na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados.113 109 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 341. A opção pela indicação, ou não, no todo ou em parte, dos fundamentos técnicos e jurídicos a embasar a recomendação deve ficar a cargo do agente ministerial, que pode preferir apresenta-los apenas por ocasião de eventual demanda judicial. 111 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 339/340. 112 Artigo 6º da Lei Complementar 75/93 – XX – expedir recomendações, visando a melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como o respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis. 110 52 Geisa de Assis Rodrigues114 nos lembra que a recomendação não obriga o recomendado a cumprir os seus termos, mas serve como advertência a respeito das sanções cabíveis pela sua inobservância. É importante que a recomendação seja devidamente justificada, de modo a que possa convencer o recomendado de sua justeza. Em regra, é expedida nos autos do inquérito após sua instrução, como forma de evitar a propositura de medida judicial e quando não seja caso de ajustamento de conduta, mas nada impede que a recomendação seja feita fora de uma investigação, ou até inicie o inquérito civil.115 A recomendação é, no dizer de Celso Barroso Leite, uma tarefa típica de ombudsman.116 3.2.6. O inquérito civil O inquérito civil ingressou em nossa ordem jurídica por intermédio do art. 8º, §1º, da LACP, sendo posteriormente consagrado pelo art. 129, III, da Constituição Federal. Também tratam desse instrumento administrativo os arts. 90 do CDC, 6º da Lei Federal 7.853/89, 201, V, do ECA, 25, IV, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – LONMP (8.625/93), dentre outros. 113 Art. 27, parágrafo único, IV – promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito. 114 RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta: Teoria e Prática. Rio de Janeiro : Forense , 2002, p. 89. 115 Nesse sentido ROTHENBURG, Walter Claudius. “Recomendação: publicidade e publicação”. Tese apresentada no XVI Encontro nacional dos Procuradores da República. Caderno de Teses. ANPR. Rio de janeiro, 28/10 a 2/11/99, pp. 19/22. 116 Cf. Celso Barroso Leite: “As conclusões a que ele chega com relação a reclamações investigadas, casos apurados por sua própria iniciativa, fatos verificados por ocasião de visitas de inspeção, e assim por diante, são transmitidas ás repartições interessadas sob a forma de críticas, censuras ou recomendações. Em qualquer hipótese, seus pronunciamentos não têm cunho coercitivo, mas, sobretudo efeito moral – de resto mais forte do que poderia parecer. Não raro suas manifestações, em vez de se limitarem aos casos concretos que as motivaram, cogitam de medidas de caráter geral: alterações de normas, simplificação de rotinas, abrandamento de critérios, etc.” Op. Cit., p. 62. 53 O inquérito civil foi concebido na Lei da Ação Civil Pública como um procedimento de investigação de atribuição exclusiva do Ministério Público para a verificação da existência de lesão ou ameaça de lesão a direito transindividual.117 É considerado um instituto genuinamente brasileiro118, e se distingue do inquérito policial e do procedimento administrativo que antecede a prática de determinados atos da Administração Pública. Ao contrário do inquérito policial, e até da primeira idéia de inquérito civil,119quem preside a investigação é o membro do Ministério Público com atribuição para adotar as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis ao caso. O inquérito civil é um verdadeiro “instrumento de cidadania”120, e muitas vezes a sua própria instauração aborta a possibilidade do conflito transindividual, ensejando a participação da sociedade, organizada ou não, na esfera pública. Ademais, o seu adequado manejo evita a propositura de lides temerárias, além de ser palco de alternativas à movimentação da máquina jurisdicional, posto que 117 Consoante Mazzili: “o inquérito civil é uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseja eventual propositura de ação civil pública ou coletiva”, p. 46. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 1999. 118 Cf. MÔNACO, José Luiz. Inquérito civil. Bauru: Edipro, 2000 p. 22. A singularidade do inquérito civil é se constituir investigação para a tomada de decisões relacionadas à defesa judicial e extrajudicial de direitos difusos, nos moldes do inquérito policial. Não se confunde com o procedimento administrativo prévio existente para algumas decisões da Administração, este existente há muito no direito administrativo. 119 Cf. lembra Mazzilli: “Dentro desse quadro, mas ainda sem a visão do que viria a ser o inquérito civil de hoje, e bastante influenciado pelo sistema então vigente do inquérito policial, em palestra proferida em 1980, no Grupo de Estudos de Ourinhos, o Promotor de Justiça paulista José Fernando da Silva Lopes sugeriu, então, a criação de um inquérito civil, à guisa do já existente inquérito policial. Não previra ele o instituto como passou a existir na Lei nº. 7.347/1985, mas sim como procedimento investigatório dirigido por organismos administrativos, a ser encaminhado ao Ministério Público para servir de base à propositura da ação civil pública. P. 42. Op. Cit. 120 Nesse sentido Antônio Augusto Mello de Camargo, no artigo “Inquérito civil público: dez anos de um instrumento de cidadania.” In Ação Civil Pública (Lei 7.347/85 – reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação). Coordenador Edis Milaré. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pp. 62/69. 54 importantes medidas extrajudiciais de composição do conflito coletivo são adotadas nos autos do inquérito, como demonstraremos a seguir.121 3.3. OS INSTRUMENTOS JUDICIAIS Caso vencidas todas as etapas anteriormente mencionadas e não se tenha obtido, através de gestões junto aos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente – órgãos da Administração Pública com atuação nas áreas da educação, dentre outras –, a elaboração das políticas e programas necessários à implementação de uma verdadeira “rede” de atendimento que priorize a criança e o adolescente, tal qual determinam a lei e a Constituição Federal, dando-lhe condições dignas e reais para o acesso, permanência e, acima de tudo, sucesso na escola, não restará alternativa outra além da busca de socorro junto ao Poder Judiciário, que deverá, então, fazer valer as regras e princípios legais e constitucionais estabelecidos com tal finalidade.122 De modo a tornar efetivos os referidos comandos legal e constitucional voltados à proteção integral de crianças e adolescentes, o art. 212 do ECA teve a cautela de estabelecer que, “para defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes” – abrindo, assim, todo um “leque” de opções para o acionamento da máquina judiciária, à qual caberá, em última análise, garantir o império da lei e da Constituição Federal.123 121 RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta: Teoria e Prática. Rio de Janeiro : Forense , 2002, p. 88. 122 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 343. 123 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 344. 55 3.3.1. A ação de rito sumário prevista na Lei 9.394/1996 O primeiro – e, seguramente, o mais peculiar – dos mecanismos judiciais colocados à disposição da educação é a ação de rito sumário a que se refere o art. 5º, caput, e §3º, da Lei 9.394/1996, que pode seu manejada por “qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público”, para o fim de compelir o Poder Público a garantir o acesso ao ensino fundamental a todos que assim o desejarem.124 Dadas sua natureza jurídica, relevância e urgência, a ação deve ser processada e julgada de forma prioritária (atendendo também ao disposto no art. 4º, parágrafo único, “b”, da Lei 8.069/1990), de modo a minimizar as conseqüências deletérias da oferta irregular do ensino infantil por qualquer dos coobrigados.125 3.3.2. A ação civil pública Outro remédio jurídico adequado para a defesa dos direitos indisponíveis de crianças e adolescentes – dentre os quais se inclui, como visto, a educação – é a ação civil pública. Prevista na Lei 7.347/1985, a ação civil pública rege a possibilidade de o Ministério Público e os demais legitimados disjuntivos e concorrentes proporem uma ação de natureza civil face àqueles que causarem danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor estético, histórico, turístico e paisagístico, 124 125 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 349. DIGIÁCOMO, op. cit., p. 350. 56 patrimônio público e qualquer outro interesse difuso ou coletivos; e ainda por infração da ordem econômica e da economia popular.126 A Constituição Federal – em seu art. 129, III e IX – estabelece ser função do Ministério Público promover o inquérito civil público e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, bem como outras funções que forem conferidas por outros diplomas legais.127 Por se destinar, em regra, à proteção dos chamados “interesses transindividuais”128, que dizem respeito a toda a coletividade, é que a sentença produz efeitos erga omnes129, salvo se julgada improcedente por insuficiência de prova.130 Dada a amplitude que lhe conferem tanto a Lei 7.347/1985 quanto a Lei 8.069/1990, a ação civil pública presta-se não apenas para garantir a oferta do ensino infantil e demais níveis de ensino, mas também, como dissemos anteriormente, para assegurar que a educação básica, como um todo, atenda aos princípios e objetivos estabelecidos pela Constituição Federal131 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Tendo em vista que a garantia de acesso, permanência e sucesso na escola faz 126 FRANCO, Fábio Luis, MARTINS, Antonio Darienso. A ação civil pública como instrumento de controle das políticas públicas. REVISTA DE PROCESSO - v.31 n.135 maio / 2006, p. 34. 127 Ibidem, p. 35. 128 Também chamados “metaindividuais”, de cunho coletivo ou difuso. Sobre a matéria, escreve José dos Santos Carvalho Filho: “Entre os interesses difusos e coletivos, merecem destaque dois pontos de identificação existentes em seu perfil conceitual. O primeiro diz respeito aos destinatários: em ambos os direitos presente está a natureza de transindividualidade, de forma que hão de ser tratados em seu conjunto e não levando em conta os integrantes do universo titular do interesse. O segundo consiste na indivisibilidade do direito, o que está a significar que não se pode identificar o quinhão do direito, de que cada integrante do grupo possa ser titular. O direito, como já se disse, merece a proteção legal como um todo, abstraindo-se da situação jurídica individual de cada beneficiário” *Ação Civil Pública. Comentários por Artigo, p. 31). 129 Atingindo toda a coletividade. 130 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 351. 131 Notadamente o disposto em seus arts. 206, 208, 210 e 214. 57 parte de um contexto mais amplo de proteção integral aos direitos infanto-juvenis, a ação civil pública pode ser também manejada de modo a compelir o Sistema de Ensino a, nesse sentido, desenvolver ações e programas específicos, de forma articulada com outros órgãos e serviços públicos e particulares, no mais puro espírito do previsto no art. 86 da Lei 8.069/1990.132 Merece destaque o alerta sempre lembrado José dos Santos Carvalho Filho133, para o fato de que a ação civil pública não é instrumento idôneo para criação de normas de direito material, cabendo ao autor pedir providências concretas à luz do direito material que previamente já ampara os interesses difusos e coletivos, objetos do pleito. 3.3.3. O mandado de segurança Um dos mais antigos instrumentos colocados à disposição do indivíduo contra o arbítrio do Estado e de seus agentes é o mandado de segurança, cujo manejo se constitui numa das garantias fundamentais relacionados no art. 5º, LXIX, da CF: LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.”134 A Constituição Federal contempla duas formas de mandado de segurança: o individual e o coletivo. Vejamos, em separado, cada um. 132 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 352/353. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigo. Lei 7.347, de 24.07/1985. 2ª ed. ampl. e atual. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 1999, p. 71-2. 134 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 358. 133 58 3.3.3.1. O mandado de segurança individual Trata-se de uma ação de rito sumaríssimo colocada à disposição de qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, que tenha seus direitos fundamentais ameaçados ou violados por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.135 Além dos pressupostos processuais e das condições da ação indispensáveis a qualquer tipo de demanda judicial, O Objeto do MS coloca logo uma questão básica – o que é direito liquido e certo – este direito é requisito de admissibilidade ou é o próprio mérito do MS. O direito se ele existe ele é sempre liquido e certo – mas a questão não é esta – o que precisa ser liquido e certo não é o direito, são os fatos que geram o direito – o direito deverá poder ser provado de plano – os fatos deverão ser demonstrados no inicio. O problema não é a complexidade jurídica da situação – mesmo que a questão seja complexa, se ela puder ser provada de plano não há que se falar em falta de direito liquido e certo. No tocante à educação, vale lembrar que a jurisprudência vem admitindo, inclusive, mandado de segurança contra dirigentes de estabelecimentos 135 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 359. 59 particulares de ensino, embora estes exerçam funções apenas autorizadas, e não delegadas pelo Poder Público.136 3.3.3.2. O mandado de segurança coletivo De início, o mandado de segurança era destinado apenas à defesa de direitos individuais. Porém, com a evolução natural do instituto, passou também à defesa de direitos coletivos, tal qual previsto no art. 5º, LXX, da CF. Assim, no tocante ao direito à educação, pode o Ministério Público “na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente” (art. 201, IX, da Lei 8.069/1990), impetrar tanto o mandado de segurança individual quanto o coletivo, em benefício de uma ou de toda a coletividade de crianças e adolescentes que tenham seus direitos ameaçados ou violados por ação ou omissão legal ou abusiva de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.137 3.3.3.3. A ação mandamental Não satisfeito com as disposições legais e constitucionais relativas ao mandado de segurança, o ECA previu, em seu art. 212, § 2º, um outro tipo de ação a ser manejada em situações similares: a chamada “ação mandamental”: §2º. Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de 136 137 Cf. Acórdãos publicados in RT 496/77, 497/84 e 502/55. DIGIÁCOMO, op. cit., p. 361. 60 atribuições do Poder Público, que lesem direito líquido e certo previsto nesta Lei, caberá ação mandamental, que se regerá pelas normas da Lei do Mandado de Segurança”.138 O que sobressai da análise conjunta de ambos os institutos é a sistemática preocupação do legislador em ampliar o número de legitimados para propositura de ações de cunho coletivo, e que, o acesso ao poder Judiciário fosse facilitado ao máximo, cabendo a este, por óbvio, corresponder à expectativa do legislador e coibir com rigor e prontidão os desmandos praticados.139 3.3.4. A ação popular Um importante instrumento judicial que pode ser utilizado pelo cidadão comum para defesa do direito fundamental à educação é, sem dúvida, a ação popular, que tem por fundamento o disposto no art. 5º, LXXIII, da CF: LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular140 que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; Embora à primeira vista possa parecer que a ação popular se destina apenas a combater a malversação dos recursos públicos (que pode ocorrer no que diz respeito ao emprego das verbas do FUNDEF/FUNDEB, da merenda escolar e outras destinadas à manutenção e desenvolvimento do ensino), na verdade sua utilização pode extrapolar em muito este âmbito, na medida em que também se presta a anular os atos 138 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 362. DIGIÁCOMO, op. cit., p. 363. 140 No plano infraconstitucional a ação popular é regulada pela Lei 4.717, de 29.6.1965. 139 61 que atentem contra a moralidade administrativa – neste caso, independentemente da ocorrência de lesão ao patrimônio público. 141 A norma constitucional é explícita ao determinar que a educação se constitui “direito de todos e dever do Estado e da família” (art. 205) e que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação” (art. 227, caput). Isto significa dizer que o Estado tem que se aparelhar adequada e suficientemente para o oferecimento de ensino, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes. A própria Constituição considera a educação como direito público subjetivo, atribuindo à norma eficácia plena e aplicabilidade imediata e elevando-a à categoria de serviço público essencial. Daí por que o não-cumprimento ou o simples afastamento dos ditames constitucionais e legais relativos à educação por parte da Administração Pública dá ensejo à propositura de ação popular, por atentar contra o princípio da moralidade administrativa.142 3.3.5. O mandado de injunção José Afonso da Silva, em sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo143, conceitua o mandado de injunção144 como sendo “um remédio ou ação constitucional posto à disposição de que se considere titular de qualquer dos direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição. Sua principal finalidade consiste assim em conferir imediata 141 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 364. DIGIÁCOMO, op. cit., p. 365. 143 27ª ed., pp. 446-447. 144 Instituído pela Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 5º, LXXI, dispôs que: Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. 142 62 aplicabilidade à norma constitucional portadora daqueles direitos e prerrogativas, inerte em virtude de ausência de regulamentação. Revela-se, neste quadrante, como um instrumento de realização prática da disposição do art. 5º, §1ºda CF”, segundo o qual “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” – dentre estas se inclui o direito à educação. As normas regulamentadoras existentes hoje, consubstanciadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Plano Nacional de Educação, bem como outras leis, decretos e resoluções expedidos por autoridades diversas em todos os níveis de governo, muitas vezes se mostram insuficientes para permitir o integral cumprimento do mandamento constitucional no pluricitado art. 205 de nossa Carta Magna, segundo o qual, como visto, a educação é direito de todos e sua oferta irrestrita é dever do Poder Público.145 Nesse contexto, caso alguém se veja prejudicado no exercício de seu direito à educação ante a falta de norma regulamentadora específica que assim o permita, pode se valer do mandado de injunção para ver garantido seu acesso ao Sistema de Ensino. 3.3.6. A intervenção federal e estadual Dentre o instrumental judicial, por fim, um derradeiro – e drástico – utensílio jurídico a ser manejado como forma de garantir o regular exercício do direito à 145 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 370. 63 educação é a chamada “intervenção”, prevista nos arts. 34 a 36146 da nossa Carta Política. Embora se constitua em medida extrema, de difícil aplicação e eficácia prática questionável, a intervenção federal nos Estados e Distrito Federal bem como a intervenção dos Estados nos Municípios, quando do não-cumprimento das disposições contidas nas leis federais que tratam da educação (notadamente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação), bem como quando da não-aplicação dos percentuais constitucionais mínimos na manutenção e desenvolvimento do ensino, merecem ser mencionadas, por constituírem uma das sanções passíveis de serem aplicadas à espécie.147 146 Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...) VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: (...) e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: (...) III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000); IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário; II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral; III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do ProcuradorGeral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). § 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas. § 2º - Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembléia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas. § 3º - Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. § 4º - Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal. 147 DIGIÁCOMO, Op. Cit., p. 372. 64 A inclusão de disposições relativas à educação dentre as restritas hipóteses previstas para a intervenção federal/estadual permite-nos visualizar a relevância com que o tema foi tratado pela Constituição Federal – o que é de particular interesse quando uma análise sistemática de todo o texto de nossa Lei Maior, para fins de avaliação dos temas que foram objeto de maior atenção por parte do constituinte e que, portanto, merecem um tratamento também prioritário por parte do Poder Público e dos operadores jurídicos.148 3.4. Considerações finais Como pudemos observar, foi criado um arcabouço jurídico no sentido de assegurar a rápida intervenção do Poder Judiciário – e em especial da Justiça da Infância e Juventude – no sentido de garantir às crianças e adolescentes o efetivo exercício de todos os direitos a eles conferidos pela lei e pela Constituição Federal, com especial enfoque no direito fundamental à educação, tanto no que diz respeito a seu aspecto meramente formal quanto em toda a amplitude do art. 205 da CF.149 Assim, cabe ao Poder Judiciário corresponder à expectativa do legislador, fazendo da Justiça da Infância e Juventude, uma verdadeira Justiça para a Infância e Juventude, que realmente se preste à defesa de seus direitos fundamentais – dentre os quais avulta o direito à uma educação universal e de qualidade, voltada à formação da cidadania de nossa juventude.150 148 DIGIÁCOMO, op. cit., p. 372. DIGIÁCOMO, op. cit., p. 373. 150 Op. Cit., p. 373. 149 65 4. EDUCAÇÃO INFANTIL 4.1 Posicionamento na legislação A educação escolar compõem-se de dois grandes níveis: a educação básica e a educação superior. A educação básica, por sua vez, é constituída por três etapas: educação infantil, ensino fundamental e médio, sendo as duas últimas denominadas níveis de ensino. O foco do presente estudo é a educação infantil, razão pela qual os demais níveis da educação não serão tratados. A educação infantil está prevista constitucionalmente no art. 208, IV151; o Estatuto da Criança e do Adolescente inscreve o mesmo mandamento, em seu art. 54, IV152; e, no mesmo sentido, determina o art. 4º, IV, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação153. Como os dispositivos constitucionais, e os expressos no Estatuto da Criança e do Adolescente já foram anteriormente discutidos, passemos a estudar o que diz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº. 9.394/1996) 154. Sobre o assunto, Elias de Oliveira Mota observa que “a maioria dos especialistas das áreas de saúde considera, tradicionalmente, como lactente a criança do 151 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade 152 Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: (...)IV - atendimento em creche e préescola às crianças de zero a seis anos de idade; 153 Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: (...) IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; 154 Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade 66 nascimento até um ano de idade, e, de um até dois anos, é ela denominada ablactente”.155 Continua o autor, dizendo que os educadores, apesar de respeitarem a opinião daqueles especialistas, preferem orientar-se pelos estudos psicológicos e educacionais recentes que identificam a criança desde seu nascimento até os seis anos de idade como infantil, e a consideram como pronta para ser aceita em uma creche desde o nascimento até os três anos de idade, e como apta para o pré-escolar dos quatro aos seis anos156. Esta preferência foi também adotada pelos nossos legisladores, na Lei de Diretrizes e Bases. Eurides Brito da Silva denota, nesse sentido, que médicos, educadores, antropólogos, psicólogos, economistas e outros especialistas são unânimes em reconhecer a importância do devido atendimento às crianças de zero a seis anos de idade. Além do quê, trabalhos científicos mais recentes confirmaram os mais antigos e comprovaram ser este período da vida o de maior crescimento, tanto físico quanto mental, o que levou, inclusive, à conclusão de que a educação infantil representa, como diz M. Selowsky, “investimento em capital humano157”. Vale a observação, entretanto, que o FUNDEB158 (inscrito no ordenamento pátrio pela EC nº. 53/2006) alterou a idade referente à educação infantil, que antes era de zero a seis, para zero a cinco anos. Observe-se também que, apesar disto, a LDB mantém em sua redação os mesmos seis anos de idade. 155 MOTA, Elias de Oliveira. Direito Educacional e Educação no Século XXI. Brasília: Unesco, Una, 1997. p. 301. 156 Ibidem. p. 301. 157 Apud SILVA, Eurides Brito da. “A antecipação do início da escolarização”, In Reunião Conjunta dos Conselhos de Educação; 1963/1978. Brasília: CFE/MEC/DDD. 1980. p. 780. 158 O FUNDEB será devidamente dissecado mais à frente (item 3.4.1) 67 Ademais, lembrou Afonso Armando Konzen159 que a Lei de Diretrizes e Bases retirou a creche e a pré-escola do âmbito das políticas de proteção especial e transferiu todo o encargo para o sistema educacional. Assim, a creche e a pré-escola não podem mais ser consideradas uma espécie de programas de apoio sócio-familiar (art. 90, inciso I, do Estatuto), como até então, em geral, vinham entendendo os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, e tampouco integram as políticas de assistência social de caráter supletivo, mas passaram a se constituir em política social básica de educação. Nesse passo, como adverte bem o tão presente Elias Mota, a Lei houve por bem integrar a educação infantil aos sistemas municipais de educação, como parte inicial da educação básica160. Adentrando agora o tema da Responsabilidade dos entes no tocante ao Sistema de Ensino, vejamos o que diz a Lei de Diretrizes e Bases. 4.2. Responsabilidade pela oferta da educação infantil Cabe à União, além de coordenar a política nacional, manter e organizar seu próprio Sistema de Ensino, exercer funções normativa, redistributiva e supletiva, prestar assistência técnica e financeira às demais instâncias. Cabe-lhe ainda articular os diferentes níveis e sistemas, garantindo equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino. Os Estados são responsáveis pelo ensino médio; e os Municípios, pela educação infantil (creches e pré-escolas), sendo o ensino fundamental uma competência comum, ou seja, uma responsabilidade compartilhada de Estados e Municípios (CF, art. 211, §§ 2º e 4º). O Distrito Federal, por 159 Apud LIBERATI. Wilson Donizeti. Conteúdo Material do Direito à Educação Escolar. In Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 237. 160 MOTA, op. cit., p. 303. 68 sua vez, tem as competências tanto de Estado como de Município (LDB, art. 10, parágrafo único161), como bem lembra Márcio Thadeu Marques162. E da mesma forma entende Ricardo Chavez de Rezende, segundo o qual “cabe observar que o Distrito federal ocupa posição ‘sui generis’: não sendo dividido em Municípios, cabe-lhe dar atendimento direto em todas as etapas da educação básica”163. Dessa forma, cumpre a nós constatar que, uma vez recaindo sobre os municípios a tarefa de zelar pelo desenvolvimento e manutenção da educação infantil, ante a natureza dupla do Distrito Federal (de Estado e Município em um só ente), a este último também cumpre naturalmente o mesmo mandamento. 4.3. Gratuidade e obrigatoriedade A LDB reforça que o atendimento será gratuito, confirmando o princípio constitucional da educação expresso no art. 206, IV, da Carta da República. Neste particular, ao ver de Wilson Donizeti Liberati, “a LDB avança mais que a Constituição Federal ao anunciar, com todas as letras, a gratuidade da educação infantil”. O art. 29 da LDB dispõe que a educação infantil é a “primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis 161 Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de: (...) Parágrafo único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as competências referentes aos Estados e aos Municípios. 162 MARQUES, Márcio Thadeu Silva. Sistema de Garantia de Direitos da Infância e da Juventude. In Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 19. Renovar, 2000- p. 75-89. 163 MARTINS, Ricardo Chaves de Rezende. Financiamento da Educação Pública no Brasil In Direito á Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: 2004. Malheiros. 1ª Ed. p. 181. 69 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade164”. O autor observa uma grande questão que tem chamado atenção dos analistas jurídicos: a obrigatoriedade e gratuidade da educação infantil. Lembra também que a mesma indagação é feita para o ensino médio. O argumento principal é o de que a gratuidade está explicita na CF para todos os níveis de ensino, como se depreende do art. 206, IV165. Além disso, exsurge a questão da obrigatoriedade. Nesse diapasão, dispõe o Plano Nacional de Educação (PNE, Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001), reiterando a CF/88, que “a educação infantil é um direito de toda criança e uma obrigação do Estado (CF, art. 208, inciso IV)”. Logo, a criança não está obrigada a freqüentar uma instituição de educação infantil, mas, sempre que sua família deseje ou necessite, o poder Público tem o dever de atendê-la166. Em outras palavras, conclui Wilson Donizeti: Havendo demanda ou procura do serviço essencial da educação infantil (pelos pais ou responsáveis), nasce o dever do Estado em disponibilizar o referido serviço. O impedimento do acesso da criança à educação infantil em instituições públicas fez gerar a responsabilidade do administrador público, obrigado a proporcionar a concretização da educação infantil em sua área de competência167. E, para complementar esses comentários, Elias de Oliveira Mota ressalta sua convicção de que os países que, no final do século XX e nos primeiros anos do atual milênio, atacarem com tentativas ousadas os problemas da educação infantil e 164 LIBERATI, op. cit., p. 236. Ibidem. p. 237. 166 Ibidem. p. 237. 167 Ibidem. p. 237-238. 165 70 do ensino fundamental e conseguirem o atendimento em massa de suas populações na faixa etária do nascimento até quatorze anos, vencerão com mais facilidade os obstáculos de seus processos de desenvolvimento. Assim, muito sentido fazem as palavras de Everett L. Schostrom: “Quando for escrita a história da Guerra à Pobreza, estou certo de que uma das batalhas mais bem sucedidas será a da proteção ao préescolar168”. 4.4. O financiamento da educação básica Para iniciar o tema, Patrícia Collat Feijó169 nos diz que: Um país que tem como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização, do preconceito e das desigualdades sociais deve tratar com seriedade, organização e planejamento o desenvolvimento de suas políticas educacionais. Recorda a autora que, desde a década de 90, o governo, cumprindo esse mandamento, vem implementando uma série de medidas de caráter normativo e de controle administrativo-financeiro que caracterizam uma reforma educacional no país. Ainda que o conjunto não seja suficiente, as modificações realizadas propiciaram maior acesso e permanência do educando na escola, em especial no ensino fundamental170. E, para implementação da já referida “reforma educacional”, o governo federal tomou iniciativas que resultaram na alteração da Constituição através da Emenda nº 14/96 e na edição das Leis Federais nº. 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), 9.424/1996 (Lei do FUNDEF), e 10.172/2001 (Plano 168 Apud MOTA, op. cit, p. 311. FEIJÓ, op. cit., p. 293. 170 Ibidem. p. 284. 169 71 Nacional de Educação)171, bem como na adoção da Emenda Constitucional nº 53/2006, que criou o FUNDEB (regulamentado pela Medida Provisória nº 339, de 2006, a qual foi convertida na Lei nº 11.494, de 2007). No tocante à referida normatização, Martisa Timm Sari resume que, no seu conjunto, o principal avanço refere-se à ampliação do compromisso do Estado com o ensino público, mais precisamente quanto ao seu financiamento. Para ela, através da Emenda Constitucional nº. 14/2006, foram inseridas modificações referentes às responsabilidades dos diferentes níveis de governo, além de restar alterado o art. 60 do ADCT, determinando a vinculação de 60% dos recursos dos Estados e Municípios para o ensino fundamental172. Além disso, foi criado, no âmbito de cada estado, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, a ser mais bem explicado à seguir. 4.4.1. FUNDEF e FUNDEB Fundo público pode ser conceituado a partir da noção de um “conjunto de recursos utilizados como instrumento de distribuição de riqueza, cujas fontes de receita lhe são destinadas para uma finalidade determinada ou para serem redistribuídas segundo critérios pré-estabelecidos173. 171 FEIJÓ, op. cit., p. 284. SARI, Marisa Timm. A Organização da Educação Nacional In Direito á Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: 2004. Malheiros. 1ª Ed. p. 71. 173 NUNES, Cleucio Santos. FUNDEF: a polêmica interpretação jurídica do cálculo do valor mínimo e sua desproporcionalidade com o FUNDEB. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte. Ano 6. nº. 64. abril 2007. p. 32. 172 72 O FUNDEF é uma sigla para a instituição de vinte e seis fundos estaduais e um distrital, todos de natureza contábil e independentes (ADCT, art. 60, § 1º, combinado com o artigo 1º da Lei nº. 9.424/96)174. Se, por um lado, a instituição do FUNDEF garantiu recursos específicos e maiores investimentos no ensino fundamental, por outro lado, provocou nos Municípios concretas dificuldades em relação à oferta e à manutenção da educação infantil. Os recursos vinculados à educação que ficavam de fora da subvinculação do Fundo tornaram-se escassos para suprir a crescente demanda de matrículas nas creches e pré-escolas, atividades que recaíram essencialmente sobre o Município175. Estes aspectos colaboraram para dificultar a ação dos Municípios em suas respectivas áreas de atuação e serviram como argumento na luta para a criação de um novo Fundo que também pudesse priorizar ou incentivar o ensino fundamental, mas que não inviabilizasse o investimento e o desenvolvimento de outros níveis de ensino. Através da análise e discussões feitas pelos dirigentes públicos e entidades representativas, muitas propostas surgiram, entre elas as de prorrogação do FUNDEF, de criação de um Fundo único e da instituição de três distintos Fundos (para educação infantil, ensino fundamental e ensino médio)176. Após várias propostas de Emendas Constitucionais e muita discussão parlamentar, foi aprovada e promulgada a Emenda nº. 53, de 19 de dezembro de 2006, 174 NUNES, op. cit., p. 37. FEIJÓ, op. cit., p. 285. 176 Ibidem. p. 286. 175 73 que criou o FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais de Educação177. A partir da Emenda Constitucional nº. 53, o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passou a vigorar com nova redação: Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: I - a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de natureza contábil; II - os Fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento) dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do art. 155; o inciso II do caput do art. 157; os incisos II, III e IV do caput do art. 158; e as alíneas a e b do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, e distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial, matriculados nas respectivas redes, nos respectivos âmbitos de atuação prioritária estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 211 da Constituição Federal; (...) IV - os recursos recebidos à conta dos Fundos instituídos nos termos do inciso I do caput deste artigo serão aplicados pelos Estados e Municípios exclusivamente nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 da Constituição Federal; (...) XII - proporção não inferior a 60% (sessenta por cento) de cada Fundo referido no inciso I do caput deste artigo será destinada ao pagamento 177 FEIJÓ, op. cit., p. 287. 74 dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício. E, sobre esta nova redação, Patrícia Collat Bento Feijó resume que, além de criar o FUNDEB, a Emenda trouxe outras modificações à CF. Vejamos: I - alteração da idade escolar para educação infantil, até os 5 (cinco) anos de idade (arts. 7º, inciso XXV, e 208, inciso IV); II – ampliação da obrigatoriedade da União e do Estado em oferecer aos Municípios cooperação técnica e financeira para educação infantil e para o Ensino Fundamental (inciso VI do art. 30); III – alteração da expressão “profissionais do ensino” para “profissionais da educação escolar” (inciso VI do art. 30); IV – determinação de posterior fixação de um piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar (inciso VIII do art. 206); V – necessidade de definição em lei específica das categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação e de prazos para elaboração de planos de carreira; VI – determinação de que a educação básica pública atenda prioritariamente ao ensino regular (§§ 5º e 6º do art. 212). 75 4.4.2. Considerações finais acerca do financiamento É razoável que devam ser consideradas as condições concretas das finanças de um ente federado com relação às necessidades de atendimento educacional de sua população. Mas ele não pode deixar de cumprir com as suas obrigações constitucionais em relação ao ensino fundamental. No entanto, há a possibilidade de que os recursos mínimos vinculados ao ensino fundamental sejam insuficientes para a manutenção desta etapa educacional178. Assim sendo, pelo § 3º do art. 212 da CF, deverá o ente federado alocar mais recursos, até a satisfação mínima das necessidades de atendimento ao ensino fundamental. No caso de um Município, o saldo remanescente deverá ser aplicado, então, na educação infantil. Mas é possível que a demanda por este tipo de atendimento educacional esteja crescendo e a população pressionando por vagas em creches e pré-escolas. E tem direito a esse atendimento179. A oferta da educação infantil deve ser garantida pelo Poder Público, nos termos do art. 208, IV, da CF. As eventuais demandas, judiciais ou não, com relação à oferta desta etapa da educação básica deverão, necessariamente, levar em conta este conjunto de elementos, buscando distinguir o que de fato seria omissão do Poder Público do Município180. 178 MARTINS, op.cit., p. 181. Ibidem. p. 181. 180 Ibidem. p. 181. 179 76 5. O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO DISTRITO FEDERAL 5.1 Contexto Há cerca de 16 anos, quando a Promotoria da Infância e da Juventude do Distrito Federal propôs a Ação Civil Pública nº. 61.425/93181, a situação da educação infantil no DF era desoladora. Diversos membros da sociedade brasiliense procuraram o Ministério Público Distrital, exprimindo indignação com o fato de não conseguirem matricular seus filhos menores de seis anos em creches e pré-escolas oficiais, ante a inexistência de vagas. Esses cidadãos entendiam – e continuam entendendo, em face do crescente número de idênticas requisições correntes na atual Promotoria da Educação182, vinculada ao MPDFT – que o Distrito Federal vem descumprindo o dever que lhe é imposto pelo art. 208, IV, da Constituição Federal, e, pelo art. 54, IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Prestando informações ao juízo, a então Secretária de Educação do Distrito Federal, Eurides Brito, admitiu a inexistência de vagas para crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas183, como se perceberá da fundamentação da contestação apresentada pelo DF à pretensão ministerial (item 4.3 e infra). E afirmou que o Estado estava compelido a garantir vagas e asseverar gratuidade apenas em relação ao ensino fundamental, acrescentando que este dever seria desdobrado progressivamente ao ensino médio (Art. 208, I e II, da CF/88). Destarte, concluiu que o Distrito Federal não está obrigado a garantir vagas ou assegurar a gratuidade no nível de ensino em foco. 181 Ação Civil Pública Nº. 61.425/93. Ministério Público do Distrito Federal. Promotoria da Educação – PROEDUC: Registros de Atendimentos nº. 163336/07-56 e 016424/07-11. 183 Ação Civil Pública Nº. 61.425/93 p. 03. 182 77 Atualmente, a situação pouco se modificou, permanecendo em sua essência o embate hermenêutico, constitucional e infraconstitucional, quanto à obrigatoriedade e gratuidade do ensino infantil neste Distrito da Federação. 5.2. A posição do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios 5.2.1 A Ação Civil Pública nº. 61.425/93 Nos termos da Ação Civil Pública nº. 61.245/93, proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal junto à Vara da Infância e Juventude, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o autor entende que a interpretação dada ao dispositivo constitucional pelo Distrito Federal não é a que melhor se harmoniza com o próprio espírito de uma Constituição que garante ser o Brasil um Estado Democrático, e fere o ordenamento jurídico brasileiro, que tanto prioriza a educação. A Constituição Federal de 1988 proclama que o Brasil é um Estado Democrático, ante o expresso em seu preâmbulo e princípios fundamentais. O parquet alega que uma sociedade democrática é, por excelência, aquela que oferece aos seus membros igualdade de oportunidades educativas. Exemplo disso ocorre na declaração da CF/88 no sentido de ser a educação um direito de todos e dever do Estado (arts. 205 a 214). O Ministério Público, encorpando tal entendimento, lembrou a lição de José Carlos Cal Garcia: A democracia é, assim, o regime em que a educação é o supremo dever, a suprema função do Estado. Fala-se em justiça social, mas é necessário que seja sublinhado e entendido o sentido de justiça social na democracia. Nascemos diferentes e desiguais. Biologicamente 78 desiguais. Se a democracia é um ideal, um programa para o desenvolvimento da própria sociedade humana, é que a democracia resolve o problema dessa dilacerante desigualdade. Oferecendo a todos, e a cada um, oportunidades iguais para defrontar o mundo, a sociedade e a luta pela vida, a democracia aplaina as desigualdades nativas e cria o saudável ambiente de emulação em que os ricos e pobres se sentem irmanados nas mesmas possibilidades de destino e de êxito. Essa é a justiça social da democracia. A educação é, destarte, não somente a base da democracia, mas a própria justiça social184. No tocante à realidade social do DF, o MPDFT lembra o fato de nossa população (do DF) não constituir exceção em relação ao restante do país. Nesse passo, aduz que boa parte da população local é constituída por famílias cuja renda não ultrapassa o salário mínimo; dessa forma, ante a real dificuldade dessas famílias em alimentar-se adequadamente, o que dizer da sua capacidade de pagar o atendimento em creche ou pré-escola? Inocência seria crer em tal possibilidade... Entende o Ministério Público local que a CF/88 não descuidou da questão social da educação; e fê-lo ao dedicar-lhe o seu art. 208, aposto no capítulo III, Seção I, tratante da educação em especial185. Ademais, visando a instrumentalização desse direito, a Carta da República determinou, ainda, em seu art. 212 que A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. 184 GARCIA, José Carlos Cal. Linhas Mestras da Constituição de 1988, Saraiva: 1989, pág. 199. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (...)IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade185. 185 79 Destarte, conclui o MPDFT que ao dever de garantir a educação infantil no DF corresponde uma dotação orçamentária da Receita Pública, a seu ver, suficiente para o adimplemento da obrigação. Atentando-se à máxima (resultante da combinação do “caput” do art. 54 do ECA com o 208 da CF): “A educação é direito de todos e dever do Estado; garantia assegurada a qualquer pessoa, e exigível do Estado a sua efetivação”, o órgão ministerial compreende que argumentar que “o Estado apenas deverá estar presente (como “observador”, e não “garantidor”) no atendimento às crianças de zero a seis anos”, como pretende o DF, é sinônimo de afirmar que o direito instaurado no caput do art. 208 da Constituição e no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente é meramente retórico. Ou seja, o direito e o respectivo dever existiriam, mas não poderiam ser exercidos ou exigidos... Se assim o fosse, toda a estrutura da CF/88 e do Estado Democrático cairia por terra, na medida em que não seria assegurada a igualdade de oportunidades de acesso da criança carente à educação, desde o seu nascimento. A esse respeito, José Afonso da Silva diz que: É aí que se situa a injustiça e a desigualdade de tratamento, pois compete ao Poder Público, desde a pré-escola, ou até antes, proporcionar aos alunos carentes condições de igualização, para que possam concorrer com os mais abastados em igualdade de situação (...). A verdade é que, se a Constituição estabeleceu que a educação é direito de todos e dever do Estado, significa que a elevou à condição de serviço público a ser prestado pelo Poder Público, 80 indiscriminadamente e, portanto, gratuitamente aos usuários, ficando seu custeio por conta das arrecadações gerais do Estado186. O patrono da Ação em tela cita também Paulo Lúcio Nogueira, que exorta a ilusão, pois, para ele, dificilmente será alterado esse quadro que aí está, já que sempre dominou em nosso sistema o poder econômico. Segundo o autor, é esse poder econômico que manobra todos os interesses, inclusive os educacionais, que continuarão do mesmo jeito e com tendências a piorar, salvo para os comerciantes do ensino, o que é lamentável, pois o que se “ensina” na escola desenvolve-se ou aprimora-se na escola da vida187. E o parquet continua disparando, dessa vez, municiado com o art. 7º da Constituição Federal, que dispõe: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas. O artigo supracitado refere-se à assistência gratuita dos filhos de trabalhadores; o MP toca nesse dispositivo com vista a lembrar-nos que, ao interpretar determinada norma constitucional, é necessário observar o conjunto normativo fundamental sistematicamente, não bastando a interpretação literal da norma para que ela atinja o seu melhor sentido. 186 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed. Revista dos Tribunais: 1990, pág. 706. 187 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e Adolescente Comentado, Saraiva: 1991, pág. 71. 81 Assim, se ambos direitos sociais (“educação infantil universal” e “educação infantil para filhos de trabalhadores”) estão previstos seguidamente no mesmo Capítulo II, tratando da mesma matéria (educação infantil), incongruente seria afirmar que o atendimento em creches e pré-escolas seria gratuita para aqueles que trabalham e, por outro lado, mediante pagamento para aqueles que não trabalham. Afinal, o que se tutela são as crianças de até 5 (cinco) anos, independentemente de sua classe social. Nesse sentido, discorre Pontes de Miranda: “A interpretação restritiva é excepcional. Se há mais de uma interpretação da mesma regra jurídica inserta na Constituição, tem de preferir-se aquela que se insufle a mais ampla extensão188...”. O órgão ministerial, mais uma vez buscando demonstrar que o Estado está obrigado a prestar o atendimento gratuito em creches e pré-escolas, indica o exame do Capítulo VII, do Título VI, Livro II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que trata da proteção judicial dos interesses individuais, difusos ou coletivos189. Assim, pretende o MP demonstrar que se a lei admite poder o Estado figurar no pólo passivo de uma Ação Civil Pública (ou qualquer outra ação de responsabilidade) quando inexiste atendimento ou quando este é deficiente, é porque reconhece o seu dever de prestar tal serviço. E, no presente caso, o Distrito Federal, de acordo com o entendimento do MP, não oferece atendimento suficiente em creches (não-oferecimento) e com relação às pré-escolas há deficiência (oferecimento irregular). 188 Apud Nagib Slaibi Filho, Anotações à Constituição de 1988, Forense: 1989, pág. 87. Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular: I - do ensino obrigatório; (...) III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. 189 82 Nesse diapasão, o MPDFT entende que, ante o dever do Estado de prestar atendimento gratuito às crianças de zero a seis anos de idade em creches e préescolas, o Distrito Federal, por descumprir o referido preceito constitucional e infraconstitucional, deve ser compelido, por via judicial, a assegurar a gratuidade do serviço a esta clientela infantil. É trazida à baila, também, a discussão referente à auto-aplicabilidade do tão discutido art. 208 da Constituição Federal. Cita-se, nessa ilustrativa Ação Civil Pública, que Manoel Gonçalves Ferreira Filho190, adotando posição antagônica a José Afonso da Silva, discorda da classificação dessas regras constitucionais em programáticas, de eficácia limitada, porquanto, para ele, ambas são normas completas, que incidem imediatamente. Dessa forma, o Ministério Público adota a razão do douto educador no sentido de que os direitos assegurados no art. 208 da CF/88 não precisam de lei para serem exercidos. Mas precisam, em verdade, a seu ver, de vontade política dos governantes. Nesse caminho, o MP se posiciona em defesa do entendimento de que nenhuma lei poderá restringir o alcance do direito previsto no inciso IV do artigo 208 da CF e o correspondente dever imposto ao Estado para com a educação. Assim também entende Nagib Slaibi Filho: Em uma tentativa de resguardar a efetividade, a Constituição proclama, em seu art. 5º, § 1º, que as normas definidoras dos direitos e 190 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira, “Os Princípios do Direito Constitucional e o art. 192 da Carta Magna”, RDP.88/163. 83 garantias fundamentais têm aplicação imediata. Vale notar que os direitos e garantias fundamentais são aqueles previstos no Título II da Constituição, englobando os direitos individuais e coletivos (art. 5º), os direitos sociais (arts. 6º a 11º), os direitos da nacionalidade (arts. 12 e 13), os direitos políticos e, (...) outros derivados dos direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito à educação (art. 205)191. E, acompanhando essa percepção normativa, José Cretela Júnior assevera: O poder-dever do Estado, relativamente à educação, será efetivo, garantindo o Poder Público, mediante expressa regra jurídica constitucional, o atendimento desde a mais tenra idade, em creche e pré-escola, para que os pais e, preferencialmente, a mãe, possam trabalhar fora, sem preocupações, sabendo de antemão que a criança se encontra sob a guarda e custódia de pessoas especializadas192. Ainda, para o parquet, mesmo que se considere a norma constitucional como de eficácia limitada, de princípio programático, para que a prioridade absoluta reservada à educação prevista na Constituição seja cumprida, bastaria a iniciativa do Poder Executivo. Além disso, observa que o direito ora perseguido não tem por base apenas a CF/88, mas também a lei específica: o Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, perspicazmente, questiona: será que se trata de uma “lei de eficácia limitada”? Haverá necessidade de uma lei para regulamentar outra? E rebate: seria um verdadeiro disparate a lei traçar mecanismos para acionar o Estado omisso (arts. 205 e ss.), obrigando-o a cumprir um dever que sequer existe. 191 Ação Civil Pública nº 61.425/93. p. 12. JÚNIOR, José Cretela, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Vol. VIII – Forense, pág. 4.411. 192 84 Sobre o assunto, por vezes, jurisconsultos vêm afirmar que o dispositivo é de difícil concretização, utópico, porquanto divorciado da realidade brasileira e que, como muitos outros, acabará transmutando-se em letra morta. Porém, o MP investido de sua função irremediavelmente defensora dos interesses coletivos, não pode submeter-se a este tacanho raciocínio. Concluindo o entendimento esposado pelo MPDFT, em dezembro de 1993, o então Promotor de Justiça José Valdenor Queiroz Júnior, bem colocou que: Manter-se inerte, repousado no tranqüilo argumento de que o dispositivo constitucional jamais fará parte de nossa realidade é compactuar com aqueles que lutam para que se perpetue a política educacional da improvisação, a incompetência e o descaso político sustentados pela concepção estereotipada de que o povo deve ser mantido na ignorância193. A referida Ação Civil Pública, acima tomada de exemplo para ilustrar a posição do MPDFT, foi outrora julgada improcedente. O Tribunal competente entendeu, em síntese, que a norma contida no art. 208, inciso IV, da CF/88, é programática e, por esta razão, os direitos dela decorrentes não poderiam ser imediatamente exigidos. 5.2.2. O recurso extraordinário nº. 229760 Em face do resultado da Ação Civil Pública em análise, irresignado, o MPDFT interpôs o Recurso Extraordinário (RE) nº. 229760, que nos servirá de base para melhor compreender o posicionamento do parquet sobre o tema do direito à educação infantil gratuita no Distrito Federal. 193 Ação Civil Pública nº 61.425/93, fls. 66. 85 Inicialmente, bem lembra o Órgão Ministerial, neste recurso, que o tema é de grande relevância e possui forte repercussão na sociedade, pois que atinge milhares de crianças, com idade entre 0 (zero) e 6 (seis) anos (atualmente, 0 a 5 anos, conforme a EC nº. 53/2006), que, por vontade da sociedade brasileira, expressa em nossa Lei Fundamental, tem direito a creches e pré-escolas gratuitas. Posiciona-se o MP no rumo de que a eficácia jurídica das normas programáticas é inquestionável, dependendo apenas, para sua efetivação, de atos administrativos de concretização. Logo, o Distrito Federal, para que suporte o atendimento em creches e pré-escolas para todas as crianças de zero a seis anos, prescinde da elaboração de leis ou decretos específicos, bastando, portanto, a decisão política e o planejamento desta atividade, incluindo medidas administrativas e prévia dotação orçamentária. E, mais uma vez, o parquet utiliza-se da interpretação sistemática para concluir pela exigibilidade do direito à educação infantil no DF. Deste modo, fundindose os artigos: a) 205, que declara que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; b) 208, que estabelece como o Estado efetivará o direito à educação; c) 212, que dispõe sobre a dotação orçamentária reservada à educação pela União, Municípios, Estados e Distrito Federal, e, por fim, d) 1º e 3º, que fazem considerações aos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil; concluise que a declaração de que “a educação é um direito de todos e dever da família” é, de fato, um enunciado político, ao passo que a imposição do Estado para atender 86 gratuitamente as crianças de zero a seis anos em creche e pré-escolas é norma de eficácia plena e aplicação imediata. Por fim, aponta o Ministério Público do Distrito Federal que, se um direito subjetivo está previsto na Constituição e legislação ordinária, inexistindo necessidade de maior regulamentação, mas do Poder Judiciário aparece como incapaz de garantir o seu exercício, há que se reconhecer um campo da vida, um espaço isolado, onde o Direito não pode ir. Existiriam, portanto, situações intangíveis e os cidadãos ficariam eternamente à espera da boa vontade e iniciativa dos governantes para que a Constituição tivesse eficácia jurídica. Por tamanhas razões, comprovada a ofensa ao art. 208, IV, da Magna Carta, o MPDFT entende que deve ser reconhecida a obrigação do Distrito Federal em assegurar o atendimento pleno e gratuito em creches e pré-escolas. 5.3. A posição do Governo do Distrito Federal Já de antemão, o Governo do Distrito Federal (GDF) considera impossível a realização do pedido do Ministério Público do Distrito Federal, consistente no reconhecimento, para o DF, da obrigação de oferecer gratuitamente creches e préescola a todas as crianças de zero a seis anos desta unidade da Federação. Para tanto, o GDF defende que, com base na realidade econômica que enfrenta assola, assim como ante os parcos recursos (reserva do possível) de que o erário do Distrito Federal dispõe, é inviável a pretensão da população distrital e, por conseguinte, impossível de ser realizado juridicamente o pedido ministerial. 87 Além disso, interpretando os dispositivos constitucionais relativos à educação, o GDF entende que, apesar de a CF/88 utilizar-se de um vocábulo de maior significância como é a “educação”, o texto constitucional se preocupou exclusivamente, ou quase, com a educação escolarizada, ou seja, a fundamental. Para tanto, o GDF cita, nos autos da Ação Civil Pública nº. 61.425/93, o educador paraibano José Perez, que diz ser possível explicar a tese de restrição à educação escolarizada por quatro razões: 1) dificuldade de abordagem satisfatória de educação “latu sensu”; 2) preocupação imediata com a escola (em detrimento da creche e pré-escola), instituição mais tangível e mais reclamada; 3) intangibilidade de muitos aspectos em que se desdobra a educação (ex: alimentação e transporte); e 4) maior importância social, política e econômica dada à instituição escolar e aos serviços por ela prestados. O Governo Distrital concorda que a educação só poderá ser considerada como um direito de todos se houver escolas para todos. Porém, questiona: “Tratando da educação da criança de zero a seis anos de idade até a universidade, passando pelo ensino fundamental e médio, pela educação especial e de adultos, quis o constituinte de 1988 estabelecer o direito integral à educação?” E responde: “Efetivamente não194”. Após, o GDF entra no mérito da natureza constitucional da norma definida no art. 208, inciso IV da Lei Fundamental, que entende ser uma regra de conteúdo programático, logo, inexigível imediatamente. 194 Ação Civil Pública nº 61.425/93, p. 33. 88 Fundamentando tal posição, encontramos nos autos da contestação à Ação Civil Pública nº. 61.425/93, o dizer de Wolgran Junqueira Ferreira: IV – ATENDIMENTO EM CRECHE E PRÉ-ESCOLA ÀS CRIANÇAS DE ZERO A SEIS ANOS DE IDADE; De antemão sabe-se que trata este inciso de uma regra programática. Há necessidade de muitos recursos financeiros para o atendimento ao previsto neste inciso, salvo se o governo entender que as creches mantidas por associações filantrópicas é que poderão dar o atendimento às crianças de zero a seis anos e passar a ajudar de fato com verbas suficientes tais entidades. Deixar por conta do governo tal tarefa parece ser o mesmo que deixar sem realizá-la. Nesse passo, e nos mesmos autos processuais acima referidos, José Joaquim Gomes Canotilho é citado, definindo que estas normas seriam “normas-fins e normas-tarefas (normas programáticas) que justificam a necessidade de intervenção dos órgãos legiferantes”, acrescentando que: A positividade jurídico constitucional das normas programáticas significa fundamentalmente: (I) Vinculação do legislador, de forma permanente à sua realização (imposição constitucional); (II) Como directivas materiais permanentes, elas vinculam positivamente todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração em qualquer dos momentos da atividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição); (III) Como limites negativos, justificam a eventual censura, sob a forma de inconstitucionalidade em relação aos atos que as contrariam. Acompanhando Canotilho, ainda em sede de contestação à Ação Civil Pública nº.61.425/93, o Poder Executivo do Distrito Federal cita Celso Ribeiro Bastos que define serem normas programáticas aquelas que “não reúnem condições de uma integral aplicação de imediato, voltam-se às transformações não só da ordem jurídica, mas também de estruturas sociais e da própria realidade constitucional195”. 195 Ação Civil Pública nº. 61.425/93. p. 34. 89 Ainda sobre normas programáticas, explica Paulo Bonavides que, a rigor, a norma programática vincula comportamentos públicos futuros. Mediante disposições desse teor, o constituinte estabelece premissas destinadas, formalmente, a vincular o desdobramento da ação legislativa dos órgãos estatais e, materialmente, a regulamentar uma certa ordem de relações196. No mesmo sentido, José Afonso da Silva pensa que essas normas integram elementos sócio-ideológicos; normas que revelam o caráter de compromisso das Constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado social, intervencionista e fazendo alusão a Canotilho, o douto constitucionalista escreve que “os princípios constitucionais são basicamente de duas categorias: os princípios político-constitucionais e os princípios jurídico-constitucionais”, e define que: “princípios jurídico-constitucionais são princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional” exemplificando, dentre outros, “o da proteção da família, do ensino e da cultura”.197 Ainda tratando de hermenêutica constitucional, o GDF compreende que a gratuidade do ensino público em estabelecimento oficial é um princípio constitucional e, como tal, não é auto-aplicável. Outrossim, a garantia constitucional ao direito à educação infantil deve ser entendida dentro dos parâmetros da Carta Magna. Dessa forma, as regras constitucionais devem ser interpretadas com o seu respectivo valor, eis que, do ponto de vista da eficácia, as mesmas não têm peso idêntico. As normas programáticas, como entende o GDF, não valem por si mesmas, senão como indutoras de todo um sistema, a ser implementado pela legislação e pelas ações políticas conseqüentes. 196 197 Ação Civil Pública nº. 61.425/93. p. 34. Idem . p. 35. 90 Nesse patamar, o princípio da gratuidade descrito no art. 208, IV, estaria no mesmo pé do princípio expresso no inciso III do mesmo artigo, que assegura o “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”, ou seja, não como um direito subjetivo, mas sim, uma orientação política. Por outro lado, o tratamento da gratuidade dado ao ensino médio e de creches e pré-escolas seria diferente, porquanto, nos termos do art. 208198, I, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental abrangeriam a todos, inclusive aqueles que não tiveram acesso na idade própria. De acordo com o item II do mesmo artigo, esta obrigatoriedade e essa gratuidade serão progressivamente implantadas, do que se infere a igualdade de usufruir desse direito através de sua progressiva extensão. Já no item IV, o atendimento às atividades ali elencadas dependeria da capacidade financeira de cada Estado. Destarte, o texto não seria tão taxativo, pois não se falaria mais na obrigatoriedade e gratuidade como preceito inarredável, mas de uma progressiva extensão dessa obrigatoriedade e dessa gratuidade ao ensino médio e de possível atendimento em creches. A gratuidade/obrigatoriedade pautar-se-ia, então, na medida da possibilidade governamental e na existência de recursos financeiros; tese comumente chamada de “reserva do possível”. As medidas constitucionais relativas ao ensino médio, creches e préescola seriam, assim, situações completamente diferentes das que refletem no ensino fundamental (este sim, obrigatório e gratuito). 198 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (...) IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade. 91 O GDF questiona como é possível que, sem recursos financeiros, ele seja capaz de atender o dever de oferecer creches e pré-escolas gratuitamente? Que fazer com as necessidades do ensino fundamental? E a saúde? Abdica-se de tudo para dar creche e pré-escola à população necessitada do DF? Finalmente, argumenta que tem feito tudo para diminuir o sofrimento das classes mais pobres, seja dando lotes, seja prestando assistência médica, escolar, serviços públicos a preço reduzido, mas não pode realizar “o impossível”, e não pode ser condenado por “não-fazer” a obrigação educacional, mas desobrigado por “nãopoder”, ante a inexistência material de recursos. Diz, também, que é indubitável que o provimento do pedido do Ministério Público do DF acarretaria o desmantelamento de todo o sistema educacional distrital. Pois, embora obrigue a criar vagas, a decisão judicial não terá o condão de gerar os recursos materiais necessários para a admissão de tais crianças no sistema de creches e pré-escolas. Vale lembrar, contrariando essa tese jurídica, que é possível que os recursos necessários para a oferta plena de educação infantil sejam garantidos judicialmente, separando-se, do total do erário, a quantia necessária para tanto. Assim, o GDF conclui pela improcedência do pedido do MPDFT, de garantir a oferta gratuita e obrigatória de creches e pré-escolas para a população infantil desta unidade-sede da federação, por inexistência de direito a amparar tal pretensão. O Tribunal, para tristeza ou revolta dos demandantes, abraçou a tese esposada pelo Poder Executivo do DF. Sabemos que a justiça se faz de acordo com cada 92 conjuntura política e social em que esta se insere. Resta saber se, hoje, aquele entendimento ainda prevalece. 93 6. JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA 6.1. Supremo Tribunal Federal O direito à educação infantil já foi alvo de debates no Supremo Tribunal Federal, foi esse o caso, mais precisamente, no julgamento da Ação de Agravo Regimental no Recurso Ordinário nº. 410.715/SP, de autoria do Município de Santo André/SP, em face da pretensão do Ministério Público do Estado de São Paulo de garantir atendimento em creche e pré-escola para crianças de até seis anos de idade199 residentes naquele Município. No julgado em foco, o Município alegou a inexistência de vagas nas creches locais, além da falta de recursos para cumprir devidamente o mandato constitucional a ele imposto (arts. 208, IV c/c 211, § 2º), qual seja o de oferecer educação infantil naquele Município. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, decidiu favoravelmente à pretensão ministerial paulista, como podemos constatar na ementa do referido julgado: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, 199 Observe-se, que à época do julgamento ainda não vigorava a EC nº. 53/2006, que diminuiu a idade limite para 5 (cinco) anos. 94 de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. 200 A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina. A citação, ainda que extensa, vale pelo vigor da construção argumentativa. O Relator do caso foi o Ministro Celso de Mello, que em seu voto201, fundamentou a decisão da seguinte maneira: Não assiste razão à parte ora recorrente, eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, aos postulados constitucionais que informam, de um lado, o direito público subjetivo à educação e que impõem, de outro, ao Poder Público, notadamente ao Município (CF, art. 211, § 2º), o dever jurídico-social de viabilizar, em favor das crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola. É preciso assinalar, neste ponto, por relevante, que o direito à educação – que representa prerrogativa constitucional deferida a todos (CF, art. 205), notadamente às crianças (CF, arts. 208, IV e 227, “caput”) – qualifica200 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. RE-AgR 410715 / SP. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO; Brasília, DF, 22 nov. 2005; DJ 03-02-2006 PP-00076. 201 Disponível em < http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp> acesso em 28 de abril de 2008. 95 se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se á noção dos direitos de segunda geração (RTJ 164/158-161), cujo adimplemento impõe, ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva, consistente num “facere”, pois o Estado dele só se desimcumbirá criando condições objetivas que propiciem, aos titulares desse mesmo direito, o acesso pleno ao sistema educacional, inclusive ao atendimento, em creche e pré-escola, “às crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV). O Douto Ministro cita também Wilson Donizeti Liberati202, que, como vimos nos capítulos anteriores, entende que: O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à educação infantil – ainda mais se considerado em face do dever que incumbe ao Poder Público, de torná-lo real, mediante concreta efetivação da garantia de “atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV) – não podem ser menosprezados pelo Estado, “obrigado a proporcionar a concretização da educação infantil em sua área de competência”, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário. O tema da garantia do direito à educação, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, quedou por desaguar na questão da possibilidade de intervenção do Poder judiciário na implementação de Políticas Públicas, que foi, por sua vez, discutido no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 45/DF, onde o Ministro Celso de Mello foi, mais uma vez, relator. Vejamos o que diz a ementa: EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS 202 LIBERATI, op. cit., p. 236/238. 96 SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS 203 CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO) . Nesta última decisão, entendeu o eminente relator, em seu voto, que: Considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração (como o direito à 204 educação, p.ex.) – com as liberdades positivas, reais ou concretas . E, nesse mesmo sentido, da possibilidade de efetivar judicialmente os direitos sociais, já se decidiu na Suprema Corte que: DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também 203 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Decisão Monocrática. ADPF 45 MC / DF. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Brasília, DF, 29 abr. 2004. Publicação: DJ 04/05/2004. 204 RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO. 97 ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e 205 princípios da Lei Fundamental . Ademais, retirando o monopólio relatorial do Ministro Celso de Mello sobre o ementário ora colacionado, porém, coadunando com a mesma linha de pensamento, o Ministro Marco Aurélio, relator do julgamento do RE nº. 431.773/SP, decidiu que: CRECHE E PRÉ-ESCOLA - OBRIGAÇÃO DO ESTADO IMPOSIÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE NÃO VERIFICADA RECURSO EXTRAORDINÁRIO NEGATIVA DE SEGUIMENTO.1. Conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Carta Federal, consubstancia dever do Estado a educação, garantindo o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O Estado - União, Estados propriamente ditos, ou seja, unidades federadas, e Municípios - deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos ditames constitucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiência de caixa. Eis a enorme carga tributária suportada no Brasil a contrariar essa eterna lengalenga. O recurso não merece prosperar, lamentando-se a insistência do Município em ver preservada prática, a todos os títulos nefasta, de menosprezo àqueles que não têm como prover as despesas necessárias a uma vida em sociedade que se mostre consentânea com a natureza humana.2. Pelas razões acima, nego seguimento a este extraordinário, ressaltando que o acórdão proferido pela Corte de origem limitou-se a ferir o tema à luz do artigo 208, inciso IV, da Constituição Federal, reportando-se, mais, a compromissos reiterados na Lei Orgânica do Município - artigo 247, inciso I, e no Estatuto da Criança e do Adolescente - artigo 54, inciso IV.3. Publique-se206. Destarte, na esfera da nossa Corte Constitucional, o entendimento no tocante ao direito à educação infantil e suas implicações é pacífica, como vimos nas ementas de julgamento encabeçadas pelos Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio. 205 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Decisão Monocrática. ADPF 45 MC / DF. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Brasília, DF, 29 abr. 2004. Publicação: DJ 04/05/2004. 206 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Decisão Monocrática. RE nº. 431.773/SP. Relator: Ministro MARCO AURÉLIO. Brasília, DF, 15 set. 2004. Publicação: DJ 22/10/2004 P – 00077. 98 Por fim, cumpre observar que é possível que com a implementação das súmulas vinculantes se consiga reverter o quadro de inadimplência do Distrito Federal. 6.2. Superior Tribunal de Justiça No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, a matéria relacionada ao direito à educação, no que toca à intervenção do Judiciário no orçamento público, é contraditória. Em uma primeira análise, este Tribunal Superior decidiu pela possibilidade de exame de oportunidade na escolha das prioridades orçamentárias: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO.1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador.2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas.4. Recurso especial provido207. Em uma segunda decisão, porém, afastou tal hipótese: RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITOS COMINATÓRIOS DE OBRIGAÇÃO DE FAZER DISCRICIONARIEDADE DA MUNICIPALIDADE - NÃO CABIMENTO DE INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NAS PRIORIDADES ORÇAMENTÁRIAS DO MUNICÍPIO CONCLUSÃO DA CORTE DE ORIGEM DE AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES ORÇAMENTÁRIAS DE REALIZAÇÃO DA OBRA INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 07/STJ - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL AFASTADA AUSÊNCIA DE 207 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2º Turma. REsp 493811/SP, Relatora: Ministra ELIANA CALMON, Brasília, 11 nov. 2003, Publicação: 15.03.2004 p. 236. 99 PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS DO ECA APONTADOS COMO VIOLADOS. Requer o Ministério Público do Estado do Paraná, autor da ação civil pública, seja determinado ao Município de Cambará/PR que destine um imóvel para a instalação de um abrigo para menores carentes, com recursos materiais e humanos essenciais, e elabore programas de proteção às crianças e aos adolescentes em regime de abrigo. Na lição de Hely Lopes Meirelles, "só o administrador, em contato com a realidade, está em condições de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência na prática de certos atos, que seria impossível ao legislador, dispondo na regra jurídica - lei - de maneira geral e abstrata, prover com justiça e acerto. Só os órgãos executivos é que estão, em muitos casos, em condições de sentir e decidir administrativamente o que convém e o que não convém ao interesse coletivo". Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a Municipalidade tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas orçamentárias e em quais obras deve investir. Não cabe, assim, ao Poder Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do Município e determinar a construção de obra especificada. Ainda que assim não fosse, entendeu a Corte de origem que o Município recorrido "demonstrou não ter, no momento, condições para efetivar a obra pretendida, sem prejudicar as demais atividades do Município". No mesmo sentido, o r. Juízo de primeiro grau asseverou que "a Prefeitura já destina parte considerável de sua verba orçamentária aos menores carentes, não tendo condições de ampliar essa ajuda, que, diga-se de passagem, é sua atribuição e está sendo cumprida". Adotar entendimento diverso do esposado pelo Tribunal de origem, bem como pelo Juízo a quo, envolveria, necessariamente, reexame de provas, o que é vedado em recurso especial pelo comando da Súmula n. 07/STJ. No que toca à divergência pretoriana, melhor sorte não assiste ao recorrente, uma vez que a tese defendida no julgado paradigma não prevalece, diante do posicionamento adotado por este egrégio Superior Tribunal de Justiça. Ausência de prequestionamento dos artigos 4º, parágrafo único, alíneas "c" e "d", 86, 87, 88, incisos I a III, 90, inciso IV, e 101, incisos II, IV, V a VII, todos da Lei n. 8.069/90. Recurso especial não 208 provido . 6.3. Tribunais do Distrito Federal e dos Estados No que diz respeito ao Princípio da Prioridade Absoluta nas questões relativas à infância e juventude (exemplarmente sintetizado no art. 227, CF), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios tem a honra de ter presenteado a comunidade 208 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2º Turma. REsp 208893/PR, Relator: Ministro FRANCIULLI NETTO, Brasília, 19 dez. 2003, Publicação: 22.03.2004 p. 263. 100 judiciária com um verdadeiro “leading case”, relatado pelo Desembargador Luiz Cláudio Abreu, na Apelação Cível nº. 62, de 19.04.93, no Acórdão de nº. 3.835: Do estudo atento desses dispositivos legais e constitucionais, dessume-se que não é facultado à Administração alegar falta de recursos orçamentários para a construção dos estabelecimentos aludidos, uma vez que a Lei maior exige prioridade absoluta – art. 227 – e determina a inclusão de recursos no orçamento. Se, de fato, não os há, é porque houve desobediência, consciente ou não, pouco importa, aos dispositivos constitucionais precitados, encabeçados pelo § 7º, do art. 227209. E, concluindo também pela prevalência dos interesses infanto-juvenis sobre os demais, decidiu também o Tribunal de Justiça gaúcho, em sua 7ª Câmara Cível, nos termos da Apelação Cível nº. 596017897: A exigência de absoluta prioridade não deve ser conteúdo meramente retórico, mas se confunde com uma regra direcionada, especificamente, ao Administrador Público210. E, por fim, sobre a questão da evolução da concepção clássica de discricionariedade administrativa (de um poder discricionário para um poder-dever), cumpre transcrever a lição do Desembargador Sérgio Gischkow Pereira, também do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul211, nos autos da Apelação nº. 569.017.897, da 7ª Vara Cível de Santo Ângelo, publicado em 12.3.1997: “Sabe-se que a atividade administrativa caracteriza-se menos como um poder do que como um dever, encaixando-se na idéia jurídica de ‘função’. Função, em linguagem jurídica, designa um tipo de situação jurídica em que existe, previamente assinalada por um comando normativo, uma finalidade a cumprir e que deve ser obrigatoriamente cumprida por alguém, mas a interesse de outrem, sendo que este sujeito – o obrigado - , para desincumbir-se de tal dever , necessita 209 Apud MARCHESAN, Ana Maria Moreira. O princípio da Prioridade Absoluta aos Direitos da Criança e do Adolescente e a Discricionaridade Adminitrativa. In Revista dos Tribunais. Ano 87. v. 749. Março de 1998. p. 94. 210 Ibidem. p. 95. 211 Ibidem. p. 95. 101 manejar poderes indispensáveis à satisfação do interesse alheio, que está a seu cargo prover”. Nesse sentido, continua o magistrado, citando Celso Antonio Bandeira de Mello212 : “Existe uma distinção clara entre a função e a faculdade ou o direito que alguém exercita em seu prol. Na função, o sujeito exercita um poder, porém, o faz em proveito alheio, e o exercita não porque caso queira ou não queira. Exercita-o porque é um dever. Então, pode-se perceber que o eixo metodológico do direito público não gira entorno da idéia de poder, mas gira entorno da idéia de dever. Conscientizando-se dessas premissas, constata-se que do caráter funcional da atividade administrativa, desta necessária submissão da Administração à Lei, o chamado poder discricionário tem que ser somente o cumprimento do dever de alcançar a finalidade legal, ou seja, sempre e sempre o bem público, o interesse comum”. Sobre a possibilidade do controle judicial da discricionariedade do administrador, o douto julgador, com tremenda perspicácia, assevera: “Pois bem, assentando-se que o Judiciário também é órgão de poder (e, portanto também comprometido, teleologicamente, com o bem comum), e que é inafastável o caráter político de sua atuação (não, evidentemente, no sentido partidário do termo, mas entendida a política como a arte do bem comum), não há como afastar o juiz, apriorasticamente, do conhecimento de opções ditas discricionárias dos demais Poderes. O que jamais se poderá permitir é que o juiz busque substituir o critério do administrador ou do legislador pelo seu próprio. Não é disso que se trata. O que se defende é a impossibilidade comportada (diria, até, exigida) pelo sistema de o juiz apreciar as manifestações de vontade política (no sentido supra-assinalado) dos demais Poderes, confrontando-o com o sistema legal, especialmente constitucional, para verificar sua adequação ao mesmo”. Do contingente jurisprudencial proposto é possível concluir que o direito à educação infantil é um direito subjetivo público que, trazendo para o campo da nossa monografia, gera consequentemente, no Distrito Federal, o dever de ofertá-lo obrigatória e gratuitamente, porquanto, como exaustivamente lembramos, este ente 212 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional, 2ª Ed., 6ª tir. São Paulo, Malheiros Editores, 2003. 102 federativo (o Distrito Federal) possui natureza político-administrativa híbrida (de Município e Estado em um só ente). Assim, a Constituição Federal, em seu artigo 208 c/c 211, § 2º, ao conferir ao Município o dever da referida oferta, como, aliás, decidiu o STF (RE AgR nº. 410.715/SP), terminou conferindo, indiretamente, idêntico dever ao Distrito Federal. Ademais, entendemos, como o fez o Superior Tribunal de Justiça (REsp nº. 493811/SP) e os Tribunais do Distrito Federal e Rio Grande do Sul, que o Poder Público (no caso, o Distrito Federal) tem o poder-dever de garantir, prioritariamente, recursos à educação infantil, nem que, para isso, seja necessária a intervenção do Poder Judiciário na escolha das prioridades orçamentárias (ou seja, conferindo o orçamento necessário para a oferta plena da educação infantil no Distrito Federal). 103 CONCLUSÃO O direito fundamental à educação é, de fato, tema que merece a devida atenção, notadamente quando diante de possível descumprimento, pelo Estado, das obrigações que lhe são próprias. No Distrito Federal, como visto, o ponto mais gritante em relação à efetivação do direito à educação é a deficiência na oferta plena e gratuita da educação infantil (em creches a pré-escolas), decorrente da interpretação que dá o Governo do Distrito Federal ao disposto no art. 208, IV c/c 211, § 3º, ambos da Constituição Federal, opondo-se à plenitude da oferta da educação infantil. Com isso, entende não ser de sua responsabilidade o dever de garantir o acesso obrigatório e gratuito ao ensino infantil, mas apenas ao ensino fundamental. A análise dos aspectos jurídicos envolvidos, conduzida neste trabalho, resulta na conclusão de que a posição desse ente federativo é equivocada. Isto por várias razões, a seguir descritas. O direito à educação é um direito fundamental do homem e está classificado, dentre os direitos fundamentais, como direito social fundamental, ou de segunda dimensão (ou geração, como preferem alguns doutrinadores). No tocante às normas programáticas, a exigibilidade das normas relativas ao direito à educação é patente, posto que instituem um dever correspondente de um sujeito determinado, o Estado, para com a população. De forma que, em razão disto, está compromissado com a satisfação desse direito. Caso a obrigação não seja 104 cumprida, a questão deixa de ser a programacidade da norma, passando então ao desrespeito do direito, à ofensa à lei. A reserva do possível, na posição de nossos tribunais, tem sido afastada como argumento frágil, incapaz, portanto, de retirar do Poder Público o dever de concretizar os direitos fundamentais. Isso porque as decisões judiciais têm exigido não apenas a alegação de insuficiência de recursos, mas a prova de que, de fato, os recursos orçamentários alcançaram a exaustão. A doutrina da proteção integral trata do início de uma postura que finalmente admite o direito da criança e do adolescente como um ramo do Direito com seus princípios particulares – sendo o mais relevante ao caso, o da prioridade absoluta. É, assim, um avanço expressivo em relação ao ordenamento anterior, que considerava o “menor” não como esse novo sujeitos de direitos, mas como objeto de medidas de proteção. A responsabilidade do Estado, perante a oferta do direito à educação, está associada a um dever, que lhe é imposto pelo ordenamento jurídico, quer no âmbito constitucional, quer no infraconstitucional. O Judiciário, em face da ordem constitucional e infraconstitucional instituída e guiada pela doutrina da proteção integral, não pode permanecer inerte frente à ameaça ou violação dos direitos infantojuvenis. O papel do Ministério Público no contexto da garantia do direito à educação é muito forte, posto que possui prerrogativas especiais, não concedidas a nenhuma outra pessoa física ou jurídica. 105 O direito à educação infantil está satisfatoriamente declarado constitucional (art. 208, IV) e infraconstitucionalmente (art. 54, IV, ECA; art. 4º da LDB e toda sua Seção II, dedicada especialmente à garantia da educação infantil). O Distrito Federal possui competência tanto de Estado como de Município (LDB, art. 10, parágrafo único e CF, art. 30, I, c/c art. 32), sendo expressamente responsável pela oferta obrigatória e gratuita da educação infantil em seus limites territoriais, e não apenas da educação fundamental, como há tempos alegou. A respeito do financiamento da educação no Brasil, a legislação relativa ao tema é bastante detalhada e consistente. Dela se extrai que não é por falta de normas orçamentárias que a disposição de recursos e sua devida vinculação deixarão de existir. Para tanto, é preciso que todo os setores da sociedade, autoridades públicas ou não, fiscalizem a concreta aplicação da lei orçamentária para educação. No sentido da obrigatoriedade e gratuidade da oferta da educação infantil custeada pelos Municípios, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica; a do Superior Tribunal de Justiça é contraditória, ora entendendo pela obrigatoriedade do referido dever municipal, ora contra; e, por fim, os Tribunais do Distrito Federal e Estados, em grande parte, tratam de acompanhar reiteradamente suas decisões conforme o Supremo Tribunal Federal. Disto tudo, conclui-se que a efetivação do direito à educação é questão primordial aos interesses da nação brasileira e esta temática deve estar presente na mente dos operadores do direito, mais particularmente naquelas dos membros do Poder Público, Poder Judiciário e Ministério Público, porquanto sua responsabilidade é 106 patente213. E o é de tal forma que aqueles que não se empenharem em fazer parte da solução da questão da educação infantil no Distrito Federal, por conseqüência, estarão fazendo parte do próprio problema da educação no Brasil. 213 Item 2.3.1, infra. 107 REFERÊNCIAS BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite á eficácia e efetividade dos direitos sociais. Revista do Ministério Público. Porto Alegre: Nº. 51. maio/set, 2004. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em 22 de abril de 2008. COELHO, Helena Beatriz Cesarino Mendes. Direitos Fundamentais Sociais: Reserva do Possível e Controle Jurisdicional. Revista da Procuradoria-Geral do Estado/Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul – RPGE, Porto Alegre, v. 30, nº. 63, p. 99-122, jan./jun. 2006. CRETELA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Vol. VIII. São Paulo: Forense. CUNHA, José Ricardo. O Estatuto da Criança e do Adolescente no marco da Doutrina jurídica da Proteção Integral. Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes. V. 1, n. 1. (dez. 1996) – Rio de Janeiro: SBI, FDCM, 1996. DIGIÁCOMO, Murilo José. Planejamento e Garantia da Prioridade Absoluta à Criança e ao Adolescente no Orçamento Público – Condição Indispensável para sua Proteção Integral. Cadernos do Ministério Público do Paraná. V. 8. Nº. 1. Janeiro/Março, 2005. ENTERRÍA ,García de; FERNANDEZ Administrativo. São Paulo: RT, 1999. ,Tomás-Ramón. Curso de Direito ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em 22 de abril de 2008. FEIJÓ, Patrícia Collat Bento. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. Aspectos Jurídicos e Administrativos da Implantação do Fundo nos Municípios. Interesse Público. nº 41. Ano IX. 2007. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. 108 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Os Princípios do Direito Constitucional e o art. 192 da Carta Magna, São Paulo: RDP, 1998. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em 22 de abril de 2008. LEITE, Carla Carvalho. Da doutrina da situação irregular à doutrina da proteção integral: aspectos históricos e mudanças paradigmáticas. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro, nº 23, jan./jun. 2006. LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentários. São Paulo: IBPS. LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em <http://www2.ibam.org.br/municipiodh/biblioteca%2FArtigos/Jayme.pdf.> Acesso em 22 de abril de 2008. LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: direitos fundamentais a prestações e a intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas. Revista Brasileira de Direto Público – RBDP. Editora Fórum. Belo Horizonte. Ano: 5. nº. 18. p. 1.262. jul./set. 2007. MARCHESAN, Ana Maria Moreira. O Princípio da Prioridade Absoluta aos Direitos da Criança e do Adolescente e a Discricionariedade Administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 87. v. 749. março de 1998. MARQUES, Márcio Thadeu Silva. Sistema de Garantia de Direitos da Infância e da Juventude. In Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. MARTINS, Ricardo Chaves de Rezende. Financiamento da Educação Pública no Brasil In Direito á Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. MEDEIROS, Fabiani Oliveira de. A eficácia dos direitos sociais em face da reserva do possível. São Paulo: Revista de Administração Municipal – ano 52. nº 260. outubro/novembro/dezembro - 2006. 109 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional, 2ª Ed., 6ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. MOTA, Elias de Oliveira. Direito Educacional e Educação no Século XXI. Brasília: Unesco, Una, 1997. MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e Adolescente Comentado, São Paulo: Saraiva, 1991. NUNES, Cleucio Santos. FUNDEF: a polêmica interpretação jurídica do cálculo do valor mínimo e sua desproporcionalidade com o FUNDEB. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte: Ano 6. nº. 64. Abril, 2007. OLIVEIRA NETTO, Sérgio de. O Princípio da Reserva do Possível e a eficácia das decisões judiciais. Estudos Jurídicos – Revista da Procuradoria-Geral Federal junto à Universidade Federal Fluminense. Niterói. N. 3, 2006. RIZZINI, Irene (Org.). Olhares sobre a criança no Brasil: Perspectivas Históricas In Olhares sobre a criança no Brasil – Séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Série Banco de Dados – 5ª Ed. Universitária Santa Úrsula, 1997. SARI, Marisa Timm. A Organização da Educação Nacional. In Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. SCAFF, Fernando Facury. Reserva do Possível, Mínimo Existencial e Direitos Humanos. Interesse Público. Porto Alegre: Ano 2005, p. 213-216. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª Ed. 2ª Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. SILVA, Eurides Brito da. A antecipação do início da escolarização. In Reunião Conjunta dos Conselhos de Educação. Brasília: CFE/MEC/DDD, 1980. SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à Constituição de 1988. São Paulo: Forense, 1989. 110 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. RE-AgR 410715 / SP. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Brasília, DF, 22 nov. 2005, DJ 03/02/2006. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Decisão Monocrática. ADPF 45 MC / DF. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Brasília, DF, 29 abr. 2004. Publicação: DJ 04/05/2004. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Decisão Monocrática. RE nº. 431.773/SP. Relator: Ministro MARCO AURÉLIO. Brasília, DF, 15 set. 2004. Publicação: DJ 22/10/2004. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2º Turma. REsp 493811/SP, Relatora: Ministra ELIANA CALMON, Brasília, DF, 11 nov. 2003, Publicação: DJ 15.03.2004. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2º Turma. REsp 208893/PR, Relator: Ministro FRANCIULLI NETTO, Brasília, DF, 19 dez. 2003, Publicação: DJ 22.03.2004.