CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A FORMAÇÃO
PROFISSIONAL NO BRASIL
BATISTA, Ubiratan Augusto Domingues – UNICENTRO-I
[email protected]
Área Temática: História da Educação
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
O presente trabalho é fruto de um estudo monográfico intitulado “Reflexões sobre a
relação entre educação e trabalho no contexto da formação profissional”, o qual visa, nesse
momento, compreender a origem do ensino profissional no cenário nacional e a
permanência do ensino dualista no sistema educacional brasileiro, que fragmenta a
educação do trabalhador e prepara o sujeito unicamente para manter vigente a hegemonia
do capitalismo: o qual atualmente age sob a égide neoliberal. Dentre os autores que
fundamentam a presente pesquisa, destacamos Castanho (2009), Garcia (2006), Manfredi
(2002), Nagle (1976) e Xavier (1990); estes discutem o surgimento da preocupação com a
formação do trabalhador no Brasil desde a colonização e a dependência do mesmo perante
Portugal. Assim, este artigo propõe-se a discutir, num primeiro momento, o interesse na
formação de trabalhadores para atender às necessidades da produção capitalista no período
de colonização, em que o aluno deveria “aprender fazendo”. Posteriormente, analisamos o
contexto do Império, sendo este, marcado pelas escolas formadoras de artífices, destinadas
aos órfãos, abandonados e desvalidos, que após formados, deveriam atender às
necessidades dos empreendimentos manufatureiros e, em seguida, verificamos a educação
na República, em que percebemos as transformações ocorridas em decorrência da inserção
e da intensificação da industria no país. Percebemos ao longo da presente exposição que a
educação sob a ótica capitalista objetiva-se ao mero suprimento dos interesses deste
sistema e, mesmo sofrendo incontáveis modificações, dadas mediante fatores políticos,
econômicos e sociais, a educação não assume a funcionalidade de formar o trabalhador
para além das necessidades do capital, fato este, que qualifica o mesmo sob os preceitos do
Estado, fragmentando sua consciência com intuito de explorá-lo e manter o poderio do
sistema.
Introdução
Ao analisar o surgimento do sistema capitalista, verificamos que muitas mudanças
ocorreram nos modos de produção. Nesse contexto, desaparece a manufatura que dá lugar
1875
ao sistema fabril, marcando assim, a Primeira Revolução Industrial em que se faz uma
substituição do homem pela máquina e, conseqüentemente, da força sendo substituída pela
habilidade.
Com o avanço da maquinaria, se faz presente na sociedade capitalista a Segunda
Revolução Industrial, marcada pelo surgimento do fordismo, responsável pela
homogeneização e produção em massa e pelo surgimento do taylorismo, que cria
estratégias para cronometrar e controlar o ritmo da produção.
A junção desses dois elementos culminou na perca total do homem no tempo da
produção, que deveria produzir cada vez mais, num curto período de tempo e prezando
sempre a qualidade do produto.
Dentre essas mudanças, cabe-nos salientar que todas essas alterações nos modos de
produção capitalista ocorreram para atender às necessidades momentâneas do sistema e
para superar as crises sofridas pelo mesmo ao longo da história.
Tendo como pressuposto as mudanças ocorridas no sistema econômico mundial,
este trabalho propõe-se a refletir sobre as interferências sofridas pelo Brasil no âmbito
educacional, em detrimento das mudanças ocorridas na sociedade capitalista, ao longo dos
séculos.
Portanto, analisaremos no presente artigo o surgimento da formação profissional no
Brasil e os interesses do Estado frente à mesma, no contexto nacional desde a Colônia até a
República, identificando as mudanças que ocorreram na educação.
Ensino profissional no Brasil Colônia
Ao analisar o aparecimento do Brasil no cenário mundial, verificamos que o mesmo
é utilizado desde o início, como mero instrumento de Portugal para atender a demanda do
comércio que se expandia gradativamente, em decorrência da expansão marítima.
Quanto à educação nos primórdios da colonização, salienta Manfredi (2002), que o
processo de ensino-aprendizagem, via junção entre educação e trabalho, ocorria no próprio
engenho, onde os trabalhadores – em suma, escravos, pois os índios não se habituaram ao
trabalho – aprendiam no trabalho e para o trabalho.
Tal contexto denota o prevalecimento das técnicas sobre a teoria, uma vez que o
trabalhador aprenderia no próprio ambiente de trabalho somente o que fora determinado –
para satisfazer necessidades que não são suas, mas sim do senhor.
1876
Dentre esses trabalhadores, verificamos a presença de alguns homens livres, os
quais possuíam o papel de dividir tarefas – e que, portanto, necessitavam de maior
qualificação técnica – e, em sua grande maioria, escravos, os quais desenvolveram por um
longo período de tempo uma forma de trabalho específica que demandava força, habilidade
e atenção.
Sendo assim, percebemos que o trabalho escravo, à luz dos estudos de Manfredi
(2002), se fez presente na realidade brasileira por mais de três séculos, deixando profundas
marcas no âmbito das representações do conceito “trabalho manual”. Pois todo trabalho de
cunho manual praticado por negros era tido como “trabalho desqualificado” ou
contaminado.
Nesse sentido, conforme Garcia (2001, p.1), “[...] a formação do trabalhador ficou
marcada, já no início, com o estigma da servidão; por terem sido os índios e os escravos os
primeiros aprendizes de ofício.”
Nessa mesma direção, Castanho (2006, p.3), afirma que:
O trabalho na sociedade colonial, mesmo quando exercido por indivíduos livres
(não escravos), contaminava-se pelo fato de predominantemente ser executado
pelos escravos. A escravaria, que de início contava índios e negros, com o passar
do tempo passou a ser constituída, quase exclusivamente, pelos negros africanos
e seus descendentes. A força de trabalho colonial era formada, portanto, pelos
escravos e pelos trabalhadores livres, com a diferença de que no primeiro caso a
compra do trabalho era feita com a mediação de terceiros e por tempo
indeterminado, enquanto que, no segundo, era direta entre o comprador e o
vendedor (mesmo que houvesse a capatazia na intermediação de fato) e por
tempo determinado.
A partir desses posicionamentos, percebemos a construção do conceito trabalho ao
longo da história do Brasil, bem como, o posicionamento da população frente à relação
entre trabalho manual e intelectual, uma vez que o conceito “trabalho manual” passa a ser
relegado à classe dominada e o trabalho intelectual destinado à classe dominante.
Afirma Cunha, citado por Manfredi (2002), que no decorrer dos primeiros séculos
do período colonial, o processo de expansão e intensificação da agroindústria açucareira e
extração de minérios em Minas Gerais culminaram na necessidade de trabalho artesanal
nos mais diversos setores, tal qual: sapataria, ferraria, carpintaria, construção civil, entre
1877
outros. Esse fato engendrou consigo a necessidade de artesãos que suprissem a nova
demanda mercantil.
Nessa mesma direção, afirma Castanho (2006, p.3-4) que:
A educação artesanal desenvolveu-se através de processos não sistemáticos, a
partir da experiência direta de jovens aprendizes com seus mestres adultos, na
sua oficina, na sua casa, em espaços para tal destinados na fazenda, no engenho,
na área da mina etc. O máximo de regulamentação existente nessa modalidade
deu-se no âmbito das corporações de ofício, que prescreviam, através de seus
“regimentos”, como o de Lisboa de 1572, condutas para o aprendizado do futuro
oficial.
Nesse contexto verificamos o surgimento das escolas-oficinas que inicialmente
eram comandadas pelos jesuítas, para dar suporte nos mais diversos ofícios e,
conseqüentemente, atender às necessidades da própria escola e também da colônia.
Fundamentado em Manfredi (2002), verificamos que o trabalho artesanal, no
Brasil, era organizado em irmandades. Tal aprendizagem durava no mínimo quatro anos,
em que cada irmandade possuía sua bandeira. Nesse contexto, o mestre poderia ter até dois
aprendizes, que não poderiam mudar de ramo enquanto não concluíssem o aprendizado do
oficio; ao formar-se aprendiz, submeter-se-ia a um exame pela mesa da irmandade, para
poder atuar na sua profissão.
Nessa mesma direção, salienta Manfredi (2002), fundamentada em Cunha, que os
jesuítas se preocupavam em formar artesãos das mais diversas especificidades como:
construção de edifícios, instrumentos musicais, armamentos, fabricação de cerâmicas,
tecelagem e artefatos domésticos, entre outros. Bem como afirma Castanho (2006, p.5),
que: “As corporações de ofícios no Brasil assumiram diversas configurações dependendo
de circunstâncias locais. O seu principal objetivo era o controle do mercado de trabalho
dos ofícios, mediante a certificação daqueles que estavam aptos a exercê-los.”
A partir do exposto, podemos ressaltar que a educação no Brasil colônia, também
exerceu a função de preparar para o trabalho e suprir a demanda do momento; seja esta
ofertada no próprio ambiente de trabalho ou em oficinas criadas por artesãos ou até mesmo
pelos jesuítas.
A vinda da família real para o Brasil culminou numa série de mudanças nos
âmbitos econômico e educacional. A esse respeito, afirma Castanho (2006, p.10) que:
1878
[...] a vinda da família real para o Brasil em 1808 – e com o que isso significou
em termos de mudanças decorrentes do deslocamento do eixo de dependência do
Brasil diretamente de Portugal para o âmbito da Inglaterra industrializada,
embora ainda com mediação portuguesa até pelo menos a declaração de
independência, - a política industrial-manufatureira do Reino se altera. Já no
alvará joanino de 1° de abril de 1808, que “permite o livre estabelecimento de
fábricas e manufaturas no Brasil”.
Essa realidade em termos práticos, conforme o autor supracitado, resultou na
criação do Colégio das Fábricas em 1809; na fundação de uma companhia de artífices no
Arsenal Real do Exército em 1810; na implantação do aprendizado na Real Impressão em
1811; na Carta Régia de 1812 e na criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, em
1816.
Tendo tal explanação como princípio, percebemos que a educação profissional
modificou-se com a vinda da Família Real, visando atender às novas necessidades do
sistema econômico vigente. Fato este, que torna clara a utilização da primeira, como
instrumento de alienação e perpetuação do poder via formação de trabalhadores aptos e
obedientes para a produção.
A partir dessa explanação, verificamos que a educação sofreu mudanças em sua
estrutura em decorrência do surgimento de novas necessidades da sociedade brasileira.
Este fato denota que a educação constitui-se como um instrumento ideológico utilizado
pelo Estado para perpetuar a divisão de classe e a separação entre trabalho manual e
trabalho intelectual; pois a estrutura organizacional do país seria mantida mediante a
perpetuação da hegemonia burguesa.
Dando seqüência cronológica aos fatos analisaremos, no próximo momento, como
se deu a educação profissional no sistema imperial, que sofreu profundas mudanças
econômicas e políticas, causadas pela vinda da Família Real ao Brasil em 1808.
Vale lembrar a importância de discutirmos a construção histórica da educação
profissional brasileira, para que possamos compreender os discursos ideológicos do Estado
Capitalista, que atualmente age sob a égide neoliberal, frente à junção da educação e do
trabalho no ensino médio.
O ensino profissional no Império
1879
Conforme Manfredi (2002), mudanças muito significativas ocorreram nas duas
primeiras décadas do século XIX; mudanças estas, ocorridas no âmbito econômico e
político.
Explicita a autora, fundamentada em Cunha, que algumas alterações ocorreram no
Brasil devido à desestruturação do modelo metrópole-colônia; a centralização do poder
brasileiro, que se responsabilizara pela própria economia e a descentralização do poder
Português no país. Fato este, que culminou na instituição de outras atividades industriais
além das atividades de agroindústria.
No campo educacional, essa nova realidade resultará na necessidade de formar
trabalhadores para atender essa nova demanda nos modos de produção, o que levará o
Estado a construir novas escolas formadoras de artífices.
Sob esse enfoque, explicita Manfredi (2002), que o alunado artífice era, em sua
maioria, órfãos, abandonados e desvalidos. Estes alunos eram formados para atender às
necessidades do Estado frente aos empreendimentos manufatureiros, mediante a
aprendizagem compulsória aliada ao trabalho, onde os mesmos, no período de três anos,
adquiriam noções de escrita, desenho, aritmética, leitura, geometria, etc. Assim como
aprendiam determinados ofícios: sapataria, topografia, tornearia, entre outros; deveriam
trabalhar nesses ofícios para pagar por seu aprendizado.
Contudo, mesmo tendo um objetivo educacional delineado, salienta Garcia (2001,
p.5) que:
Segundo Fonseca, João Alfredo, ao fundar o Asilo, não tinha em mente apenas o
problema assistencialista, pois a casa destinava-se não só a recolher como educar
meninos de 6 a 12 anos de idade. Mas, sem dúvida o estabelecimento tinha mais
caráter de asilo do que de uma escola profissional.
Conforme a mesma, os liceus de artes e ofícios eram financeiramente mantidos
pelos sócios, por comerciantes, fazendeiros e até mesmo pela nobreza; mesmo o ensino
primário sendo restrito à maioria da população, em alguns destes liceus esse ensino se fazia
presente.
1880
A partir do exposto, observamos que a educação profissional era financiada pela
classe dominante, que tinha por objetivo capacitar seus trabalhadores, os mantendo
explorados e domesticados para desempenhar as funções que lhes competem.
Afirma a autora (MANFREDI, 2002, p.78) que:
Entre 1858 e 1886, foram criados liceus de artes e ofícios nos seguintes centros
urbanos: Rio de Janeiro, o primeiro (1858), Salvador (1872), Recife (1880), São
Paulo (1882), Maceió (1884), e Ouro Preto (1886). De modo geral, o acesso aos
cursos era livre, exceto para os escravos. As matérias que constituíam os cursos
eram divididas em dois grupos, o de ciências aplicadas e o de artes. Quanto aos
cursos profissionais, eram um número equivalente a cada uma das matérias do
grupo de artes.
Salienta Manfredi (2002), que os liceus se expandiram criando uma rede de escolas
profissionalizantes, de cunho nacional durante a república, e explicita a reflexão feita
quanto às práticas educativas – financiadas tanto pelo Estado quanto pela iniciativa privada
–, em que duas concepções educacionais complementares, porém distintas, estavam no
centro das discussões; pois ao mesmo tempo em que priorizava o preparo de artesãos
qualificados e socialmente úteis, pensava-se numa educação assistencialista, visando à
formação de trabalhadores e à valorização da pobreza: tornando-a digna.
Nessa mesma direção, argumenta a mesma (MANFREDI, 2002, p.78) que:
Ideológica e politicamente, tais iniciativas constituíam mecanismos de
disciplinamento dos setores populares, no sentido de conter ações insurrecionais
contra a ordem vigente e legitimar a estrutura social excludente herdada do
período colonial
Tal citação deixa-nos claro o objetivo do estado frente à educação, que desde os
primórdios da história do capitalismo assume um papel hegemônico, visando atender
unicamente aos interesses da classe patronal, desfavorecendo assim, os trabalhadores que
se encontram numa situação de submissão e exploração frente à estrutura organizacional
vigente.
1881
É importante considerar que a sociedade capitalista desde os primórdios de sua
criação e expansão, visa utilizar-se da educação, em especial, da formação profissional
unicamente para formar os trabalhadores que suprirão as necessidades do Estado.
Para suprir este objetivo educacional, torna-se necessário fragmentar a consciência
do trabalhador, proporcionando conhecimentos meramente técnicos e desvinculados dos
fundamentos sociais e filosóficos, para que não haja reflexão e crítica frente à organização
do Estado.
Brasil e a República: a educação profissional em foco.
Conforme Manfredi (2002), grandes mudanças ocorreram no Brasil com a
implantação do projeto político republicano. Alterações essas, que afetaram o setor
econômico do país devido ao fim do trabalho escravo, ao ingresso de estrangeiros no país,
à alta lucratividade da comercialização do café e à necessidade de intensificar a
industrialização.
Ao analisar o contexto sócio-histórico da República, mas especificamente ao
adentrarmos no inicio do século XX, verificamos que o Brasil encontrava-se em crise e
dentre os fatores que culminaram na crise econômica, destaca Xavier (1990), a divisão
internacional do trabalho, a desvalorização do produto à venda, em que se exportava uma
mercadoria por um preço baixo e importava outro produto por um preço muito alto, a
diversidade referente ao consumo de produtos e o surgimento de novos produtores, entre
outros.
Também afirma a autora (XAVIER, 1990, p.30) que: “Foi nas primeiras décadas do
século XX que o Brasil encontrou a oportunidade e as condições históricas necessárias
para superar a crise da economia agroexportadora e alterar as formas tradicionais de
dominação capitalista, através da industrialização.”
A partir do exposto, tendo como premissa que o capitalismo vivencia crises
esporádicas de tempos em tempos, uma dessas crises fez-se presente nesse dado momento
no âmbito nacional; fato este que resultou numa reorganização econômica para superar a
crise de agroexportação.
No que compete à educação, mais especificamente na formação profissional, surge
uma
nova
necessidade:
formar
profissionais
especificamente
fragmentados
e,
1882
conseqüentemente, qualificados em determinadas funções, que saibam trabalhar com
máquinas e que possam atender às novas necessidades do capital.
Mais especificamente no decorrer da primeira república, que conforme Manfredi
(2002), dura até os idos 1930, a educação de cunho artesanal e manufatureira desaparece,
dando lugar a uma nova estrutura educacional no âmbito da formação profissional.
Nesse período, temos mais uma comprovação de que a educação na sociedade
capitalista assume unicamente o papel de atender às necessidades do sistema, uma vez que
tais mudanças de ordem econômica e política levaram a educação profissional a
reestruturar-se para atender à nova demanda.
A esse respeito, explicita Nagle (1976), que a reestruturação no ensino técnico
ocorreu após a contratação do engenheiro João Luderitz nos anos 20, em que se visava
preparar trabalhadores para atender às necessidades do governo federal. Contudo, salienta
o mesmo que a presente remodelação não extinguiu a estrutura educacional técnica criada
e aplicada no Brasil Colônia e Império; pois se manteve o caráter assistencialista e o
objetivo de regenerar a população pelo trabalho – incluindo os órfãos, os meninos
desvalidos, et. Cetera.
A partir do exposto podemos perceber que mesmo o ensino profissional sofrendo
mudanças na sua estrutura educacional, continua visando o preparo da classe menos
abastada para o trabalho, mantendo em vigor a dualidade educacional na sociedade.
Com a proclamação da república, salienta Manfredi (2002), fundamentada em
Cunha, que a igreja católica foi desvinculada da educação após a criação da constituição de
1891, passando do setor público para o privado e o Estado não mais poderia suprir as
atividades com fins religiosos.
Entretanto, salienta Manfredi (2002), em 1920 a necessidade de disciplinar e
controlar a grande massa da população – que ao se organizar, causara grandes conflitos de
ordem política – a igreja novamente alia-se ao Estado e reassume seu papel na educação
brasileira.
Tendo tal conceito como premissa, postulamos que o disciplinamento da massa
encontra-se no centro da preocupação do Estado, levando o mesmo a aliar-se com a igreja
e utilizar todos os recursos possíveis para atingir tal objetivo. Principalmente devido ao
fortalecimento do movimento grevista que unira os trabalhadores brasileiros com os
trabalhadores imigrantes.
1883
Nesse contexto, a educação profissional era vista pelos industrialistas como um
meio para as pessoas emanciparem-se nos âmbitos político, econômico e social. Ao mesmo
tempo em que a mesma, segundo Manfredi (2002, p.82), assume o papel de: “[...] antídoto
contra o apregoamento das idéias exóticas das lideranças anarco-sindicalistas existentes no
operariado brasileiro”.
Nessa mesma direção, visando ao atingimento dos interesses capitalistas em âmbito
nacional, explicita Nagle (1976), a criação do Decreto n° 7.566, de 23 de setembro de
1909, que determina a criação de uma escola de aprendizes artífices pública por capital.
Escolas estas, que estariam sendo subordinadas ao Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio.
Argumenta Manfredi (2002), à luz dos estudos de Cunha, que o presidente Nilo
Peçanha criou dezenove escolas em todas as capitais, com exceção do Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul e o Distrito Federal, mediante o Decreto supracitado. Fato este enfatizado
pela autora como sendo um ato político e não econômico. Pois nesse período os parques
industriais se faziam presentes em poucos Estados.
Tendo tais questões como premissa, podemos observar o interesse do Estado frente
à expansão da nova estrutura do ensino profissional no país, tal qual, a repressão sofrida
pelos trabalhadores, que deveriam pensar e agir conforme a linha de pensamento
capitalista, tendo sua consciência fragmentada e alienada para que pudessem ser
explorados cada vez mais pelo sistema vigente – o que leva o capitalista a manter seu
poder frente à sociedade.
Quanto à reestruturação do ensino profissionalizante no Brasil e o objetivo das
Escolas de Aprendizes Artífices, o art.2 do Decreto n° 7.566, de 23 de setembro de 1909,
citado por Nagle (1976, p.164) deixa clara a necessidade de:
[...] formar operários e contra-mestres, ministrando-se o ensino prático e os
conhecimentos técnicos necessários aos menores que pretenderem aprender um
ofício, havendo para isso até o número de cinco oficinas de trabalho manual ou
mecânico que forem mais convenientes e necessárias no estado em que funcionar
a escola.
Para tal feito, a finalidade da educação, sob a ótica de Manfredi (2002), caracterizase em formar operários e contramestres mediante a junção entre a teoria e a prática visando
1884
proporcionar conhecimentos técnicos de cunho manual e/ou mecânico, a depender das
necessidades da indústria local.
Salienta a autora (MANFREDI, 2002), que tais escolas de aprendizes artífices
perduraram até 1942 e, abriam em média, 1.200 vagas anualmente, formando em média
141 mil alunos nas áreas de alfaiataria, marcenaria e de sapataria. Contudo, em decorrência
das novas necessidades do sistema, que precisava de mão-de-obra qualificada para as
atividades manufatureiras, houve uma adequação destas para atender a nova demanda
industrial.
Nesse novo modelo educacional, conforme Fonseca, citado por Nagle (1976,
p.166):
Nos dois primeiros, enquanto eram alfabetizados, os alunos faziam trabalhos de
couro e tecidos; no terceiro, dedicavam-se aos trabalhos manuais de madeira,
chapa de metal e massa plástica; nos três últimos, exercitavam-se em latoaria,
serralheria, forja, fundição, mecânica, trabalhos em madeira e artes gráficas e
decorativas”. Em outras palavras, nos três primeiros anos se procedia á
alfabetização, ao mesmo tempo que eram ensinados os trabalhos manuais; nos
três seguintes, os alunos se especializavam em trabalhos de madeira, metal e
artes decorativas.
Tendo tal exposição como premissa, identificamos com clareza o fato das
alterações econômicas e políticas sofridas pelo Brasil engendrarem mudanças de ordem
educacional; pois para atender as exigências do modelo fordista de produção, que
priorizava a produção em massa e a divisão de papéis dentro da indústria tornava-se
necessário reestruturar o ensino profissionalizante, visando formar trabalhadores aptos a
desempenharem as funções determinadas pelo Estado.
Sob esse enfoque, afirma Manfredi (2002), que em tal instituto prioriza-se a
formação dos futuros trabalhadores. Entretanto, medidas educacionais foram tomadas
pelos positivistas para que os alunos não ingressassem no mercado de trabalho tão cedo.
Para tal feito, o público alvo era composto de jovens com idade mínima de 14 anos, e que
os mesmos deveriam aprender a utilização dos mais diversos instrumentos de trabalho,
para depois especializar-se num único ofício.
Explicita Nagle (1976), que para o aluno ingressar no curso técnico, deveria, num
primeiro momento, freqüentar o curso primário mesclado a um curso de adaptação, em que
1885
o indivíduo recebia uma educação prática, tendo suas habilidades manuais estimuladas,
para depois ingressar no curso técnico propriamente dito, onde o indivíduo, após ter
concluído o curso anterior, viesse a escolher uma profissão específica para se especializar.
Ao analisar o presente modelo educacional podemos averiguar que os educandos
artífices recebiam um ensino fragmentado e totalmente desvinculado de princípios críticos,
pois a escola ofertava um ensino básico – visando à alfabetização – vinculado com o
ensino prático, objetivando-se em preparar os alunos para o mercado de trabalho.
Explicita a autora (MANFREDI, 2002), a existência de dois tipos de escolas
profissionais destinadas ao público masculino, ofertando os cursos de artes “industriais” e
o curso de economia e “prendas manuais” para o sexo feminino. Tal ensino subdividia-se
em três modalidades profissionais, sendo elas ofertadas pelas escolas primária, secundária
e pelo instituto profissional.
Quanto aos professores que atuavam nesse período, salienta Nagle (1976) que o
corpo docente das escolas de aprendizes artífices era composto de professoras normalistas
e de trabalhadores experientes que se ausentavam das fábricas para ensinar aquilo que
sabiam fazer. E afirma, também, que em 1917 foi criada a Escola Normal de Artes e
Ofícios: única escola brasileira destinada à formação do professor. Escola esta que se
manteve dependente do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Por fim, podemos verificar que até 1917 não houve interesse em formar professores
para atuarem nas escolas profissionalizantes brasileiras, uma vez que para atender aos
objetivos da escola não se tornava necessário preparar profissionais para exercer essa
função, pois os próprios trabalhadores ensinavam os mais novos a desempenharem seus
papéis na sociedade capitalista.
Sob esse enfoque, compreendemos que o capitalismo fortaleceu-se ainda mais
frente à sociedade brasileira no período republicano. Força esta provocada pelo surgimento
da indústria e a uma reestruturação educacional, que visasse suprir às novas demandas do
sistema vigente, formando trabalhadores qualificados, fragmentados e, conseqüentemente,
aptos a serem explorados pela classe dominante.
Considerações Finais
Ao reconstruir um dado momento da história da educação no Brasil, em que esta
era ofertada, num primeiro momento, no próprio ambiente de trabalho e, posteriormente,
1886
ofertada em escolas, criadas para preparar as crianças pobres e desvalidas da sorte para o
trabalho e, num terceiro momento, preparar os filhos da classe trabalhadora para
desempenhar as funções de seus pais. Surge-nos a necessidade de salientar que o presente,
limitou-se a compreender o acesso à educação da grande massa da população.
Vale lembrar que para os filhos da Elite a educação assume outra conotação,
proporcionando a esta classe os conhecimentos necessários para assumirem os papéis de
dirigentes da sociedade capitalista. Fato este que leva-nos a observar com clareza o cenário
educacional brasileiro, desde o século XVI; em que esta incorpora a função de formar o
trabalhador produtivo.
Por fim, enfatizamos que desde o aparecimento do Brasil no cenário mundial a
educação já assumira o papel de formar o trabalhador para suprir a demanda do
capitalismo. Objetivo este que, se manteve durante todo o período colonial, imperialista e
republicano e, ao analisarmos a sociedade nos dias atuais, verificamos a permanência do
trabalho como princípio educativo, mesmo considerando que tanto a sociedade quanto a
educação, sofreram inúmeras mudanças de cunho estrutural.
REFERÊNCIAS
CASTANHO, Sérgio. Educação e trabalho no Brasil Colônia. In.: LOMBARDI, José
Claudinei; SAVIANI, Dermeval; NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. Navegando pela
História da Educação Brasileira. Campinas: HISTEDBR, 2006.
GARCIA, Sandra R.O. O fio da história: a gênese da formação profissional no Brasil.
Congresso de Pesquisa em Educação. Caxambu, 2001. Acesso no site
http://www.anped.org.br /reunioes/23/textos/0904t.PDF, no dia 02 de Março de 2009 às
17h28min.
MANFREDI, Silvia Maria. História da Educação Profissional no Brasil. MANFREDI,
Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.
NAGLE, Jorge. A remodelação do ensino profissional técnico. In.: NAGLE, Jorge.
Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU; Rio de Janeiro: Fundação
Nacional de Material escolar, 1976.
XAVIER, Maria Elisabete Sampaio Prado. Origem e desenvolvimento do capitalismo
industrial no Brasil: o processo de consolidação da ordem econômico-social capitalista no
país. XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. Capitalismo e escola no Brasil: a
constituição do liberalismo em ideologia educacional e as reformas do ensino (1931-1961).
Campinas: Papirus, 1990.
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