8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP)
01 a 04/08/2012, Gramado, RS
Área Temática: Instituições Políticas
Quem são eles? Uma prosopografia da elite política
samborjense (1889-1964) *
Vinicius de Lara Ribas1
Ronaldo Bernardino Colvero2
*
Trabalho apresentado no GT Instituições Políticas do 8º Encontro da Associação Brasileira de
Ciência Política (ABCP), em Gramado, RS, entre os dias 1º a 4 de agosto de 2012, proveniente
da pesquisa de mesmo título financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio Grande do Sul (FAPERGS), por meio de bolsa na modalidade Iniciação Científica.
1
Graduando em Ciências Sociais – Ciência Política, Universidade Federal do Pampa,
UNIPAMPA – RS. E-mail: [email protected]
2
Orientador. Professor Adjunto e coordenador do curso de Ciências Sociais – Ciência Política,
Universidade Federal do Pampa, UNIPAMPA – RS. E-mail: [email protected]
1
Quem são eles? Uma prosopografia da elite política samborjense
(1889-1964)
Vinicius de Lara Ribas
Ronaldo Bernardino Colvero
Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar as trajetórias dos indivíduos
que fizeram parte das elites políticas vinculadas à Câmara Municipal de São
Borja (RS), desde 1889 até 1964. Para isso, o método prosopográfico será
utilizado, pois oferece as ferramentas para uma análise das trajetórias políticas
dos vereadores eleitos no período, bem como suas relações sociais, políticas e
econômicas. A prosopografia é um método de construção de biografias
coletivas, de forma quantitativa, analisando pontos comuns dos indivíduos.
Com isto, constituiremos uma base de dados concisa sobre cada político sãoborjense, criando com isto um banco de dados a respeito do poder local,
tentando compreender as trajetórias dos vereadores, a que elite pertenciam,
como e por onde se deu o recrutamento e a circulação das elites dentre outras
questões pertinentes ao estudo do poder local.
Palavras-chave: Elites políticas; Republicanismo; Prosopografia; Câmara de
Vereadores; São Borja.
2
Para Carvalho (2004), a proclamação da República brasileira, no ano de
1889, não passou de um golpe de elites, que tomaram o poder e expulsaram a
coroa do país, relegada à Europa. O autor observa ainda que, logo alguns dias
depois do quinze de novembro, Aristides Lobo – um dos propagandistas do
regime republicano – percebeu que “o povo, que pelo ideário republicano
deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo bestializado,
sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar”
(Carvalho, 2004: 9). Deste modo, o pecado inicial da República brasileira
estava posto: não houve participação popular na construção do ideal
republicano.
Ainda que a participação popular na proclamação da República tenha
sido nula, o novo regime despertou novas possibilidades de participação,
demonstrado em diversos jornais. No entanto, os novos governantes do país
pouco fizeram quanto à expansão dos direitos civis e políticos e, no que tange
aos direitos sociais, houve até mesmo um retrocesso. (Carvalho, 2004: 45).
Para ilustrar, na questão do voto, nas eleições presidenciais de 1894, apenas
2% da população votou, isto porque “as inovações republicanas referentes à
franquia eleitoral resumiram-se em eliminar a exigência de renda, mantendo a
da alfabetização” (Carvalho, 2004: 43), afinal, a exigência da alfabetização já
era, por si só, um impedimento à expansão do universo de eleitores.
Leal (1997: 98) cita que os constituintes de 1890 canalizaram muitos
esforços na construção do federalismo, prezando pela autonomia municipal.
Para eles, esta autonomia era conquista republicana3. Entretanto, aponta
Carvalho (2004: 45) que o federalismo surgido, apesar de ter o ideal
democrático de desconcentrar o poder, acabou por entregar o governo nas
mãos das elites dominantes, tanto rurais quanto urbanas.
3
O artigo 68 da Constituição de 1891 diz: “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique
assegurada a autonomia dos municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.”
(Brasil, 1967: 129).
3
Com esta dominação política provocada nos municípios, se incorporou
ao vocabulário da República Velha o termo “coronelismo”, definido por Victor
Nunes Leal como:
“coronelismo” atua no reduzido cenário do governo do governo local.
Seu habitat são os municípios do interior, o que equivale a dizer os
municípios rurais, ou predominantemente rurais; sua vitalidade é
inversamente proporcional ao desenvolvimento das atividades
urbanas, como sejam o comércio e a indústria. Consequentemente, o
isolamento é fator importante na formação e manutenção do
fenômeno. (Leal, 1997: 275)
Leal aponta que o fenômeno do coronelismo, presente maciçamente a
partir de 1889, advém de três problemas básicos: (1) dependência dos
municípios aos estados e a União, pois, ainda que a Constituição de 1891
verse sobre a autonomia municipal, esta prerrogativa foi logo tolhida por um
sistema de fiscalização por parte dos estados, previsto nas constituições
estaduais; (2) o sistema representativo adotado era pouco adequado às
realidades do país, tendo, com isto, pouquíssima participação eleitoral; (3)
muitos municípios do Estado brasileiro estavam isolados geograficamente e,
em virtude da baixa comunicação com as capitais, o território era facilmente
dominado por um pequeno grupo.
Como escreveu Holanda (2004: 160), a democracia no Brasil se fez em
lamentável mal entendido, e, talvez por isto, nosso sistema partidário se
construiu de maneira fraca, pouco institucionalizada e frágil o suficiente para
ser derrotado em períodos de turbulência política. Alguns motivos para a
fragilidade do sistema partidário durante a República Velha são apontados por
Mainwaring (2001: 103), e dizem respeito a elite brasileira não sentir a
necessidade de partidos de massa, pois era vedada a participação popular nas
eleições; os presidentes do período fizeram de tudo para que os partidos
fossem enfraquecidos, para que sua força fosse sempre incapaz de ameaçálos e, por fim, a própria relação simbiótica com o Estado, onde o governo se
fazia com um grupo de amigos, e deste modo, estavam os partidos sempre
subordinados ao poder estatal.
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Durante a República Velha, os partidos não se organizavam mais de
forma nacional, como no Império, mas se constituíam nos âmbito estadual.
Estes partidos eram compostos por elites locais que desejavam a manutenção
da própria autonomia, sem se ligar aos anseios dos governantes da União
(Mainwaring, 2001). No Rio Grande do Sul, organizou-se o Partido Republicano
Rio-Grandense, liderado pelo positivista Júlio de Castilhos, e o Partido Liberal,
liderado por Gaspar Silveira Martins.
A continuidade destas duas agremiações partidárias, em conflito
permanente – ora apenas no campo político, ora com armas – foi garantida
pela manutenção de seus líderes, provenientes de todo o Rio Grande do Sul,
até 1930, quando se dá início a primeira reforma do Estado.
A partir do ano de 1930, com a tomada do poder por Getúlio Vargas,
através do golpe que ficou conhecido como “Revolução de 30”, o Estado
brasileiro passa a se burocratizar e práticas como o patrimonialismo,
corporativismo e clientelismo caem em leve desuso, em virtude, justamente,
deste primeiro governo Vargas ser o período de construção do Estado (Nunes,
2003: 95). Para tal, em 1937, com o golpe que gerou a ditadura do Estado
Novo, Vargas extingue todos os partidos e organizações políticas atuantes em
esfera nacional, sendo considerado por ele como uma ameaça. Explica
Mainwaring que
Vargas foi um outro passo na progressão dos líderes estatais para
minar os partidos; primeiro atacou a máquina do Partido Republicano
em muitos estados e depois extinguiu todos os partidos em 1937. Em
resumo: antes de 1945, o Estado e as elites governantes tinham,
quando muito, estímulos tênues para construir partidos e
frequentemente agiram de modo abertamente hostil a eles,
considerando-os uma ameaça. (Mainwaring, 2001: 104).
Deste modo, o período autoritário varguista (1937-45), desarticulando e
impedindo a construção de partidos modernos, acentuou ainda mais as
prerrogativas que as elites locais tinham para constituírem o poder de forma
antipopular e sem as massas.
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Com a democratização, em 1945, dá-se início a construção de partidos
de massa, do tipo moderno, e políticas liberais para o Estado (Mainwaring,
2001: 106; Nunes, 2003: 95). Surgem, no âmbito nacional, diversos partidos,
com diferentes programas e concepções. Era a primeira vez, no Brasil, que o
sistema partidário iria influenciar na tomada de decisões.
Este período iniciado em 1945 e extinto em 1964, com o golpe militar,
ficou conhecido como o período da “democracia populista” e passou por crises
frequentes, onde atitudes autoritárias foram a solução apresentada, pois, não
atendendo às exigências de uma democracia de massas, apresentou uma
instabilidade endêmica durante toda sua existência (Souza, 1976: 74). No
entanto, ainda que a democracia fosse repleta de defeitos que impediam a sua
própria manutenção, a construção dos partidos de massas, não apenas
vinculados a elites locais, foi possível.
Os três partidos que mais se destacaram no período foram: União
Democrática Nacional (UDN), de discurso liberal e como a única alternativa a
oposição varguista, era o partido mais conservador que existia. Apesar dos seu
discurso liberal, a UDN se mostrava golpista em muitos dos casos de
instabilidade política, sendo conhecida como “o braço partidário” do golpe de
1964.
O Partido Social Democrático (PDS), criado por Getúlio Vargas e
correligionários, com o propósito de abarcar o apoio dos proprietários de
grandes extensões rurais. O PDS estava bem ancorado no centro da disputa
eleitoral, em alguns estados mais afeito à UDN e, em outros ao PTB.
Por fim, havia o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), também criado por
Vargas, no âmago do Estado Novo, para contemplar uma nova camada de
eleitores surgida, que eram os operários urbanos. Deste modo, a base do PTB
era os partidários de Vargas no meio sindical, ou seja, urbana, sendo
considerado o mais progressista entre os três maiores partidos.
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Reorganizou-se o PCB, fundado em 1922, mas que estava na
ilegalidade, e, em virtude da participação da União Soviética na II Guerra,
alcançava
índices
de
popularidade
altíssimos
para
um
partido
permanentemente perseguido. No entanto, apenas dois anos depois de sua
reorganização, em 1947 o PCB é novamente considerado ilegal e muitos de
seus quadros integram-se ao PTB. Em São Paulo, há exceção do resto do
país, dominou o Partido Social Progressista (PSP), liderado pelo populista
Adhemar de Barros (Weffort, 1978).
Como citado anteriormente, o período da democracia populista foi um
período de instabilidade do sistema político brasileiro, encerrado abruptamente
através do golpe de 1964, considerado um golpe de classe (Dreifuiss, 1981),
arquitetado pelas classes dominantes locais em conjunto com os militares, uma
nova configuração dos poderes se deu a partir deste acontecimento. O poder
executivo exerceu um poder autoritário perante o legislativo e judiciário,
cassando deputados, senadores e ministros de Justiça. Deste modo, uma nova
configuração das casas legislativas surgiu, primeiramente entre apoiadores do
golpe e os anti-golpistas e, em 1965, com o bipartidarismo e a dicotomia
ARENA e MDB.
O golpe militar era, deste modo, a definitiva ascenção da burguesia
brasileira ao poder autoritário, que acreditava que poderia inclusive dominar os
militares, instrumento utilizado na busca pelo poder. No entanto, com os
sucessivos atos institucionais, quem realmente ascendeu ao poder foram os
militares (Skidmore, 2010: 239).
A partir de consolidado o golpe militar, nos dias posteriores a primeiro de
abril de 64, a configuração política dos diferentes poderes no Brasil (Executivo,
Judiciário e Legislativo) em todas suas instâncias (Municipal, Estadual e
Federal) sofreram profundas modificações: muitos políticos de esquerda e do
PTB, o partido de Goulart, foram presos ou partiram ao exílio, alterando com
isto a feição, por exemplo, das Câmaras Municipais de Vereadores. Os
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políticos que não foram embora ou não foram presos, se manifestaram nas
suas casas legislativas, a favor ou contra ao golpe militar.
Com o Ato Institucional n. 2, em outubro de 1965, extiguiram-se os
partidos políticos, dentre outras medidas autoritárias. Nas palavras de Gaspari:
O AI-2 mostrou sua essência antidemocrática da moderação
castelista. Derrotada nas urnas em 1946, 50 e 54, a direita militar
vira-se diante de um dilema: a democracia com derrota ou a vitória
sem ela. Durante os dias da crise militar que antecederam a recaída
ditatorial, Castello nada fez para defender a ordem constitucional que
presidia. Numa só canetada, abandonou a legalidade formal e cassou
aos brasileiros o direito de eleger o Presidente da República.
(Gaspari, 2002: 240)
Nesta nova configuração das instituições políticas brasileiras, as
Câmaras de Vereadores municipais tornaram-se sustentáculo do poder
ditatorial, até 1985, quando ocorre a abertura democrática e dá-se fim ao
período militar.
São Borja foi fundada pelo jesuíta espanhol Padre Francisco Garcia, no
ano de 1682, e instalada efetivamente como “Povo”, com jurisdição própria, em
1690. Foi a primeira redução fundada pela Companhia de Jesus que compunha
os chamados “Sete Povos”, organizados após a primeira fase das Missões
Orientais, que haviam sido arrasadas pela invasão dos bandeirantes na
primeira metade do século XVII.
Povoada por índios reduzidos, sob controle dos jesuítas amparados pela
Coroa espanhola, a redução de São Francisco de Borja passou ao domínio
português no ano de 1801, por meio da conquista do território das Missões
Orientais do Uruguai por Borges do Canto, Gabriel de Almeida e Manoel dos
Santos Pedroso, todos militares portugueses que tinham profundos interesses
no controle da região, o que também contribuía aos interesses da Coroa de
Portugal, que manifestava expandir seus domínios para o sul do continente.
Entretanto, foi pela distribuição das sesmarias aos soldados e colonos
portugueses que se iniciou o povoado, luso-brasileiro, a partir do antigo
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povoado missioneiro do povo de São Borja. A sua efetivação somente ocorreu
a partir de 1828, após o fim do conflito do Império Brasileiro com a Argentina,
efetivando-se
no
surgimento
do
Estado
Oriental
do
Uruguai
e
conseqüentemente com a definição das fronteiras sulinas na região do Prata.
A partir de então, São Borja passou a pertencer administrativamente ao
município de Rio Pardo, do qual foi desmembrado por Resolução Provincial de
11 de março de 1833, assinada pelo então Governador da Província, Dr.
Manoel Antonio Galvão. No ano seguinte, em 4 de abril de 1834, era
juramentado na Câmara Municipal de Rio Pardo o primeiro Vereador da
Câmara de São Borja, que recebia o cargo de Presidente desta instituição,
João José Fontoura Palmeiro. Conforme termo municipal de 21 de maio
daquele mesmo ano foi instalada definitivamente a Vila de São Borja.
A importância dessa região, que desde séculos atuou como centro
conversor de decisões e atuação da Igreja católica para os povos missioneiros,
acabou sendo reconfirmada em 8 de maio de 1836, quando São Borja foi
elevada à categoria de Freguesia pelas autoridades eclesiásticas brasileiras.
Nesse sentido, também, em 3 de dezembro de 1839, passou a ser Cabeça de
Comarca Eclesiástica. Por Lei Provincial n.º 26, de 2 de maio de 1846, passou
a ser Paróquia, sob a invocação – a partir de então oficial – de São Francisco
de Borja.
A Lei n. 185, de 22 de outubro de 1850, criou em São Borja sua primeira
Comarca Jurídica, que concentrou durante bom tempo os processos realizados
nas Vilas e povoados vizinhos. Finalmente, em 21 de dezembro de 1887 foi
elevada à condição de Cidade, através da Lei Provincial nº 1614, aumentando
a
representação
política
da
Câmara
Municipal
de
sete
para
nove
representantes, assim como mantendo seu status político, como sede de
colégio eleitoral.
Durante o período imperial, especialmente, São Borja possuiu um porto
fluvial relativamente movimentado, que a ligava economicamente com a região
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do Rio da Prata. E fora nesse período também que as discussões acerca da
escravidão tomavam conta do cenário político e econômico local. Afinal, numa
região na qual o contato com o país vizinho era muito próximo, tornava-se difícil
controlar a fuga de escravos, que geralmente cruzavam o rio Uruguai para
livrarem-se da escravidão e buscar trabalho assalariado.
Nesse sentido, São Borja, assim como outras cidades da região e da
província do Rio Grande do Sul, declarou oficialmente liberto seus escravos no
ano de 1884. Ou seja, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea. Porém,
como no resto do país, também ali não houve um planejamento social para
aquelas pessoas que passavam a dependerem unicamente de seu trabalho
para o próprio sustento.
À época, os adeptos da abolição em São Borja ganharam força com a
fundação do Clube Abolicionista, tendo como presidente o Wenceslau Escobar
e como membros Apparício Mariense da Silva e Francisco Gonçalves Miranda,
que libertaram seus escravos sem qualquer indenização. Isso, sem dúvida,
serviu como exemplo a ser seguido pelos demais senhores de escravos.
Conforme O’Donnel (1983), foi constatado que Apparício Mariense, em
Campanha pela abolição dos escravos, escreveu em 1882, o drama teatral “O
filho de uma escrava”, para sensibilizar a população escravista e mandou-o
publicar com recursos próprios, visando angariar fundos para comprar a
liberdade dos cativos que permaneciam em cativeiro. Essa obra foi encenada
em São Borja e em diversas localidades, e mais tarde ofertada a todas as
sociedades abolicionistas do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
Além do Clube abolicionista, é preciso lembrar que Apparício Mariense,
por exemplo, foi o mentor de um manifesto que, mesmo antes da proclamação
da República, teve eco nos meios políticos regionais e nacionais, por requerer
o fim do sistema monárquico no Brasil. Este manifesto ficou conhecido como
“Moção plebiscitária”, que foi votada e aprovada pela Câmara de Vereadores
de São Borja no dia 13 de janeiro de 1888. Portanto, mais de um ano antes da
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proclamação do novo sistema de governo. Tendo em vista esse fato, cabe
compreendermos as teias sociais dessa elite política que comandou São Borja
naquele período, e que se creditava capaz de enfrentar o sistema político
nacional.
Vinculados a outros elementos, como a Revolução Federalista de 1893,
que cindiu politicamente o Rio Grande do Sul em dois, ou já na segunda
década do século XX, com a revolução de 1923, quando se deu novo embate
pelo controle político do Estado, além da queda e ascensão de Getúlio Vargas
à presidência do país, a elite política samborjense também passava por
momentos de tensão. Contudo, é possível afirmar que foram nesses momentos
em que alguns personagens aproveitavam suas teias de relacionamento e
prestígio dentro do campo político, social ou econômico, para ascender na
carreira política.
Este
trabalho
busca,
por
meio
da
metodologia
quantitativa
prosopográfica, analisar as elites políticas vinculadas à Câmara de Vereadores
de São Borja, do período da Proclamação da República até o golpe militar de
1964, quando apenas um grupo dominante da cidade se fez presente.
1 – Definindo o objeto: elites políticas
Historicamente, pequenos grupos dominam instâncias deliberativas de
pequenos locais, tais como as Câmaras Municipais de Vereadores de
munícipios longes da capital do estado e pouco urbanizados, como é o caso do
município de São Borja no período estudado: de 1889 a 1964. Conforme
apresentado na introdução deste trabalho, o legislativo são-borjense esteve
dominado por algum grupo de vereadores, que decidiam o futuro da cidade
sem muito vincular-se aos problemas da população local. Deste modo, os
vereadores se constituíam em uma elite política da cidade.
Por elite política, entendemos que algumas concepções formuladas pela
teoria elitista, inicialmente por Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca, devam ser
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levadas em consideração, na tentativa de mapear teoricamente o grupo
dominante vinculado a Câmara de Vereadores.
O termo “elite”, surgido no século XVII, era inicialmente utilizado para
designar algum grupo social com característica única perante os demais,
considerada superior (Baquero, 2000: 81). Inicialmente, se destacava como
elite grupos de unidades militares e altos postos da nobreza.
Na ciência política, o termo ganhou destaque a partir dos trabalhos de
Pareto e Mosca, ou seja, no fim do século XIX e início do século XX. Em seus
trabalhos, estes autores traçaram as diretrizes básicas do que ficou conhecido
como Teoria das Elites (Nogueira Filho, 2010: 150). De acordo com Baquero,
“a premissa teórica dos elitistas é de que um governo, numa democracia, é
certamente do povo, e pode, inclusive, ser para o povo, mas é exercido
somente por uma classe dominante.” (Baquero, 2000: 82).
Esta classe dominante é que fica conhecida como elite. Para Pareto, a
elite se divide, ainda, em duas. Localizadas no “estrato superior” da sociedade,
há dois grupos: elite governante e elite não-governante. Na mesma linha,
Bottomore dividiu a elite em mais dois grupos distintos: classe política, que
exercita e influencia o poder político; e elite política, que, mesmo sem estar no
poder, possui e executa atos em seu favor. (Baquero, 2000: 84).
Para Mosca, a elite sempre será uma minoria fortemente organizada
dominando uma maioria desorganizada, pois está é incapaz de gerir sua
organização. O autor não aceita a teoria marxista de uma sociedade sem
classes, afinal, para ele, sempre haverá um pequeno grupo concentrando o
poder decisório. Segundo Mosca, é fato natural que sempre haverá uma
parcela que governa e outra que é governada (Mosca, 1958: 307), nesta linha,
salienta Perry que independe os mecanismos democráticos utilizados, a
dominação vai existir (Baquero, 2000: 82). De acordo com Baquero,
12
Para ele [Gaetano Mosca], a regra da dominação da minoria sobre a
maioria deve ser atribuída ao fato de que a primeira é organizada e a
segunda é incapaz de se organizar. Mosca conclui dizendo que o
domínio da minoria sobre a maioria é inevitável. Mosca (1939) é
conclusivo quando afirma que ‘é absolutamente utópico falar-se na
possibilidade na qual não existiria uma minoria dominante’ (Baquero,
2000: 83)
Pareto formulou também uma tese de “circulação das elites”, que defini
as
elites
como
algo
em
transformação
constante,
mas
que
deve
permanentemente estar em tensão para com a manutenção de seu poder.
Seus três aspectos principais são: (1) sempre haverá uma minoria que
governa; (2) a sociedade humana não é homogênea; (3) as elites não duram,
degenerando-se por si só. (Pareto in Hollanda, 2011: 64) De acordo com
Hollanda,
No sistema apresentado por Pareto, a elite política constitui uma das
classes de elite e reúne os homens mais aptos à condução de
governo. Como em outros setores da atividade humana, um conjunto
de homens mais capazes se destaca e se subordina aos menos
capazes, sempre em maior número. (Hollanda, 2011: 29)
Ainda que as referências de Pareto a Mosca, e vice-versa, sejam
escassas, em virtude da disputa intelectual que se conjecturou a partir da
formulação da Teoria das Elites, ambos se completam em seus pensamentos,
sendo pioneiros no estudo das elites.
A Teoria das Elites desperta um amplo e longo debate (Nogueira Filho,
2010: 152), e, após os trabalhos pioneiros, outros estudos contribuíram para
desenvolver o conceito de elite e como esta ascende e permanece no poder.
Para Wright Mills (1981),
A elite que ocupa os postos de comando pode ser considerada como
constituída de possuidores do poder, da riqueza e da celebridade.
Estes podem ser considerados como membros do estrato superior de
uma sociedade capitalista. Podem também ser definidos em termos
de critérios psicológicos e morais, como certos tipos de indivíduos
selecionados. Assim definida, a elite, muito simplesmente, é
constituída de pessoas de caráter e energia superiores. (Mills, 1981:
48)
13
Mills (1981) ainda destaca que pertence a elite aquelas pessoas que
ocupam posições formais nas instituições políticas e que, por causa disto,
podem utilizar-se do poder para tomar decisões nos assuntos tangentes à
instituição, seja dentro ou fora dela.
Deste modo, podemos caracterizar a elite vinculada a Câmara de
Vereadores de acordo com os dois autores clássicos da teoria elitista, Mosca e
Pareto, e utilizar também das contribuições do sociólogo americano Charles
Wright Mills. A elite política é, assim, uma pequena minoria organizada, que
exerce ou influencia o poder político de forma consistente, deve gerir a
manutenção do poder, a fim de conservá-lo para si. Por fim, pertence a elite
todos aqueles ligados formalmente as instituições políticas, no nosso caso, de
fundo público, que influenciem na tomada de decisões no âmbito destas
instituições. Neste trabalho, estudamos a elite política denominada por
Bottomore como “classe política”, que possui e exercita o poder político.
2 – Método prosopográfico e poder local em São Borja
O método de análise das elites políticas vinculadas à Câmara de
Vereadores de São Borja, durante o período em questão, foi o método histórico
conhecido como “prosopográfico”, “biografia coletiva” ou ainda “análise de
carreiras”. Este método tem sua origem com os gregos, mais precisamente
com Políbio, historiador da Grécia Antiga, no entanto, até a segunda metade do
século XX, pouco havia sido estudado, debatido e sistematizado a respeito do
método prosopográfico (Ferreira, 2002: 01).
Deste modo, o estudo criterioso e exaustivo da prosopografia surgiu a
partir de Stone, em artigo publicado no ano de 1971, que sistematizou as
diretrizes básicas de análise por meio da biografia coletiva de um determinado
grupo de pessoas. Segundo ele,
A prosopografia é a investigação das características comuns de um
grupo de atores na história por meio de um estudo coletivo de suas
vidas. O método empregado constitui-se em estabelecer um universo
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a ser estudado e então investigar um conjunto de questões uniformes
- a respeito de nascimento e morte, casamento e família, origens
sociais e posição econômica herdada, lugar de residência, educação,
tamanho e origem da riqueza pessoal, ocupação, religião, experiência
em cargos e assim por diante. Os vários tipos de informações sobre
os indivíduos no universo são então justapostos, combinados e
examinados em busca de variáveis significativas. (Stone, 2011
[1971]: 02)
Deste modo, a prosopografia é utilizada para investigar um determinado
grupo, que atua e vive conjuntamente em determinado espaço e tempo. Sendo
um método de construção de biografias coletivas, de forma quantitativa, ataca
dois problemas da gênese das biografias: primeiramente, analisa sem o
interesse pessoal, e por isto, sem a retórica política; e o segundo, dá sentido às
ações políticas do grupo, visando entender possíveis mudanças sociais,
políticas e culturais, sem, contudo, se apegar a apenas um status social ou um
líder da elite (Stone, 2011 [1971]: 04).
Stone aponta também dois grupos distintos de pesquisadores que se
utilizam do método prosopográfico, surgidos nas décadas de 1920 e 1930. O
primeiro grupo estuda pequenas elites e compreende todo o funcionamento
desta, seu laço fraternais, sua coesão ideológica, seu modo de viver etc., tendo
como técnica primeira a investigação minuciosa sobre as atividades políticas e
comerciais da elite em questão. O propósito principal deste grupo é
“demonstrar a força de coesão do grupo em tela, mantido unido por laços
sangüíneos, sociais, educacionais e econômicos, sem falar de preconceitos,
ideais e ideologia.” (Stone, 2011[1971]: 4). O segundo grupo de pesquisadores,
ligados às Ciências Sociais, procura compreender a dinâmica de uma
sociedade por meio da prosopografia Este grupo entende que a vida política da
sociedade não é regida por sua elite – portanto, em antítese ao primeiro grupo
de pesquisadores – mas sim por meio de suas massas, através da opinião
pública. Nas palavras de Stone, eles são mais preocupados com a História
Social
do
que
a
política,
investigando
um
grupo
mais
amplo
e,
consequentemente, de forma mais superficial (Stone, 2011[1971]: 05).
Para Stone, as elites políticas são ainda o grupo mais estudado dentro
do método (2011[1971]: 14), isto porque
15
o método funciona melhor quando é aplicado para grupos facilmente
definidos e razoavelmente pequenos, em um período limitado de não
muito mais que 100 anos, quando os dados são obtidos de uma
grande variedade de fontes que complementam e enriquecem umas
às outras e quando a pesquisa é dirigida para solucionar um
problema específico (Stone, 2011[1971]: 23-4).
Deste modo, a prosopografia procura responder algumas características
comuns ao grupo, analisando como eles se estruturam, como se dá o
recrutamento político, suas funções políticas no poder local, base econômica e
estilo de vida, dentre outras questões (Ferreira, 2002: 4).
Assim sendo, o que se pretende é detectar as características em comum
de um grupo homogêneo, mas com situações particulares. Para Miceli,
Essa metodologia requer a construção da biografia coletiva de um
determinado setor da classe dirigente com base numa estratégia de
exposição e análise que se vale do exame detido de casos
exemplares, alçados à condição de tipos ideais, e, com base nesse
corpus de evidências, de inferências qualificadas acerca do grupo ou
do setor de classe na mira do pesquisador. (Miceli, 1991: 137)
O estudo do que é homogêneo revela um grupo coeso na tentativa de
manter o poder em si, pois estes provêm da mesma classe, possuem o mesmo
modo e estrutura de vida e, assim sendo, são em sua maioria as mesmas
aspirações do jogo de poder. Suas particularidades revelam o caráter único da
elite, pois estas ao invés de desagregar possuem são ocultas por seus
agentes, na tentativa de passar a imagem de um grupo coeso.
Corrêa (2006) traz ao estudo prosopográfico a visualização de agente
em redes, proposta por Norbert Elias, que propõe estudos mais realistas,
buscando fugir de explicações egocêntricas e caminhando para análises em
teia dos agentes em questão, na tentativa de refletir as relações dos indivíduos,
entre si e com as instituições políticas, de forma mais fidedigna (Corrêa, 2006:
12). Para Elias,
o decurso do próprio jogo tem poder sobre o comportamento e
pensamento dos jogadores individuais, uma vez que as suas ações e
ideias não podem ser explicadas e compreendidas se forem
16
consideradas em si mesmas; precisam ser compreendidas e
explicadas no interior da estrutura do jogo. (Elias, 1999: 104, apud
Corrêa, 2006: 12).
É interessante notar também a definição de trajetória proposta por
Bourdieu (1996), que apresenta como os passos decisivos tomados por um
agente em sua vida, bem como suas posições ocupadas, em diferentes
lugares, de forma sucessiva. Deste modo, Corrêa salienta que deve-se analisar
o conjunto de posições ocupadas, transformando o conceito de Bourdieu em
algo coletivo, e destacando posições em comum, ao mesmo tempo que analisa
o espaço comum dos agentes (Corrêa, 2006:15), criando, com isto, a
prosopografia do grupo estudado.
No interior dos estados, a cidade fronteiriça de São Borja foi pioneira em
manifestar os ideais republicanos ao resto do país. A partir do Manifesto
Republicano, de 1870, documento que expôs a propaganda republicana a
publico, diversos líderes políticos locais passaram a flertar com o novo regime
que estava sendo debatido principalmente na capital do Império, Rio de
Janeiro.
Dentre estes líderes locais, a figura de Apparício Mariense da Silva
representava São Borja. Aderindo a propaganda republicana por volta de 1874,
com então 18 anos, Apparício passa a fazer parte da política local, disputando
o espaço de discussão nos temas, por exemplo, como abolição da escravidão
e regime de governo.
Apparício Mariense é, neste trabalho, o ponto inicial para a construção
de uma biografia coletiva das elites políticas locais, vinculadas à Câmara de
Vereadores de São Borja. Eleito vereador pela primeira vez no ano de 1882,
Mariense é considerado o expoente da República em São Borja, pois, durante
seu segundo mandato de vereador, em 1888, consegue aprovar na Câmara de
Vereadores a seguinte Moção Plebiscitária:
Proponho que esta Câmara represente à Assembléia Legislativa
Provincial sobre a indispensável necessidade de se dirigir à
17
Assembléia Geral para que, dado o fato lastimável do falecimento de
S.M. o imperador, se consulte a Nação por meio de um plebiscito, se
convêm a sucessão no trono brasileira de uma senhora obcecada por
uma educação jesuítica e casada com um príncipe estrangeiro e, bem
assim, a Assembléia Rio-Grandense convide as outras assembléias
provinciais a no mesmo sentido, representarem no Parlamento; e que
esta Câmara peça às outras municipalidades da Província que façam
seu apelo à Assembléia Provincial S.R. Sala das Sessões, 31 de
outubro de 1887. Apparício Mariense.
Deste modo, a Câmara Municipal votou e aprovou (quatro votos a favor
e um contra) um documento que rechaçava mais um mandato imperial, que
seria, no caso, o da Princesa Isabel.
Dentre os principais republicanos da cidade estavam, além de Apparício
Mariense, Francisco Miranda, Júlio Tróis, Manuel do Nascimento Vargas e
Dinarte Dornelles, todos com algumas características em comum:
Tabela 1 – Características pessoais dos republicanos são-borjenses
Proprietário
Rural
Pertencente
ao PRR
Ligado a
Família
Vargas
Grupo
Castilhista
**
Grupo
Federalista
***
Apparício Mariense
da Silva
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Francisco Miranda
Não
Sim
Não
Sim
Não
Júlio Tróis
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Manuel do
Nascimento Vargas
Sim
Sim *
Sim
Sim
Não
Dinarte Dornelles
Sim
Não
Sim
Não
Sim
* Antes de ingressar no PRR, M. N. Vargas pertenceu ao partido de suporte ao Império, o
Partido Liberal (PL). ** Liderados por Júlio de Castilhos. ***Liderados por Fonte: elaboração
própria com base nos dados apresentados nas Atas da Câmara de Vereadores de São Borja.
Deste modo, podemos perceber que os abolicionistas e republicanos de
São Borja eram, em sua grande maioria, proprietários de grandes extensões
rurais no munícipio e ligados ao Partido Republicano Rio-Grandense (PPR),
onde, mais tarde, ficaram conhecidos como Grupo Castilhista, quando se deu a
Revolução Federalista, pois o grupo Castilhista ascendeu ao poder do estado,
relegando os federalistas a um segundo plano na esfera política.
18
A Revolução Federalista ocorreu no ano de 1893 e ficou caracterizado
como uma guerra civil no interior do Rio Grande do Sul onde dois grupos, os
castilhistas (“pica-paus”) disputavam o poder com os federalistas (“maragatos”).
Esta é considerada a mais violenta guerra civil do Rio Grande do Sul,
principalmente por nela ter-se desenvolvido a prática da degola, que consistia
em cortar o pescoço do capturado, afim de que morresse sangrando. Explica
Flores que “as duas facções beligerantes entraram irredutivelmente na luta pelo
poder regional de forma a alcançar a supremacia política sem mais
contestações” (Flores, 1993: 45).
O grupo republicano era, deste modo, o que já dominava a política local
antes mesmo da proclamação da República. Há exceção de Manuel do
Nascimento Vargas, que pertencia anteriormente ao partido de sustentação do
Império, o Partido Liberal, e ingressou no PRR apenas nos momentos em que
o estopim republicano já havia estourado.
Dos cinco mais atuantes republicanos da cidade de São Borja,
separados por nós neste trabalho, podemos perceber que quatro pertenciam
ao PRR e, logo, ao grupo ligado a Júlio de Castilhos, que ascendeu ao poder
no estado a partir de 1889, eram, portanto positivistas e pertencentes à lojas
maçônicas.
Apenas um destes republicanos, Dinarte Dorneles, era ligado ao grupo
de Gaspar Silveira Martins, os conhecidos como maragatos, que saíram
perdendo da guerra civil de 1893.
Ainda que houvesse divergências políticas, algo unia esta elite de forma
muito forte: a proximidade com a família Vargas. Com exceção de Francisco
Gonçalves Miranda, que não detinha terra ou comércio na cidade, todos os
outros se uniam, de alguma forma, ao poder dos Vargas e, com isto,
contribuíram para que houvesse a manutenção dele: Apparício Mariense era
cunhado de Manuel do Nascimento Vargas, bem como Dinarte Dornelles. A
política se fazia com um grupo de parentes, ligados entre si pelos laços do
19
capital e da família. Por causa desta ligação, suas carreiras políticas também
foram muito parecidas, conforme observamos na tabela 2:
Tabela 2 – Carreira Política dos republicanos são-borjenses
Eleito
vereador em
1882
Eleito
vereador
em 1886
Intendente
Municipal
Deputado
estadual
Deputado
Federal
Eleito
presidente (1)
ou vice (2) da
Câmara de
Vereadores
Apparício
Mariense da Silva
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim (2)
Francisco
Miranda
Sim
Sim
Não
Sim
Não
Sim (1)
Júlio Tróis
Não
Sim
Sim
Sim
Não
Sim (1)
Manuel do
Nascimento
Vargas
Não
Não
Sim
Não
Não
X
Dinarte Dornelles
Não
Não
Não
Não
Não
X
É curioso observar também que a elite política se constituía com o seu
poder local, parte dela também procurava abarcar outros segmentos, como as
Assembleias Legislativas. Assim sendo, o grupo se dividia entre alguém para
representar os interesses da elite são-borjense no Legislativo federal, outros
para o Legislativo estadual e alguns ainda que não deixavam a cidade, em
virtude de serem intendentes ou vereadores. Com esta rede, a elite política da
cidade de São Borja se fazia presente na maioria dos espaços deliberativos da
República Velha.
Este grupo e seus aliados ocuparam, também, o espaço da Intendência
Municipal, o que hoje se assemelha às prefeituras. Esta elite dominou o espaço
quase que de uma forma monárquica, pois os filhos deles foram ocupando
sucessivamente o cargo de intendente do munícipio. Conforme observamos na
tabela 3, foram intendentes municipais:
20
Tabela 3 – Intendentes Municipais ligados ao grupo republicano (até 1930)
Júlio Tróis
Apparício Mariense
Manuel do Nascimento Vargas
Antônio Ferreira Sarmanho
Viriato Dornelles Vargas
Protásio Dornelles Vargas
1891-1899
1900-1907
1907-1911
1911-1914
1914-1918
1919-1927
Portanto, assumiram a Intendência Municipal, nos anos conseguintes,
além dos notáveis, Viriato Donerlles Vargas e Protásio Dornelles Vargas,
ligados ao grupo republicano por serem filhos de Manuel do Nascimento
Vargas (irmãos de Getúlio Vargas) e, ainda, Antônio Ferreira Sarmanho,
também muito próximo a Manuel Vargas – sua filha, Darcy Samanho, casou-se
com Getúlio.
A própria figura de Getúlio Vargas nos remete a este mesmo grupo
elitista da cidade. Conforme citado, seu pai, Manuel do Nascimento Vargas, foi
um dos baluartes da República em São Borja. Seus irmãos assumiram cargos
de Intendência e na Assembleia Legislativa do estado. Getúlio, então, proveem
de uma elite patriarcal e unida por laços familiares e comerciais surgidos no
interior das instituições de sua cidade natal.
3 – Considerações finais
A partir da construção da biografia coletiva de parte da elite política de
São Borja, podemos concluir as seguintes questões:
1. O argumento de Stone, ao discutir o método, de salientar que a
prosopografia de elites não contribui para os estudos de poder local é
inválido. Isto porque, conforme apresentamos durante o trabalho, as
elites foram as responsáveis pela estruturação do novo regime político e,
21
pelo voto ainda ser conferido apenas ao alfabetizados, apenas 2% da
população brasileira participava dos pleitos;
2. O ponto político em comum da elite política são-borjense é o
republicanismo. As cisões aconteceram após a proclamação da
República e se caracterizaram, justamente, pela disputa do poder
republicano;
3. A elite política são-borjense, após consolidada a República e o seu
poder na cidade, “exportou-se” a outras esferas de poder, tais como
Assembleias Legislativas – federal e estadual – governo do estado e até
mesmo a Presidência da República, com Getúlio Vargas, pertencente a
segunda formação da elite;
4. A “circulação de elites”, defendida por Pareto, ocorreu na cidade. No
entanto, não porque esta não soube consolidar a manutenção do seu
próprio poder, mas sim em virtude de golpe militar, ocorrido em 1964,
que alterou substancialmente a configuração da elite, mas não suas
características pessoais, tais como riqueza e propriedade de grandes
extensões de terra.
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Quem são eles? Uma prosopografia da elite política samborjense