ENTREVISTA AMAURI ARTIMOS DA MATTA
COMPRAS VIRTU
Em 15 de março, Dia Mundial do Consumidor,
o Procon-SP divulgou seu cadastro de reclamações
fundamentadas (aquelas que geram notificação do
órgão às empresas) de 2011. Entre os dados, destacouse o aumento de 86% nos atendimentos referentes às
empresas de comércio eletrônico de 2010 para 2011.
Além disso, a segunda empresa que mais recebeu
reclamações foi a B2W, dona dos sites de comércio
eletrônico Americanas.com, Submarino e Shoptime.
A primeira foi o Grupo Bradesco.
Diante desses dados e por ser o comércio eletrônico
um dos principais pontos considerados na atualização
do Código de Defesa do Consumidor (CDC), proposta
pelo Senado, entrevistamos o promotor de Justiça de
Defesa do Consumidor do Ministério Público de
Minas Gerais, Amauri Artimos da Matta, para
saber se esse seguimento também
tem sido alvo da reclamação dos
mineiros e o que o órgão tem
feito para resolver os
problemas mais comuns.
A entrevista, feita por
telefone, você confere a seguir
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• Abril 2012 • REVISTA DO IDEC
Luan Nogueira/MP-MG
PRÁTICAS, MAS A
TUAIS:
S AINDA PROBLEMÁTICAS
Idec: Quais as principais reclamações em rela-
ção ao comércio eletrônico feitas ao Procon de
Minas Gerais?
AMAURI ARTIMOS DA MATTA: A dificuldade
para cancelar o contrato e o descumprimento
do prazo de entrega dos produtos e serviços
são as principais reclamações.
Idec: O que o Ministério Público tem feito em
defesa dos direitos dos consumidores?
AAM: O Procon estadual tem feito um
trabalho intenso de avaliação desses sites,
e a partir dos problemas identificados, o
Ministério Público tem instaurado processos
contra essas empresas de comércio eletrônico
e firmado Termos de Ajustamento de Conduta
(TACs) para que haja melhoria na construção
dos sites, principalmente no que se refere à
informação passada aos consumidores sobre
seus direitos. Por exemplo, o consumidor que
compra pela internet tem direito a desistir da
contratação a partir da data da compra até
sete dias após o recebimento do produto. Essa
desistência deveria acontecer da mesma forma
que a compra, pelo site, mas não é isso o que
acontece. Na maioria dos sites, para cancelar é
preciso ligar e falar com um atendente, o que
não é nada fácil. Da mesma forma que o carrinho da compra aparece na tela, deveria ter
o carrinho da desistência. Mas o fornecedor
facilita a venda e dificulta o cancelamento.
E outra coisa, alguns sites informam que o
direito ao arrependimento só vale após o recebimento do produto, o que está errado. Se eu
comprar algo e quiser desistir dois minutos
depois, eu posso. Mas isso mão fica claro ao
consumidor, e, por isso, esses são pontos que
precisam ser melhorados.
Além desse trabalho de avaliação feito pelo
Procon, elaboramos um roteiro que estará disponível em nosso site
[do Ministério Público de Minas Gerais] até o fim deste semestre.
Por meio desse roteiro, qualquer consumidor poderá avaliar os sites
de comércio eletrônico e, a partir dessa avaliação, escolher aqueles
que respeitam o Código de Defesa do Consumidor [CDC].
Junto ao roteiro, colocaremos um link para a tabela de correção monetária, para que, em caso de ressarcimento, o consumidor
saiba o valor que irá receber. Isso porque as empresas se preocupam em vender, mas não informam que a restituição deve ser feita
com juros e correção monetária, como prevê o CDC.
O Ministério Público irá avaliar os pontos negativos levantados
pelos consumidores nesses roteiros e abrirá processos administrativos. Tentaremos, então, propor TACs às empresas para que as
irregularidades sejam retiradas do site e elas passem a respeitar os
direitos do consumidor.
Idec: Quais os sites que poderão ser avaliados por meio desse roteiro?
AAM: Os sites nacionais de comércio eletrônico. Uma dica
importante para o consumidor é procurar comprar em sites
“.com.br”, que são controlados pelo Comitê Gestor da Internet
no Brasil (CGI.br), porque assim é mais fácil descobrir dados
como o CNPJ e a empresa que o administra. O site Registro.br
<https://registro.br> ajuda a fazer isso. Você digita o endereço
do site e ele fornece vários dados sobre a empresa. Isso é útil
para o consumidor saber com quem está negociando e também
para facilitar o registro de reclamação no Procon ou no Juizado
Especial Cível.
Se a compra for em um site estrangeiro, não adianta ir ao
Procon, pois a competência para discutir a questão é do país
sede do site.
Idec: Em meados de março, o Procon-SP determinou que os sites
Americanas.com, Submarino e Shoptime — pertencentes à mesma
empresa, a B2W — ficassem fora do ar por 72 horas, devido ao
aumento no número de reclamações de 2010 para 2011. Mas a B2W
conseguiu uma liminar que suspendeu a decisão. Na sua opinião,
tirar o site do ar é a melhor forma de punir aqueles que não respeitam os direitos do consumidor? Em Minas Gerais, o Procon já determinou algo parecido?
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ENTREVISTA AMAURI ARTIMOS DA MATTA
AAM: Eu não conheço a fundamentação da decisão do Procon-SP,
mas considero a decisão perfeita. Só
é importante ressaltar que o Comitê
Gestor da Internet precisa de uma
decisão judicial para conseguir tirar
o site do ar.
Aqui em Minas, nós determinamos a suspensão do site da Ricardo
Eletro, mas ele não chegou a sair do
ar, pois fizemos um TAC e a rede
de lojas se comprometeu a permitir
que o consumidor pudesse desistir
da compra sem precisar entrar em
contato com o atendente, ou seja, faria isso pela internet. O processo
continua e vamos fazer outra audiência para avaliar as questões que
ficaram pendentes.
Idec: Um dos principais pontos consi-
derados na atualização do Código de
Defesa do Consumidor, proposta pelo
responsabilidade em relação à quali-
midores (e-mail, mecanismos de busca,
dade e à eficiência dos produtos e ser-
redes sociais, mapas, blogs etc.). Nesse
viços que oferecem; não possuem SAC;
segmento, destacam-se poucas e gran-
não informam adequadamente o direi-
des empresas de alcance mundial, como
to de arrependimento etc.). Depois, em
Google e Facebook, que atraem muitos
7 de novembro, o Procon-SP autuou os
consumidores pela gratuidade, porém
sites Groupon, Clickon e Peixe Urbano
alavancam seus negócios justamente
por agirem em desacordo com o CDC.
pelo uso indiscriminado de seus dados
O Procon de Minas Gerais também
pessoais e pela veiculação maciça de
recebe muitas reclamações a respeito
publicidade. O senhor acredita que os
desse tipo de serviço? O que tem si-
consumidores têm noção de quanto os
do feito para combater os abusos des-
dados e as informações que veiculam
sas empresas?
na rede são valiosos?
AAM: Não
temos registros de reclamações específicas de sites de compras coletivas. Mas o roteiro que estamos preparando nos ajudará a avaliar
também esses sites. E já marcamos
uma reunião com o Peixe Urbano,
na qual vamos passar uma série de
pontos que achamos que precisam
de mudanças e tentaremos fazê-las
em conjunto.
Senado, é o comércio eletrônico. O
senhor acha que essas mudanças são
Idec: No início de fevereiro, a Câmara
realmente necessárias?
Brasileira
AAM: A atualização é necessária,
mas deve ser sucinta. Se houver necessidade de detalhar o assunto, isso
precisa ser feito numa lei específica.
O CDC deve conter apenas princípios
e diretrizes; o detalhamento dessas
diretrizes deve ser feito em leis específicas para que o CDC não vire
uma colcha de retalhos e perca seu
caráter principiológico.
(Câmara e-net) lançou uma cartilha
Idec: Em outubro passado, publica-
mos em nossa revista uma pesquisa
feita pelo Idec com os quatro maiores
sites de compras coletivas do país
— Groupon, Peixe Urbano, Clickon e
Groupália — e constatamos inúmeras
irregularidades (as empresas compartilham os dados pessoais de seus usu-
de
Comércio
Eletrônico
dados pessoais dos consumidores?
AAM: Algumas empresas informam
no site sua política de privacidade,
outras não.
Idec: O que os consumidores podem
de compras coletivas e também um selo
fazer para proteger seus dados?
de qualidade para certificar as empresas
Quando o consumidor faz
alguma contratação virtual, ou mesmo
presencial, precisa se preocupar em
averiguar se o contrato que está assinando (ou a política de privacidade,
no caso dos sites) tem alguma cláusula que autoriza a empresa a ceder seus
dados a outras.
que cumprem os requisitos do Código
de Ética e Autorregulamentação da
Câmara e-net. Como vê essa tentativa
de autorregulamentação feita por algumas empresas?
AAM: Eu considero uma boa medida, desde que esse trabalho seja avaliado pelo Sistema Nacional de Defesa
do Consumidor [SNDC]. Eu não
conheço essa cartilha, mas ela deve
ter passado pelo crivo do Sistema
Nacional e também por uma análise do Departamento de Proteção e
Defesa do Consumidor [DPDC, órgão
do Ministério da Justiça].
uso comercial e publicitário, sem iden-
Idec: Muitos serviços são oferecidos na
tificar quem são eles; eximem-se de
internet de forma gratuita aos consu-
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Idec: E as empresas têm sido éticas
na hora de informar como utilizam os
com recomendações de uso dos sites
ários cadastrados com terceiros, para
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Eu acho que o consumidor
não conhece as formas como seus
dados pessoais são utilizados pelas
empresas e não tem noção de que eles
vão parar em outros locais além do
site em que ele se cadastrou.
AAM:
AAM:
Idec: A aprovação de uma lei de prote-
ção de dados é suficiente para resguardar os consumidores?
Essa é uma lei importante,
que vai criar uma disciplina para a
proteção desses dados. Ela deve ser
simples, objetiva e didática, para que
os consumidores a entendam. Não
pode ser uma lei complexa, porque aí
ela não irá cumprir sua função.
AAM:
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