POR QUE A IGREJA APOIAVA A ESCRAVIDÃO INDÍGENA E AFRICANA?
Eis um importante assunto que até hoje é comentado em salas de
aula, roda de professores, dentro das igrejas e ainda é muito
pesquisado por historiadores e demais cientistas sociais, políticos e
teólogos. Peço encarecidamente que o leitor NÃO faça uma análise
anacrônica, pejorativa ou preconceituosa sobre o tema, pois não
podemos estudar os fatos históricos fora dos contextos de suas
épocas.
Atualmente a Igreja lamenta tais procedimentos, entendimentos,
pois assim como toda a sociedade, aprendeu com seus erros,
falhas, equívocos, além de olhar para frente e, melhorar e renovar
suas formas de pensar.
Tendo isso em mente, vamos a uma breve explicação. Ressalto que
esse texto é uma síntese visando informar e esclarecer possíveis
dúvidas sobre o tema, além de cativar o leitor a pesquisar mais
profundamente todos os pontos citados ao longo do mesmo, ok?
Existem inúmeros textos que podem ajudar a entender o período,
os quais estarei citando ao final.
Portugal e Espanha, países católicos, trouxeram junto com os
navios e desbravadores, os sacerdotes, os quais tinham a missão
de expandir a fé para essas novas terras. Encontraram sociedades
nativas com costumes totalmente diversos, ou como diria o
antropólogo Lévi Strauss, os europeus encontraram “outra
humanidade”. Na colonização espanhola viu-se uma verdadeira
“Guerra de Imagens” e a condenação das práticas religiosas dos
nativos sendo colocada como “idolatrias” ou “demoníacas”.
Realmente essa colonização foi mais dura, observando essas
questões, do que a portuguesa.
A sociedade europeia, nesse período, teve alguns problemas na
forma de lidar com o elemento nativo americano. Num primeiro
momento muitos achavam que eles não teriam alma. Depois
entenderam que eles eram pessoas puras e necessitavam receber
o Evangelho, outros ainda pensavam que deveriam ser tratados
como os “mouros” (muçulmanos africanos / árabes). E a Igreja de
Roma também precisava lidar com essa situação. Muitos debates
foram vistos, livros foram escritos sobre o nativo – “índio”.
A escravidão dos africanos já era uma prática pelas próprias tribos
do continente e quando os portugueses passaram a avançar pelo
litoral da África, muitas tribos começaram a vender esses escravos,
fato que era muito bem visto pelos conquistadores. Com a chegada
à América, esses escravos serão a base da mão-de-obra da
América Portuguesa.
O projeto colonial português se afirmava desenvolvendo duas
formas de intervenção drásticas para a sobrevivência dos povos
indígenas: usurpação de suas terras e exploração da sua força de
trabalho. Na realidade, os primeiros escravos do Brasil foram os
índios, também chamados, na documentação oficial, de “negros da
terra” ou “gentio da terra”.
De início, recorreu-se aos indígenas, com o escambo, contudo, os
portugueses queriam o trabalho em tempo integral e, para isso,
necessitou escravizar os nativos. Eram usados como força de
trabalho em tempo de guerra e em tempo de paz: soldados contra o
invasor não português e trabalhadores na construção de obras
públicas, engenhos, fortalezas, nas plantações do colonizador.
A chamada Igreja Colonial foi baseada em situações controversas.
Alguns historiadores afirmam que estudar esse período é algo muito
complexo, pois essa sociedade era muito diferente das demais.
Os negros foram introduzidos no Brasil a fim de atender às
necessidades de mão-de-obra e às atividades mercantis (tráfico
negreiro). O comércio de escravos africanos para o Brasil teve início
nos primeiros tempos da colonização. Na África os negros eram
trocados por aguardentes de cana, fumo, facões, tecidos, espelhos,
etc. Os africanos que vieram para o Brasil pertenciam a uma grande
variedade de etnias.
Desde o século XVI o Cristianismo tem sido a principal religião do
Brasil, predominando a Igreja Católica Apostólica Romana. O
catolicismo no Brasil foi trazido por missionários que acompanharam
os exploradores e colonizadores portugueses nas terras do Brasil.
O catolicismo possui grande presença social, política e na cultura do
Brasil.
A Igreja e o Estado possuíam funções e posições muito próximas,
como uma forte aliança do tipo “Trono e Altar”, “Cruz e Espada”,
entende? Atualmente não vemos essa forte ligação, todavia, nos
séculos XV ao XVIII, por exemplo, era um fato muito comum. A
Igreja sempre esteve ligada a Coroa portuguesa desde a Idade
Média (476-1453) e vemos essa participação também na
colonização da América Portuguesa. Os reis exerciam o “Padroado”,
ou seja, com a autorização papal eles nomeavam as autoridades
religiosas e os religiosos passavam a ser “funcionários” do Estado.
ATENÇÃO!! Não podemos esquecer que nesse momento está o
correndo paralelamente a Reforma Protestante, iniciada por
Martinho Lutero em 1517, e a Igreja de Roma estava com os olhos
voltados para evitar que ela se alastrasse por toda a Europa. Assim
vemos essa concessão papal visando um auxílio para a
evangelização no Novo Mundo. Com isso, os estados controlavam
a atividade eclesiástica da colônia por meio do padroado, assim
arcava com o sustento da Igreja colonial e ganhava a obediência e
o reconhecimento da Igreja de Roma. Além disso, o Estado
nomeava os bispos e párocos e concedia licenças para a construção
de novas igrejas, ajudando financeiramente todo este processo.
A atuação da Cia de Jesus na América se dará na catequese dos
indígenas, utilizando o teatro, a difusão das imagens visando a
conversão e o controle social. São contra a escravidão indígena,
visam salvar suas almas, modificar seus hábitos e costumes que
não condiziam com o Cristianismo.
Os nativos nunca tiveram o contato anterior com o Cristianismo,
mas, como já foi mencionado, ainda existia um debate muito visto:
se o nativo teria alma ou não.
Em 1549, seis jesuítas da Companhia de Jesus acompanharam o
Governador-Geral Tomé de Souza, estes eram chefiados pelo
Padre Manoel de Nóbrega, em 1580 os carmelitas descalços
chegaram ao Brasil e em 1581 tiveram início às missões dos
beneditinos. Durante o século XVI e XVII, o governo português,
representado pelos governadores-gerais, buscara o equilíbrio entre
o governo central e a Igreja Católica, com o intuito de diminuir e
administrar os conflitos existentes entre os missionários, os colonos
e os índios.
Eis a famosa pergunta: Por que a Igreja apoiou a escravidão
africana??
O contato dos africanos com o Cristianismo não começa nesse
período.!!!
Vemos que, ao longo da Idade Média (476-1453), esse contato com
os mouros (árabes muçulmanos) no processo reconquista da
península ibérica desde o ano de 711. Vemos também na ação
portuguesa em realizar o “périplo africano” nas Grandes
Navegações, aonde o Cristianismo se propagou pela costa da
África. A religião nativa era contrária aos princípios cristãos, a
grande maioria não aceitou o Evangelho, além da religião Islâmica
já estar bem propagada e por também não aceitar tais princípios dos
cristãos. Podemos entender a postura da Igreja frente a essa
problemática por vários ângulos diferentes, pois são muitas as
explicações que são dadas. Eis uma explicação:
Assim, a Igreja passou a ver esses que se recusaram a Fé, como
descendentes de Cam, personagem bíblico, um dos filhos de Noé,
que foi amaldiçoado pelo próprio pai. Tal fato é narrado no livro de
Gênesis, no Antigo Testamento: “Maldito seja Canaã, disse ele; que
ele seja o último dos escravos de seus irmãos!” (livro do Gênesis 9,
25).
Os mouros foram assim combatidos ao longo de toda a Idade Média.
Eram chamados também de infiéis. Os africanos assumem essa
conformação e são vistos como escravos, assim como Câm.
Contudo, o trabalho forçado garantiria a libertação deles do pecado
do paganismo, para serem merecedores da graça eterna, da
salvação na outra vida.
Com a chegada à América, os nativos também passariam por esse
crivo dos europeus. Por acreditarem que não tinham alma podiam
ser tratados como “coisa”, logo eram inferiores e poderiam ser
escravizados, explorados. Outros foram tratados da mesma forma
que os africanos, pois algumas tribos eram canibais ou realizavam
sacrifícios humanos, por exemplo. Surgia assim a chamada Guerra
Justa. Os nativos que ficavam nas Missões (vilas administradas por
jesuítas) eram evangelizados e não podiam ser escravizados.
Porém, esses fatos não era algo perfeitamente concluso, pois
gerava muitos debates por religiosos e autoridades na época.
Com o a chegada do Pe. Manuel da Nóbrega (1517-1570), junto
com Tomé de Souza; José de Anchieta (1534-1597), em 1553; o
padre Antônio Vieira (1608–1697); dentre muitos outros, temos a
forte presença religiosa. Eles foram fundamentais para a ampliação
da cristianização dos nativos na América Portuguesa, através de
seus sermões que valorizavam a vida humana, atacavam os maus
tratos dos senhores, assinalavam que os escravos precisavam
trabalhar arduamente para purificar seus corpos visando a
salvação... Os mesmos padres que apoiavam os senhores, em
outros momentos puxavam suas orelhas devido aos maus tratos
com os escravos e por privarem eles dos sacramentos da igreja. Em
outros textos, os jesuítas criticam os escravos que são preguiçosos,
que desafiam os senhores, pois deveriam ser “bons escravos”;
Vemos uma igreja complexa, assim como a sociedade daquele
período; não há como separar a Igreja do restante da sociedade,
pois ela é regida pelos homens; ela estava dentro de um
pensamento típico dos séculos XIV, XV, XVI, XVII, XVIII..., logo não
podemos analisar essa Igreja segundo os parâmetros do século
XXI; precisamos entender aquele processo histórico, as suas
tensões, sua complexidade dentro do seu próprio contexto e
imaginário.
Bem, a Igreja de Roma partia do princípio de que detinha a verdade
e, por isso, obrigava pela força que todos os demais estivessem de
acordo com suas ideias.
Pedidos de Perdão de João Paulo II
João Paulo II, em março de 2000, lançava um documento de 90
páginas, agrupando as incorreções em blocos que abrangem
praticamente toda a história da Igreja, pecados contra os direitos
dos povos e o respeito à diversidade cultural e religiosa, ou seja, a
evangelização forçada colocada a serviço da colonização de povos
dominados, além de citar a Inquisição, as Cruzadas, ataques aos
judeus, indígenas, árabes, dentre outros. Em 2004, novamente
pedia perdão pelos "erros cometidos a serviço da verdade por meio
do uso de métodos que não têm relação com a palavra do Senhor"
(Inquisição).
Ele pediu perdão pelos pecados cometidos pela Igreja Católica
durante os últimos dois mil anos, incluindo o tratamento dispensado
a pessoas de outras religiões. O Pontífice citou o uso da violência
"a serviço da fé" e a hostilidade contra os praticantes de outras
religiões
"Estamos pedindo perdão a Deus pelas divisões entre cristãos, pelo
uso da violência que, por vezes, praticamente a serviço da fé e por
atitude de desconfiança e hostilidade assumidas contra os
praticantes de outras religiões", disse o Santo Padre; e
humildemente
também
pediu
perdão
a
Deus
pelas
"responsabilidades dos cristãos nos males de hoje". O Sumo
Pontífice pediu ainda perdão a Deus pelos "erros cometidos por
outros” contra cristãos. O Papa descreveu a sua ação como uma
tentativa para "purificar a memória" de uma triste história de ódio e
rivalidades.
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