ANÁLISE ARQUEOMÉTRICA DE PALEOSSEDIMENTOS DA LAGOA DOS
PORCOS, EM SÃO LOURENÇO DO PIAUÍ, NORDESTE DO BRASIL
Bianca Rocha Pimentel (aluna de ICV/UFPI), Luis Carlos Duarte Cavalcante (Orientador,
Curso de Arqueologia e Conservação de Arte Rupestre – UFPI)
INTRODUÇÃO
O sítio Lagoa dos Porcos é um antigo reservatório natural situado no município de São Lourenço do
Piauí, nas proximidades do Parque Nacional Serra da Capivara. As prospecções de superfície
apontaram a presença de muito material lítico associado à atividade humana antiga. Posteriormente,
as prospecções em subsolo evidenciaram abundantes vestígios de megafauna fossilizada, material já
encontrado também em outras paleolagoas da região (FUNDAÇÃO MUSEU DO HOMEM
AMERICANO, 2010, 2011; GUIDON et al., 2009). Durante as escavações, várias amostras de
paleossedimentos foram coletadas e enviadas para análises químicas e mineralógicas em laboratório.
O objetivo primordial deste trabalho foi realizar a caracterização química e mineralógica desses
paleossedimentos e verificar como eles se comportam ao longo do espaço horizontal, além de sua
variação em termos de profundidade, dentro de perfis estratigráficos. Do mesmo modo, foi de
interesse o conhecimento da constituição química elementar natural dos sedimentos do entorno,
visando à identificação de enriquecimento por algum elemento químico, em decorrência de
presença/ação de megafauna, bem como objetivando a investigação de marcadores químicos de
atividade humana pré-histórica.
PARTE EXPERIMENTAL
Foram coletadas 42 amostras, das quais 11 são “estéreis” (brancos analíticos), 30 são de diferentes
perfis estratigráficos espalhados ao longo da borda da Lagoa dos Porcos e 1 amostra que foi retirada
do meio de uma concentração de fósseis de megafauna.
Inicialmente os sedimentos foram secos ao ar, desagregados e peneirados em malha de 600 µm,
para determinação do pH em CaCl 2 ⋅ 2H 2 O 0,0100 mol L-1. Para as demais análises, os sedimentos
foram peneirados em malha de 75 µm e a caracterização químico-mineralógica foi realizada da
seguinte forma:
•
Para a determinação do pH, pesou-se 10,00 g de cada amostra, sendo colocadas em
erlenmeyers, aos quais foram acrescentados 25,00 mL de CaCl 2 ⋅ 2H 2 O 0,0100 mol L-1,
agitando-se por 40 minutos a 130 rpm e deixando-se em repouso por 1 h. Fez-se então a
calibração do medidor de pH com as soluções tampão de pH 7,00 e 4,01, medindo-se em
seguida o pH das amostras, após a decantação (CAVALCANTE, 2008).
•
A determinação da composição química elementar das amostras foi feita usando um
espectrômetro de fluorescência de raios X por dispersão de energia, Shimadzu EDX-720, sob
vácuo de 40 Pa e colimador de 10 mm.
•
A determinação das fases contendo ferro foi feita por espectroscopia Mössbauer do
57
Fe a
298 K, usando um espectrômetro Mössbauer em geometria de transmissão, com aceleração
constante de uma fonte de
57
Co em matriz de Rh, com ~20 mCi de atividade. Os
deslocamentos isoméricos foram corrigidos em relação ao αFe, padrão também usado para a
calibração da escala de velocidade Doppler.
•
A identificação das fases cristalinas presentes nas amostras foi determinada por difração de
raios X (pelo método em pó) com o auxílio de um difratômetro Rigaku, modelo Geigerflex,
com tubo de cobre, tensão de 32,5 kV e corrente de 25,0 mA. A varredura foi feita no
intervalo de 4 a 60º(2θ), com velocidade de 4° (2θ)/min.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados das medidas de pH, por exemplo, demonstram que esse parâmetro praticamente não
sofre variação ao longo das camadas, embora tenha sido verificado, ao longo dos perfis
estratigráficos, que os sedimentos antigos possuíam um caráter neutro a levemente ácido, tendendo,
nas camadas mais recentes, ao caráter básico, exceto nas amostras coletadas como branco analítico
(Perfil 6 e três sondagens isoladas), em que esse comportamento se inverte.
Os dados de composição química elementar média sugerem que os sedimentos são constituídos
majoritariamente por minerais silicatados, seguidos por argilominerais e minerais contendo ferro.
A investigação das fases cristalinas
existência predominante de quartzo,
além de haloisita, caulinita, ilita e
olivina.
Especificamente sobre os minerais
contendo
ferro,
as
análises
espectroscopia Mössbauer do
Transmissão Relativa
por difratometria de raios X apontou a
1,00
1,00
0,99
0,99
0,98
0,98
0,97
0,97
0,96
por
0,96
-10
-8
-6
Transmissão Relativa
coletados contêm um teor de Fe2+ de
ordem de 4,7(9)%, observando-se uma
ligeira recuperação do caráter redutor,
nas camadas mais recentes, conforme
verificado
antigos.
nos
sedimentos
mais
8
10
-10
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
10
6
8
10
6
8
10
-1
Velocidade/mm s
1,01
0,99
0,98
0,98
180918
180917
0,97
0,97
0,96
0,95
-10
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
10
-10
-8
-6
-1
-4
-2
0
2
4
-1
Velocidade/mm s
Transmissão Relativa
oxidante, com teor mínimo de Fe2+ da
6
0,96
Nas camadas mais acima predomina
substancialmente
4
1,00
um ambiente relativamente redutor.
ambiente
2
0,99
7,8(7)% (amostra 183440), revelando
um
0
1,00
(espectros Mössbauer na Figura 1 e
quais os fósseis de megafauna foram
-2
-1
Fe
evidenciaram que os sedimentos nos
-4
Velocidade/mm s
57
parâmetros hiperfinos na Tabela 1)
180919
180920
Velocidade/mm s
1,00
1,00
0,99
0,99
0,98
0,98
183440
180916
0,97
0,97
0,96
0,96
-10
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
10
-10
-1
-8
-6
-4
-2
0
2
4
-1
Velocidade/mm s
Velocidade/mm s
57
Figura 1 – Espectros Mössbauer do Fe obitidos a 298 K. Perfil 1 e
amostra coletada em meio de megafauna (183440). Amostras com
φ < 75 µm.
Tabela 1 – Parâmetros Mössbauer das medidas experimetais a 298 K. Perfil 1 e amostra coletada em meio de megafauna
(183440). Amostras com φ < 75 µm.
Amostra
180920
180919
180918
180917
180916
183440
Sítio do Fe
Fe3+
Fe2+
Fe3+
Fe2+
Fe3+
Fe2+
Fe3+
Fe2+
Fe3+
Fe2+
Fe3+
Fe2+
δ/mm s-1
0,352(3)
1,08(2)
0,357(3)
1,10(3)
0,349(3)
1,09(3)
0,357(5)
1,10(5)
0,356(3)
1,13(3)
0,352(4)
1,09(2)
∆/mm s-1
0,560(4)
2,56(4)
0,558(4)
2,63(6)
0,562(5)
2,57(6)
0,571(7)
2,57(*)
0,576(4)
2,69(6)
0,589(6)
2,59(4)
Γ/mm s-1
0,632(8)
0,45(*)
0,625(9)
0,45(*)
0,64(1)
0,45(*)
0,65(1)
0,45(*)
0,584(8)
0,45(*)
0,66(1)
0,45(*)
AR/%
94,4(7)
5,6(5)
94,7(8)
5,3(6)
95,0(1)
5,0(6)
95,3(9)
4,7(9)
92,5(7)
7,5(6)
92,2(9)
7,8(7)
δ = deslocamento isomérico relativo ao αFe; ∆ = desdobramento quadrupolar; Γ = largura de linha a meia altura; AR = área
(*)
subespectral relativa. parâmetro fixado durante o ajuste não-linear pelo método dos mínimos quadrados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises arqueométricas foram primordiais para conhececer em maior nível de detalhes as
características químicas e mineralógicas dos sedimentos da Lagoa dos Porcos. Os resultados de
composição química elementar apontam que os materiais são constituídos majoritariamente por
minerais silicatados, contendo também argilominerais e minerais com ferro em sua estrutura.
Entre as fases cristalinas identificadas o quartzo é dominante, mas também foram encontradas
haloisita, caulinita, ilita e olivina.
A espectroscopia Mössbauer indicou que de todo o ferro constituinte das amostras cerca de 92 a 97%
apresenta-se na forma Fe3+ e que aproximadamente 3 a 8% está na forma Fe2+.
Observou-se que o pH praticamente não sofre variação dentro de uma mesma camada de
sedmentos, entretanto ocorre uma dinâmica muito mais pronunciada ao longo dos perfis
estratigráficos, resultando na frequente variação dos teores de Fe2+, um indicador de ambiente
redutor.
APOIO
Os autores são gratos à FUMDHAM, UFMG, FAPEMIG e CDTN, pelo apoio.
REFERÊNCIAS
CAVALCANTE, L. C. D. Arqueoquímica aplicada ao estudo de pigmentos, depósitos de
alteração e paleossedimentos do Piauí. Dissertação (Mestrado em Química) – Universidade
Federal do Piauí, Teresina, 2008.
FUMDHAM – FUNDAÇÃO MUSEU DO HOMEM AMERICANO. Relatório Anual de Atividades,
2010. v. 1.
FUMDHAM – FUNDAÇÃO MUSEU DO HOMEM AMERICANO. Relatório Anual de Atividades,
2011.
GUIDON, N.; GUÉRIN, C; FAURE, M; FELICE, G. D.; BUCO, C.; IGNÁCIO, E. Toca das Moendas,
Piauí-Brasil: primeiros resultados das escavações arqueológicas. Fumdhamentos, n. 8, p. 70-85,
2009.
Palavras-chave: Megafauna. Paleossedimentos. Arqueometria.
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