TRATAMENTO DA TEMÁTICA AMBIENTAL EM CURSOS DE MEDICINA
VETERINÁRIA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Roberto da Rocha e Silva
Victor Novicki
Apoio Financeiro: Universidade Estácio de Sá
Resumo
A pesquisa aborda o tratamento dado à temática ambiental em três cursos fluminenses de
Medicina Veterinária (um público e dois particulares). Para nossas análises consultamos
autores que a) defendem um desenvolvimento pautado na justiça social, (ACSELRAD,
2001; ACSELRAD; LEROY, 1990); b)adotam uma abordagem dialética na relação
Homem-meio (GRÜN, 1996); c)identificam uma origem comum para os processos de
degradação ambiental, desigualdade e exclusão social (NOVICKI; GONZALEZ, 2003) e,
d)privilegiam uma educação crítico-transformadora (BRÜGGER, 1999; DELUIZ;
NOVICKI, 2004; GUIMARÃES, 2000; LAYRARGUES, 1999; LOUREIRO, 2000).
Analisamos 161 questionários (entre alunos), entrevistamos 13 professores e três
coordenadores, além de documentos oficiais. Os resultados indicaram, entre os alunos, a
predominância de concepções ambientais sustentadas pelo senso comum e a necessidade de
capacitação entre os professores. Percebeu-se um tratamento reducionista dos temas
ambientais e pouca atenção para as questões sociais. O desenvolvimento sustentável é
concebido a partir de soluções técnicas, desconhecendo-se as relações cruciais entre
degradação ambiental, desigualdade e exclusão social.
Palavras-Chave: Educação e Meio Ambiente. Medicina Veterinária. Sustentabilidade.
Introdução
Educação e ambiente são temas, aparentemente, desconectados. No entanto,
quando associamos a vida profissional a esse conjunto, forjamos uma nova realidade
aplicada ao mundo do trabalho.
Já a partir da década de 70 alguns encontros abordaram a relação entre meio
ambiente, educação e desenvolvimento, tais como a Carta de Belgrado (1975), a
Conferência de Tbilisi (1977), a Conferência de Moscou (1987), a Conferência do Rio
(1992), e a de Johannesburgo (2002). No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 225, já indicava a necessidade de se promover a “educação ambiental em todos os
níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.
A educação associada ao meio ambiente também foi valorizada através dos
Parâmetros Curriculares Nacionais/Temas Transversais (BRASIL, 1998) e da Lei n. 9.795
que institui a Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999) 1 . Do ponto de
vista profissional, contamos recentemente com as orientações do Ministério da Educação,
através do Parecer do CNE/CES n. 105/2002, sobre as Diretrizes Curriculares para o Curso
de Medicina Veterinária 2 que valorizam as interações socioambiental.
Nosso objetivo nesse trabalho consiste da apresentação de resultados de nossas
pesquisas no âmbito da educação superior formal, mais exatamente no ensino da medicina
veterinária em universidades fluminenses, para saber como a temática ambiental vêm sendo
tratada, especialmente através de seus alunos, professores e coordenadores.
Referencial Teórico
Há mais de 50 anos, passamos a ter impressionantes evidências dos efeitos das
atividades humanas sobre nossa própria espécie: a doença de Minamata no Japão e o
“smog” de Londres (1952) são exemplos notórios. Uma educação especial se fazia
necessária. A nível internacional tivemos então o Seminário Internacional de Educação
Ambiental (Carta de Belgrado), em 1975 (UNESCO/PNUMA, 1977) e a Conferência
Intergovernamental sobre Educação Ambiental (UNESCO, 1980) ocorrida em 1977, em
Tbilisi (ex-União Soviética). Dez anos depois, a Conferência de Moscou (1987) viria
confirmar as recomendações de Tbilisi e traria novas contribuições.
A Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 6.938) surgiu no Brasil em 1981 e o
Ministério do Meio Ambiente se envolveria com as questões ambientais através de seu
Sistema Nacional de Meio Ambiente e do Conselho Nacional de Meio Ambiente
1
Essa lei foi regulamentada pelo Decreto n. 4.281 de 25 de junho de 2002 (BRASIL, 2002).
(CONAMA). No Brasil, o movimento ecológico da época engrossava suas fileiras
(PÁDUA, 1987, 1993; VIOLA, 1987).
A Constituição Federal de 1988, em seu Art. n.225 incumbe ao Poder Público de
promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente (BRASIL, 1988).
Em 1992 o Rio de Janeiro foi sede da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. Dez anos após seguiu-se a Conferência de Johannesburgo 3 ,
na África do Sul, em 2002, mas que não teria a importância marcante da Eco-92.
A intenção de integrar as áreas de meio ambiente e educação apareceria mais
fortemente no Programa Nacional de Educação Ambiental – ProNEA., IBAMA (MMA).
Entretanto notou-se uma forte tendenciosidade para as abordagens naturalistas, centradas
em valores biológicos e quase desconhecendo a importância da vertente crítico-reflexiva
(BRASIL,1994a). Lembramos ainda a Lei dos Crimes Ambientais4 que penaliza aqueles
que não cumprem suas recomendações. A Lei n. 9.795 que dispõe sobre a educação
ambiental (BRASIL, 1999) 5 sugere que tanto o indivíduo quanto a coletividade precisam
construir valores sociais, conhecimento, habilidades, atitudes e competências voltadas para
a conservação do meio ambiente.
No Relatório Brundtland - Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento 6 (COMISION, 1987), o desenvolvimento sustentável é definido como
aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as
2
O Sistema Conselho Federal de Medicina Veterinária / Conselhos Regionais de Medicina Veterinária editou
a Resolução no 1, de 18 de fevereiro de 2003, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de
Graduação em Medicina Veterinária.
3
Conhecida oficialmente como Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável ou Rio+10 (dez anos
após a Rio-92), patrocinada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
4
Lei Federal n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Também conhecida como Lei da Natureza ou Lei do Meio
Ambiente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm >. Acesso em: 12 jan.
2005.
5
O Decreto n. 4.281, de 26 de junho de 2002, regulamentou a Lei que instituiu a Política Nacional de
Educação Ambiental.
6
Criada pela Organização Mundial das Nações Unidas em 1983, durante assembléia geral presidida pela
primeira ministra da Noruega Sra. Gro Harlem Brundtland, com o objetivo de pesquisar os problemas
ambientais em perspectiva global. Os resultados obtidos foram publicados no Relatório Brundtland (Our
Common Future) em 1989 (COMISION, 1987).
gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (ACSELRAD; LEROY, 1999,
p. 17). Apesar dessa definição, o desenvolvimento sustentável tem sido interpretado
diferentemente, conforme os sujeitos que dele se “apropriam”. Acselrad (2001) refere-se a
essas diferentes abordagens como matrizes discursivas: a) matriz da auto-suficiência
(desvinculação dos fluxos de mercado mundial); b) matriz da escala (limites para o
crescimento econômico); c) matriz da eficiência (combate ao desperdício); d) matriz da
eqüidade (articulação entre justiça social e ecologia), e e) matriz da ética (debate sobre os
valores do bem e do mal). Vamos destacar aqui as matrizes da auto-suficiência, da
eficiência e da eqüidade, porque estão relacionadas a nossa pesquisa e associadas ao
tratamento que a temática ambiental tem recebido nas últimas décadas.
A degradação ambiental é explicada por Grün (1996) como conseqüência de nossa
ética antropocêntrica onde tudo existe em função do homem e através de uma concepção
reducionista de meio ambiente e do desenvolvimento humano na direção do tecnicismo.
Concepções Sobre Meio Ambiente
Segundo Grün (1996 apud NOVICKI; GONZALEZ, 2003, p. 106):
O meio ambiente não é “tudo que nos cerca” como algo exterior, que
mantém conosco uma relação de exterioridade. À rigor, esta leitura revela
uma ética antropocêntrica que fundamenta a degradação ambiental,
dualismo cartesiano Homem-recursos naturais, em que o Homem é o
centro de todas as coisas, tudo o mais existe unicamente em função dele.
As leituras fragmentadas dificultam a compreensão do meio ambiente como um
todo. A abordagem do assunto, a partir de uma vertente socioambiental, exige uma
profunda reflexão sobre os nossos procedimentos atuais na área da educação.
Concepções Sobre Educação Ambiental
A Conferência de Estocolmo em 1972 já tinha valorizado a educação ambiental
reconhecida como “elemento crítico para o combate à crise ambiental do mundo”
(GUIMARÃES, 2000). Pretende-se a edificação de paradigmas que rejeitem a
exclusividade do “adestramento ambiental” (atividades pontuais), e os que não se
aprofundam nas reais questões sociopolíticas, geradoras dos problemas socioambientais
(BRÜGGER, 1994).
Mininni-Medina (1997) considera as abordagens educativas segundo duas grandes
vertentes: a ecológico-preservacionista e a vertente socioambiental. Na primeira o homem
seria um mero “espectador” e na segunda, interessaria a formação da sociedade dentro de
padrões éticos, democráticos, críticos e participativos. Layrargues (1999) critica as práticas
descontextualizadas, ingênuas e simplistas. A educação ambiental deve basear-se na
resolução de problemas ambientais locais (RPAL), mas como tema gerador e não com
estímulo simples de ações repetitivas, sem qualquer reflexão mais profunda. Uma parte
considerável dos projetos e atividades de educação ambiental no Brasil, privilegia a
concepção naturalista-preservacionista (MMA, 2000; NOVICKI; MACCARIELLO, 2002).
Metodologia
O interesse específico no ensino superior nos levou a relacionar dez principais
cursos de medicina veterinária do Estado do Rio de Janeiro para a seleção de três deles, um
pertencente a uma universidade pública e dois particulares, conforme Quadro 1.
Os instrumentos de coleta de dados utilizados em 2004, constaram de 161
questionários (respondidos por alunos), 13 entrevistas direcionadas para professores e 3
entrevistas direcionadas para coordenadores. Através de questionário procuramos saber
deles quais eram seus entendimentos sobre a relação entre a temática ambiental e as
atividades do médico veterinário. Os alunos que fizeram parte de nossa amostragem
estavam matriculados no início do curso (grupo dos calouros) e matriculados no final do
curso (grupo dos veteranos). Nossa intenção foi comparar suas realidades, para saber se o
curso estaria, efetivamente, influenciando seus posicionamentos e concepções.
Quadro 1:
Cursos de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro
Universidades Públicas
Município
1. Universidade Federal Fluminense
Niterói
2. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Seropédica
3. Universidade Estadual do Norte Fluminense
Campos dos Goytacazes
Universidades Particulares
Município
1. Universidade Castelo Branco
Rio de Janeiro
2. Universidade Estácio de Sá
Rio de Janeiro
3. Fundação Arco Verde
Valença
4. Fundação Educacional Serra dos Órgãos
Teresópolis
5. Centro Universitário Plínio Leite
Itaboraí
6. Centro Universitário de Barra Mansa
Barra Mansa
7. Universidade do Grande Rio
Duque de Caxias
Os professores entrevistados foram selecionados através das disciplinas que
tinham maior afinidade com a temática socioambiental : administração, ecologia,
economia, extensão rural, saúde pública, sociologia e produção animal.
O roteiro utilizado para as entrevistas semi-estruturadas realizadas com
professores foi o seguinte: a) Como aborda a temática ambiental em sua disciplina?; b)
Aborda
conceitos
ou
concepções
sobre
meio
ambiente,
educação
ambiental,
desenvolvimento sustentável (ou algum outro, em especial)? Como? c) Considera que a
educação ambiental possa ser ensinada ou praticada em cursos superiores de medicina
veterinária? Como?; d) Já foi orientado ou tem uma idéia clara do que seja transversalidade
/ interdisciplinaridade? Qual a formação que recebeu para abordar a temática ambiental nos
cursos de medicina veterinária?; e) Como avalia o tratamento da temática ambiental nos
cursos de medicina veterinária do Estado do Rio de Janeiro? Por que? E, em particular,
nesta Universidade? Por quê?; f) Em sua opinião, o aluno que termina o curso de medicina
veterinária, de um modo geral, tem uma visão clara da importância da temática ambiental
em sua profissão?; g) Que sugestão teria para uma melhor abordagem da temática
ambiental nos cursos de medicina veterinária?; h) Gostaria de comentar algum assunto que
julga importante nesse contexto e que não foi aqui abordado?
Entrevistamos também três coordenadores de cursos, todos médicos veterinários,
que têm em suas histórias de vida, relevantes serviços prestados à profissão.
Para os coordenadores apresentamos as questões:: a) Como vê o tratamento da
temática ambiental no curso que coordena? E em outros cursos de medicina veterinária do
Estado do Rio de Janeiro?; b) Que ações, projetos e outras iniciativas teriam a apresentar ou
sugerir como importantes medidas para a abordagem da temática ambiental em medicina
veterinária?
A pesquisa foi orientada pelo paradigma da teoria critica e adotou, como
parâmetro para suas análises, autores que defendem um desenvolvimento sustentável
pautado na justiça social, sem desconsiderar o papel da tecnologia na resolução dos
problemas ambientais (ACSELRAD, 2001; ACSELRAD; LEROY, 1999); que adota uma
abordagem dialética na relação Homem-meio (GRÜN, 1996); que identificam uma origem
comum para os processos de degradação ambiental e de desigualdade/exclusão social
(NOVICKI; GONZALEZ, 2003) e que privilegiam uma abordagem crítico-transformadora
da Educação Ambiental, visando uma formação plena dos seres humanos (BRÜGGER,
1999; DELUIZ; NOVICKI, 2004; GUIMARÃES, 2000; LAYRARGUES, 1999;
LOUREIRO, 2000).
Desenvolvimento
A pesquisa indicou que tanto os alunos de início de curso (39,6%) quanto os que
estão em seu final (46,2%) percebem claramente que o médico veterinário tem
compromissos profissionais “obrigatórios” com os ecossistemas onde ele atua, chegando a
um total de 41,6%, entre todos os alunos. As palavras que mais caracterizaram as respostas
associadas a esta pergunta foram “zelar”, “proteger”, “preservar”, “respeitar”, entre outras.
Afirmações do tipo “entender melhor as necessidades dos animais” identifica-se com a
imagem do “médico de bichos”. Calouros (13,7%) valorizaram esse aspecto, justificando
que ingressam no curso “porque gostam de animais”. Esse número decai ao final do curso
(5,0%). O preservacionismo (8,8%) ficou em destaque entre os “calouros”, que valorizaram
os temas ambientais em “casos especializados de preservação de recursos naturais”. Essa
idéia reduz-se ao final do curso (1,6%), quando percebem que a realidade do mercado não
se afina exatamente com essas pretensões. Esses resultados podem estar sendo
influenciados por uma educação conservacionista vinculada à biologia (SORRENTINO,
1995; GRÜN, 1996), também reconhecida por Minnini-Medina (1997) como ecológicopreservacionista.
Calouros (7,8%) e veteranos (6,7%) enfatizaram a necessidade da temática
ambiental para atuar em casos de “controle de zoonoses” 7 . Essa porcentagem manteve-se
(7,4%) durante o curso. Alunos iniciantes (3,9%) reconheceram a importância da temática
ambiental para “algumas disciplinas ou atividades veterinárias voltadas para a produção
animal”.
Alunos de inicio (3,9%) e de final de curso (6,7%) afirmaram que o profissional
não é apenas um técnico e que o seu contato com o público envolve também a formação de
opiniões e a prevenção de doenças (educação sanitária). Calouros (5,8%) e veteranos
(6,7%) reconheceram que a atividade profissional do veterinário “tem reflexos na vida
humana”.
Parte dos alunos de final de curso (23,7%) declarou que quanto às questões
socioambientais “não é dada a devida importância ao assunto e existe pouco investimento
nessa área”. Alguns calouros declararam que “não sabiam responder” (1,9%) e outros
deixaram a questão totalmente em branco (10,7%). O mesmo ocorreu com alguns veteranos
(3,4%). Esses números podem significar a superficialidade de um embasamento ecológico e
social no ensino fundamental e um desinteresse pelo assunto ao longo do curso.
O que entende por desenvolvimento sustentável?
Anotamos as seguintes observações: “é todo trabalho exercido com finalidade de
se manter sem ultrapassar limites”; “é acreditar em seus propósitos”; “é a capacidade de
progredir com alicerce, tendo sustentabilidade”; “que possui idéias, teorias e práticas
viáveis para que realmente ocorra”; “é um desenvolvimento que se sustenta”; “o que se
desenvolve visando uma melhor sustentação em termos de melhoramento em que estamos
procurando”; “algo dependente do seu próprio empenho”; “é utilizado para sustentação do
animal, ele desenvolve o que consome”; “se sustenta sem que haja algum prejuízo para
quem o desenvolve”; “é o que ocorre sendo sustentado por um órgão”; “fase de um
progresso que é sustentado por outros”. Respostas vagas, confusas ou ausentes totalizaram
cerca de 50,9 % entre eles. Felizmente parece que o assunto recebe algum tipo de atenção
durante o curso, já que os números decresceram no final do curso (11,9 %).
A percepção dos alunos quanto ao desenvolvimento sustentável foi identificada
com a matriz da eficiência: 16,7% entre os calouros e 35,6 % ao final do curso, ou seja, os
resultados foram além do dobro do inicial. Ao avaliarmos os dois grupos chegamos a um
total de (23,6 %). Isto é, o desenvolvimento sustentável deve ser alcançado através de
soluções exclusivamente tecnológicas. Das frases emblemáticas que nos sugeriram a matriz
da eficiência, citamos: “retorno cultural e econômico lucrativo com produção”; “reciclagem
de garrafas com finalidade de produzir objetos”; “ajuda na vida financeira, substitui a mão
de obra por máquinas”; “atividades ligadas à industrialização e urbanização sem que haja
algum dano ao meio ambiente”; “desenvolvimento da região e também ocasionando
lucros”.
A matriz norteadora da eqüidade pretende a sustentabilidade democrática e,
conforme Novicki; Deluiz (2004), ela
propõe uma mudança do paradigma hegemônico de desenvolvimento
econômico, com base em princípios de justiça social, superação da
desigualdade socioeconômica e construção democrática ancorada no
dinamismo dos atos sociais. Traz a discussão da sustentabilidade para o
campo das relações sociais, analisando as formas sociais de apropriação e
uso dos recursos e do meio ambiente (NOVICKI; DELUIZ, 2004, p. 23).
7
As doenças que atualmente afetam os animais domésticos são originárias de reservatórios (animais)
selvagens que vivem em seus ambientes naturais.
Foram raras (6.2%) as frases que apresentaram essa característica, tanto no início do
curso (6,5%) quanto em seu final (5,1%). Das poucas frases anotadas com alguma
conotação social, destacamos: “a sociedade não perde. A renda acompanha o
desenvolvimento”; “desenvolvimento ideal para todo mundo, que dê o mínimo de
dignidade”; “muitas famílias conseguem o pão de cada dia para manterem uma vida digna
para si mesmo”; “sem danificar a natureza, favorecendo o progresso tecnológico
propriamente dito, o social, econômico...”.
A matriz da auto-suficiência, como modelo de desenvolvimento sustentável, é
criticada por Novicki; Deluiz (2004) ao afirmarem que ela é
uma inversão dos postulados do paradigma mecanicista e, desta forma, não
ultrapassa os marcos do dualismo cartesiano homem-natureza. Trata-se de
um desenvolvimento sustentável “biocêntrico”: enquanto no cartesianismo
o homem é colocado no centro do universo, fundamentando o
antropocentrismo e a degradação ambiental, na matriz discursiva da autosuficiência, o homem é visto em posição de subserviência em relação à
natureza (NOVICKI; DELUIZ, 2004, p. 23).
Agrupamos aqui as respostas que privilegiavam os recursos naturais com a idéia
de sociedades e grupos familiares auto-sustentáveis, reposição de elementos da natureza
respeitando-se a capacidade de carga dos ecossistemas e outras próximas dessas
concepções. Agregamos também as manifestações de auto-regulação que pregam um
controle do uso dos recursos naturais no sentido da valorização da natureza. Das frases
emblemáticas anotadas, consideramos: “atividades que sejam capazes de suprir as
necessidades por si só, não necessitando de recursos externos”; “o investimento não
depende de terceiros, ou seja, a sua prática já oferece meios para o seu desenvolvimento”;
“comunidade ou família para viver de forma digna a partir do que ela produz”; “repor na
natureza tudo o que foi retirado”; “respeita o meio ambiente e não ultrapassa os limites”;
“de um grupo de pessoas de se manterem com o que é oferecido pelo meio ambiente”; “seja
suficiente para o sustento e desenvolvimento de uma população neste local”; “de uma
sociedade a partir de seus próprios recursos sem depender de recursos vindos de outro país
ou do governo”; “que visa o consumo sem prejudicar o meio ambiente e as gerações
futuras”; “aproveita recursos naturais de uma determinada área sem degradação”.
Constatou-se que 25,5% dos alunos de primeiro semestre e 47,4% dos veteranos
apresentaram uma concepção biocêntrica de desenvolvimento sustentável. Estes dados
revelam-se paradoxais quando consideramos o elevado percentual de respostas agrupadas
na matriz de eficiência (16,7% e 35,6%, respectivamente).
Quanto à concepção de meio ambiente, verificou-se o predomínio de uma leitura
reducionista (91,3%) com descrições que valorizaram aspectos biológicos, como a fauna e a
flora, mas não citavam claramente a sociedade humana como componente desse contexto.
Os números continuaram altos entre os veteranos (93,4%), o que significa que essa mesma
visão persiste durante o curso. O reducionismo apareceu como abordagens generalizantes,
do tipo “tudo ao nosso redor”, “meio em que vivemos”, “lugar onde se vive”. Outras
respostas exclusivistas descreveram o meio ambiente como “inter-relações entre seres vivos
e o ambiente”, “é a harmonia entre seres e a natureza”; “conjunto de seres bióticos e
substâncias abióticas”, “conjunto de seres vivos”. Calouros reconheceram que o meio
ambiente é “um conjunto de alguns recursos naturais para uso e satisfação das necessidades
humanas”. Parecem não admitir a presença humana e de seus valores na definição de meio
ambiente conforme preconizado por Tbilisi: “espaço criado pela natureza, o qual é passível
de interferência humana e, conseqüentemente, para sua degradação ou manutenção e
beneficiamento”.
Sobre a temática ambiental, um dos professores observou que “quem lida com a
área rural precisa conhecer melhor os aspectos climáticos locais e suas influências na
produção animal”.
Os professores concordam que existe ainda uma grande ignorância do que seja
realmente o chamado desenvolvimento sustentável. Foi citado um exemplo: “alguns alunos
estranham o fato de se considerar a produção bovina como uma atividade impactante e
lesiva aos ecossistemas, já que eles aprendem que essa modalidade de criação é uma cadeia
produtiva como tantas outras e que necessita de conhecimentos técnicos avançados para
que seja altamente lucrativa, que inclui uso de máquinas, equipamentos e geração de
resíduos”. Lastimou-se que o aluno não receba noções básicas para recuperar áreas
degradadas através de disciplina específica.
Sobre a prática da educação ambiental em medicina veterinária os professores
entendem que essas questões “já são tratadas em disciplinas específicas, como a Ecologia”.
O Decreto n. 4.281/2002, que regulamentou a Política Nacional de Educação Ambiental,
deixou claro em seu artigo 5o, que “a integração da educação ambiental às disciplinas seja
feita de modo transversal, contínuo e permanente” (BRASIL, 2002a). Os professores
reconhecem ser necessário um “movimento geral” para organizar e implantar um programa
educativo para questões ambientais. O tratamento transversal do tema meio ambiente
(BRASIL, 1998) parece significar um grande desafio para os professores. Os professores
entendem que as abordagens socioambientais têm sido colocadas mais como “uma
preocupação” do que como uma real, indispensável e inadiável prática. Alegam que
“chamam a atenção dos alunos” sobre esses “cuidados necessários”.
Professores com formação social se mostraram muito mais politizados e abordam a
temática ambiental corretamente, entendendo que às atividades produtivas do homem não
devem esgotar os recursos naturais e nem causar desigualdades sociais. Ouvimos de um
professor de sociologia que “a necessidade de formar profissionais generalistas e
humanistas não quer dizer que tenhamos que saber de tudo e não saber de nada, mas
teremos, necessariamente, de perceber a pluralidade do conhecimento e as conexões
existentes nela”. E complementou que devemos rejeitar “o atual modelo econômico
pautado na questão do capital de exploração desumana, onde se vive dependente do
mercado, onde tudo é transformado em produto e o cidadão é considerado na medida em
que ele é um consumidor”.
Os professores foram unânimes em afirmar que os alunos, de um modo geral, estão
sendo formados sem uma visão clara da importância da temática ambiental na profissão.
Das explicações para tal fato, ouvimos que “a visão clínica é muito forte”; “não há uma
visão crítica”; “são raros os professores que possuem uma visão holística”.
Para melhorar o tratamento da temática ambiental o professor precisa ser capacitado
adequadamente porque “não tem uma formação pedagógica boa”. Haveria a necessidade de
promover seminários, reuniões e palestras no sentido de “repensar a profissão e a postura
da ciência e da sociedade” para o século XXI.
Quanto às entrevistas realizadas com os coordenadores, os resultados nos mostraram
que existe uma “preocupação” com os problemas ambientais e sociais, mas “falta uma
decisão” para que sejam tomadas as medidas necessárias. Parte dos professores foi formada
a partir de orientações fragmentadas. De modo muito natural, “muitos deles acham que esse
assunto pode ser perfeitamente abordado na disciplina específica 8 de ecologia”. Outro
problema levantado como relevante é o fato que, ao se formar, o médico veterinário não
cumpre o período de licenciatura, o que o impede de receber orientações mais específicas
sobre sociologia e outras disciplinas humanas vitais para a área da educação. O que
normalmente ocorre é empregar “bons pesquisadores” com a intenção de que eles sejam
também “bons professores”. Os coordenadores informam que têm, entre outras
responsabilidades, a incumbência de “cumprirem o que manda a lei”. Os coordenadores
entendem que os alunos que iniciam o curso de medicina veterinária já deveriam trazer
esses conhecimentos básicos ao ingressarem na universidade.
Conclusões
Os alunos ingressam na universidade com uma visão simplória, influenciados pelo
fato de “gostarem de animais” e não atentam para as significativas responsabilidades
sociais, ambientais da profissão. A educação superior está orientada para o enfoque
econômico e o próprio mercado de trabalho não valoriza a conservação racional dos
recursos naturais. Concepções equivocadas sobre o que seja meio ambiente não contribuem
para a percepção de relação entre os sistemas produtivos e a qualidade de vida de um modo
geral.
Os professores desconhecem as diferentes concepções de desenvolvimento
sustentável. Ressentem-se de uma formação mais adequada para abordar as questões
socioambientais. Entendem que elas já são atendidas através da disciplina de Ecologia.
8
A Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999) em seu Art. 10, não recomenda a implantação
específica da disciplina de educação ambiental no currículo de ensino e preconiza que os conteúdos que
Notou-se um amplo desconhecimento sobre o que determina a Política Nacional de
Educação Ambiental. Reconhecem que está havendo um crescimento de interesse pelos
temas ambientais, mas o mercado de trabalho não oferece opções que “cativem” o aluno
para essas áreas. Os resultados analisados nos mostram uma nítida tendência para a
valorização estritamente econômica, minimizando as abordagens socioambientais.
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