Acompanhamento Sazonal do Movimento do Terreno e da Umidade de um Depósito de Argila Expansiva Não Saturado José Maria Justino da Silva Departamento de Engenharia Civil, UFPE, Recife, Brasil Paulo Teixeira da Cruz Departamento de Estruturas e Fundações, EPUSP, São Paulo, Brasil RESUMO: São apresentadas medidas sazonais do movimento do terreno e do teor de umidade de um depósito de argila expansiva não saturado, durante três ciclos sazonais. O deslocamento vertical do terreno foi obtido através de medições de placas metálicas instaladas em profundidade. As determinações do teor de umidade natural foram feitas através de ensaios de laboratório e de medidas utilizando a sonda de nêutrons. Observa-se uma relação entre o deslocamento de contração e de expansão e os períodos secos e de chuvas respectivamente. Sendo a resposta do terreno às variações climáticas, mais rápida para as camadas mais próximas da superfície do terreno e mais lenta para as mais profundas da zona ativa. Os resultados obtidos através da sonda de nêutrons mostram que os teores de umidade se aproximam daqueles calculados pelas relações entre os índices físicos, onde, a pequena diferença encontrada é conseqüente da variação de volume do terreno e sua influência sobre a contagem neutrônica. PALAVRAS-CHAVE: Argila Expansiva, Umidade, Deslocamento Vertical. 1 INTRODUÇÃO Em algumas áreas próximas a zona litorânea do Nordeste do Brasil ocorre à presença de solos argilosos expansivos. A deformação sofrida por esses solos devido à variação no teor de umidade tem sido a causa geotécnica mais freqüente de danos a estruturas leves apoiadas sobre os mesmos. Para investigar estes problemas foi feito o monitoramento utilizando placas metálicas para medição do deslocamento vertical e determinação do teor de umidade gravimétrico e volumétrico durante três ciclos sazonais. 2 DESCRIÇÃO EXPERIMENTAL 2.1 Aspectos Gerais DO LOCAL O local estudado situa-se no Município de Paulista-PE ao norte da Cidade do Recife, latitude 7º 55’ 35’’ e longitude 34º 50’ 49’’. Trata-se de uma argila expansiva não saturada proveniente de rocha calcária com plasticidade elevada tendo sido estudada até 6m de profundidade. Não existe nível d’água freático no local. A camada superficial com espessura média de 0,50m é constituída de uma areia fina e média argilosa. Segue-se uma camada de argila siltosa de coloração cinza com faixas avermelhadas ou com faixas amareladas, até 6 m de profundidade. Durante os períodos secos prolongados que ocorreram na fase de investigação, verificou-se o aparecimento de fissuras na superfície do terreno com 30mm de abertura, tendo sido constatado através de um poço de inspeção e, também, dos valores da umidade natural em relação ao da umidade correspondente ao limite de plasticidade, que as mesmas se prolongavam até 2,5m de profundidades. 2.2 Propriedades do Solo A camada de argila siltosa apresenta pouca variação nas propriedades índices até 6m de profundidade, portanto, os valores médios são apresentados na Tabela 1. Estas propriedades classificam a argila, em relação ao potencial de expansão dos solos, na categoria de "muito alto" em três métodos utilizados para determinação do mesmo (van der Merwe 1964; Vijayvergiya & Ghazzaly 1973; Cuellar 1978). Um total de 20 furos de sondagem a trado com 150mm de diâmetro foram executados tendo como objetivos: obtenção de perfis de umidade gravimétrica; instalação de placas de medição de deslocamento vertical; e permitir a extração de amostras indeformadas tipo "shelby" com 87mm de diâmetro, pelo processo quasi-estático (Justino da Silva e Rolim 2002), utilizadas na determinação das propriedades índices, e parâmetros de deformação dos solos envolvidos. Também foi executado um furo com 50mm de diâmetro para instalação do tubo de acesso da sonda de nêutrons. Os resultados obtidos através da instrumentação utilizada (placas metálicas) e dos ensaios realizados (umidades) indicam que a zona ativa pode ser delimitada tanto pelo perfil da variação do teor de umidade gravimétrico quanto pelo perfil de deslocamento vertical (Justino da Silva et al. 2004). Tabela 1. Caracterização física do solo. Propriedades Valores % de Areia Fina 8% % de Silte 22% % de Argila 70% % de Partículas < 2µm 60% Umidade Natural Gravim. 20% a 36% Umidade Natural Volum. 23% a 50% Limite de Liquidez 86% Limite de Plasticidade 30% Limite de Contração 10% Índice de Plasticidade 56% Índice de Atividade (Ia) 0,93 (normal) Classificação Unificada CH – argila inorgânica de alta plasticidade 3 ATIVIDADES DE CAMPO E DE LABORATÓRIO E RESULTADOS OBTIDOS Os resultados obtidos durante o período de investigação serão apresentados nas seguintes profundidades: 0,25m; 1,00m; 2,00m; 2,50m, 3,00m e 4,00m, em relação ao nível do terreno. Também, são apresentadas as medidas de precipitação pluviométrica diária do período investigado. 3.1 Placas Metálicas para Deslocamento Vertical Medidas de Foram instaladas placas metálicas ao longo da profundidade (0,25m; 1,00m; 2,00m; 2,50m; 3,00m; 4,00m) locadas num círculo com 5,0m de diâmetro, destinadas a medir o deslocamento vertical. Trata-se de uma placa metálica com 125mm de diâmetro e 8mm de espessura acoplada a uma haste central metálica com 19mm de diâmetro e protegida externamente por um tubo de PVC com 25mm de diâmetro interno. O intervalo existente entre a haste metálica e o tubo de PVC foi preenchido com graxa. O processo de medição consiste na leitura ótica através de um nível topográfico de precisão munido de placa plano e paralela, utilizando uma mira de invar apoiada no topo da haste central. Como referência foi utilizado um RN confiável ancorado na rocha calcária. A Figura 1 apresenta os resultados dos deslocamentos verticais medidos ao longo do tempo juntamente com a precipitação pluviométrica diária e, também, às deformações verticais específicas, correspondentes à relação entre a diferença do deslocamento vertical verificado na placa superior e o da placa inferior adjacente e a distância original entre elas, onde os valores negativos correspondem à contração do solo, enquanto os positivos à expansão. 3.2 Teor de Umidade Gravimétrico Volumétrico Obtidos em Laboratório e Nos três ciclos sazonais foram obtidos treze perfis do teor de umidade gravimétrico, tendo sido utilizados furos de sondagens a trado com coleta de amostras e pesagem inicial logo em seguida a obtenção da mesma. Precipitação Pluviométrica Diária (mm) PRECIPITAÇÃO PLUVIOM ÉTRICA DIÁRIA 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 Tempo (dias) Deslocamento Vertical (mm) DESLOCAMENTO VERTICAL 45 30 15 0 -15 -30 -45 -60 -75 0 100 200 300 0,25m 400 1,00m 500 600 Tempo (dias) 2,00m 700 2,50m 800 900 3,00m 1000 4,00m Deformação Específica Vertical (%) DEFORM AÇÃO ESPECÍFICA VERTICAL 4 3 2 1 0 -1 -2 -3 -4 -5 -6 0 100 200 300 400 P2/P5 (0,25-1,00)m P9/P10 (2,50-3,00)m 500 600 700 Tempo (dias) P8/P5 (1,00-2,00)m 800 900 1000 P8/P9 (2,00-2,50)m P10/P11 (3,00-4,00)m Figura 1. Deslocamento vertical e deformação específica vertical relacionados com a pluviometria diária. A determinação do teor de umidade volumétrico foi feita através da relação entre os índices físicos do solo (umidade gravimétrica, peso específico aparente seco e densidade das partículas) utilizando amostras indeformadas extraídas em nove períodos distintos. Os resultados obtidos do teor de umidade em laboratório (gravimétrico e volumétrico) estão apresentados na Figura 2. 3.3 Tubo de Acesso da Sonda de Nêutrons No campo, a determinação do teor de umidade volumétrico foi feita através do uso da sonda de nêutrons. Tendo sido instalado uma vertical do tubo de acesso. A profundidade de instalação foi baseada na espessura da zona ativa do local, 3,0m de profundidade. As leituras obtidas através da contagem neutrônica são convertidas para teor de umidade volumétrica usando uma curva de calibração que relaciona a contagem neutrônica reduzida com a umidade gravimétrica obtida durante a instalação do tubo de acesso. Os resultados estão apresentados na Figura 3. 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS A opção pela precipitação pluviométrica diária ao invés da acumulada mensal se deu pela irregularidade na freqüência de chuvas no período, além de que, no local não existe um lençol freático e dessa maneira a transferência de umidade na zona ativa será proveniente apenas da água de infiltração de chuvas. Como o solo da zona ativa tem uma condutividade hidráulica baixa utilizar a precipitação pluviométrica acumulada mensal não é suficiente para explicar o comportamento de deformação apresentado pelo mesmo. A Figura 1 mostra que nos primeiros 700 dias, somente no intervalo de tempo entre 100 e 150 dias, houve um acentuado levantamento do solo, no restante praticamente prevaleceu a contração. Este último fenômeno é resultante da ocorrência de dois períodos secos muito prolongados e dois períodos úmidos caracterizados por chuvas pontuais de intensidade média a elevada, porém, muito espaçadas, desenvolvendo sucções elevadas nas camadas de solos da zona ativa, a qual reduz bastante a parcela de água de infiltração através da matriz do solo, exceto nos trecho fissurados. O medidor de deslocamento vertical instalado na profundidade de 1,00m, próximo ao topo da camada de argila, está localizado na zona que apresenta fissuras no terreno e com isso seu comportamento de deformação é diferente dos demais medidores. Quando ocorre o levantamento do terreno o movimento inicial é mais acelerado, pois as fissuras permitem uma penetração mais rápida da água no solo. Após o período inicial, ocorre uma redução na velocidade de levantamento porque a expansão que no trecho intacto é unidimensional, no fissurado desde o início até o fechamento da fissura é tridimensional. Todavia, quando da contração sazonal, como a área com fissuras retêm maior quantidade de água, a contração é mais lenta do que aquela com o solo intacto. Em relação ao comportamento do maciço no que se refere à deformação vertical específica, observa-se que enquanto existem zonas do mesmo submetidas ao efeito de deformação de compressão outras estão ao mesmo tempo sendo submetidas ao efeito de contração. A Figura 2 mostra que a variação de umidade está limitada a parte superior do perfil do solo (3,00 metros) a qual corresponde a espessura da zona ativa. Em solos sujeitos a fissuramento à avaliação das mudanças do teor de umidade no perfil do solo baseada na precipitação pluviométrica, torna-se complexa quando se tem um período de distribuição de chuvas muito irregular (período entre 300 e 700 dias), pois dependendo do intervalo entre as chuvas o solo pode fechar ou reabrir as fissuras, acarretando uma aceleração na perda ou ganho de umidade. Precipitação Pluviométrica Diária (mm) PRECIPITAÇÃO PLUVIOMÉTRICA DIÁRIA 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 1 101 201 301 401 501 601 701 801 901 Tempo (dias) Teor de Umidade Gravimétrico (%) UMIDADE GRAVIMÉTRICA 40 35 30 25 20 15 10 5 0 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Tempo (dias) 0,25m 1,0m 2,0m 2,5m 3,0m 4,0m UMIDADE VOLUMÉTRICA - (Índices Físicos) Teor de Umidade Volumétrico (%) 60 50 40 30 20 10 0 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Tempo (dias) 0,25m 1,0m 2,0m 2,5m Figura 2. Teor de umidade gravimétrico e volumétrico relacionados com a pluviometria diária. 3,0m 4,0m Na Figura 3(a), os valores do teor de umidade volumétrico, obtidos através da sonda de nêutrons praticamente se equivalem àqueles provenientes da relação entre os índices físicos do solo, pois, não houve variação de volume do maciço entre a leitura inicial com a sonda de nêutrons e a extração das amostras indeformadas utilizadas na determinação dos índices físicos. Enquanto, na Figura 3(b), a diferença existente entre os valores obtidos pelos dois procedimentos é conseqüente da variação de volume acentuada do maciço que ocorreu entre a leitura inicial da sonda e a leitura apresentada, pois a variação de volume do maciço influi na contagem neutrônica e, conseqüentemente, na curva de calibração utilizada. Profundidade (m) 0 Teor de Umidade Volumétrico (%) 10 20 30 40 50 0 REFERÊNCIAS -1 -2 -3 -4 -5 Sonda (a) Profundidade (m) 0 Índices Físicos Teor de Umidade Volumétrico (%) 10 20 30 40 50 0 -1 -2 -3 -4 (b) Sonda Índices Físicos Figura 3. Teor de umidade volumétrico obtido em diferentes datas através da sonda de nêutrons e da relação entre índices físicos. 5 e mais lenta para as mais profundas da zona ativa. Em solos sujeitos a variação de volume o teor de umidade volumétrico obtido através do uso da sonda de nêutrons só aproxima-se do valor calculado através de ensaios de laboratório, quando a variação de volume do maciço entre a leitura inicial e a leitura realizada for pequena. Uma análise dos resultados da deformação específica do terreno obtida do movimento vertical observado, devido à mudança no teor de umidade, indica que a mesma não é constante com a profundidade, como é assumido na maioria dos cálculos de métodos de previsão de levantamento. Ignorar este fato pode levar a grandes diferenças entre os valores medidos no campo e aqueles previstos no levantamento. CONCLUSÕES Os deslocamentos de contração e de expansão estão relacionados com os períodos secos e de chuvas respectivamente. A resposta do terreno às variações climáticas é mais rápida para as camadas mais próximas da superfície do terreno Cuellar, V. (1978). Análisis Crítico de los Métodos Existentes para el Empleo de Arcillas Expansivas en Obras de Carreteras y Recomendaciones sobre las Técnicas más Idóneas para su Uso Habitual en España, Laboratório del Transporte y Mecánica del Suelo, Madrid, 321p. Justino da Silva, J. M. e Rolim, T. L. (2002). Um Processo Simples para Extração de Amostras Indeformada Tipo "Shelby" em Argila Fissurada, XII Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, São Paulo-, Vol. 1, p. 519524. Justino da Silva, J. M.; Cruz, P. T. e Jucá, J. F. T. (2004). Medidas de Campo e de Laboratório da Variação de Volume em um Solo Expansivo Não Saturado, 5° Simpósio Brasileiro de Solos Não Saturados, São Carlos-São Paulo, Vol. 1, p. 483-488. van der Merwe, D.H. (1964). The Prediction of Heave from the Plasticity Index and the Percentage Clay Fraction of Soils, South Africa Inst. of Civil Eng., Vol. 6, p. 103-107. Vijayvergiya, V. N. e Ghazzaly, O. I. (1973). Prediction of Swelling Potencial for Natural Clays, Proceedings of the 3rd International Conference on Expansive Soils, Haifa, Vol. 1, p. 227-236.