Validação de Metodologia para
Correlação entre a Temperatura de
Fusão e a Composição Química da Cinza
gerada na Usina Jorge Lacerda/SC
Diego B. Machado1, Larissa B. Bortolatto1, Fábio S. Costa2, Everton Skoronski1 e Jair J. João1
Resumo – Neste trabalho foi realizado um estudo sobre a
composição química e a temperatura de fusão da cinza
produzida na queima de carvão mineral nas caldeiras da Usina
Jorge Lacerda/SC. Foram avaliadas três metodologias
analíticas para determinação dos óxidos constituintes da cinza,
sendo elas: colorimétrica, absorção atômica em forno de
grafite e fluorescência de raios-X. Os resultados obtidos foram
correlacionados a partir de modelos lineares e não lineares,
tendo como fatores a composição química da cinza e como
resposta a temperatura de fusão. Os resultados apontam que o
modelo não linear apresentou uma maior correlação entre os
dados, sendo que a técnica de fluorescência de raios-X se
apresentou como a técnica mais adequada. Os dados obtidos
evidenciam que a composição química da cinza influencia a
sua temperatura de fusão sendo que estas informações podem
ser aplicadas no gerenciamento das unidades de forma a
controlar a qualidade do carvão empregado nas caldeiras.
Palavras chaves – cinza, óxidos, ponto de fusão, regressão
numérica, técnicas analíticas.
I.INTRODUÇÃO
O carvão representa por volta de 41% das fontes de
energia para geração termelétrica de todo o mundo, sendo
que no Brasil as reservas provadas estão estimadas em cerca
de 7.068 milhões de toneladas. As usinas termoelétricas que
utilizam o carvão nacional estão todas localizadas nas
proximidades das minas nos estados da região sul do país,
totalizando 1.415 MW em operação [1]. As cinzas
remanescentes da combustão do carvão consistem de uma
mistura complexa de fases cristalinas e amorfas sem um
ponto de fusão definido.Essa parcela inorgânica do carvão
se caracteriza por agregar em sua composição uma grande
diversidade de óxidos, entre eles SiO2, Al2O3, Fe2O3, CaO,
MgO,TiO2, K2O e Na2O [2].Desta forma, um estudo
adequado sobre esta composição deve ser realizado no
sentido de utilizar esta informação como subsídio para a
prevenção de problemas ocasionados pela fusibilidade de
cinzas [3].
_____________________________
Desenvolvimento de metodologia para avaliar a correlação entre a
composição química das cinzas do carvão mineral e sua temperatura de
fusão, PD-0403-0010/2010; Tractebel energia/SUEZ; UNISUL;
2010/2012; R$ xxxxx.
1
Universidade do Sul de Santa Catarina ([email protected]).
2
Tractebel Energia – Complexo Termelétrico Jorge Lacerda
([email protected]).
O tema abordado neste trabalho não é objeto de estudo
em institutos de pesquisa nacionais e devido a este fato
existem pouquíssimas referencias a respeito do assunto,
sendo este um trabalho pioneiro no Brasil. Podemos
observar na literatura citações de excelentes trabalhos sobre
o assunto [4]-[9]. Através destes artigos, podem-se observar
os bons resultados obtidos, onde os autores correlacionam a
temperatura de fusão das cinzas com composição química
do carvão. Entretanto, os dados obtidos em uma unidade
não podem ser utilizados para outras, pois a correlação entre
temperatura de fusão das cinzas e composição química do
carvão varia consideravelmente de região para região,
dependendo intimamente das características do carvão a ser
analisado [9]. Deste modo, para obter-se uma correlação
fidedigna para o carvão de SC é necessário realizar uma
pesquisa específica e que forneça resultados precisos.
Para o Complexo Termoelétrico Jorge Lacerda, objeto
deste estudo, nos últimos anos foi observada uma
indisponibilidade operacional de 750 horas de operação nas
unidades 5 e 6 da UTLB, com um custo aproximado de R$
9.250.000,00. Esta ocorrência está associada à temperatura
de fusão das cinzas presentes no carvão. Cabe salientar que
o carvão de SC possui um teor elevado de cinzas, em torno
de 43%. Como esta ocorrência tem se agravado
consideravelmente nos últimos anos, fato que não se
verificava em anos anteriores, é necessário um estudo
aprofundado das características do carvão que possam estar
ocasionando a formação de cinzas fundidas e,
consequentemente, a indisponibilidade forçada das
unidades.
O objetivo deste trabalho foi desenvolver uma
metodologia para a determinação da temperatura de fusão
das cinzas, do carvão mineral, a partir da composição
química das mesmas, além da avaliação da temperatura de
fusão das cinzas dos diversos tipos de carvão da região
carbonífera de Santa Catarina, que possa ser utilizada para o
monitoramento da qualidade do carvão utilizado na geração
de energia.
II. METODOLOGIA
A. Preparação das amostras de cinzas
Para a realização deste trabalho foram coletadas 140
amostras de carvão, que foram submetidas a queima para a
geração de cinzas. A amostragem do material foi realizada
segundo a metodologia de quarteamento para obtenção de
uma amostra representativa para realização das análises.
Após esta etapa foi realizada a moagem do carvão para
obtenção das cinzas dos carvões com granulometria
uniforme, próximo a 200 mesh Tyler. Em seguida, realizouse a combustão completa na temperatura de 850 oC, com
isoterma de 4 horas, em forno do tipo mufla.
B. Análises de óxidos via absorção atômica
Uma das técnicas analíticas empregadaspara as análises
químicas foi aabsorção atômica de forno de grafite, após
digestão da amostra em microondas em meio ácido (AOAC,
1997), O equipamento utilizado neste estudo foi um
Espectrofotômetro de Absorção Atômica com Forno de
Grafite (ETAAS), modelo ZEEMAN 220 (Varian).
Para realização das análises foram pesados 0,300 g de
amostra, no frasco de um bloco digestor para microondas e
adicionado 2mL de HF (ácido fluorídrico), 3 mL de HNO 3
(ácido nítrico) e 2 mL de HCl (ácido clorídrico)
concentrados. O frasco foi fechado adequadamente e
colocado no microondas por 4 minutos. A solução digerida
foi filtrada e avolumada para 250 mL. Foram analisados os
seguintes óxidos: silício, alumínio, ferro, cálcio, potássio,
enxofre, sódio, titânio e magnésio, sendo os resultados
expressos em porcentagem do óxido presente na cinza
obtida (%).
C. Análise de óxidos por métodos colorimétricos
Outra técnica empregada para as análises químicas foi o
método colorimétrico. O fotômetro spectroquant NOVA 60
é um instrumento simples para análise de rotina podendo ser
também utilizado como uma estação de análise móvel. Os
métodos baseiam-se na complexação do metal de interesse
com um ligante de forma a gerar um complexo estável e
colorido que pode ser detectado na região do visível. O
preparo das amostras foi realizado seguindo a metodologia
anteriormente descrita.
D. Análise de óxidos por fluorescência de raios-X de
energia dispersiva (EDX)
Finalmente, as análises da composição química das cinzas
do carvão foramainda realizadas por técnica de
fluorescência de raios-X (EDX). O EDX é um sistema de
raios-X de energia dispersiva, conhecido como EDS. Isto
significa que os raios-X são detectados através de um
detector (semicondutor), o qual permite análises simultâneas
multi-elementar, possibilitando uma análise extremamente
rápida mesmo na faixa de ppm. Esta técnica fornece uma
maior confiança analítica. As amostras de cinzas foram
preparadas e enviadas para o laboratório ANALYTICAL
SOLUTIONS LTDA, São Paulo, empregando o método
EPA 6010.
E. Análise de temperatura de fusão
Para cada amostra de cinza foram determinados os
seguintes parâmetros relacionados a sua temperatura de
fusão (oC): ponto de deformação (p.d.), ponto de esfera
(p.e.), ponto de semi-esfera (p.s.e.) e ponto de fluidez (p.f.).
Para realização destas determinações foi utilizado um
microscópio de aquecimento (Hesse Instruments).
F. Análises de regressão multivariada
Após a determinação da composição química da cinza
buscou-se estabelecer uma correlação entre esta composição
em termos de seus óxidos e sua temperatura de fusão. Para
estabelecer esta correlação, foi realizada uma análise de
regressão linear e não linear múltipla, utilizando o software
STATISTICA 10 (StatSoft Inc. 2010). Nesta análise foi
assumido um nível de confiança estatística de 95 %
(alfa=0,05). Os parâmetros da equação foram determinados
pelo método de estimação de Quasi-Newton.
Além da composição química da cinza, foram
considerados ainda como variáveis independentes, os
seguintes grupos de composição, referentes a parâmetros
empíricos, tais como valor de sílica, base, ácido, R250 e
dolomita. As equações gerais que foram aplicadas nas
análises de regressão são expressas nas equações 1 e 2, para
os modelos de regressão linear e não linear,
respectivamente:
(1)
(2)
onde os valores de
representam os coeficientes do
modelo de regressão linear e os coeficientes do modelo de
regressão não linear. O ajuste dos modelos foi determinado
através de análise de variância ANOVA e expressos em
termos de coeficiente de determinação (R) e variância.
III. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos para análise do ponto de fusão
encontram-se na Tabela 1.
Tabela 1 – Resultados obtidos para a análise do ponto de fusão da cinza.
Valores
Média
Máximo
Mínimo
Desvio
padrão
Numero
pontos
p.d. (°C)
1363
1582
959
p.e. (°C)
1490
1599
1366
p.s.e. (°C)
1513
1606
1403
p.f. (°C)
1545
1605
1451
130
72
61
48
150
150
150
147
Com relação à análise química dos óxidos, observou-se
entre os resultados uma concordância com relação aos
óxidos que se encontram de forma majoritária na
composição química da cinza. Neste sentido, o óxido de
silício é o composto mais presente nas amostras, seguido
pelo alumínio, ferro e potássio que juntos correspondem a
mais de 90 % da composição mássica das amostras de cinza.
No entanto, observam-se algumas discrepâncias entre as
resultados obtidos, quando analisamos os valores numéricos
obtidos para a análise da composição por elemento. Estes
resultados podem ser justificados pela natureza da amostra
utilizada para análise, ou seja, estamos tratando de amostras
sólidas e a heterogeneidade de sua composição é esperada,
dificultando assim a obtenção de resultados com reduzida
margem de erro, mesmo para amostras obtidas na mesma
amostragem.
Os resultados obtidos com as análises de regressão
demonstram que a metodologia baseada em absorção
atômica não apresenta resultados satisfatórios com relação à
correlação entre os dados de composição química da cinza e
a temperatura de fusão apresentando valores de R abaixo de
0,60 em todos os ajustes propostos. A variância observada
de no máximo 30 %, aproximadamente, também é um
indicativo desta falta de ajuste, uma vez que valores
próximos de 100 % conduzem a boas correlações entre as
variáveis estudadas. Na metodologia por espectroscopia de
absorção atômica, a etapa de digestão é determinante para
posterior análise dos metais. Neste sentido, problemas
relacionados à diluição e um universo heterogêneo das
amostras justificam a falta de correlação entre os dados,
supostamente pelo fato de a composição química da cinza
não apresentar valores fidedignos da real composição da
amostra e assim interferir na sua correlação com a
temperatura de fusão.
Os resultados obtidos por determinação colorimétrica
também não apresentaram resultados satisfatórios com
relação à correlação entre os dados de composição química
da cinza e a temperatura de fusão. Tecnicamente, o método
colorimétrico apresenta-se como uma técnica de difícil
execução, uma vez que a etapa de digestão é demorada e
ainda demanda diversas diluições para ajustar a
concentração do analito de interesse à faixa de medição
proposta por cada técnica aplicada para determinação dos
metais. Além disto, os agentes complexantes recebem
interferência entre os metais presentes no meio, o que pode
acarretar competição entre os complexos formados e assim
gerar resultados errôneos.
Os resultados obtidos com a metodologia de
fluorescência de raios-X apresentaram os melhores
resultados entre as três metodologias empregadas. Os
valores de correlação ficaram entre aproximadamente 0,80 e
0,90, indicando uma forte correlação entre os dados
analisados. A metodologia em questão apresenta vantagens
frente aos outros dois métodos por não necessitar a etapa de
digestão de amostra e posterior diluição, etapa que
normalmente apresenta erros associados que são somados
àqueles já previstos durante a leitura das amostras.
Observou-se que o modelo não linear proporciona uma
maior correlação (Tabela 2) entre os dados apresentados em
relação ao modelo linear aplicado. Estas observações
corroboram com os resultados obtidos por outros autores[9],
que estudaram a temperatura de fusão da cinza de carvão
indiano e também apresentaram a proposta de correlação
linear e não linear com a composição química da cinza.
Tabela 2-Resultados obtidos para as análises de regressão múltipla, levando
em conta a concentração molar da cinza, analisada pela metodologia de
fluorescência de raios-X e o ponto fusão da cinza.
Coeficiente
1
p.d. (°C)
p.e.(°C)
p.s.e.(°C)
p.f. (°C)
0,1982
20,6670
6927,062
1495,540
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
R
Variância
2,6229
0,9869
0,3020
0,3379
1,3100
-0,1278
0,1718
1,0778
-0,1090
-7,8798
-4,8562
-0,0230
-24,8347
-1,8170
0,7988
63,81
8,9197
1,8031
-0,2494
-0,4910
0,0815
-0,0912
-0,2369
-0,5913
0,0236
-22,746
1,7742
-9,4491
41,9966
-0,4419
0,8702
75,73
7,170
1,353
-0,237
-0,521
0,048
-0,055
-0,196
-0,653
0,019
-25,239
1,640
-8,691
44,895
-0,364
0,8728
76,18
7,675
1,906
-0,130
-0,442
-0,085
-0,090
-0,170
-0,347
0,016
-3,728
1,850
-9,145
19,904
-0,026
0,8800
77,44
IV. BENEFÍCIOS COM O PROJETO
Os dados obtidos com a realização deste trabalho poderão
ser utilizados para simular a temperatura de fusão da cinza
em função da composição química do mesmo, sendo
aplicável na prevenção de problemas relacionados à
fusibilidade da cinza.
V. CONCLUSÃO
A partir dos resultados obtidos é possível observar que a
aplicação de técnica de regressão não linear multivariada
apresenta-se como uma metodologia adequada para
correlacionar a temperatura de fusão da cinza obtida na
queima de carvão com as suas características relacionadas à
composição química determinada pela técnica de
fluorescência de raios-X.
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Brasil. 3 ed. Brasília, 2008.
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Processing Technology, vol. 45, pp. 27-51, 1995.
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temperatures and the transformations of coal ash particles to slag,”Fuel
Processing Technology, vol. 56, pp. 33–43, 1998.
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[5] M. Ichida,T. Orimoto,T. Tanaka,F. Koizumi, “Behavior of pulverized
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[6] E. Jak, “Prediction of Coal Ash Fusion Temperatures with the
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pp.1655–68, 2002.
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[8] J. C. Van Dyk.L. L. Baxter,J. H. P. Van Heerden,R. L. J. Coetzer,
“Chemical fractionation tests on SouthAfrican coal sources to obtain
species-specific information on ash fusion temperatures (AFT),”Fuel,
vol. 84,pp. 1768–1777, 2005.
[9] G. Ozbayoglua,M. E. Ozbayoglua,“A new approach for the prediction
of ash fusion temperatures: A case study using Turkish lignites,”Fuel,
vol.85, pp. 545-552, 2006.
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Artigo Técnico - Tractebel Energia