PRIMEIRA CARTA
ENVIADA À RAINHA DONA JUANA E AO IMPERADOR CARLOS
V, SEU FILHO, PELA JUSTIÇA E REGIMENTO DE VILA RICA DE
VERA CRUZ, A 10 DE JULHO DE 1519.
M
ui altos e mui poderosos excelentíssimos príncipes, mui católicos e mui grandes reis e senhores:
Acreditamos que vossas majestades, por cartas de Diego
Velásquez, tenente de almirante na Ilha Fernandina1, tenham sido informados de uma terra nova, descoberta há
pouco mais de dois anos, que a princípio foi chamada
pelo nome de Cozumel e logo depois chamada Yucatán,
e que não é nenhuma e nem outra coisa, como vossas altezas poderão ver por estes relatos. Isto porque os relatos que vossas altezas têm recebido até agora desta terra,
tanto de sua maneira, de suas riquezas e da forma como
foi descoberta, bem como de outras coisas que se tem dito
dela, não são nem poderiam ser certos. Estes dados que
estamos enviando a vossas majestades é que são corretos e trataremos aqui, desde o momento em que estas
terras foram descobertas até o estado em que se encontram no presente, para que vossas majestades conheçam
a terra como é, a gente que a habita, sua maneira de viver,
seus ritos e cerimônias, suas leis, e o fruto que dela vossas altezas reais poderão obter, e também para que
vossas altezas reais saibam por quem nela têm sido
servidos.
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Pode haver dois anos, pouco mais ou pouco menos,
mui esclarecidos príncipes, que na cidade de Santiago,
que é na Ilha Fernandina e cujo povo é nosso vizinho, se
juntaram três pessoas desta dita ilha, um dos quais se diz
Francisco Fernández de Córdoba2, o outro Lope Ochoa
de Caicedo e o outro Cristóbal Morante. E como é costume nestas ilhas que em nome de vossas majestades estão
povoadas de espanhóis, vai-se a outras ilhas buscar índios para deles se servir. Assim, aqueles três enviaram
dois navios e um bergantim a buscar em ditas ilhas índios
para servirem na Ilha Fernandina. Acreditamos, porque
ainda não sabemos ao certo, que o dito Diego Velásquez,
tenente de almirante, tinha a quarta parte daquela armada. Um dos referidos armadores, Francisco Fernández de
Córdoba, foi como capitão e levou por piloto a Antón de
Alaminos, vizinho da vila de Palos. Este mesmo Alaminos,
nós trouxemos agora como nosso piloto. Seguindo sua
viagem, foram dar à dita terra intitulada Yucatán, à ponta
dela3, onde está a Vila Rica de Vera Cruz, que é onde
estamos em nome de vossas altezas reais e que dista sessenta ou setenta léguas da Ilha Fernandina. Eles saltaram
em um povoado que disseram chamar-se Campeche, governado por um senhor a quem deram o nome de Lázaro4.
Ali ganharam uma tela decorada com ouro, mas não obtiveram autorização para ficar no povoado, pelo que tiveram que seguir costa abaixo até uma distância de dez
léguas, onde tornaram a saltar à terra, em um outro povoado chamado Machocobón e cujo senhor era chamado
Clumpoto. Ali foram bem recebidos pelos nativos, os
quais, no entanto, não lhes permitiram também entrar
no povoado. Embora a proibição, os espanhóis dormiram em terra, fora de suas naus. Ao verem isto no outro
dia pela manhã, os nativos se atiraram à luta de tal maneira que morreram vinte e seis espanhóis e foram feridos todos os outros. Sentindo a situação difícil, o capitão
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Francisco Fernández de Córdoba escapou com os que
restavam, indo refugiar-se na nau.
Vendo, pois, o dito capitão como lhe haviam matado
mais da quarta parte de sua gente e que todos os que restavam estavam feridos – ele mesmo tinha trinta e tantas feridas, estando quase morto e pensando que não escaparia
com vida –, decidiu voltar com os navios à Ilha Fernandina.
Ali comunicou o ocorrido a Diego Velásquez, ressaltando
que haviam encontrado uma terra muito rica em ouro, porque todos os nativos carregavam peças douradas, tanto no
nariz, nas orelhas ou em outra parte do corpo. E que naquela terra havia canto, edifícios de cal, excelente administração e muitas outras riquezas, dizendo-lhe que podia mandar
navios e resgatar o ouro, que havia em grande quantidade.
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Ao saber disto, Diego Velásquez, movido mais pela
cobiça do que pelo zelo, despachou seu procurador à rainha
Espanhola5 com um relato aos padres de São Jerônimo, que
ali residiam como governadores destas Índias, para que em
nome de vossas altezas dessem licença para que fosse às
ricas terras pouco conhecidas. Disse-lhes que se dessem
licença prestaria um grande serviço a vossas majestades,
obtendo junto aos nativos ouro, pérolas e outras pedras preciosas e de tudo pagaria o quinto a vossas majestades. Os
reverendos padres governadores jerônimos concederam a
autorização para executar a viagem à terra descoberta em
nome de vossas majestades. No entanto, sem que os padres
jerônimos soubessem, Velásquez enviara ao mesmo tempo
Gonzalo Guzmán à presença de vossas majestades, dizendo que havia descoberto aquelas terras que poderiam prestar grandes serviços e riquezas, suplicando a vossas altezas
reais que o nomeassem adiantado e governador das mesmas,
fazendo todo um relato que por ser do conhecimento de
vossas majestades não o expressamos aqui.
Neste meio tempo, como viesse a licença dos padres
da Ordem de São Jerônimo, se apressou em armar três
navios e um bergantim e enviá-los antes que viesse a resposta de vossas majestades, que poderia ser negativa.
Enviou como capitão a um parente seu chamado Juan de
Grijalba e com ele cento e sessenta homens recrutados
entre os vizinhos da ilha, entre as quais iam alguns de nós
como capitães, para servir a vossas altezas reais. E não só
aventuramos nossas pessoas, como também abastecemos
a dita armada com mantimentos vindos de nossas casas e
das de outras pessoas que seguiam junto, com o que gastamos e gastaram boa parte de nossas fazendas. Como
piloto da armada seguiu Antón de Alaminos, que por primeiro havia descoberto aquelas terras quando lá esteve
com Francisco Fernández de Córdoba. Antes que chegassem a esta terra, descobriram uma pequena ilha situada a
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umas trintas léguas ao sul, à qual deram o nome de Santa
Cruz6, tendo desembarcado em um povoado a que chamaram de San Juan de Porta-Latina. No mesmo dia em
que chegaram, cerca de cento e cinqüenta índios do povoado se aproximaram para vê-los. Estes índios, segundo
indicaram, teriam no dia seguinte abandonado o povoado
e se refugiado nas montanhas. Todavia, parece ter ficado
claro que o capitão, com a desculpa de ter saído à procura
de água, arrasou o povoado antes de alçar as velas e seguir sua viagem até chegar à terra que Francisco Fernández de Córdoba havia descoberto, onde ia para medi-la e
fazer seu resgate. Chegados lá, andaram pela costa de sul
até o poente, até chegar a uma baía, à qual o capitão Grijalba
e o piloto Alaminos puseram o nome de Ascensión, e que,
segundo eles, situa-se muito próxima de Ponta Veras, que é
a terra que Vicente Yanes descobriu. Perceberam que a baía
era muito grande, passando ao mar do Norte. Voltaram dali,
dobrando a dita ponta, navegando até o porto Campeche,
cujo senhor se chama Lázaro, onde havia chegado Francisco Fernández Córdoba. Aportaram para fazer o resgate que
Diego Velásquez havia mandado e porque tinham grande
necessidade de água.
Logo que os viram chegar, os índios se colocaram
em posição de batalha, próximo do povoado. Usando um
intérprete, o capitão os chamou, tendo vindo alguns nativos, aos quais ele disse que vinha apenas para negociar
com eles o que tivessem e para tomar água. E assim foi
com eles até uma paragem de água, onde lhes disse que se
lhes dessem ouro lhes daria os presentes que levava. Os
nativos lhe disseram que não tinham ouro e pediram que
fosse embora. Ele rogou que lhes deixassem tomar água e
que logo se iriam, mas no outro dia, antes da hora da missa, os índios os atacaram com seus arcos e flechas, matando um espanhol e ferindo o capitão Grijalba e a muitos
outros. Àquela tarde, embarcaram em suas caravelas sem
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entrar no povoado e sem ficar sabendo de coisas que deveriam ser relatadas a vossas majestades. Dali seguiram
pela costa até encontrar um rio a que puseram o nome de
Grijalba. Ao penetrarem em suas águas, se viram ladeados, nas duas margens, por gente de guerra, com seus arcos, flechas, lanças e escudos, totalizando cerca de cinco
mil índios. Vendo isto, o capitão não saltou a terra, mas,
usando intérprete, procurou dialogar com os índios, pedindo-lhes que viessem mais perto, para que pudesse apresentar as causas da sua vinda. Vinte índios entraram em
uma canoa e se aproximaram do navio, tendo o capitão
Grijalba lhes dado a entender que não vinha saquear e
que queria ser amigo deles. Pediu que lhes trouxessem
ouro que ele daria os presentes que trouxera. E assim foi
feito. No dia seguinte, eles vieram com suas jóias de ouro
e o capitão lhes deu o que levava. Os índios retornaram
ao povoado e o capitão ficou ali aquele dia e mais o outro,
tendo alçado vela sem conhecer os segredos da terra. Seguiu até uma baía a que puseram o nome de San Juan. Ali
o capitão saltou em uns areais despovoados e quando os
nativos se acercaram conseguiu demonstrar-lhes que vinha
para negociar e ser amigo. Colocou o que trouxera sobre
uma mesa e os índios logo começaram a trazer peças de
roupa, jóias de ouro e outros produtos para trocar. O capitão Grijalba reuniu em uma caravela tudo o que até então
havia conseguido e enviou dali para Diego Velásquez, na
Ilha Fernandina. Grijalba seguiu pela costa com as outras
duas naus, tendo percorrido umas quarenta e cinco léguas
sem descer a terra e sem ver nada de perto. Dali começou
a retomar à Ilha Fernandina e não viu nada mais daquela
terra que pudesse contar. Por isto, vossas altezas reais
podem crer que todos os relatos que fez sobre estas terras
não podem ser corretos, visto que não conheceram os seus
segredos, escrevendo apenas aquilo a que se viram impelidos por suas vontades.
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Conquista do México Corrigido.p65