ANÁLISE DA ENTREVISTA
HISTÓRIA DE VIDA DA COORDENADORA
Na história pessoal e profissional da coordenadora (com as limitações de ser
uma primeira conversa em que, claramente não se expôs em aspectos mais emocionais,
e se centrou na cronologia dos acontecimentos) reconhecem-se alguns momentos mais
significativos:
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2.
3.
4.
5.
A experiência de insucesso na infância, longe dos pais, que a própria
refere como significativa para a compreensão das dificuldades dos
alunos.
O casamento e a maternidade muito cedo, no cenário da guerra de
África, em simultâneo com a primeira experiência de ensino. Este
período, embora muito curto no tempo, é referido com grande
intensidade ao longo da conversa.
A reorganização da vida pessoal e familiar, à chegada a Portugal,
coincidindo com a separação e a necessidade de fazer opções de fundo
na sua vida e na das filhas.
A vida profissional, dividida inicialmente entre o trabalho
administrativo nas escolas e o ensino, como forma de encontrar a
estabilidade que, na época, era difícil para os professores do 1º ciclo.
A estabilidade profissional e pessoal, como característica da sua vida
actual, que claramente valoriza.
Encontra-se, no seu próprio discurso um “entre cá e lá”, que a acompanha desde
a infância. E, se inicialmente ele é geográfico, entre Portugal e África, é também uma
imagem da sua vida profissional, entre o ensino e as funções administrativas e,
actualmente, uma imagem das suas funções, como coordenadora da escola.
ASPECTOS DESCRITIVOS DO SEU TRABALHO
a) Papéis
No que diz respeito aos papéis de gestão a coordenadora coloca maior ênfase nos
papéis relacionais, quer no papel de agente de ligação (DESCR 2), quer sobretudo no
papel de líder no seio do grupo profissional docente (DESCR 3).
Em relação ao papel de agente de ligação, aponta algumas situações relacionadas
com solicitações de actores externos à escola e refere-se às interrupções das aulas, como
os momentos em que essas solicitações acontecem.
Quanto ao papel de liderança, sustenta uma perspectiva normativa e salienta os
factores pessoais no exercício dessa função. Neste contexto, refere ainda a sua
dificuldade em lidar com o conflito, bem como valoriza o facto de considerar que o
corpo docente tem um espírito colaborativo.
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Faz uma breve referência aos papéis comunicacionais como forma de regulação
da acção à entrada no estabelecimento (DESCR 1).
“Uma função de liderança é uma coisa e uma pessoa ser líder para mim é outra.
Uma pessoa pode estar numa função de liderança sem ser líder, não ter cariz de líder.
(…) tem a ver com a sua personalidade, com a maneira de estar naquela posição(…) Eu
não tenho nada de líder.” (DESCR 3 – 14).
“A pessoa (…) está a actuar como acha que deve actuar, como acha que é a
melhor maneira de actuar, que está a condizer com a sua maneira de ser (…) cumprindo
a sua obrigação o melhor que pode e depois as outras julgarão se o querem seguir ou
não.” (DESCR 3 – 14, 15)
“Não gosto de impor aos outros o que os outros têm que fazer. Como estas
situações às vezes é preciso impor, impor gera conflito, eu não gosto de ser conflituosa.
(DESCR 3 – 15)
“Não tem sido preciso fazer muita força para impor porque as pessoas aceitam,
ou seja, as pessoas não agem só porque lhes é imposto isto ou aquilo. Eu acho que isto é
uma mais valia que nós temos aqui, é aceitarmos muito bem as ideias uns dos outros.”
(DESCR 3 – 15)
Questões:1
1. Valorizar o trabalho relacional com os docentes supõe uma lógica
profissional de colegialidade? A valorização destes actores é feita em
detrimento da valorização dos actores externos?
2. A liderança é vista como um “dom”? Como tem aprendido nesta função?
b) Problemas, dificuldades, preocupações
A gestão das relações (PROBL 1) com os adultos é referida como a área mais
problemática do seu trabalho e que se relaciona directamente com a gestão da
comunicação (PROBL 6). Neste âmbito salienta o problema do enviesamento dos
sentidos das comunicações nos processos relacionais entre os actores da organização.
Para além destes, os aspectos que refere como mais problemáticos relacionam-se
com a gestão do tempo, quer do tempo pessoal/profissional (PROBL 3) quer, em
relação às solicitações dos diversos actores, do tempo da “urgência” (PROBL 5). Este
último surge como um aspecto central, caracterizador da intensificação do seu trabalho
mas, igualmente, do funcionamento global do agrupamento.
Com bastante ênfase refere-se ao dilema da gestão dos papéis de coordenação e
de docência (PROBL 4), pois as interrupções do trabalho na sala de aula são sentidas
como problemáticas para si mas também para os alunos.
Por último faz uma breve referência à gestão da informação (PROBL 2),
inicialmente sentida como problemática, dada a introdução do correio electrónico.
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A ponderar numa próxima inquirição
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“A parte mais difícil de gerir nem são os alunos. É a parte de adultos, o corpo
docente, corpo auxiliar, encarregados de educação, toda essa gente adulta.” (PROBL 1 –
9)
“Não se pode ouvir aqui e contar acolá” (PROBL 1 – 9)
“Às vezes há falhas nisto ou naquilo…uma resposta que não se deu completa, às
vezes respostas que se cruzaram.” (PROBL 6 – 13)
“Todos os dias levo trabalho para casa… e aquilo que eu não consigo fazer
durante a semana, tenho de fazer ao fim de semana.” (PROBL 3 – 10)
“Lá de baixo [Conselho Executivo] mandou orientações que os coordenadores
só atendem fora do horário lectivo mas às vezes há aqueles que tem que ser naquele
momento… às vezes o próprio executivo.” (PROBL 5 – 13)
“Basta a funcionária entrar e interromper a aula. Ao retomar já estou a pedir um
esforço extra aos alunos.” (PROBL 4 – 12,13)
Questões:
1. O que considera enviesamento das comunicações poderá por outro lado revelar
dificuldade em exercer o controle/regulação sobre outros? (“tradução”) Que
outros?
2. Como gere a “urgência”? Como a usa, se é que a usa, em “seu” favor? Em
função de quê?
c) Estratégias
As estratégias de acção que salienta, no desempenho dos papéis de gestão,
parecem relacionar-se sobretudo com uma perspectiva de manter/estabilizar o
funcionamento da organização e o seu clima. É de registar que na maioria das situações
que relata, os actores em causa são os professores ou os elementos do Conselho
Executivo, enquanto que os menos referidos são os elementos externos. A tónica é posta
nas estratégias “controlar a reactividade” (ESTR 1), sua e dos outros e “evitar a
contestação” (ESTR 3), assim como, quando refere situações mais problemáticas, nas
estratégias de procura de regulação hierárquica, “pedir parecer” (ESTR 5) ao Conselho
Executivo.
O uso das estratégias “antecipar os efeitos das acções” (ESTR 2) e “avaliar os
efeitos das acções” (ESTR 6) é referido como forma de orientar a sua própria acção no
desempenho das suas funções.
Uma orientação pragmática do funcionamento da organização é sugerida pelo
uso da estratégia “filtrar a comunicação” (ESTR 4), como forma de evitar as
interrupções do trabalho de docência.
“Às vezes paro assim para pensar um bocadinho (…) Ouve-se coisas que, digo
assim ‘olha, agora precisava de dizer isto’ mas lá está, se fosse dizer isso estava a reagir
de cabeça quente.” (ESTR 1 – 9)
“Há coisas que eu também deixo cair. É aquelas coisas que eu acho que já estão
faladas o suficiente, já estão esclarecidas, o falar, continuar a falar só vai servir para
andar a mexer na ferida. (…) Portanto agora convém é que fique o assunto arrumado e
pronto.” (ESTR 3 – 9, 10)
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“Tenho sempre assim uma preocupação que é os meus superiores hierárquicos.
Tenho que lhes passar a informação, tenho que lhes pedir um parecer.” (ESTR 5 – 16)
“Se eu vejo que o assunto pode ter repercussões de futuro (…) eu não deixo
passar.” (ESTR 2 – 9)
“Se ela [colega] tem o á vontade para me falar daquele assunto (…) é porque se
calhar não está magoada comigo.” (ESTR 6 – 16,17)
Questões:
1. O facto de se referir pouco aos actores externos poderá significar uma
perspectiva “fechada” da organização? Que factores explicam esta orientação?
2. Qual a lógica subjacente às estratégias de controlo da reactividade e da
contestação?
3. “Pedir parecer” é uma estratégia usada em que situações? Como se poderão
caracterizar as situações problemáticas? Em função de quê?
4. Pedir parecer ao C E é sinal de força ou de fraqueza? Isto é, como usa esse
espaço de regulação, apenas recebe orientação ou influencia a decisão?
5. As interrupções da sala de aula são permitidas em função de quê? Qual o critério
do “filtro”? Apenas a “urgência”?
ASPECTOS AVALIATIVOS DO SEU TRABALHO
Ao longo de toda a entrevista, como justificação/julgamento das situações que
relata, encontram-se referências a princípios, regras, normas, concepções e valores que
orientam a sua acção de gestão – aqui consideradas, globalmente, enquanto “Aspectos
avaliativos” – e que se categorizam a partir de três dimensões, tendo em conta o foco do
seu discurso: em relação a si própria, no cargo de gestão (AVAL 1), na relação com os
outros (AVAL 2) e em função da organização (AVAL 3).
Em relação aos aspectos Pessoais (AVAL 1) a coordenadora salienta a autoregulação ética da sua acção no quotidiano, referindo-se a normas gerais de conduta
como: agir de acordo com a sua “maneira de ser e estar” (DESCR – 14); “cumprir a
obrigação o melhor que sei e posso”, de “consciência tranquila” (DESCR – 15 a);
“abdicar” em favor do trabalho (PROBL – 11). Faz referência ao dilema
professor/administrador (PROBL – 12, 13), como uma preocupação de equidade e
justiça para com os alunos. No desempenho da sua função, parece favorecer um
compromisso com o cargo e o entendimento que dele faz, e não com os outros actores:
“Eu tento fazer as coisas da melhor maneira, agora aquilo que as pessoas vão julgar da
maneira como eu vou actuar, nem me preocupo de pensar nisso.” (ESTR – 16)
Quanto aos aspectos Relacionais (AVAL 2) salienta a estabilidade (ESTR – 9
a), como um valor a manter e defender, nas relações entre os actores da organização,
referindo-se à “diplomacia” (PROBL – 9) como forma indirecta de regulação. Neste
sentido, refere um conjunto de normas, como: evitar o conflito (DESCR – 15 a),
aceitar/negociar ideias dos outros (DESCR 15 b) e evitar o enviesamento das
comunicações (PROBL – 9).
Nos aspectos Organizacionais (AVAL 3) refere, igualmente, a estabilidade
(ESTR – 9 b) como valor e como critério de intervenção. Aceitar a hierarquia (ESTR –
9,10), contestar no sítio certo (ESTR – 9, 10), contextualizar a acção reguladora, pedir
parecer aos superiores (ESTR – 16 a), são as normas orientadoras das acções, que
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privilegia. A procura de regulação hierárquica parece ser, assim, entendida como uma
forma clara de delimitar o campo da sua intervenção.
Questões:
1. Como se articulam, na sua prática, os diferentes “compromissos”: com a sua
própria visão da função, com a hierarquia e com os professores? (modelo de
esferas de interacção).
2. Qual a relação entre os valores/princípios que defende e a sua prática quotidiana
de gestão?
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