46 | PÚBLICO, QUI 7 MAR 2013
ESPAÇOPÚBLICO
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EDITORIAL
Venezuela, o país
de um homem só
Sem sistema judicial sério, com
jornalistas e opositores calados, vai
o país conseguir reinventar-se?
N
ão é possível olhar para o futuro
da Venezuela sem olhar para trás,
para Hugo Chávez e para o homem
escolhido como seu sucessor. Foi o vicepresidente Nicolás Maduro quem, em
2008, anunciou que “qualquer estrangeiro”
que fosse à Venezuela para criticar o país
seria “imediatamente expulso”. Foi de
resto isso que Chávez fez ao longo dos anos
a opositores, diplomatas e membros de
organizações de direitos humanos.
Quando falamos de Chávez falamos, acima
de tudo, de um ditador. Haverá nuances que
sugerem ser um híbrido, nem democrata,
nem ditador, mas um autocrata eleito. Se o
seu lugar na história não se resume a isso,
não se pode começar por nenhum outro
lugar. Chávez investiu na educação e na saúde
e melhorou a vida de milhões de pessoas,
os mais pobres, que pela primeira vez se
sentiram ouvidos.
Neste momento de emoção, quando as
massas choram e rezam nas ruas de Caracas,
é útil olhar para os relatórios das mais
respeitadas organizações internacionais de
direitos humanos, que são de uma frieza que
espanta. Relembram o caso recente da juíza
María Lourdes Afiuni que, após dar liberdade
condicional a um opositor do regime que
estava há três anos preso sem julgamento,
viu Chávez chamar-lhe “bandida” e pedir
que fosse condenada a 30 anos de prisão;
ela foi de facto imediatamente presa, esteve
detida mais de um ano e continua hoje em
prisão domiciliária. E relembram a história
da telenovela Chepe Fortuna, que em 2011 foi
suspensa depois de ter passado um episódio
no qual uma personagem chamada Venezuela
tinha perdido o seu cão Huguito e pergunta ao
namorado: “O que vai ser da Venezuela sem
o Huguito?” e ele responde: “Vais ficar livre,
Venezuela”.
Durante 14 anos, Chávez concentrou o
poder de uma forma despudorada, violou os
mais básicos direitos humanos, manipulou
a justiça e efectivamente neutralizou —
quase anulou — todo o sistema judiciário.
Começou pelo Supremo Tribunal,
que sempre lhe deu razão. Fechou
televisões, jornais e prendeu jornalistas
que publicaram notícias causadoras de
“infundados medos” e “ansiedade” na
população. De uma penada e ao fim de
pouco tempo no poder, já intimidava e
censurava abertamente todos os que se lhe
opunham, usando e abusando do Estado
de forma arbitrária. Tornou a Venezuela
num país de imaginários “traidores”,
“desestabilizadores”, “conspiradores”,
“vampiros” e “agentes da CIA” que
descobria em todos e cada um dos que
o criticavam. Numa retórica paranóica e
louca que não deixou nunca de espantar,
até o cancro do presidente foi obra dos
“diabólicos” inimigos americanos.
Hugo Chávez, amado e odiado na
Venezuela, é um fenómeno político. Disse
ter inventado o “socialismo do século XXI”,
mas a receita — petróleo — teve um preço
terrível na vida do país. Deixa um país
dividido e com uma crise de instituições nas
mãos. Um regime e um país desenhados em
função de um homem só. Um grafiti recente
de uma rua de Caracas resume o problema:
“Abaixo o Governo, viva Chávez.”
CARTAS À DIRECTORA
A morte de Chávez
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Desapareceu uma das figuras mais
carismáticas da América Latina.
Fidel Castro foi, sem dúvida, a
primeira e vive ainda. Também
Lula, no Brasil irmão, atingiu
grande projeção internacional e
enorme popularidade.
E a razão dessa quase idolatria
está no empenho que os três
puseram na defesa dos direitos
dos mais desfavorecidos a uma
vida melhor, com mais educação,
trabalho e segurança social.
As medidas tomadas criaramlhes uma inimizade mais ou
menos declarada dos EUA, que há
50-60 anos dominavam política
e economicamente o conjunto
dos países sul-americanos. A
emancipação conquistada pela
quase totalidade desses países e
simbolizada por aquelas figuras
trouxe-lhes uma popularidade
acrescida, já que os seus povos
viviam até aí em estado de
exploração e miséria extremas.
Chávez desaparece, mas outros
líderes vão emergindo pouco
a pouco nos países irmãos,
dispostos a seguirem os traços
mais positivos da sua política.
Assim progride a Humanidade.
António Catita, Lisboa
Limpar as matas
O antigo ministro das Finanças
de Francisco Pinto Balsemão
e ex-dirigente da Caixa Geral
de Depósitos, o economista
João Salgueiro, em entrevista,
pergunta ”se é assim tão
complicado pôr as pessoas a
tratar das matas”. Os luminosos
pensamentos continuam.
Precisando de apoio cita o
economista inglês Keynes,
que dizia: “Se não sabem o
que fazer ponham metade dos
desempregados a abrir buracos
e a outra metade a tapá-los”.
Não fica bem a um ex-ministro,
político laranja, ex-dirigente de
um banco, fazer tais afirmações.
Isto espelha o nível da política
feita por pessoas que recebem
ou vão receber reformas pagas
por todos os portugueses. Os
desempregados que recebem
ou receberam prestações sociais
descontaram para isso. Não
recebem uma esmola do Estado
social. Há desempregados perto
da idade da reforma. Se eles
podem limpar matas, por que
João Salgueiro não dá o exemplo?
O ex-ministro vai receber, ou
recebe, uma reforma porque
descontou para ela. Seguindo o
seu raciocínio, ficava-lhe bem
limpar algumas ervas. Se Keynes
imaginasse o valor das reformas
dos banqueiros portugueses,
também tinha “legislado”
sobre a matéria. Pergunto se é
assim tão complicado a justiça
portuguesa pôr os engravatados
que desviaram milhões do
BPN atrás das grades? Mesmo
assim, eles passavam por entre
o gradeamento. Sobre o tapar
e destapar buracos, não haja
dúvidas, alguns banqueiros
sabem bem o que fazem. Tapam
os buracos que os amigos
abriram, sem precisarem dos
ensinamentos de Keynes.
Ademar Costa, Póvoa de Varzim
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