TRANSFORMAÇÕES NO RURAL DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ/SC:
UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA.
Daniel Simas1
O presente trabalho faz uma análise sobre os principais aspectos transformadores do
cenário rural de São José/SC em seu transcorrer histórico, por meio de uma abordagem
histórico-geográfica. Para tanto, é utilizado como principal referencial teórico o
paradigma de formação sócio-espacial, delineado pelo professor Milton Santos. Avaliar
as transformações do rural josefense a partir de uma análise sócio-espacial enriquece o
trabalho geográfico e histórico, contribuindo para um estudo mais preciso e coerente à
realidade explicitada (SANTOS, 1982). Desta forma, são avaliadas as transformações
sofridas no meio rural josefense desde sua gênese até o momento atual, evidenciando-se
o papel do rural em São José ao longo de seu tempo histórico, e suas transformações.
Analisamos, portanto, as principais configurações produtivas e socioeconômicas do
município, decorrentes da presença dos diversos elementos culturais e conjunturas
político-econômicas. Sobre as contribuições étnicas é preciso destacar, sobretudo, o
papel dos indígenas, açorianos, negros, serranos (oriundos do planalto catarinense) e
germânicos, na incrementação cultural e socioeconômica vivida em São José desde sua
origem, especialmente no século XIX. Faz-se necessária, portanto, uma reconstrução
histórica evidenciando o papel dos diferentes elementos sociais na formação de São
José. Neste sentido, imprescindível é considerarmos alguns processos marcantes como a
pequena produção açoriana (CAMPOS, 1991), com notável contribuição indígena e
negra (CAMPOS, 2013), bem como os principais mecanismos de fluxos de mercadorias
de então: a cabotagem e o tropeirismo (CAMPOS, 2004). As configurações territoriais
de São José contribuíram para um importante crescimento econômico, já que, como
lugar de parada obrigatória para quem tinha como destino Desterro, São José tornou-se
importante ponto de convergência de elementos de distintas formações sócio-espaciais
catarinenses como a dos germânicos (representando a formação dos vales litorâneos) e
dos serranos (representando a formação do planalto catarinense). Estas configurações
1
Bacharel e Licenciado em geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor de
geografia e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa
Catarina. E-mail: [email protected]
trariam a São José lugar de destaque com uma importante pequena produção,
incrementada pela pequena produção germânica, bem como pelo tropeirismo e
cabotagem (SIMAS, 2010). A partir do século XX, novas dinâmicas passam a se
efetivar, sobretudo pautadas no discurso do progresso e modernidade (SILVA, 2006).
Processos que tinham alta rentabilidade para o município, como o tropeirismo e a
cabotagem, passavam a ser ameaçados por novas configurações expressas, sobretudo,
pelo rodoviarismo. Neste sentido, a inauguração da Ponte Hercílio Luz (1926), ligando
na época São José e Florianópolis, consistiu em iniciativa reveladora do que viria a se
efetivar na região com o predomínio massivo do rodoviarismo (como se pode constatar
na atualidade). Estas políticas desenvolvimentistas, tomadas a nível nacional
especialmente a partir de meados do século XX, estendiam-se também à agricultura e
pecuária. Em São José esta política se concretiza nas efetivas funções de instituições do
Estado para fomento da modernização da agricultura e, especialmente, pecuária.
Localizado atualmente na localidade Roçado, o atual Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) foi pioneiro no desenvolvimento de vacinas e
técnicas agropecuárias, evidenciando o papel do Estado como um dos precursores de
um processo que viria a ser conhecido, décadas mais tarde, como Revolução Verde
(SIMAS, 2010). Neste sentido, em 1956 é criada a ACARESC (Associação de Crédito e
Assistência Rural do Estado de Santa Catarina), além de instituições financeiras já na
década de 1960, como o BDE (Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa
Catarina), BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul), além do
FUNDESC (Fundo de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina) criadas também
com o intuito de modernizar o rural catarinense. Além disto, o rural josefense passara a
ser atingido pelas políticas de desenvolvimento dos Planos de Metas do Governo
(PLAMEG’s). Isto porque a pretensão para a região de Florianópolis era a de
urbanização, orientada pelo rodoviarismo e industrialização (MUSSOI, 2003). Em São
José instalavam-se grandes loteamentos como o de Bela Vista e o de Forquilhinhas, às
margens das recém-inauguradas BR’s 101 e 282, além de importante Área Industrial (na
divisa com Palhoça/SC). O pequeno produtor josefense, por sua vez, passava a sofrer
não apenas a “pressão urbana” sobre sua produção, mas também a pressões de políticas
instituídas para o meio rural, sobretudo aquelas que o encaminhavam para uma
“proposta modernizadora”. Esta proposta seria decisiva no ultimato a uma série de
atividades econômicas ainda vigentes (mesmo que decadentes) em São José, como o
uso de engenhos, transporte de cabotagem e atividade tropeira. Em consequência a estas
configurações, São José aprofundaria sua condição de estagnação econômica (já
perceptível no começo do século XX) tornando-se, na segunda metade do século XX,
cidade-dormitório de Florianópolis. O crescimento urbano de São José e região, em
função da efetivação de interesses urbano-industriais, trariam novas configurações para
o rural josefense, evidenciando um momento peculiar nestas transformações,
vislumbradas a partir do final do século XX. Consideramos aqui como marco
fundamental na orientação destas transformações, o importante processo de conurbação
de Florianópolis delineado por políticas públicas e pela efetivação dos mais variados
interesses do capital, expresso pela expansão urbana vivenciada em São José e também
pelo aprofundamento de sua estrutura, claramente visível na intensa verticalização que
passa diversos bairros do município na atualidade. Diante do forte avanço
urbano/industrial, constatamos como faces do rural no século XXI: um relativo
enfraquecimento da pequena produção agrícola, desempenhada predominante em
caráter complementar de renda, ou para subsistência; a produção agrícola ornamental,
totalmente inserida à lógica do capital urbano; a atividade agroindustrial, sobretudo
voltada ao processamento; o turismo de lazer (rural), desenvolvido de forma pontual e
em caráter complementar de renda, em localidades em que os traços rurais são bem
presentes, sobretudo no interior do município (porção oeste); bem como a atividade
pecuária que, quando não residual, se efetiva de forma “maquiada”, com forte viés
especulativo. Apesar do forte ingrediente urbano, o rural ainda persiste no município
(que atualmente é essencialmente urbano). Esta presença consiste em diversas
significações, melhor expressas quando analisamos sua construção histórica, a partir de
uma análise geográfica. O poder público passa a ter grande papel nas novas
configurações do rural em São José. A conivência do poder público frente estas
questões apenas reforça o provável infeliz destino destes espaços no município.
Palavras-chave: Rural, Transformações, São José/SC.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPOS, Nazareno José de. Terras Comunais na Ilha de Santa Catarina. FCC
Edições / Editora da UFSC. Florianópolis, 1991.
CAMPOS, N. J. Santa Catarina: Tropas e Tropeiros no Trajeto Litoral-Planalto Visto
Através dos Relatórios dos Presidentes da Província. In: SANTOS, Lucila M.;
BARROSO, Lucia M. (Org.). Bom Jesus na Rota do Tropeirismo no Cone Sul.
Caxias do Sul, Edições EST, 2004.
CAMPOS, N. J. . São José-SC: Faces do Rural no Transcorrer Histórico. In:
CAMPOS, Nazareno J. de; BRANDT, Marlon; CANCELIER, Janete. (Org.). O Espaço
Rural de Santa Catarina: novos estudos. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013.
MUSSOI, Eros Marion. Políticas públicas para o rural em Santa Catarina:
descontinuidades na continuidade. In: PAULILO, Maria Ignez Silveira; SCHMIDT,
Wilson. Agricultura e espaço rural em Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da UFSC,
2003.
SANTOS, Milton. Espaço e sociedade: Ensaios. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1982
SILVA, Tatiana Cristina da. Centro Histórico de São José (SC): Patrimônio e
Memória Urbana. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em
Geografia – UFSC. Florianópolis, 2006.
SIMAS, Daniel. Transformações no rural do município de São José-SC: uma
construção histórica. Trabalho de conclusão de curso (graduação em geografia).
Orientação: Profº Dr Nazareno José de Campos. Departamento de Geociências. Centro
de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 2010.
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