LAURA ESQUIVEL
ESCREVA
A SUA PRÓPRIA
HISTÓRIA
Como mudar a sua vida
em 12 lições
Traduzido do espanhol
por Tânia Sarmento
PRIMEIR A LIÇÃO
Quem é que anda a contar a minha história?
A história não é um acidente, é uma opção.
Bayard Rustin
Todos os seres humanos gostam de ouvir histórias. Sobretudo durante a infância. As crianças
podem escutar o mesmo conto vezes sem fim,
apesar de saberem perfeitamente onde o relato
vai dar e jamais permitem que se modifique o
final. Estar a par do que vai acontecer às personagens das histórias proporciona-lhes segurança, uma vez que lhes garante que o futuro não é
misterioso, nem imprevisível, nem atemorizador.
Gostam de saber que o herói sai vencedor. Que
os maus serão castigados e que a ordem será
restabelecida.
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Quando crescemos damo-nos conta de que as
coisas não funcionam assim. O mundo é imprevisível. Nenhum de nós pode assegurar o que vai
acontecer no dia seguinte e sentimos constantemente que não somos donos do nosso destino.
Talvez por isso, em momentos de crise, procuremos desesperadamente uma saída, uma solução,
um caminho traçado, como aquele que tinham
as personagens dos contos que ouvimos durante
a infância. Um letreiro. Uma voz que diga: «Por
aqui.» Alguma coisa ou alguém que nos ajude, pois
não vemos a solução para os nossos problemas. Seria bom darmo-nos conta de que, ao contrário das
narrações infantis onde alguém decidiu o destino
dos protagonistas, nós, sim, temos voz e voto na
nossa história pessoal, familiar, nacional.
Aqueles que escrevem a história das suas terras são os seus habitantes. Que não estejamos
conscientes disso, que o tenhamos esquecido ou
que nos tenham convencido de que não podemos
mudar o curso dos acontecimentos é outra coisa.
A verdade é que somos nós e mais ninguém que
vamos escrevendo a nossa história.
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Neste momento quase que vos consigo ouvir
dizer: «Sim, claro.» Eu não escolhi a miséria generalizada, nem os assassinatos em massa, nem a
corrupção, nem as guerras, nem a fome, nem o
aquecimento global; e têm razão, ninguém no seu
perfeito juízo poderia eleger um caminho mais errado. A pergunta é: será que os membros das altas
esferas do Governo ou os que estão à frente das
multinacionais que tomam as decisões que mais
afetam a maioria dos habitantes deste planeta estão no seu perfeito juízo? Do meu ponto de vista e
de muitas mais pessoas, a resposta seria: não. Então
porque permitimos que continuem a ocupar cargos
de direção? As respostas prováveis seriam: porque
essa decisão não nos compete, porque escapa ao nosso controlo, porque ninguém faz caso de nós, porque
os governantes não nos dão ouvidos, não respeitam
o nosso voto, não têm em conta a opinião pública,
não nos veem, não nos ouvem, não existimos para
eles. Por outras palavras, somos vítimas do Governo atual e de um sistema económico mundial que,
há muito tempo, nos decidiu converter em simples
consumidores, ou mão de obra barata.
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Como se as coisas acontecessem por si mesmas
e «fora» de nós próprios. Como se «passassem» por
nós coisas desastrosas, sem que as pudéssemos impedir de maneira nenhuma. Como se estivéssemos
atomizados, separados, desconectados uns dos outros. Como se não fizéssemos parte de uma ordem
superior à económica. Uma ordem onde não há
nada predeterminado senão um campo infinito de
possibilidades que mudam e se modificam a cada
instante, de acordo com o que dita a nossa maneira
de pensar, de sentir ou de agir.
Ao abrir os jornais, ao ouvir as notícias na televisão, sinto que a maioria dos jornalistas ou comentadores nos narra apenas metade do conto. É como
se ficassem apenas pelo início: «Era uma vez uma
aldeia onde diariamente apareciam dezenas de
decapitados.» Qualquer criança perguntaria: «E a
seguir? Não me vão dizer que é assim que acaba
a história?» Se é assim, que final mais anticlímax!
Vendem-nos diariamente histórias nas quais
parece que não há personagens que tomam decisões no sentido contrário da violência, do crime,
da corrupção, da impunidade. Como se não
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houvesse um poder local, como se os únicos que estão a agir à vontade fossem os delinquentes. Como
se todos nós não estivéssemos aqui. Como se a história se sucedesse num tempo e num espaço diferente do nosso. Como se em cada família, em cada
colónia, em cada país, tivessem inevitavelmente de
repetir-se atos de violência, de dor, de sofrimento.
Ninguém gosta que lhe batam, que o torturem, que
o explorem, que lhe mintam, que o traiam, que o
roubem, que lhe neguem uma vida digna e, contudo, por absurdo que pareça, estas coisas são o pão
nosso de cada dia. Do ponto de vista da dramaturgia, a pergunta obrigatória seria: porque é que
as personagens das nossas histórias pessoais, familiares ou nacionais tomam decisões que sabem de
antemão que lhes vão provocar dor? Porque aceitam as regras injustas de um sistema económico
depredador e suicida? Porque é que, se os criminosos
conseguiram criar múltiplas e eficientes redes de tráfico de droga, nós não pudemos criar redes de ajuda
solidária, de permutas internacionais que funcionem com igual eficiência? A resposta é mais do que
óbvia, dirão alguns de vocês. Porque todas essas
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organizações criminosas dividem o dinheiro entre
elas, às mãos-cheias! Com dinheiro é possível comprar desde a vontade de um camponês até à dos
presidentes. Não importa as consequências. Não
importa quantos morram, nem quantos sofram.
O que importa é quanto dinheiro meto ao bolso.
Bom, perante a contundência de tal ato, creio que
deveríamos começar por aqui, por analisar porque
consideramos o dinheiro como sendo o bem supremo, e a mansidão com que nos subjugamos aos
seus caprichos. Seguir a rota do dinheiro conduzir-nos-ia à fonte da corrupção, e esta a uma organização social que funciona com base num único
pensamento: primeiro estou eu, a seguir eu e depois eu. É basicamente essa ideia que promove um
sistema económico sustentado por um individualismo extremo. Vejamos quão separados dos outros
nos vemos a nós próprios:
1. Já ouviu falar do efeito borboleta? Acha
que existe realmente?
2. Se uma bomba atómica explodisse a um
quilómetro de onde vive, isso afetá-lo-ia?
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3. Acha que um terramoto na Ásia pode originar um tsunami no continente americano?
4. Acredita que uma carícia pode despoletar
uma onda de ternura expansível?
5. Quando uma espécie animal se extingue,
quantos ecossistemas afeta?
6. Quantas pessoas são afetadas por uma violação?
7. Quantas pessoas considera que morrem
com um assassinato? (Refiro-me ao impacto que a sua morte tem no estado emocional dos seus familiares.)
8. O derramamento de um barco petroleiro
no mar afeta quantos seres vivos?
Como vemos, as nossas ações afetam o meio
ambiente e as pessoas que nos rodeiam, tal como as
ações de outros têm repercussões nas nossas vidas.
Muitos de nós, agora, só temos estado a receber o
impacto das decisões dos outros. Decisões que se
tomam sem que lhes importe minimamente se vão
afetar ou não milhões de pessoas. A crise mundial
em que estamos mergulhados obriga-nos a tomar
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as rédeas da situação e a agir de forma decidida
para mudar a nossa história.
O primeiro passo a dar para nos convertermos
em narradores ou escritores da nossa própria história é ter bastante claro o que queremos mudar.
Não nos conformemos com a ideia de que alguém
decidiu por nós e não nos resta outra opção senão
acatar ordens. Se olharmos à volta, veremos que
no mundo inteiro há manifestações de indignados
que querem mudar as coisas, contudo nem sempre têm muito claro qual o caminho a seguir. Foi
para todos eles que escrevi este livro, que se baseia
num curso de dramaturgia pessoal que lecionei no
meu país e que teve excelentes resultados. É, antes
de mais, um convite para agirmos. Para não ficarmos à margem, sem sermos tomados em conta no
papel de «Bela Adormecida», que está sem estar.
Que escuta sem ouvir. Que intervém sem intervir. Representando magistralmente uma presença
passiva, letárgica, incapacitada. Contrataram alguém para representar tal papel? Algum de vocês o
aceitou? Ou pertencem, na verdade, ao grupo dos
resignados que pensam que uma vida miserável,
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um casamento infernal ou um governo de assassinos e ladrões são a cruz que têm de carregar até
ao fim dos vossos dias?
Se for o caso, não se preocupem. Espero que os
exercícios incluídos neste livro vos ajudem a mudar
de opinião e vos brindem com os elementos necessários para adquirir uma maior clareza sobre quem
são, o que precisam e como o podem obter.
Durante o exercício prático que implica a escrita de uma nova história, vamos tomar consciência
de todas aquelas obrigações que o mundo «civilizado» onde supostamente vivemos nos impõe de
imediato e às quais sentimos o dever de obedecer,
mas que na verdade não estão desenhadas nem
para o nosso próprio bem-estar nem para o dos
demais.
Reconheceremos quais são as barreiras que nos
mantêm aprisionados e nos impedem de tomar
as rédeas do nosso destino. O mundo que outros
desenharam para seu próprio benefício é uma prisão
para a maioria dos seres humanos e, se estiverem
dispostos a escapar dela, convido-vos a descobrir
onde está a porta de saída.
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Quero apenas avisar-vos, antes de continuar, de
que este livro se desenhou para vos orientar sobre
como escrever uma história. Uma nova história.
Uma história que ninguém escreveu e que só a nós
nos cabe fazê-lo. Até agora temos vindo a representar o papel de escravos, de súbditos, de empregados,
de reféns, mas já vem sendo hora de nos convertermos nos criadores dos nossos próprios papéis.
Comecemos por assumir que vamos ser os protagonistas e que temos o poder de decisão para marcar
o rumo que queremos tomar. A seguir, temos de o
pôr no papel. O exercício da escrita é um requisito indispensável. Vão ter de participar ativamente e
com toda a honestidade. Ninguém vos vai avaliar.
Ninguém vos vai julgar. Ninguém vos vai corrigir.
Não se preocupem. O máximo que pode acontecer
é que se encontrem com vocês mesmos e, se o conseguirem, vão retirar daí enormes vantagens.
Ao lerem as perguntas dos questionários que
aparecem ao longo do livro podem cair na tentação de lhes responder mentalmente. Isso não vos
vai servir de nada. Escrevam, por favor. É a escrever que uma pessoa se compreende a si mesma!
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Antes de prosseguir, quero pedir-vos desculpa.
Esta livro chama-se Escreva a sua Própria História
– Como mudar a sua vida em 12 lições. Bom, pois
deixem-me dizer-vos que o subtítulo é totalmente
mentira. Mudar a vossa vida – e abandonar o papel de vítima – vai exigir-vos muito mais do que
doze lições pois implica um trabalho profundo e
constante. Desculpem, mas se vos tivesse dito antes nem sequer iriam querer tentar. Posto isto, continuemos!
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