Geopolítica, Regionalização
e Integração
Autor: Prof. Enzo Fiorelli Vasques
Colaboradores: Profa. Claudia Ferretto Palladino
Profa. Raquel Niza Brandão
Prof. Flavio Celso Muller Martin
Professor conteudista: Enzo Fiorelli Vasques
Enzo Fiorelli Vasques é professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Paulista (UNIP)
e coautor, entre outras obras, do Manual Prático de Comércio Exterior, publicado pela editora Atlas em 2010. Além
disso, desenvolve negócios internacionais atuando na inserção de produtos manufaturados brasileiros no mercado
mundial, principalmente de equipamentos do setor sucroalcooleiro no sudeste asiático, África e América Latina. É
mestre em educação sociocomunitária com o trabalho O ensino das Relações Internacionais no Brasil e membro da
National Geographic Society (Washington, District of Columbia).
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
V335g
Vasques, Enzo Fiorelli
Geopolítica, regionalização e integração / Enzo Fiorelli Vasques.
- São Paulo: Editora Sol, 2012.
128 p., il.
Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e
Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-022/12, ISSN 1517-9230.
1. Geopolítica. 2. Regionalização. 3. Integração I.Título.
CDU 911.3:32
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Material Didático – EaD
Comissão editorial:
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Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)
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Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
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Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Simone Oliveira
Sumário
Geopolítica, Regionalização e Integração
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 Fundamentos das Relações Internacionais para a compreensão da
Geopolítica.............................................................................................................................................................9
1.1 Caráter e conceito das relações internacionais...........................................................................9
1.1.1 Precedentes históricos das teorias das relações internacionais............................................11
1.1.2 O mundo do século XX e as teorias das relações internacionais......................................... 16
2 A noção de cooperação no enfoque das principais teorias das relações
internacionais................................................................................................................................................. 18
2.1 A noção de cooperação para os teóricos idealistas e realistas........................................... 19
2.2 A noção de cooperação para os teóricos da interdependência......................................... 22
3 A Política Externa e os Interesses Nacionais: Instrumentos da Política
Estatal e da Geopolítica............................................................................................................................. 26
3.1 Introdução à política externa: conceitos e objetivos............................................................. 27
3.2 A ação e a interação dos Estados................................................................................................... 29
4 O Sistema Internacional........................................................................................................................ 43
Unidade II
5 A Geopolítica.................................................................................................................................................. 54
5.1 As relações entre sociedade, Estado, território e poder........................................................ 54
5.2 Geografia política e geopolítica...................................................................................................... 57
5.3 A evolução do pensamento em geopolítica............................................................................... 61
5.4 Geopolítica clássica.............................................................................................................................. 61
5.5 Geopolítica contemporânea............................................................................................................. 65
6 Aspectos da Geopolítica atual: fronteiras nacionais e internacionais,
a guerra e a paz de acordo com a geopolítica, o poder central e o poder
local e políticas territoriais................................................................................................................. 68
6.1 As fronteiras nacionais e internacionais...................................................................................... 69
6.2 A guerra e a paz de acordo com a geopolítica..........................................................................71
6.3 O poder central e o poder local....................................................................................................... 73
6.4 As políticas territoriais........................................................................................................................ 74
Unidade III
7 A Agenda da Geopolítica Moderna................................................................................................ 79
7.1 Comércio internacional e desenvolvimento econômico....................................................... 79
7.2 Alguns desafios para a inserção positiva dos países em desenvolvimento nas
relações de comércio internacional...................................................................................................... 80
7.3 O meio ambiente................................................................................................................................... 89
8 A Regionalização e A Integração.................................................................................................... 94
8.1 Aspectos teóricos e históricos de integração regional.......................................................... 94
8.2 Fases da integração.............................................................................................................................. 97
8.3 Principais sistemas de integração regional................................................................................ 98
8.3.1 Mercosul (Mercado Comum do Sul)................................................................................................ 98
8.3.2 Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta).......................................................108
8.3.3 União Europeia.......................................................................................................................................108
APRESENTAÇÃO
A disciplina Geopolítica, regionalização e integração insere‑se na formação do profissional como
uma importante ferramenta para o entendimento, a compreensão e a análise das novas interações e
tendências dos países no cenário global.
Ela faz uma abordagem contemporânea da geopolítica e oferece o estudo das macropolíticas e das
novas fronteiras nacionais, tratando do advento da regionalização e da integração.
Ao abordar os conceitos e objetivos da política externa e a ação e interação dos Estados, a disciplina
analisa a tendência do fim das fronteiras físicas e o surgimento de novos debates para a compreensão
das relações de poder, como as que envolvem questões relacionadas ao meio ambiente.
Assim, os objetivos da disciplina são:
• analisar os fundamentos das relações internacionais;
• analisar as teorias das relações internacionais;
• compreender as noções de cooperação;
• conhecer os conceitos e objetivos da política externa;
• entender a evolução do pensamento em geopolítica;
• identificar as relações entre sociedade, estado, território e poder;
• conhecer a agenda da geopolítica moderna;
• compreender os aspectos da integração regional.
INTRODUÇÃO
As relações internacionais ditas contemporâneas, especialmente no século XX, podem ser entendidas
pela transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas e culturais que ocorreram no mundo
e, consequentemente, acabaram por tornar indefinidas as fronteiras das políticas interna e externa dos
Estados.
O conjunto dessas relações vem passando por significativas transformações. O impacto mais
expressivo desse processo é a elevação sustentada do comércio internacional, percebida a partir da
última metade do século XX até os dias de hoje. Esse impacto se manifesta por meio de um progressivo
crescimento do comércio entre países, seguido nas mesmas proporções por um fluxo de capital, de
informações e de pessoas.
7
Contudo, é evidente que os resultados desse movimento não são percebidos de forma equitativa
entre os países. O sistema internacional é composto por países heterogêneos, sobretudo no aspecto
econômico. Logo, é notável que a capacidade de alguns Estados para levar adiante seus interesses é
diferente da capacidade de outros.
Nota‑se, portanto, que a igualdade estabelecida pelo Direito Internacional – todos os Estados são
iguais entre si – não se aplica a todas as arenas das relações internacionais, o que faz com que, dentro
das possibilidades e constrangimentos presentes no sistema internacional, cada Estado busque ajustar
adequada e estrategicamente suas ações.
Diante dessa realidade, colocam‑se algumas questões sobre a ação internacional dos Estados:
• o que são os Estados e o sistema internacional? É possível entendê‑los a partir da compreensão
da organização interna de um Estado?
• como os Estados devem reivindicar seus interesses: de forma individual e com base em seus
atributos de poder ou de forma coletiva?
Essas questões só podem ser respondidas a partir da construção de um entendimento amplo do que
são os Estados (capacidades, estratégias, fraquezas etc.) e o meio no qual atua o sistema internacional
(constrangimentos, conflitos de interesses, possibilidades etc.).
Ao longo do curso, o estudo da geopolítica será realizado com uma abordagem histórica da
formação dos Estados e o elemento básico de sua atuação: a política externa. Uma análise do sistema
internacional e de suas possibilidades de cooperação e conflito será feita à luz das principais teorias das
relações internacionais.
Além disso, discutiremos também as motivações, dificuldades e experiências da formação dos blocos
econômicos regionais.
8
Geopolítica, Regionalização e Integração
Unidade I
1 Fundamentos das Relações Internacionais para a compreensão
da Geopolítica
Introdução
As relações internacionais contemporâneas, especialmente no século XX, podem ser entendidas
pela transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas e culturais, que ocorreu no
mundo e, consequentemente, tornou indefinidas as fronteiras das políticas interna e externa dos
Estados.
Em plano equivalente, o fenômeno da diversidade de organizações internacionais adquire grande
relevância, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, em função de agora existir a necessidade de os
Estados dimensionarem coletivamente certas competências que antes pertenciam ao absoluto domínio
nacional. Baseados no multilateralismo e na diplomacia parlamentar, esses organismos representam
“um esforço civilizatório significativo no contexto das relações internacionais” (SEITENFUS, 1997, p. 21)
e têm o objetivo de dirimir as relações conflituosas oriundas do maior grau de interdependência das
relações entre os Estados.
Esse quadro retrata a evolução jurídica que acompanhou as transformações da sociedade internacional
e as interações nela estabelecidas. Isso significa dizer que as relações internacionais, incluindo‑se aqui
a geopolítica tal como estabelecida atualmente, podem ser consideradas eminentemente modernas.
Nesse sentido, o objetivo desta unidade, num primeiro momento, será o de analisar sucintamente
e a partir de uma abordagem histórica as bases sob as quais distintos indivíduos, comunidades,
cidades, cidades‑estados e Estados interagiam e estabeleciam suas relações em um período anterior ao
desenvolvimento das teorias das relações internacionais e da geopolítica moderna.
Em seguida e a partir da consolidação das relações internacionais como campo de estudo
científico, veremos dentro de que contextos alguns dos principais discursos teóricos dessa nova
ciência se desenvolveram e, da mesma forma, observaremos como esses discursos abordam as
possibilidades de cooperação e o papel das organizações internacionais nas relações internacionais
contemporâneas.
1.1 Caráter e conceito das relações internacionais
Como pode ser observado nos veículos de comunicação, na sociedade em geral ou até mesmo nos
meios acadêmicos, a veiculação e o tratamento empreendidos à expressão relações internacionais
nem sempre produz um sentido claro ao que tal expressão deseja conferir.
9
Unidade I
A dificuldade em empregar um melhor significado à expressão é inerente, em parte, ao próprio termo
internacional, que, na evolução do modo de organização social, perdeu seu significado. Atualmente, a
expressão relações internacionais não significa interações entre nações, mas entre Estados, governos
e outros atores internacionais (GUIMARÃES, 2001).
No trabalho Relações internacionais como campo de estudos, Lytton Guimarães (2001) atribuiu o
emprego sensato da expressão relações internacionais a pelo menos duas dimensões. Numa primeira
análise, conferiu a ela um sentido mais amplo e a vinculou ao que “(...) se refere à gama de contatos
e interações de natureza diplomática, política, econômica, militar, social, cultural, étnica, humanitária,
que se processam entre atores internacionais, estatais e não estatais” (GUIMARÃES, 2001, p. 9). Numa
abordagem mais específica, o autor atribui sentido à expressão relações internacionais quando esta:
[...] refere‑se ao campo de estudos acadêmicos que enfoca as diversas
formas de interações anteriormente descritas, assim como outras questões
e fenômenos considerados relevantes para se compreender e explicar a
complexidade do cenário internacional (GUIMARÃES, 2001, p. 10).
Esta última atribuição diz respeito à ciência das relações internacionais que “a exemplo de
outros campos do conhecimento”, como a ciência política, a sociologia e a economia, “refere‑se
a um determinado conjunto de agentes (Estados, organizações internacionais, organizações não
governamentais, transnacionais etc.) instituições e processos específicos” (ROCHA, 2002, p. 28).
Ao desconsiderar o que aparentemente já está óbvio, ou seja, a gama de contatos e interações de
diversas naturezas que envolve tal conjunto de agentes, instituições e processos específicos, a expressão
relações internacionais pode ser traduzida de modo mais simplista por questões transnacionais. Logo,
são as questões transnacionais que compõem a ampla agenda internacional que, por sua vez, é o alvo
das ocupações dos estudiosos de relações internacionais.
Entretanto, por suas complexidades, interações e abrangências, já mencionadas anteriormente,
não temos a pretensão de analisar as relações internacionais em sua totalidade. Faz‑se necessário, tão
somente, esclarecer para o leitor o que se pode entender ou o que se pode explicar quanto ao emprego
da expressão relações internacionais dentro de diferentes contextos ou abordagens.
A consolidação das relações internacionais como ciência social é recente. Muito embora haja
traços na história da humanidade que apontam para uma preocupação com o fundamento político
de uma ordem social pacífica no mundo desde a Antiguidade1, o estudo das relações internacionais é
relativamente recente se comparado a outros campos das ciências sociais (CASTRO, 2001).
Numa perspectiva histórica dos fatos que antecedem a política internacional e sua teoria, Marcus Faro
de Castro argumenta que o estudo acadêmico das relações internacionais ganhou corpo e identidade
A obra A Guerra do Peloponeso, de Túcides (471 a.C.-400 a.C.), “é frequentemente citada como exemplo de
um dos primeiros esforços no sentido de analisar as relações conflituosas entre duas cidades-nação então poderosas”
(GUIMARÃES, 2001, p. 20).
1
10
Geopolítica, Regionalização e Integração
própria somente no século XX, a partir do período entreguerras e com o desenvolvimento da teoria das
relações internacionais (TRI) (CASTRO, 2001).
Desse modo, podemos admitir que o surgimento dessa ciência tem as preocupações de como
estabelecer os modos de interação das diferentes sociedades ao longo dos séculos. Isso significa dizer que
tais interações, dados os interesses particulares de cada parte, geravam e geram situações conflituosas
ou de cooperação. Assim, será importante entendermos aqui como se organizavam as interações entre
diferentes sociedades ao longo de alguns séculos, ou seja, precisamos entender os precedentes históricos
das teorias das relações internacionais.
1.1.1 Precedentes históricos das teorias das relações internacionais
Na história da civilização ocidental, é possível observar que as relações entre comunidades distintas,
envolvendo o uso da força, existem desde os primórdios entre os diferentes povos e estão nas origens
política e econômica da sociedade moderna.
Entretanto, referente às relações entre comunidades distintas, tem‑se que:
[...] até o século XVII não havia um sistema de entidades políticas (estados)
exercendo autoridade suprema sobre territórios e detentoras do monopólio
sobre assuntos de guerra, o exercício da diplomacia e a celebração de
tratados (CASTRO, 2001, p. 7).
Anterior ao surgimento do Estado nacional, as unidades governamentais existiam em diferentes
épocas sob a forma de comunas, cidades‑estados e feudos, ao passo que “as unidades econômicas
formaram nesta ordem: a família, o feudo, a comunidade da vila, a cidade e a liga das cidades” (DIAS,
2004, p. 25).
Até então, a política se estruturava por meios totalmente independentes do território, tais como
laço sanguíneo e comunhão de valores religiosos, ao passo que, na Idade Média, a presença de uma
comunidade em um dado território não representava a existência de uma autoridade exercida sobre
uma área geograficamente circunscrita. À época, não havia a distinção entre as dimensões de autoridade
interna e externa ou de público e privado. Nesse sentido, o autor Spruyt (1994 apud CASTRO, 2001)
pondera:
Ocupantes de um território espacial específico estavam sujeitos a uma
multiplicidade de autoridades superiores. Dada esta lógica ou organização,
é impossível distinguir entre atores conduzindo relações internacionais
daqueles envolvidos na política doméstica e operando sob a forma
hierárquica. Bispos, reis, senhores feudais e cidades assinavam tratados e
faziam guerra. Não havia um ator ainda com um monopólio sobre os meios
de coerção pela força. A distinção entre atores privados e públicos estava
ainda por ser articulada (SPRUYT, 1994 apud CASTRO, 2001, p. 8).
11
Unidade I
Assim, embora aparentassem, as relações entre imperadores, papas, reis, barões, cidades e outros agentes
das diferentes comunidades não caracterizavam relações internacionais no sentido moderno, pois elas não
se davam entre estados soberanos territoriais, se tratava apenas de relações entre pessoas e instituições.
Com efeito, o que antecedeu o estudo das relações internacionais como disciplina orientada para
determinar o fundamento político das relações entre pessoas de comunidades distintas foi o direto das
gentes (jus gentium).
Desde a Roma Antiga até o século XVII, os relacionamentos entre os povos eram estabelecidos a
partir do direito das gentes ou do direito das nações. Esse direito se desenvolveu nesse mesmo período
e era constituído por um conjunto de práticas e métodos intelectuais que se ocupou em gerar materiais
constitutivos do exercício da autoridade referente a tais relacionamentos.
Conforme Castro (2001), em Roma o chamado jus civile (direito civil) aplicava‑se somente aos romanos,
não a estrangeiros. Na medida que o Império Romano expandia‑se comercial e geograficamente, os
problemas para solucionar disputas entre estrangeiros e entre estes e os cidadãos romanos surgiam.
Com a finalidade de estabelecer parâmetros de mediação nas regiões sob o auspício de Roma, foi instituído
em 242 a.C. o praetor peregrinus. Em sua atuação, o praetor peregrinus lançava mão de partes do direito
romano e de normas estrangeiras (principalmente gregas). Essa fusão foi baseada nos princípios de equidade.
Esse modelo ficou conhecido como jus gentium, ou direito das gentes, pois, em todo o período no qual
“o direito romano que é apropriado e adaptado, e que se torna dominante, adquire caráter universalista,
de vocação “supranacional” e associado a valores cristãos, sendo aplicável a toda cristandade” (CASTRO,
2001, p. 9‑10), ele esteve voltado tão somente para as relações entre pessoas, uma vez que não se
tratava ainda de relações entre estados soberanos.
A partir do direito das gentes, materiais normativos que regulavam os relacionamentos estabelecidos
entre os distintos povos e sociedades foram desenvolvidos. Esses materiais abordavam tópicos como o uso da
força, as relações comerciais, entre outros. A respeito do uso da força, Castro (2001) salienta que tais normas:
[...] tratavam das formas de violências legítima e ilegítima; da isenção da
violência (formas de iniciar guerras, casos de guerra justa, técnicas de
combate, isenção de estrangeiros políticos ou comerciantes com relação à
violência, prisioneiros de guerra etc.); das delegações de autoridade para
a conquista e dominação (autorizações papais); dos procedimentos para o
estabelecimento de isenções da violência (formas dos tratados, juramentos
etc.); e de procedimentos arbitrais (negociação de isenções da violência)
(CASTRO, 2001, p. 9‑10).
Holzgriffe (1989 apud CASTRO, 2001) ainda acrescenta que:
O direito mercantil e marítimo medieval, por exemplo, regulava o
comportamento de mercadores marítimos individuais, enquanto costumes
12
Geopolítica, Regionalização e Integração
feudais relativos ao desafio formal, ao tratamento de arautos e prisioneiros, à
captura e resgate de reféns, à intimação de cidades e à observação de tréguas
aplicavam‑se a cavaleiros individuais. O direito eclesiástico sobre a santidade
dos contratos, a imunidade de agentes diplomáticos, a proibição de armas
perigosas, o tratamento de prisioneiros cristãos, a guerra justa e a “trégua de
Deus” aplicava‑se a cristãos individuais. As normas baseadas nos preceitos do
direito romano aplicavam‑se aos membros individuais das comunidades que
as aceitavam (HOLZGRIFFE, 1989 apud CASTRO, 2001, p. 10).
Dentro dessa de organização social, a existência das organizações internacionais não era possível
pelo fato de sua existência pressupor um acordo entre Estados iguais dispostos a renunciar a alguns
de seus diretos em prol da organização. Segundo Araújo, isso “era impossível naquela época em que as
guerras de conquista se sucediam e impérios se formavam e desapareciam na voragem do tempo e ao
entrechoque das ambições” (ARAÚJO, 2002, p. 5).
Já nos séculos XVI e XVII, começa a tomar corpo uma nova configuração institucional, resultado de
dinâmicas políticas e econômicas estabelecidas entre grupos sociais na Europa a partir do renascimento
do comércio no século XI e da competição política e econômica que se estabeleceu desde então entre
diversas possíveis trajetórias de desenvolvimento institucional, tais como ligas urbanas, cidades‑estados
e estados soberanos.
A partir dessa competição política e econômica das tendências de desenvolvimento institucional,
consolidou‑se uma organização em torno de governos capazes de garantir a vida dos indivíduos de uma
forma específica: a do Estado territorial soberano como responsável por organizar, regular e constituir
a vida social entre o conjunto de instituições (sociedade) que habitasse determinado território, sendo
elas parte de uma mesma nação.
A política passou então a ser determinada pelo território e institucionalizada de forma a ser possível
distinguir entre o direito interno – unidades políticas nas quais os príncipes adquiriram autonomia
política para adotar leis, princípios religiosos etc. – e o direito vigente entre unidades políticas distintas.
A exemplo disso, temos que:
[...] Francisco Suárez (1548‑1617) já distingue entre dois significados de jus
gentium: (a) o direito que as diversas cidades ou reinos (civitates vel regna)
observam em si mesmos (intra se); e (b) o direito que todos os povos e nações
observam em suas relações recíprocas (inter se) (CASTRO, 2001, p. 11).
Na segunda metade do século XVII, com a chamada Paz de Westphalia, o direito das gentes se
modificou para atender as novas realidades correspondentes ao surgimento dos estados territoriais
soberanos: ele assumiu a condição de direito internacional.
A Paz de Westphalia é resultado de um conjunto de tratados diplomáticos firmados em 1648 entre
as principais potências europeias, que colocaram fim à Guerra dos Trinta Anos (1618‑1648). Esta última
13
Unidade I
consistiu num conflito generalizado entre países europeus (católicos versus protestantes) no qual razões
de ordem religiosa se misturavam com motivações políticas.
Nas palavras de Vizentini (2002a):
As potências católicas, especialmente a Espanha e a Áustria, governadas
pela dinastia Habsburgo, apoiavam o Sacro Império (também pertencente
à dinastia) e tentavam estabelecer uma hegemonia na Europa, criando um
Império Supranacional. De outro lado, as potências protestantes escandinavas
apoiavam as cidades comerciais e principados protestantes. Na iminência da
vitória do campo católico, a França, também católica, mas ferrenha inimiga
dos Habsburgos, entrou no conflito em apoio aos protestantes, salvando‑os
(VIZENTINI, 2002a).
Os tratados assinados em Westphalia legitimaram o status quo anterior ao conflito, que ainda
reconhecia uma sociedade de Estados fundada no princípio da soberania territorial, na qual todas as
formas de governo passaram a ser legítimas; na não intervenção em assuntos internos dos demais,
respeitando o princípio de tolerância e liberdade religiosa escolhida pelo príncipe (cuius régio, eius
religio: quem tem a região tem a religião); e na independência dos Estados, detentores de diretos
jurídicos iguais a serem respeitados pelos demais membros, uma vez que partes com direitos iguais não
têm capacidade para julgar seus semelhantes.
Como se vê, o modelo estabelecido em Westphalia instaurou condições de autonomia aos Estados
sem, no entanto, criar obrigações mútuas entre eles, o que motivou, a partir de então, preocupações
no sentido de gerar “estruturas de cooperação internacional capazes de constituir a base de processos
políticos mundiais para se atingir a paz duradoura, chamados projetos de paz perpétua” (CASTRO, 2001,
p. 12).
Entre os projetos mais conhecidos, está o de abbé de Saint‑Pierre (1658‑1743), que assegurava
que apenas acordos firmados entre os Estados não seriam capazes de estabelecer a paz. Para isso, era
necessário que os Estados se unissem em uma confederação, cujo órgão principal seria um Senado
formado por representantes de todos os Estados. Os conflitos seriam solucionados pela arbitragem e
sua decisão deveria ser acatada pelos envolvidos sem que recorressem à guerra, pois, se o fizessem,
estariam sujeitos a sanções decretadas pela organização que, para esse fim, possuiria um exército
próprio.
Apoiada sobre um direito internacional adaptado do jus gentium, a política internacional passou a
balizar os relacionamentos interestatais e, por conseguinte, possibilitou que um conjunto de práticas
diplomáticas “governado por um consenso das elites aristocráticas europeias, em cujas mãos haviam
permanecido os assuntos de política internacional e, portanto, as decisões, e sobre os objetivos e
oportunidades do uso da capacidade militar e diplomática das grandes potências” (CASTRO, 2001, p. 13)
resultasse no que ficou conhecido como concerto europeu, que pressupunha a igualdade entre estados
que cooperavam sob o direito internacional.
14
Geopolítica, Regionalização e Integração
O instrumento principal dessa aparente solidariedade política entre os Estados soberanos se dava
pela noção de equilíbrio de poder ou balança de poder, que regia as relações internacionais com o
objetivo de manter a correlação de forças históricas entre as potências europeias, já que se observava a
possibilidade de um ou outro Estado se reforçar mais rapidamente ou mesmo fazer anexações territoriais,
causando, assim, uma percepção de instabilidade de poder aos demais.
Tal como se estabelecia, a política refletia os aspectos descritos por pensadores como Maquiavel
(1469‑1527) e Hobbes (1588‑1679).
Realista e pragmático, Maquiavel, ao relatar o caos e a instabilidade política então existentes nos
conflitos entre as diferentes cidades‑estados da Itália, apontava para questões sobre poder, balança de
poder, formação de alianças e, sobretudo, para a segurança nacional, razão pela qual o príncipe poderia
perder seu estado caso não se preocupasse com as forças e ameaças internas e externas. O ápice das
teses de Maquiavel está na defesa do uso de quaisquer recursos ou métodos para que os interesses e a
segurança do Estado sejam preservados.
Não menos pessimista com relação à natureza humana, Hobbes deixa transparecer em seu livro
Leviatã que, na ausência de uma autoridade central, haveria uma situação permanente de guerra na
qual todos lutariam contra todos num estado de total anarquia. Neste, seriam inevitáveis a suspeita, a
desconfiança, o conflito e a guerra.
Nesse sentido, pode‑se atribuir como característica essencial da política internacional do modelo
westphaliano da segunda metade do século XVII até o início do século XX:
[...] um programa selvagem de exploração colonial e formação de alianças
secretas e acirradas rivalidades, num complexo jogo de interesses políticos
e econômicos, frequentemente destrutivo das sociedades colonizadas e
instigador de tensões políticas entre os países europeus (CASTRO, 2001, p.
14).
Mesmo gozando de uma relativa paz nesse período, a forma institucional da política internacional
– eminentemente moderna, apoiada no direito internacional e obtida a partir de Westphalia – não foi
capaz de evitar a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914.
O desastre da Primeira Guerra Mundial, o conflito mais destruidor até então, esboçou mudanças
na condução da política internacional. Um conjunto de propostas para adoção de várias iniciativas e
medidas cooperativas destinadas a prevenir a guerra e manter a paz foram apresentadas em 1918 pelo
presidente estadunidense Woodrow Wilson.
Ao tentarem estabelecer novas bases para a política internacional em busca de um mundo ideal, as
propostas de Wilson emergem como uma provável saída para as conflituosas e obscuras relações dos
países europeus. Assim, nascia o idealismo, que mais tarde viria a compor o primeiro grande debate
das relações internacionais como campo científico, cabendo aqui, portanto, somente mencionar sua
importância para a evolução das relações internacionais.
15
Unidade I
Lembrete
Até o século XVII, não havia um sistema de entidades políticas (estados)
que exerciam autoridade suprema sobre territórios e eram detentoras
do monopólio sobre assuntos de guerra, exercícios de diplomacia e
celebrações de tratados. Nesse período, as dinâmicas políticas e econômicas
estabelecidas entre as sociedades europeias se davam por meio do direito
das gentes (direito das nações), que estabeleceu o direito que diversas
cidades ou reinos observavam em si e em suas relações.
Figura 1 – O presidente americano Woodrow Wilson
Observação
Woodrow Wilson foi eleito presidente dos Estados Unidos da América
por dois mandatos seguidos, ficando no cargo de 1912 a 1921. Ele era
membro do Partido Democrata e recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1919.
1.1.2 O mundo do século XX e as teorias das relações internacionais
O século XX foi marcado pelas duas maiores conflagrações mundiais, pelo conflito ideológico
(capitalismo versus socialismos), por revoluções e crises de todas as ordens, pela extraordinária expansão
econômica, por profundas transformações sociais, por impérios e hegemonias, entre outros relevantes
acontecimentos, como o vultuoso desenvolvimento tecnológico percebido desde a Primeira Guerra
Mundial. Somado ao encurtamento das distâncias2, esse desenvolvimento tecnológico abriu as portas
“[...] qualquer lugar do mundo, atualmente, está a menos de dois dias de distância de qualquer outro, por avião a
jato, e um míssil teleguiado vence qualquer distância a menos de quarenta minutos” (DEUTSCH, 1982, p. 10).
2
16
Geopolítica, Regionalização e Integração
para uma crescente transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas e culturais que
ocorreu no mundo e acabou por tornar indefinidas as fronteiras das políticas interna e externa dos
Estados.
Cada um a seu tempo e já a partir da Primeira Guerra Mundial, esses acontecimentos
começaram a imprimir uma nova configuração ao sistema internacional moldado no século XVII.
Além disso, o século XX também é marcado pela evolução da teoria das relações internacionais,
que se ocupa em analisar com mais clareza o emaranhado conjunto de relações que se processa
no mundo atual.
O conhecimento acumulado das relações internacionais até o início do século XX deu sustentação
para que novas proposições, agora com um caráter científico, fossem elaboradas na medida que a
política internacional dava rumos ao mundo mediante velhos e novos acontecimentos e se exigia,
portanto, explicações mais consistentes da realidade.
A teoria das relações internacionais se consolida tendo como objeto de estudo a política
internacional. Esta, por sua vez, se define como um conjunto de práticas que frequentemente
envolvem o uso da força efetiva ou ameaçada, forças estas por meio das quais os Estados se
relacionam.
Em relação ao que podemos considerar como política internacional por meio da história, Castro
(2001) acrescenta que:
[...] é preciso considerar que esta expressão se refere a uma forma específica
de institucionalização da política, que se tornou preponderante a partir do
século XVII na Europa, propagando‑se para praticamente todo o mundo
subsequentemente, e que hoje passa por transformações importantes
(CASTRO, 2001, p. 10).
Guimarães (2001) observa que, em sua fase inicial, os estudos acadêmicos sobre a teoria das
relações internacionais se ocupavam de questões de “natureza substantiva, como diplomacia, política
do poder ou problemas da paz e da guerra, alianças e intervenções militares, e refletiam frequentemente
preocupações prescritivas ou normativas” (GUIMARÃES, 2001, p. 10).
Contudo, a sofisticação teórica e metodológica que foi aos poucos empreendida na construção dos
estudos permitiu a apreciação de problemas mais analíticos e de relações entre dois ou mais fenômenos
de ordens diferentes, tais como a relação entre poder e segurança, entre poder econômico e militar,
entre organizações internacionais e estratégias de governos etc.
Como resultado dessa evolução acadêmica, podemos perceber a definição de algumas subáreas
de estudo dentro das relações internacionais, como política externa dos Estados, economia política
internacional, segurança internacional, proliferação e controle de armamentos, regimes e organizações
internacionais, integração regional, entre outras.
17
Unidade I
De modo mais abrangente, é perceptível que essas questões que agora compõem de forma
segmentada a agenda internacional extrapolem e transcendam o âmbito interno e até mesmo o controle
de um único Estado. Nesse sentido, Guimarães (2001) pondera que, para essas questões:
[...] o estudo e tratamento exigem cooperação internacional e frequentemente
multidisciplinar, como é o caso do narcotráfico, da poluição e degradação
do meio ambiente, questões amplamente debatidas na Rio 92; dos direitos
humanos, objetos da Convenção de Viena de 1993; do papel da mulher (ou
questão do gênero) no novo cenário internacional, debatido em Pequim em
1994; dos problemas relacionados com a população, examinados no Cairo
em 1995; da questão da habitação, analisada em Copenhague em 1996, e
outros (GUIMARÃES, 2001, p. 10).
No entanto, somente o conjunto de agentes e as questões que compõem a estrutura do estudo de
relações internacionais abordados até aqui não dão conta de explicar a evolução das teorias das relações
internacionais. É necessário considerar também que a análise do conjunto de agentes e suas interações
se processam por meio de teorias.
De acordo com Rocha (2002), as teorias resultam dos esforços intelectuais em produzir interpretações
científicas da realidade a partir da reflexão sistemática sobre agentes e processos no contexto das
relações internacionais.
Considerando a complexidade inerente ao sistema internacional, nenhuma teoria interpreta
individualmente e de forma cabal a realidade internacional, podendo, portanto, as teorias serem
consideradas “imperfeitas no sentido de que raramente são consideradas, mesmo por seus autores,
feitas, completas e acabadas” (ROCHA, 2002, p. 40).
Rocha (2002), na medida que reforça um entendimento óbvio nem sempre lembrado de que as
“teorias são construções humanas” (ROCHA, 2002, p. 40), pontua que o exercício mental de analistas
para produzir conhecimento sobre um mesmo fenômeno observável na realidade internacional acabou
por engendrar diferentes discursos teóricos no campo de estudo das relações internacionais.
Dito isso, podemos acrescentar que o campo de estudo das relações internacionais se caracteriza
por um pluralismo teórico, o que significa dizer que ele aceita a coexistência de vários discursos teóricos
nem sempre antagônicos, mas em sua grande maioria complementares, nos permitindo, assim, conferir
análises mais inteligíveis da realidade internacional.
2 A noção de cooperação no enfoque das principais teorias das
relações internacionais
Como abordado anteriormente, desde sua consolidação como campo de estudo, o pluralismo teórico
inerente às relações internacionais possibilitou o desenvolvimento de diferentes estudos e interpretações
da realidade internacional, dada a percepção dos fatos para cada analista e a dinâmica das relações
entre os agentes.
18
Geopolítica, Regionalização e Integração
Porém, não discutiremos aqui a validade lógica dos muitos discursos dos quais os analistas lançaram mão para
conferir sentido à realidade desde a primeira metade do século passado. Desse modo, nos ateremos tão somente
a identificar a visão de cooperação e de organizações internacionais a partir do prisma de dois importantes
debates das teorias das relações internacionais: idealismo e realismo e realismo e interdependência.
2.1 A noção de cooperação para os teóricos idealistas e realistas
Os resultados destruidores da Primeira Guerra Mundial, com o número de vítimas civis e militares, o
nível de violência e a extensão do conflito, impulsionaram o desenvolvimento das relações internacionais
como campo de estudo científico a partir da percepção de um mundo ideal, da qual pretendeu‑se pautar
as relações internacionais desde então. Essa percepção ficou conhecida como idealismo.
O idealismo é concebido como:
[...] um conjunto de princípios universais que defende a necessidade de
estruturar o mundo buscando o entendimento, através de condutas pacifistas,
onde a confiança e a boa vontade sejam os motores que movimentam a
história (MIYAMOTO et al., 2004, p. 15).
Ao vislumbrar a possibilidade de superação do “estado de natureza” em que se encontravam os
Estados – conflito armado e hostilidades – e a construção de uma nova ordem jurídica internacional,
o surgimento do idealismo contemporâneo se materializou por meio de uma espécie de pacto social
mundial nos famosos 14 pontos de Wilson.
Observação
Os famosos 14 pontos de Wilson, como ficaram conhecidos, marcam o
surgimento do idealismo contemporâneo, que vislumbrava a possibilidade
de superação do “estado de natureza” em que se encontravam os Estados
– conflito armado e hostilidades – e a construção de uma nova ordem
jurídica internacional por meio de uma espécie de pacto social mundial.
Na visão idealista, a ordem internacional no período pós Primeira Guerra deveria ser disciplinada
por organizações internacionais capazes de fazer prevalecer os princípios éticos e os preceitos morais,
refreando, assim, os nacionalismos exacerbados e a desconfiança generalizada. Por conseguinte,
“assegurar‑se‑iam a ordem e a paz entre as nações com a utilização de instrumentos jurídicos para
dirimir os conflitos de interesses” (BELLI, 1994, p. 14).
O objetivo dos idealistas era:
[...] que a cooperação internacional, através do direito internacional
repassado de um moralismo idealista, pudesse oferecer os meios para a
manutenção de uma paz duradoura (CASTRO, 2001, p. 14).
19
Unidade I
A Liga das Nações foi criada como uma tradução prática desse ideário. Tratava‑se de uma organização
política interestatal permanente que tinha por intuito oferecer garantias mútuas de independência
política, integridade territorial e preservação da paz. Entretanto, os fatos que se sucederam pareciam
contradizer as esperanças idealistas. Tem‑se que “a história conturbada [da Liga das Nações] não
demonstrou outra coisa senão o triunfo da desconfiança recíproca e dos nacionalismos exacerbados
sobre o idealismo wilsoniano” (BELLI, 1994, p. 15).
Em linhas gerais, as principais preocupações condensadas nos 14 pontos de Wilson passavam pela
“supressão da diplomacia secreta, liberdade dos mares, limitação dos armamentos, remoção das barreiras
comerciais, reajustamento dos territórios, fim da exploração colonial e criação de uma Sociedade das
Nações” (BELLI, 1994, p. 14).
Ao se concretizar algumas das ideias veiculadas nos “projetos de paz perpétua” dos séculos anteriores,
foi criada a “Liga das Nações”, uma organização política interestatal que oferecia garantias mútuas de
independência política, integridade territorial e preservação da paz, como mencionado anteriormente.
O idealismo encontra seu momento de maior aceitação no período entreguerras. Importantes
publicações de autores e estudos contribuíram para o desenvolvimento inicial da obra Relações
internacionais como campo de estudos, de Lytton L. Guimarães. Identificar as causas da guerra e buscar
caminhos para a paz eram preocupações iniciais que, posteriormente, estiveram voltadas também para
questões como os problemas de segurança, os desarmamentos, o imperialismo e suas consequências, a
negociação diplomática, a balança de poder, a geopolítica etc. (GUIMARÃES, 2001, p. 24).
Mesmo dominando os discursos políticos e acadêmicos nesse período, as propostas idealistas não
vieram a se concretizar, sendo a evidência fática disso um novo conflito mundial.
O fracasso iminente do idealismo na política internacional veio com a conflagração da Segunda Guerra
Mundial, em 1939, de proporções ainda maiores do que as da Primeira Guerra Mundial. O idealismo perdeu
então sua capacidade de persuasão e ficou exposto às críticas de intelectuais realistas. Ele “atingiu o que
se considerou o caráter ingênuo e normativo do idealismo” (BELLI, 1994, p. 15), sobretudo a partir do
momento em que foi publicado o livro The Twenty Years’ Crisis, 1919‑1939 (1939), de Edward H. Carr.
A partir dessa publicação, a visão teórica realista de política internacional ganhou força. A obra
de Carr tornou‑se referência e iniciou o debate entre as teorias idealista e realista. Conforme ressalta
Castro (2001), essa obra emblematiza o começo do estudo científico das relações internacionais e marca
o começo da tradição da teoria das relações internacionais.
A deflagração da Segunda Guerra Mundial contrapôs o argumento realista às propostas idealistas
de cooperação por meio de instituições calcadas em princípios éticos e morais como base do convívio
internacional pacífico. O debate entre o idealismo e o realismo ocorreu entre o final da Segunda Guerra
Mundial e meados dos anos 1950.
Nas raízes remotas do pensamento realista, observam‑se as obras já citadas de Maquiavel (O
Príncipe) e Thomas Hobbes (Leviatã). No entanto, além de Carr, outros autores realistas se destacaram
20
Geopolítica, Regionalização e Integração
e constituem peças fundamentais para a consolidação do realismo nos anos que se seguiram à guerra,
como é o caso de Hans J. Morgenthau (1904‑1980) (GUIMARÃES, 2001, p. 44).
A visão realista de mundo postula os Estados como os principais agentes do sistema internacional e
sua interação consiste no mais importante processo em curso nas relações internacionais, o que permite
que se entenda, por conseguinte, que:
[...] todos os outros processos, assim como o comportamento de todos os
outros agentes, são influenciados, direta ou indiretamente, em maior ou
menor grau, pelas relações de poder existentes entre os Estados soberanos
no plano internacional (ROCHA, 2002, p. 266).
Dessa forma, as organizações internacionais e, consequentemente, a ideia de cooperação no
contexto realista são de menor de importância em virtude de estarem limitadas aos poderes dos Estados
e à supremacia da força militar.
O sistema internacional, por sua vez, é entendido como anárquico e conflituoso. Nele, nenhum
Estado reconhece em outro a capacidade de estabelecer regras e fazê‑las cumprir no plano internacional.
Ademais, o processo político era visto como uma luta pelo poder e pelo uso recorrente da força.
Nesse sentido, se atribuiu aos Estados um comportamento racional, capaz de estabelecer uma
hierarquia de objetivos coerente com os interesses nacionais. Segundo essa visão, havia uma preocupação
constante com a preservação da soberania e da segurança em detrimento das relações econômicas e das
ações de cooperação.
Dessa maneira, o realismo político compreende as relações internacionais como sendo determinadas
por elementos de segurança e militarização. No entender de Castro (2001), a característica preponderante
dessa visão é a justificação do uso da força, seja como condição inevitável da vida em sociedade, seja
como meio de se atingir a paz no mundo.
Em ascensão, o realismo passou a influenciar formuladores de política externa, sobretudo os da
política externa americana dos anos 1950. Isso se deu à medida que, segundo Belli (1994, p. 17), esse
realismo “(...) parecia refletir não uma conjuntura passageira ou um momento de tensão, mas toda a
história da humanidade marcada por conflitos armados e disputas variadas”.
Como se pode verificar, embora os primeiros pressupostos (clássicos) do realismo fossem
flexibilizados a partir de pensadores como Waltz e, posteriormente, como Gilpin – ambos autores
de uma linhagem neorrealista da década de 1970 –, com o decorrer do tempo as características
principais da política internacional defendidas pelo realismo – Estado como agente principal,
sistema internacional anárquico, processo político de luta pelo poder e uso sistemático da força
como meio de solução de conflito – começaram a ser questionadas, dando margem para que as
relações internacionais fossem analisadas como um conjunto mais complexo de novos atores e
processos.
21
Unidade I
Saiba mais
Para verificar uma discussão sobre o aperfeiçoamento da abordagem
realista, leia:
BELLI, B. Capítulo 1. In: Interdependência assimétrica e negociações
multilaterais: o Brasil e o regime internacional de comércio (1985 a 1989).
Dissertação de Mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1994.
O realismo se mostra realmente frágil quando manifesta uma vaga noção de natureza humana
essencialmente egoísta e imutável que, na condição de crença, não se presta à comprovação científica.
Nesse sentido, refletindo as características fundamentais dos dois debates abordados até aqui, Belli
(1994) ressalta que:
Se é verdade que o idealismo enfatizou a possibilidade de cooperação e a
convergência em detrimento da dimensão do conflito, não é menos verdade
que os teóricos realistas clássicos desprezaram em suas análises a questão
da cooperação, deixando de lado uma dimensão igualmente importante das
relações internacionais (BELLI, 1994, p. 18).
Além disso, as transformações no cenário internacional do século XX tornaram inegáveis a
importância das grandes corporações transnacionais para as economias domésticas e a influência na
política internacional tanto das organizações internacionais de fórum multilateral como das organizações
não governamentais. Os Estados deixaram a condição de únicos e mais importantes atores da cena
internacional e passaram a dividir espaço com novos atores.
Da mesma forma, questões de segurança e militarização, que encabeçavam a agenda da política
internacional, foram aos poucos perdendo lugar na pauta para questões que ganharam papel de maior
relevo no cenário internacional contemporâneo, como é o caso das relações econômicas, financeiras,
sociais e culturais.
2.2 A noção de cooperação para os teóricos da interdependência
A teoria da interdependência surge como uma tentativa de dar respostas mais satisfatórias a uma
realidade internacional em acelerado processo de transformação. Sem descartar a contribuição realista, os
precursores da teoria da interdependência, Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, construíram um programa
de pesquisa mais abrangente no início dos anos 1970, com o livro Poder e interdependência (1988 [1977]).
Nesse programa, havia espaço para o desenvolvimento de análises que focalizavam agentes distintos
do Estado nacional e processos complementares ao problema da segurança, o que estabelecia, assim,
um contraste com a abordagem realista.
22
Geopolítica, Regionalização e Integração
Para essa análise, os autores partiram do que percebiam como transformações reais da política
internacional. Tais transformações seriam consequência de medidas adotadas pela política internacional
desde o período entreguerras. Mesmo antes do fim da Segunda Guerra Mundial, as potências vencedoras,
imbuídas de esforços de institucionalização da política internacional, desenvolveram uma rede de
organizações internacionais com vistas a promover a cooperação multilateral em diferentes áreas.
Entre as organizações mais importantes, figurava a Organizações das Nações Unidas (ONU) e outras
a ela relacionadas, como a FAO, a OIT, a OMS e as agências do chamado sistema Bretton Woods, ou
seja: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird) e, por fim, também em instância
multilateral de cooperação comercial, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement
on Tariffs and Trade – GATT), substituído em 1995 pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Desde então, outros complexos acordos foram sendo estabelecidos em áreas específicas de cooperação
internacional, como parcerias para administração de alta tecnologia e cooperação para uso de diversos
recursos naturais (CASTRO, 2001).
Saiba mais
O GATT foi instituído no momento em que o Congresso Americano não
ratificou a Carta de Havana, que estabeleceria a Organização Internacional
do Comércio (ITO). Para uma melhor discussão sobre o GATT e a OMC, leia
a seguinte obra:
RAMOS, R. J. S. A estrutura do comércio internacional. In: DIAS, R.;
RODRIGUES, W. (orgs.) Comércio exterior: teoria e gestão. São Paulo: Atlas,
2004, p. 147‑178.
O efeito desse processo foi um intenso fluxo de conhecimentos e informações que, no entender de
Castro (2001, p. 23), passou “em grande parte a balizar e distribuir autoridade e estruturar instâncias de
negociação, de maneira a influenciar extensamente o jogo da política e da economia internacionais”.
Da mesma maneira, também alteravam a realidade internacional o gigantesco aumento das
transações transfronteiriças (fluxo de capitais, bens, pessoas etc.) e a presença de atores não estatais,
como as transnacionais, as igrejas e as organizações não governamentais (ONGs), que participavam nos
processos políticos e econômicos internacionais.
Dessa forma, as sociedades criaram canais múltiplos de contato, fazendo com que alguns importantes
processos em curso nas relações internacionais contemporâneas nem sempre passassem pelo controle
estatal.
Os pressupostos realistas se revelaram insuficientes para explicar os complexos eventos que
dominavam a agenda política internacional contemporânea. Ao reconhecer tal insuficiência, mas sem
descartar totalmente o modelo realista, os autores Keohane e Nye (1988) conceberam uma agenda
23
Unidade I
internacional aberta, complexa e composta por uma ampla variedade de objetivos, sem estar, no entanto,
subordinada a uma hierarquia temática no sentido de a segurança militar ser vista, a princípio, como
tema mais relevante.
A agenda internacional é considerada aberta por admitir temas de diversas ordens e interesses e
complexa por estabelecer conexões variáveis, como entre questões de segurança nacional e econômicas
ou tecnológicas e entre questões de política interna e externa, podendo ocorrer diferentes coalizões
dentro e fora de governos ou instituições.
Os teóricos observaram também a existência de múltiplos canais de comunicação e influência entre
sociedades cujas interações vão desde a informalidade entre autoridade e atores privados até as relações
interestatais formais.
Desse modo, existe a necessidade de analisar o papel desempenhado por outros agentes que não o
Estado, por serem considerados determinantes em alguns processos em curso nas relações internacionais.
Em determinados casos, “dependendo da tecnicidade associada às decisões, tais agentes desempenham
papel tão relevante quanto o dos Estados” (ROCHA, 2002, p. 273).
Ao mesmo tempo que admite uma nova agenda e novos agentes, a teoria tem por base o conceito de
interdependência como resultado das transações entre agenda e agentes. A interdependência não se refere
simplesmente a uma interconexão, mas sim a uma dependência mútua ou a “uma situação em que atores
são afetados, de formas potencialmente custosas, pelas ações de outros” (KEOHANE, 1992, p. 167).
Dentro dos argumentos de Keohane e Nye (1988), existem duas dimensões da interdependência: a
sensibilidade e a vulnerabilidade, as quais os agentes ficam sujeitos no que concerne às mudanças.
A sensibilidade à mudança se refere aos ajustes realizados em políticas locais e em reflexos de
alterações de fatores externos. A vulnerabilidade corresponde a custos impostos por eventos externos
aos quais os agentes estão sujeitos mesmo depois de ter alterado políticas.
Segundo os autores dessa teoria, isso significa dizer que as relações interdependentes entre dois ou
mais agentes não necessariamente resultarão em vantagens a todos os envolvidos, uma vez que nada
assegura que as relações consideradas interdependentes sejam caracterizadas por benefícios mútuos,
“isso dependerá do peso dos atores e também da natureza da relação (KEOHANE, 1992, p. 167).
Os diferentes agentes não possuem igual capacidade de influenciar a evolução dos acontecimentos
no plano internacional. Desse modo, a interdependência é essencialmente assimétrica à medida que
afeta os agentes de formas diferentes por estes não gozarem do “mesmo grau de desenvolvimento
socioeconômico e não controlarem os mesmos recursos naturais, geográficos, financeiros e militares”
(DI SENA JUNIOR, 2001, p. 25).
Tais assimetrias geram disputas entre os agentes nos diferentes processos em curso nas relações
internacionais. Os resultados desses processos não são determinados pelo poder militar e emprego da
força da visão realista, mas pela manipulação dos próprios fatores de interdependência.
24
Geopolítica, Regionalização e Integração
É a partir dessas assimetrias, ou seja, das sensíveis diferenças entre os agentes nas áreas militar,
econômica, industrial, entre outras, que Keohane e Nye opõem o conceito de interdependência ao
conceito realista de “poder”, essencialmente relacionado ao uso da força. Os autores afirmam que:
São “assimetrias” de dependência que mais provavelmente oferecerão
fontes de influência para os atores nas relações que estabelecem entre
si. Atores menos dependentes podem muitas vezes utilizar as relações de
interdependência como uma fonte de poder na negociação relativa a uma
questão e talvez para exercer influência em outros problemas [...]. Concluímos
que um início promissor nas análises políticas da interdependência
internacional pode ser o de conceber as interdependências assimétricas
como fontes de poder para os atores (KEOHANE; NYE, 1977 apud KEOHANE,
1992, p. 167).
O quadro mais complexo de agentes assimétricos e as novas fontes de poder percebidas pela
interdependência fazem com que diferentes agentes sejam capazes de controlar a evolução e o resultado
dos principais processos em curso no plano das relações internacionais.
Assim, em alguns casos, conforme o tema com o qual se estiver negociando, as organizações
internacionais (governamentais ou não), os agentes sociais e mesmo os representantes do setor privado
terão maior ou menor capacidade de inserir temas na agenda internacional, interferir na formulação
de política exterior dos Estados, controlar processos etc. Em outros casos, as decisões mais importantes
ficam por conta dos Estados.
Esse quadro fortaleceu a atuação de outros agentes nos processos em curso no plano
internacional, sobretudo dos Estados mais fracos e, principalmente, no âmbito das organizações
internacionais. Para os interdependentistas, as organizações internacionais estabelecem agendas,
induzem a formação de coalizões e funcionam como facilitadoras da ação política dos Estados
fracos.
A capacidade de eleger o foro adequado para um problema e de mobilizar votos é um importante
resultado político. As regras são negociadas sob a apreciação dos membros e, no processo de aprovação
e implementação destas, os Estados mais fracos, por meio de colisões, tentam fazer prevalecer seus
objetivos ou mesmo obter resultados menos custosos.
Por assim dizer, a teoria de interdependência dá melhores explicações à nova realidade internacional
e aos processos nela observados. Essa teoria nutri‑se da:
[...] valorização das organizações internacionais, de atores privados
participantes em processo de cooperação econômica, técnica ou política
e de processos políticos domésticos, que passaram a ser vistos como
relevantes para explicar as mudanças na política internacional (CASTRO,
2001, p. 24‑25).
25
Unidade I
É fundamental salientar que o estudo dessa teoria não se limita aos argumentos apresentados, haja
vista que sua apreciação – que valoriza os atores não estatais, as instituições (governamentais ou não),
a cooperação entre agentes e uma ampla agenda de relações internacionais – desemboca em outra
agenda de pesquisa: a dos regimes internacionais, dos quais não nos ocuparemos aqui.
Figura 2 – Presidente Dilma Rousseff durante encontro com o secretário‑geral
das Nações Unidas, Ban Ki‑Moon, na sede da ONU, em 2011
3 A Política Externa e os Interesses Nacionais: Instrumentos da
Política Estatal e da Geopolítica
Assim como o Brasil, outros países, ao estabelecerem suas formas de inserção internacional no
mundo globalizado, levam em consideração a importância de se definir necessidades e interesses
próprios atuais, baseando‑se na consciência coletiva de se ter uma presença e uma imagem
internacionais.
Reafirmando o que foi dito anteriormente, o modelo de estado‑nação eminentemente moderno,
fundado no princípio da soberania e forjado em Westphalia, outorga relativa independência na
formulação da estratégia que orienta a ação estatal no âmbito internacional. É por meio de suas receptivas
políticas externas e de seus recursos disponíveis que os países têm relativa autonomia para escolher
seus caminhos, seja para desenvolvimento econômico, capacitação tecnológica, maior participação no
comércio global, crescimento de índices sociais ideais, busca por poder etc.
Quando se pensa as relações internacionais de comércio como uma saída assertiva para países em
desenvolvimento, há que se recorrer à teoria de interdependência. Ela ajudará a entender as decisões
das políticas externas desses Estados, já que eles não gozam do mesmo grau de influência militar e
tecnológica e não têm o mesmo nível de desenvolvimento econômico. A conformação dos interesses
nacionais individuais indiscutivelmente geram oportunidades e constrangimentos recíprocos.
Porém, antes de tentar demonstrar que as relações internacionais de comércio podem consubstanciar
o desenvolvimento das nações, há que se entender o que é e quais são os objetivos da política externa
no contexto das relações internacionais.
26
Geopolítica, Regionalização e Integração
3.1 Introdução à política externa: conceitos e objetivos
As relações entre Estados, organizações internacionais, partidos políticos, organizações não
governamentais e outros atores situam‑se dentro de uma ordem ou sistema internacional e acabam por
configurar as relações internacionais. Podemos considerar sistema internacional como um:
[...] meio onde se processam as relações entre os diferentes atores que
compõem e fazem parte do conjunto das interações sociais que se
processam na esfera internacional, envolvendo seus atores, acontecimentos
e fenômenos (MERLE, 1981 apud PECEQUILO, 2004, p. 38).
O sistema internacional contemporâneo compreende uma sucessão de macroestruturas:
eurocentrismo, transição entreguerras, sucessão da Segunda Guerra Mundial com a Guerra Fria até
o multipolarismo. Dentre essas marcantes etapas da história contemporânea, houve ainda conflitos
generalizados, revoluções, flutuações econômicas e outras crises.
A importância de conhecer essas macroestruturas dá‑se pelo fato de que cada uma delas corresponde
a configurações específicas de poder. Contudo, os sistemas internacionais podem ser examinados sob o
ângulo de subsistemas, podendo ser divididos em ideologia, desenvolvimento, conflito e segurança.
Analisemos cada um deles:
• ideologia: tem irrefutável influência na política internacional e está ligada ao modo de organização
do país no que concerne à política externa;
• desenvolvimento: o nível de desenvolvimento de um país afeta diretamente sua capacidade de
ação internacional;
• conflito: situações de tensão aguda ou conflito aberto constituem oportunidades extremamente
ricas para análise da realidade internacional;
• segurança: os arranjos internacionais e os meios nacionais são instrumentos de segurança
externa, porém, não deve‑se pensar apenas nos instrumentos militares, mas também nos políticos,
econômicos e socioculturais.
Definido o ambiente de atuação estatal, o processo de concepção da política externa de um estado
é tratado pelos analistas das relações internacionais a partir de enfoques diferentes. Entretanto, o
entendimento geral acerca da política externa segue alguns traços comuns que sempre levam em
consideração as motivações internas e os constrangimentos externos.
Na definição de Seitenfus (2004, p. 84), a política externa é um “processo de percepção, avaliação,
decisão, ação e prospecção estatais, inclusive aquelas iniciativas tomadas no âmbito interno que possuam
uma incidência além‑fronteiras”. A política externa é de caráter dinâmico e ajustável, decorrente,
portanto, da:
[...] confrontação entre, de um lado, as aspirações internas traduzidas pelo
interesse nacional e os instrumentos de que dispõem para promovê‑lo e, de
27
Unidade I
outro, as oportunidades e limitação oferecidas pelo sistema internacional
(SEITENFUS, 2004, p. 84).
Em outras palavras e seguindo a mesma linha de análise, Larrañaga (2004) define política externa
como um:
[...] conjunto de parâmetros, instrumentos, limites e procedimentos que
orientam a tomada de decisões de autoridades de um país, referentes
às relações desse país com o restante do mundo, quanto à sua inserção
internacional e em função dos seus interesses (LARRAÑAGA, 2004, p. 198).
Ainda no campo das definições, a análise de Cervo e Bueno (2008) aponta a política exterior como
um instrumento governamental com o qual um Estado afeta o destino de seu povo, mantendo a paz,
fazendo guerras e induzindo o crescimento, o desenvolvimento, a riqueza ou o atraso, a dependência e
a pobreza.
Diante dessas percepções, é possível reconhecer que as diferentes atitudes ou posições de formulação
das políticas implementadas pelos Estados são reflexos do interesse nacional de cada Nação.
Assim, tem‑se que:
[...] o interesse nacional encontra‑se no âmago da política externa dos
estados e, por conseguinte, no centro das relações internacionais, [que por
meio dele os chefes de estado tomam as decisões quanto] às iniciativas
diplomáticas, os acordos comerciais, a constituição de blocos econômicos,
os votos nas instâncias multilaterais, as concessões de favores e a obtenção
de vantagens entre os Estados (SEITENFUS, 2004, p. 85).
Entretanto, diferentemente das proposições do realismo político, apresentadas anteriormente, muitas
vezes é um grande desafio delinear objetivos concretos para a política externa. Há que se pesar que o
conceito de interesse nacional é suscetível a um grande número de variáveis e pode provocar percepções
distintas e contraditórias. Nesse aspecto, as análises superficiais devem dar lugar ao ceticismo, pois “o
interesse nacional não existe por si mesmo”, mas existe “uma percepção majoritária dos responsáveis
pela orientação da política externa dos Estados” (SEITENFUS, 2004, p. 86).
Alguns fatores podem ajudar a estabelecer parâmetros para balizar os contornos da inserção de
países no cenário internacional:
• fatores estáticos e permanentes (dimensão, localização e população);
• situações estruturais (regime político, sistema econômico, relações políticas e econômicas com o
mundo);
• comportamentos conjunturais (posição em debates e crises internacionais).
28
Geopolítica, Regionalização e Integração
O reconhecimento de tais diferenças é objeto de análise da política externa quanto a seus objetivos,
sua agenda, seus instrumentos e seu estilo de execução. Os objetivos são as metas, anseios ou intuitos
estratégicos estabelecidos como prioritários pelo governo de determinado país para defender, promover
e atingir seus interesses.
Para atingir os objetivos nacionais estabelecidos, o mesmo governo concebe um conjunto de
estratégias: é o que chamamos de agenda. Quanto aos instrumentos, estes compreendem os recursos
disponíveis e os necessários para implementação das estratégias nacionais estabelecidas. A maneira, a
forma, o modo, as práticas e os costumes que caracterizam a condução da política exterior determina
o estilo do governo em questão.
Em relação ao desenvolvimento, a pergunta que se faz é: como fazer das relações internacionais de
comércio uma agenda de inserção positiva? A resposta vem em linhas gerais. A inserção internacional
de um país e sua política externa devem considerar três campos fundamentais de atuação nas relações
internacionais:
• estratégico‑militar: no que diz respeito ao risco de guerra ou desejo de paz, o campo
estratégico‑militar representa o que o país significa ou pode vir a significar como aliado, protetor,
amigo ou inimigo;
• relações econômicas: indica o que o país representa para a comunidade internacional em termos
de mercado de fornecimento, consumo, alianças, parcerias e similares;
• valores: revela o que o país representa como modelo de sociedade (LARRAÑAGA, 2004).
3.2 A ação e a interação dos Estados
Todos os países do mundo possuem uma base territorial, mas, frequentemente, suas fronteiras exatas
são temas de discussão e até de guerras. A Palestina, por exemplo, não tinha uma base territorial até
conseguir um controle sobre a margem ocidental e sobre Gaza. Além disso, a Palestina obteve um status
de observadora no meio internacional.
Segundo Mingst (2009), há casos de comunidades (até nômades) que cruzam fronteiras sem que
as autoridades das nações percebam. Isso ocorre, por exemplo, com os povos masai do Quênia e da
Tanzânia. A maioria dos Estados possui alguma estrutura institucional para governança, mas é impossível
saber se a população a cumpre, principalmente pela ausência de informações. Um Estado necessita que
a maioria de seu povo reconheça a legitimidade de seu governo e não reconheça somente uma forma
de governo determinada.
Em 1997, por exemplo, o povo do Zaire (hoje República Democrática do Congo) não reconheceu
mais a legitimidade de seu governo, liderado por Mobutu Sese Seko. Isso levou o país a uma guerra
civil.
29
Unidade I
Para que um Estado seja reconhecido, ele deve cumprir quatro condições essenciais. São elas:
• o Estado deve ter uma base territorial e uma fronteira definida geograficamente;
• uma população estável deve morar dentro de suas fronteiras;
• deve existir um governo ao qual a população respeite;
• o Estado deve ser reconhecido diplomaticamente por outros Estados.
De acordo com Mingst (2009), na visão liberal o Estado é soberano, porém, ele não é um protagonista
autônomo. Os liberais enxergam o Estado como uma arena pluralista que possui a função de manter
as regras básicas do jogo.3 Muitas vezes, esses interesses competem entre si dentro de uma estrutura
pluralista.4
A visão liberal conceitua o Estado como sendo: a) um processo que envolve interesses concorrentes;
b) uma reflexão dos interesses governamentais e da sociedade; c) o repertório de vários interesses
nacionais que estão sempre mudando; e d) o possuidor das fontes fungíveis de poder.
Muitas pessoas entendem que a definição de Estado é a mesma de nação. Mas isso é um mero
engano. Uma nação é composta pelo povo, ou seja, um grupo de pessoas que possui um conjunto
de características comuns. Aqui, leva‑se em consideração o conhecimento disseminado por novas
tecnologias e pela educação. Na Nação, as pessoas devem fidelidade ao seu representante legal, ou seja,
o Estado. A imprensa é utilizada de maneira a difundir a língua nacional e os meios de transporte podem
colaborar para que se visualize as similaridades e diferenças entre os povos in loco.
Dinamarca e Itália são exemplos de nações que formaram os próprios Estados. De acordo com Mingst
(2009), a semelhança entre nação e Estado firma‑se como a essência para uma autodeterminação
nacional na qual o próprio povo define a melhor maneira para sua sobrevivência. Há nações que
estão espalhadas em mais de um Estado, como os curdos, que vivem no Iraque, no Irã e na Turquia;
e os somalis, que vivem no Quênia, na Etiópia, em Djibuti e na Somália. Há ainda os casos em que
um único Estado possui várias nações, como ocorre com a Índia, a Rússia e a África do Sul. Nestes,
nação e Estado não se confundem. Dentro dessa vasta gama, há aqueles povos que querem seus
próprios Estados (como os curdos) e os que almejam apenas uma representação adequada e justa
dentro do Estado em que estão (como o povo basco na Espanha e na França). Dessa forma, o Estado
pós‑westphaliano pode assumir diversas formas: a) Estados‑nação, em que existe uma harmonia
entre eles; e b) Estado com várias nações.
A maior fonte de instabilidade e de conflito existente são as disputas de território por Estados e o
anseio de algumas nações de criarem seus próprios Estados. O conflito entre judeus e árabes tem sido
Essas regras garantem que vários interesses concorram com imparcialidade e efetividade no jogo da política.
Os interesses nacionais dos Estados mudam, o que reflete os interesses e as posições relativas de poder de grupos
concorrentes internos e, às vezes, também de fora do Estado.
3
4
30
Geopolítica, Regionalização e Integração
o mais intenso e rude nos últimos tempos.5 Assim, pode‑se afirmar que uma nação é mais do que uma
entidade histórica e o Estado é mais do que uma entidade jurídica.
Diante disso, é possível conceituar o Estado de diversas formas: a) O Estado é uma ordem normativa
munida de um símbolo e de crenças que unem o povo que vive dentro dele; b) é a entidade que
detém exclusivamente poder para uso da violência dentro da sociedade; e c) além de ser uma entidade
funcional, centraliza e unifica várias responsabilidades importantes.
A visão realista do Estado defende uma visão mais estatista, isto é, voltada para o Estado, que
passa a ser um protagonista autônomo restringido apenas pela monarquia estrutural do sistema
internacional. O Estado tem o poder para trabalhar com assuntos que se referem a problemas
internos que afetam sua população, sua forma de governo, sua economia e sua segurança. Ele tem
um conjunto consistente de metas, definido em termos de poder (poderio militar). Na visão realista,
o Estado é: a) um protagonista autônomo; b) circundado por uma estrutura de permanente conflito
e um sistema anárquico; c) é soberano; d) é guiado por um interesse nacional que é definido em
termos de poder.
Há ainda aqueles que identificam duas outras visões de Estado direcionadas a enfatizar o
papel do capitalismo e da classe capitalista em sua formação e funcionamento do Estado. A
visão marxista instrumental o considera como um agente executor da burguesia.6 A visão
marxista estrutural, por sua vez, o considera como aquele funciona dentro da estrutura do
sistema capitalista. Nesta, o Estado é levado a expandir‑se por causa dos imperativos do sistema
em questão. A visão radical de Estado marca que este é: a) o agente executor da burguesia;
b) influenciado por pressões da classe capitalista; e c) restringido pela estrutura do sistema
capitalista internacional.
Os construtivistas possuem uma visão diferente, pois estão em constante mudança e evolução no
que diz respeito a assuntos internos ou internacionais. Para eles, os Estados devem compartilhar diversas
metas e valores a partir dos quais a socialização lhes é sugerida por organizações não governamentais
e internacionais. Essas metas e valores podem influenciar e até mudar as preferências estatais. A
visão construtivista de Estado indica que este é: a) entidade construída socialmente; b) repositório de
interesses nacionais que mudam ao longo do tempo; c) moldado por normas nacionais que mudam
as preferências; d) influenciado por interesses nacionais que estão sempre mudando e que modelam e
remodelam as identidades; e e) socializado por OGIs e ONGs.
Conforme Mingst (2009), os Estados possuem poder e têm a capacidade de influenciar os outros e
de controlar resultados. A relação de poder varia de Estado para Estado, isto é, o tamanho e a posição
geográfica são características de poder reconhecidas pelos especialistas de relações internacionais. Na
visão realista, o poder torna‑se a moeda de troca das relações internacionais.
Os conflitos entre judeus, cristãos, mulçumanos e bahais se manifestam por estes reclamarem e considerarem
sagrados alguns terrenos e monumentos, pela intensa oposição dos Estados árabes à existência do Estado de Israel e pela
gradual expansão do território de Israel desde sua fundação em 1948.
6
A burguesia reage às pressões diretas da sociedade, em especial às pressões da classe capitalista.
5
31
Unidade I
Ao mesmo tempo que uma grande extensão geográfica oferece poder ao Estado, ela pode trazer
sérios problemas, como os relacionados à invasão territorial. Além disso, a defesa de um território tem
um custo muito alto e também pode trazer problemas ao país.
No final da década de 1890, surgiram duas visões distintas referentes à importância geográfica em
relações internacionais. A primeira visão foi escrita pelo oficial da marinha e historiador Alfred Mahan
(1840‑1914), que destacou a importância de controlar o mar e afirmou que o Estado que conseguia
controlar as rotas consequentemente passaria a controlar o mundo. Em 1904, o geógrafo Halford
Mackinder (1861‑1947) contradisse essa versão e afirmou que o Estado que possuísse mais poder era
aquele que conseguiria controlar o “coração” geográfico da Eurásia.
É correto afirmar que os recursos naturais são fatores de restrição ou ampliação do potencial
geográfico de um país. O Catar, o Kuwait e os Emirados Árabes Unidos são países que possuem grandes
fontes de recursos naturais. Eles são pequenos em extensão territorial, mas são vistos como grandes
países exportadores de petróleo. Os Estados necessitam de petróleo e não se importam em pagar um
alto preço por ele. Se for necessário, eles também não hesitam em começar uma guerra para obter esse
recurso natural.
Segundo Mingst (2009), o fato de um país possuir uma grande quantidade de recursos naturais não
significa que ele está livre de ameaças. Ao contrário, ele se torna alvo de ações agressivas, como a que
ocorreu no Kuwait na década de 1990.
Além disso, o país que não possui recursos naturais não pode ser visto como desprovido de potencial.
O Japão, por mais que não seja rico em recursos naturais, é um país com capacidade para negociar
outros elementos, que o tornam uma nação poderosa na comunidade mundial.
Outra fonte de poder é a população. Países como China, Índia, EUA e Rússia são considerados grandes
potências de poder. Mesmo se uma grande população produzir uma vasta gama de bens e serviços, as
características dessa população podem servir como restrição ao poder do Estado, pois ela pode ter baixo
nível educacional e de serviços sociais. Em contrapartida, Estados que possuem alto nível educacional e
população pequena, como a Suíça, podem ocupar nichos econômicos e políticos diferenciados.
De acordo com a prática e o monitoramento da organização, essas fontes naturais de poder são
modificadas em fontes tangíveis e intangíveis, sendo utilizadas em especial para aprimorar, modificar
ou restringir o potencial de poder.
De acordo com Mingst (2009), as fontes naturais de poder são a geografia, os recursos naturais e a
população. A fonte tangível de poder é o desenvolvimento industrial, considerado o mais crítico, visto
que as vantagens e desvantagens da geografia diminuem com uma capacidade industrial avançada7. Já
as fontes intangíveis são a imagem nacional – as pessoas residentes no país têm imagens do potencial
de poder de seu próprio Estado – e a percepção que os demais Estados possuem do apoio público e da
As viagens aéreas diminuem a influência da expansão geográfica como barreira para o comércio e, ao mesmo
tempo, as tornam frágeis.
7
32
Geopolítica, Regionalização e Integração
coesão de um Estado – este deve ter uma liderança com líderes carismáticos e visionários que consigam
alavancar o potencial de poder por meio de iniciativas audaciosas.
No âmbito diplomático, a interação dos Estados é o centro das relações internacionais. Diante
disso, é fundamental a investigação da natureza de um determinado Estado, isto é, qual a importância
de seu papel no contexto internacional, além de delimitar também a especificidade de suas relações
interestatais (SARDENBERG, 1982).
Um Estado é caracterizado por sua soberania8 e isso só foi possível definir a partir de uma
grande experiência jurídica e política que se iniciou na Europa. Observando‑se a definição
clássica de Estado, nota‑se que ela reflete fundamentalmente as vicissitudes da história europeia,
em especial nas eras moderna e contemporânea. Nos dias atuais, houve um crescimento da
política internacional e as limitações genéricas no conceito tradicional de Estado não devem ser
esquecidas.
Diante disso, é possível destacar dois conceitos essenciais: o do direito e o da força. No passado, a
estrutura da política europeia era vista como um sistema unificado, isto é, os Estados europeus possuíam
o mesmo poder e o mesmo direito. Hoje em dia, essa realidade é totalmente diferente, já que é possível
identificar em alguns países europeus a desigualdade de poder – no plano da política internacional – e
a igualdade soberana – no plano jurídico (SARDENBERG, 1982).
Nas últimas décadas, a interação entre os Estados tem aumentado e está cada vez mais intensa. Isso
só foi possível depois da globalização e do avanço da tecnologia, que possibilitaram aos Estados uma
maior aproximação e permitiram a travessia de fronteiras instransponíveis. A revolução nos meios de
comunicação proporcionou o relacionamento de diferentes etnias. De acordo com Sardenberg (1982):
Torna‑se, assim, cada vez menos provável a organização da ordem internacional
em termos hegemônicos, ou seja, de permanente sujeição (política, econômica)
de umas nações por outras (SARDENBERG, 1982, p. 22).
Os Estados permanecem como núcleos de ação política internacional, mas isso não quer dizer
que eles contêm somente os “requisitos de poder” – semelhante ao conceito utilizado pela Europa.
Independentemente de sua força, os núcleos são a forma dominante de organização política dos povos
e uma ferramenta para a expressão internacional. Dessa forma, os Estados conseguem se relacionar
e adquirir oportunidades ímpares entre eles, além de manter as relações diplomáticas definidas pelo
reconhecimento mútuo entre os interlocutores.
A ordem internacional contemporânea é formada por meio da ação e interação dos Estados. Porém,
ela se alimenta da desigualdade e do desequilíbrio entre eles. Mesmo diferentes, os Estados são os
agentes elementares da política internacional, pois são centros de ação e de decisão.
Independentemente das inovações ocorridas em outros planos nas últimas décadas, ainda parece
Uma jurisdição excludente sobre determinado território e pelo monopólio do poder coercitivo legítimo sobre seus
habitantes.
8
33
Unidade I
existir uma estabilidade nos padrões semelhantes das relações internacionais, o que permite que elas
sejam conceituadas como relações interestatais. Evidentemente, essa estabilidade é enaltecida quando
estão em pauta questões primordiais para qualquer sociedade, como a paz, a guerra, a ideologia, a
segurança e o desenvolvimento. Por isso, o papel do Estado sempre foi decisivo diante de todas essas
questões9 (SARDENBERG, 1982).
Faz‑se necessário conhecer o processo de produção da política externa de um Estado, como
o que abrange o plano de interação entre Estados e as mudanças no processo político interno.
Usualmente se fazia uma distinção radical entre os planos interno e externo na análise dos Estados,
sendo que os internacionalistas privilegiavam o plano externo por este ser mais próximo de suas
preocupações. No entanto, nos dias atuais, essa separação se mostra mais tênue, o que naturalmente
obriga os analistas a redobrarem sua atenção para o nível interno de cada Estado (SARDENBERG,
1982).
Aliado a isso, existem formatos utilizados pelos Estados para fazerem prevalecer suas respectivas
soberanias no plano externo. Certamente, há casos em que a soberania de um Estado é como uma ficção
jurídico‑política, do mesmo modo como há casos em que os Estados desfrutam de preponderância
incontrastáveis. Ainda há quem visualize Estados fortes e fracos, causados pelo fenômeno da
interdependência, que é igualmente característico de outros níveis da interação dos Estados e opera em
três níveis diferentes:
• entre iguais ou quase iguais: existe uma teia de interesses de diversas ordens que tem como
base o sistema capitalista de produção e a democracia liberal como forma de organização política;
• entre competidores e quase adversários: esse nível de interdependência pode ser representado
pelo interesse comum na sobrevivência da humanidade;
• entre desiguais: se manifesta nas relações entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A
teoria da interdependência global é uma oportunidade de integrar em um único contexto os eixos
leste‑oeste e norte‑sul da política mundial.
O processo de desenvolvimento dos países menos avançados não pode ser uma barreira para a
interdependência ou uma forma de prendê‑los a um insolúvel círculo vicioso socioeconômico. Tal
interdependência é caracterizada pela subordinação principalmente dos países menos desenvolvidos,
que acabam como fornecedores de matérias‑primas para os mais desenvolvidos e consequentes
clientes de uma produção de maior densidade tecnológica, o que os impede de ascender para uma
genuína independência econômica. Busca‑se, enfim, substituir a interdependência vertical10 por uma
Independentemente de considerar o Estado como um agente do sistema internacional, não se pode levar ninguém
a considerar que suas políticas externas se iniciem neles mesmos ou em seus desejos e temores. Cabe ressaltar que a base
da política externa é o relacionamento e não se deve avaliar isoladamente o papel de um determinado agente.
10
Interdependência vertical: institucionalização da desigualdade e da dependência; processo de marginalização
econômica e política.
9
34
Geopolítica, Regionalização e Integração
interdependência horizontal11, baseada nos princípios de cooperação e de oportunidades econômicas
iguais.
Entretanto, com a crescente interconexão tanto nos níveis interno como externo da ação estatal,
os Estados têm a oportunidade de intervir diretamente nos processos decisórios de outro12, o que leva
a conflitos externos entre eles, já que todos os Estados são soberanos, ou seja, nenhum Estado tem o
direito de interferir na soberania de outro. Aliado a isso, outros fatores que exercem grande influência nas
relações entre as nações foram difundidos no contexto internacional, tais como entidades transnacionais,
partidos políticos com ramificações além das fronteiras de seu país, empresas multinacionais e grupos
de pressão econômica ou ideológica (SARDENBERG, 1982).
É importante mencionar que a interação dos países é processada em três níveis: bilateral, regional e
multilateral. Esses níveis não podem ser substituídos e cada um complementa o outro. Dependendo do
tipo de divergência internacional, uma nação deve ter opções e talvez buscar mais de um nível, com o
especial cuidado de evitar que uma ação em um dos níveis restrinja a liberdade de ação em outro nível
ou mesmo elimine essa possibilidade.
No período da Guerra Fria, o Estado nacional teve de enfrentar a deficiência de suas fronteiras. Isso
se deu não apenas devido à “chantagem nuclear”, mas também na área econômica e ideológica, nas
quais os Estados sofriam pressões. Os países industrializados pressionavam os países subdesenvolvidos
no intuito de tornar obsoleto o princípio de que cada Estado tem o direito à soberania sobre os recursos
naturais estabelecidos em seu próprio território. Como os países desenvolvidos dependiam diretamente
dos recursos de matéria‑prima encontrados somente nos países subdesenvolvidos, surgiu a ideia nos
Estados desenvolvidos de que, por meio do uso da força, o acesso a essas matérias‑primas poderia ser
contínuo (SARDENBERG, 1982).
As empresas multinacionais13 buscam regular suas operações mediante políticas de unificação
de mercados. Essas políticas não se limitam apenas às fronteiras nacionais, elas ultrapassam essas
barreiras com vistas à expansão dos negócios. As multinacionais contam com a tecnologia, uma
importante ferramenta que nos últimos tempos tem avançado cada vez mais. O aprimoramento
da tecnologia no campo da comunicação, por exemplo, proporcionou um rápido crescimento na
difusão das informações e das ideias, o que facilitou ainda mais a ação do Estado em determinadas
áreas.
Os Estados podem ser uma organização social muito resistente, com tendência a subsistir
inclusive em condições desfavoráveis. A Rússia soviética, por exemplo, depois da Revolução Vermelha
(1917), conseguiu adaptar sua diplomacia e estratégia de acordo com as necessidades de convivência
interestatal, eliminando traços de uma revolução que havia definido o início de sua existência. Foram
Interdependência horizontal: igualdade e independência.
Essa intervenção acontece por meio de ideologias e da mobilização de setores interessados em questões
específicas daquele Estado.
13
Atores importantes pelo fato de se envolverem diretamente e darem apoio político aos Estados onde se encontram
suas sedes principais.
11
12
35
Unidade I
criados um estabelecimento diplomático tradicional e um exército regular no intuito de se suprir os
anseios estatais do regime revolucionário. Após 1945, essa forma estatal continuou a existir na União
Soviética.
Outro assunto pertinente à ação e interação dos Estados é a diplomacia. Por meio dela e da estratégia,
se dão todos os negócios que envolvem os Estados. A diplomacia e a estratégia se complementam e
estão subordinadas à política externa. Em termos mais claros, a estratégia poderia ser definida como a
arte de vencer e a diplomacia, como a arte de convencer.14 (SARDENBERG, 1982).
Segundo Sardenberg (1982):
Diplomacia e estratégia envolvem algo mais complexo do que as opções
da paz e da guerra, uma vez que a diplomacia continua a funcionar nos
tempos de guerra e as formas estratégicas de pensar e de agir subsistem
mesmo na ausência da guerra. Além disso, a diplomacia opera em vastas e
importantes áreas das quais se exclui, normalmente, a questão da guerra e
da paz ou, mais precisamente, em que se toma essa questão como um todo
dado a priori; é o campo, por exemplo, da diplomacia econômica e comercial
(SARDENBERG, 1982, p. 27).
Segundo Soares (2001), a palavra diplomacia vem do grego diploma e significa “documento dobrado
em dois”. Esse termo era utilizado para indicar os documentos importantes escritos em pergaminho15 e
colocados na forma de folhas dobradas e reunidas por uma barra de ferro usada para encadernação. O
cuidado na preparação de tais diplomas deixava claro que todas as informações contidas no documento
eram de extrema importância e precisavam ser conservadas.
De uma maneira geral, a diplomacia na atualidade significa:
• o serviço público de um Estado, que trabalha com as relações exteriores e tem como pontos de
referência outros Estados ou pessoas de Direito Internacional;
• um setor do serviço público, destinado às relações políticas entre governos ou com organizações
intergovernamentais (excluídos os serviços consulares);
• por antonomásia, defeitos ou qualidades incorporados naqueles que exercem a diplomacia em
quaisquer das acepções anteriores.
Tais conceitos estão firmados num tipo histórico particular de organização das sociedades humanas,
o Estado moderno, que se refere ao “serviço público”, ou seja, às pessoas que ocupam funções e executam
tarefas em nome do Estado.
Entretanto, em diplomacia, deve-se almejar a persuasão, sem que o interesse de convencer seja claramente
demonstrado.
15
Esses documentos se diferenciavam de outros que não tinham tamanha relevância.
14
36
Geopolítica, Regionalização e Integração
Nas palavras de Soares (2001):
Num primeiro sentido, diplomacia seria sinônimo do conjunto das relações
que uma comunidade humana relativamente homogênea e diferenciada
de outras mantém com outras comunidades de idênticas características.
Numa perspectiva filosófica, seria um fenômeno ligado à “alteridade” de
uma sociedade, ou seja, ao relacionamento de uma “unidade política” com
outras unidades políticas (SOARES, 2001, p. 2).
A diplomacia nada mais seria do que o conjunto das relações exteriores dessas entidades, seus
relacionamentos com o outro (a alteridade), por oposição conceitual às relações internas e humanas,
presentes num universo totalmente fechado e unicamente nele considerado.
A diplomacia existe desde que o homem passou a se organizar em agrupamentos sociais que deram
início ao seu relacionamento. Mesmo que a relação entre os homens fosse de natureza bélica, em algum
momento houve a necessidade de tréguas, mesmo que fracassadas. Isso já era indício da manifestação
primitiva da arte da diplomacia (SARDENBERG, 1982).
Os egípcios e mesopotâmios já demonstravam uma grande atividade diplomática. É fato que as
civilizações da Antiguidade tinham tendência a se organizar de maneira autárquica, sem reconhecer
igualdades – eles apenas reconheciam os outros povos como vassalos ou bárbaros.
Entre essas civilizações, podemos citar o Império Romano e o Império do Meio (chinês), nos
quais as relações com os povos submetidos a seus poderes eram vistas como um problema de ordem
administrativa e diplomática. Além disso, as relações desses impérios com os povos que estavam fora do
perímetro imperial eram preponderantemente bélicas (exceto quando se tratava de trocas comerciais).
No caso da China, os bárbaros e os imperadores chineses recebiam os emissários britânicos16 como se
estes fossem seus vassalos e conduziam suas relações exteriores de forma a externar sua superioridade
cultural e política. Isso se deu até o momento em que, sob pressão ocidental, a China entrou em recessão
econômica, social e política (SARDENBERG, 1982).
Quanto aos romanos, havia princípios de igualdade e reciprocidade jurídica e comercial na condução de
suas relações internacionais, o que inclusive constava em tratados assinados com seus vizinhos. Porém, com
a afirmação do império, alguns princípios foram abandonados durante a república romana. As obrigações
com os povos dependentes foram restringidas. As alianças e as regras que eram então estabelecidas tinham
interpretação exclusivamente romana e, a princípio, elas se aplicavam tanto aos romanos quanto a terceiros.
Somente com o aparecimento da era moderna é que começaram a surgir condições institucionais,
políticas e tecnológicas que contribuíram para o rápido desenvolvimento da diplomacia.17 Dessa forma,
Enquanto isso, os britânicos estavam dando os primeiros passos para a dissolução da sociedade tradicional da China.
Em 1455, houve a primeira missão diplomática de caráter permanente para representar os interesses do Duque
de Milão, Francesco Sforza, em Gênova.
16
17
37
Unidade I
aos poucos os Estados nacionais europeus aceitaram‑se como judicialmente iguais e as representações
diplomáticas ganharam mais intensidade. As comunicações mais frequentes se davam entre os
embaixadores e seus respectivos governos (SARDENBERG, 1982).
Segundo Sardenberg (1982), por meio da Paz de Westphalia, em 1648, houve uma nova era na
política internacional. A ordem mundial passou a ser regida pelo Papa e pelo Império, o que consagrou
um sistema internacional baseado na coordenação dos Estados, cada um com seu território definido.
Consequentemente, começou a se generalizar no continente a política do equilíbrio e a diplomacia
passou para um estágio mais moderno, com práticas protocolares provocadas por sucessivos congressos
que reuniam representantes das principais potências.
Lembrete
O modelo estabelecido em Westphalia, que encerrou a Guerra dos Trinta
Anos, estabeleceu condições de autonomia aos Estados sem, entretanto,
gerar obrigações comuns entre eles, o que motivou a geração de estruturas
de cooperação internacional para atingir a paz.
Durante os séculos XVII e XVIII, ficou consagrado o equilíbrio entre as potências no que diz respeito
à defesa da ordem internacional então vigente, isso mesmo com o cataclisma provocado pelos avanços
de Napoleão (França) – aqui, o equilíbrio internacional foi restabelecido pelo Congresso de Viena (1815).
O século XIX foi marcado por uma diplomacia que confrontou os ensinamentos da Santa Aliança18
e do Concerto Europeu.19 O espírito de nacionalidade tomou conta principalmente de nações como
Alemanha e Itália. Devido à impotência do Concerto Europeu em assimilar as ambições da Alemanha
unificada, deu‑se início a Primeira Guerra Mundial (SARDENBERG, 1982).
Diante desses fatos, pode‑se afirmar que a diplomacia nada mais é do que a síntese das atividades do
Estado no plano externo. Para se tornar eficaz, ela depende de um caminhar unificado na formulação e na
condução das relações exteriores da instituição que se ocupa delas profissionalmente. A multiplicidade
de representantes (porta‑vozes) na área externa pode certamente produzir descoordernação e redução
da capacidade de negociação, o que interfere inclusive no âmbito exterior do país.
Existem duas distinções para diplomacia. A primeira é conhecida como pequena diplomacia,
voltada para o domínio econômico. A segunda é conhecida como grande diplomacia, relacionada
a questões de segurança. A questão econômica sempre esteve em pauta em assuntos políticos,
principalmente quando se trata de petróleo, que é um recurso natural limitado desejado por todas
A Santa Aliança foi um tratado político-religioso que surgiu depois da queda de Napoleão, numa tentativa da
Rússia, da Prússia e da Áustria garantirem a realização prática das medidas que foram aprovadas pelo Congresso de Viena
e no intuito de impedir o avanço nas áreas sob influência das ideias nacionalistas e constitucionalistas.
19
O Concerto Europeu foi um sistema de reuniões periódicas nas quais participavam as grandes potências europeias
em regime de representatividade soberana.
18
38
Geopolítica, Regionalização e Integração
as nações e que traz preocupações para os governantes que possuem esse recurso natural em seus
territórios, já que as autoridades devem se preocupar com a segurança nacional e internacional
(SARDENBERG, 1982).
Nas palavras de Sardenberg (1982), “a diplomacia de qualquer país tem por objetivo justamente
influir, tanto quanto lhe é possível, na evolução da realidade internacional” (SARDENBERG, 1982,
p. 32). O diplomata tem como uma de suas principais atribuições incorporar o conhecimento
intelectual recebido na universidade com as informações por ele acumuladas em seu trabalho
teórico e prático. Aliado a isso, deve‑se considerar sempre todo o vínculo com as ciências sociais
e políticas.
A diplomacia sempre será uma tarefa complexa tanto no plano operacional quanto no
cognitivo, afinal, não é fácil medi‑la e ela poderá por diversas vezes depender do empenho, da
disciplina e do talento individual do agente diplomático. É claro que há ainda circunstâncias
aleatórias que influenciam de forma decisiva, pois não são raros tanto os problemas que se
acumulam e se reforçam como os êxitos alcançados além do que se podia esperar (SARDENBERG,
1982).
No entanto, é na análise da interação dos Estados e na articulação de teorias da realidade
internacional que o conhecimento dos internacionalistas deve se basear. É fato que a reflexão
teórica sempre será importante para a criação de um programa diplomático, pois permite definir
a realidade atual, a evolução no decorrer do tempo e as perspectivas de desenvolvimento, ou seja,
é possível obter‑se uma visão integrada do cenário internacional em suas diferentes dimensões e
planos de abordagem. Em contrapartida, deve‑se sempre atentar para que os pressupostos teóricos
e doutrinários da política externa não sejam fixados de maneira abstrata ou arbitrária. É evidente
que, por estar em interação e choque com a diplomacia de outros Estados, a diplomacia não se
resume a um conjunto de ideias, ou seja, ela é aberta a críticas e definitivamente é uma atividade
concreta.
Conforme Soares (2001), a diplomacia bilateral é definida como a forma de ação dos países para a
adesão a seus relacionamentos com os demais países ou com outras entidades a eles vinculadas, como é
o caso das organizações internacionais intergovernamentais (OIGs). Os Estados podem receber em seus
territórios três tipos de representações estrangeiras permanentes: as repartições consulares, as missões
diplomáticas e as delegações de OIGs.
Durante toda a Antiguidade, o homem passou a enviar agentes20 para cuidar de assuntos pertinentes
a seus grupos societários. Já o envio de missões de representantes de governantes a outras nações ou
de exércitos sempre esteve presente na história da humanidade.21 Essas missões eram chamadas de
embaixadas.
Esses agentes tinham como missão colocar fim às hostilidades e às situações de guerra, como negociadores que
poderiam evitar situações de conflito.
21
Uma das primeiras missões de caráter de permanência foi a do Papa perante o Patriarca de Constantinopla, no
apogeu das relações das cidades-estados no norte da Itália.
20
39
Unidade I
O surgimento dos Estados modernos22 fez com que os Estados enviassem representantes pessoais
dos monarcas para outros Estados. Aos poucos, as normatizações que passariam a regulamentar
o trabalho diplomático foram instauradas: estabelecimento de uma missão, recebimento de
embaixadores e de seus privilégios e imunidades, princípios de boa‑fé e cessações dos Estados que os
recebia.
Nos dias de hoje, as atividades da diplomacia exercida nas missões diplomáticas permanentes são:
a) representar o Estado de maneira a comprometer o próprio Estado, pois este possui todos os direitos e
deveres decorrentes de acordo com o Direito Internacional Público; b) informar o Estado que os envia de
todos os fatos que possam lhe interessar, isto é, cabe ao Estado formular sua política exterior de acordo
com os dados e informações fornecidos pelos agentes; c) negociar, pois a missão se torna o único agente
em nome do Estado legitimado pelo Direto Internacional; d) promover relações amistosas, comerciais,
culturais, econômicas e cientificas e, dessa forma, fortalecer a relação entre o Estado acreditante e o
Estado acreditado (SOARES, 2001).
Outra diplomacia usada pelos Estados é a multilateral. Nela, são praticadas relações de reciprocidade
em situações coletivas. Assim, esse tipo de diplomacia pode se dar em encontros multilaterais nos
quais são discutidos assuntos de interesse comum dos Estados participantes. As pautas das reuniões
não seguem uma regra rígida e são essencialmente determinadas pelos Estados ou OIGs que as
convocam.
De acordo com Soares (2001), o traço mais forte das relações internacionais do século XX (e
provavelmente do século XXI também) é o valor crescente da diplomacia multilateral parlamentar. Nas
palavras de Mingst (2009):
A diplomacia tradicional acarreta necessariamente a tentativa de os Estados
influenciarem o comportamento de outros protagonistas por negociação,
agindo de um modo específico, abstendo‑se dessa mesma ação ou
conduzindo a diplomacia pública (MINGST, 2009, p. 105).
Uma diplomacia normalmente se inicia com uma barganha por comunicação direta ou
indireta com o intuito de obter um acordo sobre determinada questão. A barganha pode surgir
de maneira clara em negociações formais, afinal, os Estados, além de não perderem o foco em
suas próprias metas, possuem informações sobre seus “oponentes” e também sobre seu potencial
de poder.
Os países usam cada vez mais a diplomacia pública, que está conectada à comunicação. Essa
diplomacia visa criar uma imagem global que realce a capacidade de um Estado em alcançar seus
objetivos diplomáticos.
22
40
Esses Estados modernos surgiram na época no Renascimento.
Geopolítica, Regionalização e Integração
Figura 3 – O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota, e a chanceler da Colômbia, María Angela Holgín, assinam
acordos de ajustes e bilaterais envolvendo tecnologia e inovação na área de biocombustíveis, educação, direitos humanos e combate
à violência, durante a II Reunião da Comissão Bilateral Brasil‑Colômbia, em Brasília, em 26 de outubro de 2011
Mingst (2009) destaca que os Estados recorrem ao poder econômico para influenciar os demais. As
sanções podem ser usadas positiva ou negativamente. A sanção positiva direciona o Estado de modo a
se obter um determinado rumo desejado. Geralmente, as sanções negativas são as mais utilizadas pelos
Estados. Por meio dela, os países buscam se resguardar e punir o Estado que se desloca em posições
não desejadas. Na década de 1990, os Estados passaram a congelar ativos e impor sanções a produtos
primários. Eles tinham na força uma arma para obrigar um Estado a fazer sanções.
Estudiosos econômicos e militares já desenvolveram métodos para se analisar escolhas e prováveis
resultados. A teoria dos jogos entende que cada Estado possui um interesse nacional único e é
protagonista unitário. Assim, o jogo é tratado como uma interação estratégica.
De acordo com Mingst (2009), a política externa possui modelos de tomada de decisões. O
modelo racional busca maximizar metas e objetivos estratégicos. O modelo organizacional prioriza
procedimentos padronizados de operação, mas não deixa de atentar para as decisões que precedem de
processos organizacionais. Já o modelo burocrático representa diferentes interesses, pois a decisão
final é estabelecida de acordo com a força relativa dos protagonistas. O modelo pluralista, por sua vez,
é vinculado à barganha, que é conduzida entre fontes internas (grupos de interesse, movimentos em
massa e empresas multinacionais). Em situações normais, até os grupos sociais podem desempenhar um
papel importante.
É fundamental que a ação internacional do Estado e a interação dos Estados sejam identificadas
e colocadas em prática na perspectiva histórica. A ação diplomática deve partir de uma análise do
problema desde o presente até suas raízes no passado e perspectivas futuras (SARDENBERG, 1982).
A partir da contemplação do que já foi realizado, das limitações e oportunidades conjunturais e da
visão do que ainda se faz necessário, a diplomacia deve abordar uma visão completa e geral num único
momento. Ela deve almejar um senso de oportunidade no intuito de aproveitar o transitório e o fugaz a
fim de afetar seus interesses de longo prazo e adaptar as ações quando necessário (correções de curso).
Assim, a diplomacia adequa seus interesses às realidades que emergem.
41
Unidade I
A diplomacia não é efetivamente um domínio arbitrário e também não está presa à grande gama
de impulsos recebidos. O perfil diplomático de um país não é sustentado por dados mecânicos de sua
política interna ou por vagas análises de sua situação regional ou internacional. Os insumos externos
devem ser medidos conforme aqueles recebidos pela política interna, isso de acordo com o grau de
eficiência organizacional do estabelecimento diplomático e a capacidade na condução da política
externa por parte dos responsáveis.
Em nível geral e com uma programação específica, fica claro que um planejamento constante é
intrínseco quando nos referimos à interação dos Estados e aos diferentes planos da diplomacia. Mesmo
sendo um objetivo de difícil consecução, não é necessário que todos os momentos do programa sejam
elaborados formalmente. A permanente mutação das realidades dificulta em especial a formalização
constante (SARDENBERG, 1982).
Entretanto, esses não são os fatores que impedem efetivamente a criação e a elaboração
essenciais da programação diplomática. O programa deve contemplar no mínimo os seguintes
tópicos:
• teoria e evolução da realidade internacional;
• definição dos objetivos nacionais, inclusive no decorrer do tempo;
• articulação dos objetivos com os meios de execução da política externa;
• determinação de mecanismos de avaliação e correção política de acordo com o desempenho
obtido.
Deverá existir ainda uma interação constante, inclusive para se acompanhar de maneira ágil
a evolução da vida internacional e influenciá‑la de acordo com os objetivos e meios nacionais
(SARDENBERG, 1982).
Definitivamente, há uma grande diferença entre os países e as formas com as quais cada um
conduz o processo. De imediato, podemos especificar que há uma disparidade em termos de poder,
de desenvolvimento e de condicionamentos geográficos que refletem diretamente não somente nas
articulações e execuções dos programas diplomáticos, mas também no estabelecimento de políticas
externas.
O processo de planejamento da política externa vislumbra contatos internos e externos à nação
e deve se nutrir de insumos dos meios universitário, empresarial, midiático e de operações coerentes
de ação exterior. A política externa precisa se basear em atividades concretas e programadas, sem
abstrações.
A seguir, analisaremos como o sistema internacional se estabelece após a identificação da ação e da
interação dos Estados.
42
Geopolítica, Regionalização e Integração
Figura 4 – Sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília
4 O Sistema Internacional
Para um bom entendimento e análise das relações internacionais e da geopolítica moderna, é
importante não se prender apenas no plano de ação e interação dos Estados, abordado anteriormente.
É fundamental ir além, ou seja, é vital examinar todo o sistema internacional.
Mas o que significa o termo sistema quando aplicado às relações internacionais? Nesse contexto,
sistema é uma união de algum modo regular que se dá por meio do agrupamento de unidades, objetos
ou partes. Os sistemas reagem de modo constante e têm fronteiras separadas um do outro, sendo que
pode haver permuta de fronteiras (MINGST, 2009).
Na década de 1950, os eruditos chegaram a conceituar a política internacional de acordo com
a linguagem da teoria dos sistemas. Esses eruditos estavam influenciados por uma revolução
comportamental nas ciências sociais e partiram do pressuposto de que as pessoas têm atitudes regulares.
Para eles, a interação entre elas ocorreria dentro de um padrão habitual, realista e behaviorista, tendo a
política internacional como um sistema em que os protagonistas principais são os estados individuais.
O termo sistema se estabelece como centro da teoria geral dos sistemas e é influenciado pelas
escolas funcionalista e estruturista, pela análise input‑output – proposta por David Easton23 – e pelos
estudos baseados em teorias de comunicação e cibernéticas – de Karl Deutsch.24 De qualquer forma,
em todos os casos, o domínio político é considerado implícita ou explicitamente como um sistema
(SARDENBERG, 1982).
O criador da teoria geral dos sistemas, Von Bertallanfy, definiu o termo sistema como um conjunto
de elementos que mantêm interação. Outros cientistas classificam sistema como um conjunto de objetos
e das relações entre esses objetos e entre seus atributos. Além dessas definições, alguns especialistas
Ex-presidente da American Political Science Association, ficou conhecido pela aplicação da teoria de sistemas
para o estudo da ciência política.
24
Especializou-se no estudo da guerra, da paz, do nacionalismo, da cooperação e da comunicação.
23
43
Unidade I
consideram como sistema todo grupo de objetos que mantiverem relacionamento estrutural característico
e que interajam à base de processos característicos. Dessa forma, todas essas definições formam uma
ideia de grandeza metodológica do termo sistema, que pode ser aplicado tanto no campo social quanto
no das ciências naturais.
Para aplicar o conceito de sistema metodologicamente, é preciso que o objeto de análise possua:
a) limites claros e b) relacionamento com o meio ambiente por meio de insumos e produtos. Devido à
multiplicidade de fatos e atos, os limites da realidade internacional são indefinidos, ou seja, não é mais
nítida a linha que diferencia a política externa da interna (SARDENBERG, 1982).
O sistema internacional atual compõe‑se da sucessão de macroestruturas (eurocentrismo, período
entreguerras, Guerra Fria, descolonização, multipolarismo e a détente entre superpotências) marcadas
por dois conflitos generalizados, por revoluções e flutuações econômicas repletas de drama e por
hostilidades em maior ou menor escala.
À medida que as relações internacionais de poder eram alteradas, as macroestruturas internacionais
eram bem‑sucedidas. Quanto à operação do sistema internacional, ela sempre foi deficiente e cheia de
obstáculos e incoerências devido à sua historicidade e seu ineditismo sempre reformado. Esse sistema é
semelhante a um jogo de regras indefinidas e cambiantes (SARDENBERG, 1982).
Quando se dá ênfase à sucessão de macroestruturas, é possível encontrar vestígios de estabilidade e
permanência no sistema internacional. Como exemplos dessa permanência, podemos citar o desequilíbrio
postulado entre países ricos e pobres – mesmo com a descolonização e a propagação da ideologia do
desenvolvimento – e a continuidade da corrida armamentista internacional, inclusive com esforços para
impedi‑la durante o século XX.
O sistema internacional pode sofrer alterações apenas com a mudança do regime de uma de suas
principais potências, o que pode alterar o curso das relações internacionais. Na década de 1980, o
processo de globalização do sistema internacional deixou em questão sua unificação ou fragmentação.
A unificação desse sistema estava diretamente ligada ao status privilegiado que as duas superpotências
– Estados Unidos e União Soviética – desfrutavam e à possível hegemonia que uma delas poderia
conquistar. No caso da fragmentação, esta está diretamente ligada ao crescente número de Estados
desde a Segunda Guerra Mundial até os dias atuais (SARDENBERG, 1982).
Muitas vezes, quando se menciona, em tom de elogio, a existência do
processo de globalização das relações internacionais contemporâneas, fica
subentendido que esse processo deverá levar a uma “desejável” unificação
do sistema (SARDENBERG, 1982, p. 43).
De acordo com Sardenberg (1982), a dinâmica da vida internacional pode ser classificada como em
permanente transformação, visto que os problemas duradouros do sistema internacional se alimentam
da oposição entre o velho e o novo, principalmente quando é mencionado o conceito de sistema
internacional como um encadeamento de macroestruturas.
44
Geopolítica, Regionalização e Integração
Um analista diplomático tem finalidade prática e sua análise da macroestrutura mundial não pode ser
simplesmente fria e científica em razão do atraso conceitual e experimental das disciplinas de relações
internacionais e pela contribuição na formulação ou execução da política externa, foco principal das
análises (SARDENBERG, 1982).
Conforme Sardenberg (1982), a legitimidade implica a aceitação da ordem internacional pelas
principais potências. Diante disso, a ordem internacional não garante o desaparecimento de todos os
conflitos, porém, limita seus propósitos. Um Estado pode afirmar que um conflito ocorreu devido à
estrutura existente e a paz será determinada pelo consenso geral e legítimo.
Segundo Mingst (2009), a concepção de sistema está interligada ao pensamento das três escolas
teóricas dominantes de relações internacionais: a liberal, a realista e a radical.
A escola liberal não vê o sistema internacional como centro de estudo, no entanto, conceitua três
pontos diferentes desse sistema:
• primeiro conceito: o sistema internacional não é uma estrutura, mas um processo que determina
diversas frentes de interação entre diferentes partes e vários protagonistas que interagem. Além
dos Estados, também estão entre os protagonistas as organizações governamentais internacionais
(OIGs) (como as Nações Unidas), as organizações não governamentais (como a Human Rights
Watch), as corporações multinacionais e os protagonistas subestatais (parlamentos e burocracias);
• segundo conceito: está relacionado à tradição inglesa de sociedade internacional. Os eruditos
Hedley Bull e Adam Watson, dois dos principais mentores dessa tradição, afirmavam que o
sistema internacional era compreendido por comunidades políticas independentes, enquanto
uma sociedade internacional, composta por vários protagonistas, se define pela comunicação,
pelos interesses e pelas regras comuns. Os liberais enxergam o sistema internacional como um
processo para interações positivas;
• terceiro conceito: é o do institucionalismo neoliberal, que visualiza o sistema internacional como
anárquico. Aqui, o Estado se comporta de acordo com seu próprio interesse. A interação entre
protagonistas é algo positivo para os liberais, pois instituições fundadas por interesses próprios
modelam o comportamento dos Estados de acordo com a percepção que obtêm por meio das
futuras interações com outros protagonistas.
De acordo com Mingst (2009), os liberais aprovam alterações no sistema internacional e afirmam que
elas vêm de diversas fontes. Primeiramente, os desenvolvimentos tecnológicos exógenos resultam em
mudanças no sistema internacional, que ocorrem sem o controle e consentimento de seus protagonistas.
Temos, por exemplo, as mudanças em comunicação e transporte, que tiveram como consequência o
crescimento no nível de interdependência entre os Estados dentro do sistema internacional.
Outra mudança diz respeito às alterações na importância dada a determinadas áreas, como quando
as questões econômicas saíram de foco na virada de século e deram lugar a questões globalizadas, como
direitos humanos e meio ambiente.
45
Unidade I
A terceira mudança pode ocorrer conforme novos protagonistas (organizações não governamentais
ou corporações multinacionais) aumentam ou substituem Estados protagonistas, o que, segundo
pensadores liberais, pode impactar na estrutura global de poder entre os Estados.
Outra escola teórica dominante de relações internacionais é a escola realista, que acredita que a
política é governada por leis objetivas enraizadas na natureza humana. O conceito de realismo é o do
interesse definido como poder e não possui um significado inalterável. O realismo tem o conhecimento
do significado moral da ação política, mas não reconhece as aspirações morais de um Estado como
as leis morais que governam o universo. A escola leva em conta a política, uma esfera autônoma da
atividade humana.
Segundo Mingst (2009), os realistas definem o sistema internacional como um sistema
anárquico, isto é, o Estado é a única autoridade. No entanto, existem divergências entre os realistas
com relação ao grau de autonomia de um Estado no sistema internacional. Os mais tradicionais
acreditam que os Estados atuam sobre o sistema e o moldam, já os neorrealistas creem que os
Estados ficam restritos à estrutura do sistema. Ambos concordam em relação à anarquia como
princípio básico de ordenação e, por consequência, cada Estado deve zelar por seus interesses
dentro do sistema.
É pela dimensão da polaridade que os realistas diferenciam o sistema internacional. Existem três
tipos de polaridade:
• primeiro tipo: refere‑se a vários protagonistas influentes no âmbito internacional. Neste, haveria
um sistema de equilíbrio de poder ou multipolar;
• segundo tipo: é o bipolar, com um sistema baseado em alianças mais duradouras e em interesses
relativamente permanentes;
• terceiro tipo: esse último sistema é o unipolar, que aponta a existência de apenas um grupo ou
até mesmo um Estado, que detém o controle de influência no sistema internacional. Um grande
exemplo desse último sistema são os Estados Unidos pós Guerra do Golfo, em 1991, quando
os aliados mais próximos e praticamente todos os países em desenvolvimento começaram a se
preocupar porque o sistema internacional havia se tornado unipolar.
De acordo com Mingst (2009), as mudanças no sistema internacional já são reconhecidas pelos
realistas. Ao final do século XIX, o então equilíbrio multipolar de poder se enfraqueceu e deu lugar a
um sistema de alianças com as Tríplice Aliança e Tríplice Entente, exemplo a partir do qual os realistas
atribuem a mudança no sistema por consequência da mudança de protagonistas.
Em termos gerais, as guerras sempre trazem grandes mudanças nas relações de poder. O melhor
exemplo é a Segunda Guerra Mundial, que trouxe a queda da Grã‑Bretanha e da França, além de
colocar fim às aspirações imperiais de Japão e Alemanha, que saíram com suas sociedade civil, exército
e infraestrutura arrasados.
46
Geopolítica, Regionalização e Integração
Mudanças exógenas também podem criar um desvio no sistema internacional. Os avanços
tecnológicos provocaram alterações nas fronteiras do sistema político internacional e expandiram as
fronteiras do espaço geográfico acessível. Os realistas acreditam que existem padrões de mudança no
sistema, mas discordam entre si quanto ao período de tempo que o sistema deve ser examinado para
que as transformações sejam estudadas.
A terceira escola teórica é a escola radical, que busca definir a estrutura em termos de estratificação.25
Assim, o sistema internacional seria estratificado conforme os recursos que cada Estado possui, como
poder econômico ou petróleo. A estratificação do poder e os recursos formam a divisão entre aqueles
que têm (Norte) e aqueles que não têm (Sul). Para se ter uma noção, as principais potências (EUA,
Japão, Alemanha, França, Rússia e Inglaterra) foram responsáveis por aproximadamente metade do PIB
mundial.
Em outras palavras, os radicais acreditam que há muitas diferenças econômicas dentro da estrutura
do sistema internacional e todas as ações são restritas por essa estrutura. Alguns teóricos enxergam uma
possibilidade dentro do sistema capitalista, uma mudança na semiperiferia e na periferia vinculadas à
medida que os Estados modifiquem suas posições relativas em face de outros. O capitalismo é uma força
dinâmica, afinal, assim como o colonialismo e o imperialismo, possui ciclos de crescimento e expansão,
seguidos de contração e declínio.
Já os denominados construtivistas desenvolveram ideias de como o sistema internacional é mutável,
ideias essas calcadas em alterações nas normas sociais, mesmo que algumas ainda não venham a ser
transformadoras. Os construtivistas buscam, singularmente, a especificação dos mecanismos pelos quais
ocorrem as mudanças (MINGST, 2009).
Em resumo, percebe‑se que todas as abordagens teóricas dão ênfase ao nível de análise do sistema
internacional. A diferença é percebida pela característica que define o sistema internacional, pois, para
os realistas, é a polaridade, para os radicais, é a estratificação. Mesmo assim, em ambas o sistema
internacional restringe o comportamento do Estado. Independentemente disso, realistas visualizam
essas restrições como positivas, de acordo com a distribuição do poder, já os radicais as veem como
negativas ou mais neutras, como uma arena e um processo de interação. Os construtivistas, por sua
vez, abordam uma teoria mais evolucionária, vinculada às mudanças de normas e ideias que modelam
o sistema. Eles não enxergam diferenças bruscas entre o sistema internacional e o sistema interno e
desprezam a importância dada à estrutura do sistema internacional.
O professor Hans Morgenthau26 especificou que o poder internacional é a capacidade de influenciar
ou obrigar outros Estados a agirem de uma determinada maneira ou a deixarem de fazê‑lo. Já o professor
Raymond Aron27 classificou o poder como a imposição de uma unidade política sobre a vontade das
outras (SARDENBERG, 1982).
Estratificação: divisão desigual de recursos entre diferentes grupos de Estados.
Morgenthau nasceu na Alemanha e emigrou para os Estados Unidos em 1930. Ele foi professor da Universidade
de Chicago e pioneiro no campo de estudos da teoria das relações internacionais.
27
Aron foi filósofo, sociólogo e comentarista político francês.
25
26
47
Unidade I
Na concepção de Aron, a defesa consiste em salvaguardar a autonomia, manter o próprio estilo de
vida e não aceitar a subordinação de suas leis internas ou de sua ação externa aos desejos e decretos
dos outros. Em geral, as pequenas potências têm ambições defensivas e procuram sempre viver como
centros de decisões livres. Em contrapartida, as grandes potências almejam atuar sobre outras unidades
políticas a fim de convencê‑las ou constrangê‑las e sempre precisam tomar a iniciativa, fazer parcerias
e liderar coalizões. Caso um Estado de primeira posição opte por um poder defensivo, ele adotará uma
política de isolacionismo e desistirá de entrar em competições no sistema, manifestando, portanto, uma
vontade de ser deixado em paz.
Na medida que o poder é tido como único para definição do sistema internacional, não haveria
como objetar as pressões exercidas pelos Estados mais fortes no intuito de constranger os mais fracos
a determinados comportamentos. Pressões são normais e fazem parte do cotidiano. As pressões podem
surgir como forma de ameaça, no intuito de persuadir ou até mesmo de compelir sem usar a força
como ferramenta, ou seja, se valer de estratégias para evitar ser enganado ou aterrorizado. É importante
ressaltar que a força não está ligada apenas à violência, ela também pode ser definida como o poder
de barganha que um determinado país possui. Como exemplo, podemos citar o Brasil e a África do Sul,
grandes emergentes dos Brics que possuem essa força de negociação mediante as grandes potências.
O poder não é a única ferramenta usada no sistema internacional. A soberania dos Estados e os
benefícios que a acompanham, como a não intervenção e a integridade territorial, ajudam a garantir a
integridade do Estado (SARDENBERG, 1982).
Entender a realidade do contexto internacional requer uma análise profunda e apurada por parte
do analista. É importante ter uma visão macroglobal aliada à realidade interna dos países em questão.
A balança de poder é o modelo mais clássico da teoria das relações internacionais. Ela passou
a ser utilizada no momento do surgimento das cidades‑estados italianas, no século XIX (período do
Renascimento), e com a política de equilíbrio nas relações intraeuropeias. O equilíbrio de poder é
delimitado pela renúncia da possibilidade de um governo mundial – definido pelas ciências políticas
como uma monarquia – e pela pluralidade de atores.
A balança de poder tem uma grande densidade política e estratégica que chega ao ponto de a
própria noção de diplomacia ser confundida com a prática mais restrita da diplomacia do equilíbrio. Essa
confusão provém de uma notória preferência dos governos e dos teóricos das relações internacionais
em difundir suas opiniões relativas ao mundo em termos de equilíbrio ou de balança de poder, em
especial quando se beneficiam de situações de hegemonia ou preponderância (SARDENBERG, 1982).
Quando a palavra multipolaridade é mencionada, é importante entender que ela está ligada ao
conceito de que cada ator principal é considerado inimigo ou parceiro dos demais e as alianças são
temporárias, isto é, os países se relacionam com outros dependendo momentaneamente de seu interesse
ou necessidade interna ou externa. Assim, não há um líder em questão. Já o conceito de bipolaridade
é mais focado, ou seja, existem apenas dois atores importantes, que são inimigos por posição ou por
ideologia. Aqui, as alianças são mais duradouras do que no primeiro conceito e existe uma liderança que
varia de acordo com a origem dessa aliança.
48
Geopolítica, Regionalização e Integração
A bipolaridade possui três tipos de Estados: líderes de blocos, Estados dos blocos e aqueles que
não participam. Nela, os líderes buscam sua própria hegemonia e se dedicam a impedir ao máximo o
fortalecimento de seus adversários e a manter a integridade de seus próprios blocos (SARDENBERG,
1982).
Desde o pós‑guerra, a multipolaridade e a bipolaridade tiveram uma situação mais equilibrada,
porém, de natureza distinta. O bipolarismo da Guerra Fria (EUA e URSS) se difere de outras manifestações
por ter uma duração mais longa. Em macroestruturas internacionais (que resultaram da Primeira e da
Segunda Guerra Mundial), a bipolarização evidenciou claramente uma crise aguda em todo o sistema.
No entanto, mesmo com os vestígios de crise estratégica apresentados no bipolarismo durante a Guerra
Fria, a bipolaridade manifestava a existência de um grande risco à sobrevivência da própria humanidade.
Muitos especialistas viam o bipolarismo dessa época como frouxo, já que logo em seu início muitos
blocos que participavam dele entraram em processo de divisão e muitos Estados não quiseram ao menos
participar. Além disso, a ONU (Organização das Nações Unidas) substituiu o foro multilateral, mesmo
representando uma filosofia de organização internacional que pouco ou praticamente nada tem em
comum com o bipolarismo (SARDENBERG, 1982).
Diversos processos políticos contribuíram para a matização do bipolarismo e para a gradual
afirmação de certa multipolaridade política. Um desses processos políticos foi a descolonização, que
despertou em diversos países o interesse de preservar sua independência e enfrentar as tendências
neocolonialistas. Amplamente, o anticolonialista gerará um não alinhamento, direcionado inicialmente
para a medição entre dois blocos e, posteriormente, para a defesa dos interesses dos países do Terceiro
Mundo.
Outro processo foi a recuperação econômica e política da Europa Ocidental, na década de 1950,
que permitiu aos países – principalmente à França – uma atuação internacional menos limitada pelos
ditames do alinhamento com os EUA.
Vale ressaltar que, no contexto macroestrutural do pós‑guerra, não mais bastava descrever
a rivalidade política sob um olhar, se fazia necessário estudar outra maneira de entender o sistema
internacional. Esse modo é chamado de pirâmide mundial, uma estrutura mutante mais liberal no
âmbito das negociações e no entendimento entre Estados com diferentes formas de organização social
e política (SARDENBERG, 1982).
Um dos legados da Guerra Fria no campo da análise das relações internacionais é a classificação
convencional dos Estados nacionais em uma escala hierárquica de acordo com seu poder e em sua
acepção inventarial. Nas palavras de Sardenberg (1982):
Assim, aceita‑se geralmente que dois Estados se encontrem no pináculo dessa
escala e que cerca de uma dúzia se situe em diferentes posições intermediárias,
enquanto os demais estariam necessariamente condenados aos degraus
inferiores da pirâmide do poder mundial. Essa visão, muito convencional, é
um diagnóstico com largo curso nos chamados centros mundiais de decisão,
49
Unidade I
que buscam consagrar essa pirâmide como a forma “normal” de organização
da sociedade internacional e afirmar a hierarquização verticalizada como
seu requisito fundamental (SARDENBERG, 1982, p. 61).
Segundo Schmidt (1994), mesmo com as evidências do fim da Guerra Fria ao longo dos anos, os
Estados demoraram para rever suas políticas externa e de defesa, assim como houve o retardamento no
fortalecimento das organizações de segurança regionais e internacionais.
Após o episódio no Iraque, pode‑se afirmar que o mundo futuro não será sem conflitos, que
poderão ser internos (grupos diferentes dentro de um mesmo país) ou por meio das fronteiras nacionais.
Além disso, as questões raciais e étnicas também continuarão em pauta. À medida que a sociedades
progredirem, as revoluções políticas irromperão e as disputas históricas sobre fronteiras certamente
continuarão, com diferenças econômicas incrementadas de acordo com o crescimento da revolução
tecnológica neste século XXI.
Saiba mais
Alguns filmes podem propiciar uma inter‑relação com os conteúdos
vistos nesta unidade:
O GRANDE ditador. Dir. Charles Chaplin. Estados Unidos. 1940. 124 min.
SYRIANA. Dir. Stephen Gaghan. Estados Unidos. 2005. 126 min.
DIAMANTE de sangue. Dir. Edward Zwick. Estados Unidos. 2006. 143 min.
Resumo
Nesta unidade, tivemos a oportunidade de perceber que a consolidação
das relações internacionais como ciência social é recente, muito embora
traços na história da humanidade apontem que desde a Antiguidade já
existia uma preocupação com o fundamento político de uma ordem social
pacífica no mundo.
Desse modo, podemos admitir que o surgimento dessa ciência tem
em sua origem as preocupações, cada uma a seu tempo, de como se
estabelecer os modos de interação das diferentes sociedades ao longo dos
séculos. Isso significa dizer que tais interações geravam e geram situações
conflituosas ou de cooperação dados os interesses particulares de cada
parte. Ao estudarmos as teorias das relações internacionais, entendemos
50
Geopolítica, Regionalização e Integração
como se organizavam as interações entre diferentes sociedades ao longo
de alguns séculos.
Verificamos ainda o modelo estabelecido em Westphalia, que
encerrou a Guerra dos Trinta Anos e estabeleceu condições de autonomia
aos Estados sem, entretanto, gerar obrigações comuns entre eles, o que
motivou a geração de estruturas de cooperação internacional para atingir
a paz.
Observamos, por fim, que as teorias das relações internacionais se
consolidam tendo a política internacional como objeto de estudo e,
para um bom entendimento e análise das relações internacionais e da
geopolítica moderna, é importante não se prender apenas no plano de
ação e interação dos Estados, ou seja, é vital examinar todo o sistema
internacional.
Exercícios
Questão 1. (ABRIL, 2009) A charge a seguir foi publicada no site do escritor, dramaturgo e humorista
Millôr Fernandes:
Para o autor do desenho, a globalização é um processo:
A)Assimétrico, pois permite uma melhor e mais justa distribuição da riqueza mundial.
B)Simétrico, pois permite uma maior interação econômica entre as mais distantes regiões do planeta.
C)Excludente, uma vez que aprofunda o abismo entre nações de diferentes níveis de desenvolvimento
econômico.
51
Unidade I
D)Integrador, uma vez que favorece os países pobres em detrimento das nações mais desenvolvidas.
E)Regional, já que fortalece a posição das nações do hemisfério sul e enfraquece geopoliticamente
as nações do hemisfério norte.
Resposta correta: alternativa C.
Análise das alternativas:
Alternativa A: incorreta.
Justificativa: se as diferenças entre as nações são cada vez mais evidentes, seria contraditório
afirmarmos que há uma justa distribuição de renda.
Alternativa B: incorreta.
Justificativa: um processo no qual as diferenças são claras e crescentes não é um processo
simétrico.
Alternativa C: correta.
Justificativa: a globalização capitalista, fenômeno que teve início no final do século XX, trouxe
provavelmente um volume de riqueza e de avanços sociais e materiais sem precedentes, porém,
simultaneamente, as diferenças entre nações desenvolvidas e países em desenvolvimento cresceram
e ficaram mais evidentes, como as desigualdades no acesso a bens e a distância acumulada entre
os rendimentos produzidos por grupos sociais. Por isso, não podemos dizer que a globalização é um
processo integrador, assimétrico ou simétrico. Uma de suas consequências é a exclusão de partes da
população mundial do acesso a bens e a novas tecnologias produzidas, o que pode ser comprovado
pelo número de conflitos em diversas regiões do planeta e pelo crescente fluxo de imigrantes ilegais
das áreas mais pobres em direção às nações ricas do hemisfério norte, ao contrário do que nos aponta
a alternativa E.
Alternativa D: incorreta.
Justificativa: problemas de distribuição de renda e diferenças acentuadas são elementos que
convergem exatamente para o lado oposto de uma integração.
Alternativa E: incorreta.
Justificativa: as nações do hemisfério norte são as mais ricas e, portanto, não haveria sentido
afirmarmos que estão enfraquecidas.
52
Geopolítica, Regionalização e Integração
Questão 2. (ABRIL, 2009) Analise o fragmento de texto com atenção:
“Uma das características do processo de globalização é a criação de uma rede de conexões, que
deixam as distâncias cada vez mais curtas, facilitando as relações culturais e econômicas de forma
rápida e eficiente”.
Tal aspecto do processo de globalização se enquadra mais especificamente dentro do conceito de:
A)Produção horizontal flexível.
B)Aldeia global.
C)Abertura comercial.
D)Integração regional.
E)Internacionalização do capital.
Resolução desta questão na Plataforma.
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Geopolítica, Regionalização e Integração