Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
O PREPARO DO SABÃO DE CINZAS EM MINAS GERAIS, BRASIL: DO STATUS DE
ETNOCIÊNCIA À SUA MEDIAÇÃO PARA A SALA DE AULA UTILIZANDO UM
SISTEMA HIPERMÍDIA ETNOGRÁFICO
(The Ash Soap making in the state of Minas Gerais, Brazil: from the status of ethnoscience to
its mediation for the classroom using an ethnographic hypermedia system)
Paulo César Pinheiro [[email protected]]
Departamento de Ciências Naturais. Universidade Federal de São João del-Rei.
Campus Dom Bosco. Praça Dom Helvécio, 74. Fábricas. 36301-160.
São João del-Rei, MG, Brasil
Marcelo Giordan [[email protected]]
Laboratório de Pesquisa em Ensino de Química e Tecnologias Educativas.
Faculdade de Educação da USP.
Avenida da Universidade, 308. Cidade Universitária. 05508-040. São Paulo, SP, Brasil.
Resumo
Descrevemos e analisamos o processo de preparo do sabão de cinzas por mulheres do
interior de Minas Gerais, Brasil, de modo a caracterizá-lo como etnociência. Apresentamos algumas
das principais concepções relacionadas ao saber popular, à etnociência e à química da
saponificação, no sentido de justificar esta caracterização. Discutimos aspectos teóricos e
metodológicos de uma pesquisa etnográfica realizada junto ao grupo de mulheres e propomos uma
aproximação entre os saberes dessas mulheres, da Química e de alunos do Ensino Médio, que
utiliza uma hipermídia como instrumento mediador na sala de aula.
Palavras-chave: sabão de cinzas, etnociência, hipermídia etnográfico.
Abstract
The ash soap making process developed by women from the interior of the state of Minas
Gerais, Brazil, is described and analyzed in order to typify it as ethnoscience. Some of the major
conceptions related to folk knowledge, ethnoscience and the chemistry of saponification are
presented in order to justify this enterprise. The theoretical and methodological aspects of the
ethnographic research carried out with the group of women investigated is discussed and an
approximation between the knowledge of these women, the Chemistry knowledge and that of the
students of the secondary level is proposed by means of an ethnographic hypermedia as mediational
mean for the classroom.
Keywords: ash soap, ethnoscience, ethnographic hypermedia.
Introdução
A inserção de saberes e tecnologias populares, locais, tradicionais, nativas e indígenas nos
currículos de ciências tem sido considerada por vários estudiosos em diferentes contextos (Baker e
Taylor, 1995; Barros e Ramos, 1994; Chassot, 1990, 2001, 2007; Cobern e Loving, 2001;
D’Ambrosio, 1998, 2005; Francisco, 2004; George, 1988, 1992; George e Glasgow, 1989; Haden,
1973; Jegede, 1995; Maddock, 1981; Ogawa, 1995; Pomeroy, 1994; Snively, 1990; Snively e
Corsiglia, 2001). No ensino de química, em particular, uma experiência que nos parece ter sido
pioneira foi realizada em Uganda, na África (Haden, 1973), onde alunos de ensino médio
investigaram saberes nativos sobre a obtenção de ferro com a cooperação de anciãos da tribo
Okebu. O que se destacou nessa experiência é que o processo educativo em química estendeu-se
para além das experiências de aprendizagem em laboratório ou sala de aula, implicando aumento de
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confiança nos alunos com base no reconhecimento de suas origens e no respeito pelos saberes de
seus antepassados.
Na mesma direção, D’Ambrosio (1998, p. 17) mencionou o aspecto da dignidade cultural
dos educandos, que se sentem mais seguros e valorizados ao verem suas origens sendo aceitas pelo
professor. Outros autores também vêm apontando benefícios em práticas dessa natureza. Pomeroy
(1994), por exemplo, mencionou o aumento do interesse dos alunos pela ciência ao ver a mesma
sendo investigada no conhecimento popular ou nas tecnologias nativas. Chassot (2007) indicou a
possibilidade de compreender melhor a história da sociedade e o papel da ciência e da tecnologia na
vida moderna pelos jovens no estudo de saberes populares na escola. Cobern e Loving (2001)
sugeriram a possibilidade de se compreender melhor a natureza da ciência na interação com outros
modos de conhecer. George (1992) mencionou a motivação, a participação ativa dos alunos, o
elevado nível de socialização nas aulas, o melhor desempenho dos alunos, a compreensão mais
rápida e melhor dos conceitos científicos e a ampliação da visão de ciência e sua aplicação na vida,
sem, contudo, deixar de mencionar também algumas desvantagens, tais como o desconhecimento
pelos professores dos princípios científicos operantes em alguns saberes e práticas nativas, a
necessidade de haver formação específica e mudanças na prática pedagógica.
Uma análise das discussões no âmbito da educação multicultural em ciências (Atwater e
Riley, 1993; Carter, 2004; Cobern e Loving, 2001; Hodson, 1993; Matthews, 1994; Siegel, 2002;
Stanley e Brickhouse, 2001) nos permite identificar a interação de salas de aula com outras
epistemologias ou modos de conhecer como um foco de atenção para pesquisa. Nesse contexto,
entendemos ser fundamental estabelecer, logo de início, conhecimento científico sobre esses
saberes, analisar suas formas de inserção em sala de aula e de promoção de diálogos com a ciência
ensinada na escola.
Dentre os saberes mencionados anteriormente, os saberes “tradicionais” ou advindos da
“tradição”, em particular, vem chamando nossa atenção. Esses saberes constituem um grupo
especial para investigação porque neles encontramos percursos epistemológicos e resultados que
são muitas vezes reforçados pelos saberes da ciência, provavelmente porque são vivenciados
através de processos de experimentação, transferência e validação que se dão ao longo de gerações.
Embora George (1999, p. 80) tenha mencionado ainda ser possível identificar a presença de traços
ou a totalidade desses saberes nas vidas cotidianas de seus herdeiros e herdeiras, alguns
pesquisadores têm preferido evitar o uso das expressões “tradicional” e “tradição”, por
considerarem que todo grupo social está fadado a mudanças e adaptações, sendo difícil dizer o
quanto uma prática pode ser considerada, de fato, como sendo tradicional (Berkes, 1993, como
citado em Snively e Corsiglia, 2001, p. 11). Por isso, preferem falar em “conhecimento nativo” ou
“indígena”, expressões que traduzimos de indigenous knowledge da língua inglesa.
Ogawa (1995, p. 588), por exemplo, definiu o “conhecimento nativo” como “uma percepção
racional e coletiva da realidade que é dependente da cultura”. George (1992, p. 96) também
associou o termo “indígena” a “nativo” ou “pertencente naturalmente a” um grupo de pessoas ou
comunidade particular. Warren et al. (1995, p. xv) ofereceram uma definição semelhante,
significando o termo como “o conhecimento local que é único de uma dada cultura ou sociedade e
que contrasta com o sistema internacional de conhecimento que é gerado através da rede global de
universidades e institutos de pesquisa”.
Alguns exemplos desses saberes foram observados em estudos exploratórios no interior do
estado de Minas Gerais, Brasil, assim como têm sido descritos em outras partes do mundo. São eles:
o preparo do sabão de cinzas em várias localidades mineiras, o fabrico de um vinho de laranja como
tradição de uma família (Resende, Castro & Pinheiro, 2010) a produção de tijolos nas olarias
tradicionais (Gomes & Pinheiro, 2000), a obtenção da farinha de polvilho azedo a partir da
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mandioca no município de São Tiago (MG), o preparo do óleo de coco em Trinidade Tobago
(George, 1992), o modo Kpelle de produção tradicional de ferro na Libéria (Thomasson, 1995) e a
obtenção de óleos e bebidas alcoólicas em Moçambique (Francisco, 2004). Há muito conhecimento
químico potencialmente presente nesses saberes, e, em algumas situações há também a necessidade
de recorrermos a outras ciências para compreendê-los.
Alguns autores têm comparado a visão de mundo tradicional e a ciência oficial, percebendo
haver relações de semelhança, diferenças e a existência de conflitos (George, 1988, 1999; Horton,
1967a, 1967b; Maddock, 1984; Ogunniyi, 1988; Wilson, 1981). Outros têm considerado alguns
desses saberes como sendo “ciência” (Maddock, 1981; Ogawa, 1995; Snively e Corsiglia, 2001),
provocando o debate na literatura internacional. Nesse cenário, existe uma tese controversa
intitulada multiscience, a qual foi refutada por Matthews (1994) e defendida por Ogawa (1995). No
cerne dessa tese, considera-se que a ciência historicamente ensinada nas escolas é somente uma
entre as muitas ciências existentes.
Sem pretender diminuir a complexidade filosófica a respeito do que pode e do que não pode
ser considerado como ciência para inclusão/exclusão nos currículos, Cobern e Loving (2001)
admitiram a existência de outros modos válidos de conhecer, mas consideraram os mesmos como
sendo tipos diferentes de conhecimento, que ao serem validados por seus próprios méritos podem
desempenhar um papel vital na educação em ciências, mantendo uma posição de independência e
mesmo de crítica às práticas científicas. De todo modo, o debate tem promovido reflexões a respeito
da exclusividade conferida ao padrão de explicações da ciência Ocidental nos currículos e sobre as
possibilidades e benefícios decorrentes da comunicação com outros modos de conhecer.
Autores como Pomeroy (1994), Chassot (1990) e Gerdes (1994), no entanto, têm enfatizado
a existência de componentes científicos em saberes inerentes à cultura popular. Se isso corresponde
à verdade, então consideramos que existe de fato um aspecto particular relevante e digno de atenção
para a educação em ciências. No presente texto, apresentaremos parte dos resultados de uma
pesquisa envolvendo a produção e o uso do sabão de cinzas no interior de Minas Gerais, Brasil.
Nessa pesquisa, foram realizadas investigações junto às produtoras do sabão de cinzas e em sala de
aula, na qual utilizamos um sistema hipermídia etnográfico como meio mediacional. Não
apresentaremos aqui os resultados das investigações em sala de aula, pois isso tornaria o artigo
demasiadamente extenso. Consideramos pertinente apresentar inicialmente aos leitores de
Investigações em Ensino de Ciências uma análise do saber popular observado, tendo em vista uma
sala de aula de química de nível médio. Nesse sentido, esse texto apresenta: uma revisão
bibliográfica sobre os saberes populares e as etnociências, os referenciais teóricos e a metodologia
geral da pesquisa, a descrição dos saberes das mulheres que fazem o sabão de cinzas e seu status de
etnociência, as reflexões e implicações desses saberes para o ensino de química e a justificativa de
nossa opção pela utilização de um sistema hipermídia como meio de transporte e problematização
dos saberes para a sala de aula, bem como a sua descrição. Os resultados referentes à inserção da
hipermídia em sala de aula serão divulgados em publicação futura.
Os saberes populares
É comum ver os saberes populares sendo associados aos ‘mitos’, ‘crendices’, ‘superstições’,
‘feitiços’, o ‘animismo’, o ‘xamanismo’, a ‘possessão espiritual’ e ao ‘fazer’ que se sobrepõe ao
saber – uma forma de empirismo destituída de conhecimento teórico ou discurso explicativo
fundado. A expressão popular também pode se referir ao que é conhecido, acessível, utilizado por
todos ou pela grande maioria da população. Em todos os casos pode haver algum tipo de reforço ou
endossamento por parte da ciência, mas é certo que há também relações de conflito e
incompatibilidade, como é o caso das muitas superstições e crendices associadas aos poderes
sobrenaturais e divinos conferidos aos objetos inanimados ou sem vida, como os trovões, a lua, etc.
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Essas crenças configuram-se como modos de interpretação da realidade que têm por base o controle
limitado e o desconhecimento sobre o que existe por trás do mundo visível. De modo geral, talvez
seja possível delimitarmos um conjunto de saberes populares como sendo constituído por crenças e
opiniões desinformadas sobre o porquê das coisas, assim como outro formado por saberes mais
elaborados, como os que têm sido transmitidos e validados ao longo de gerações, e ainda um grupo
que contém formas híbridas de conhecimento, que absorveram ou vêm absorvendo conhecimentos
científicos, em particular.
Dentre os discursos acadêmicos sobre o popular, um deles o associa aos indivíduos
subordinados socialmente a um grupo dominante (“dominados”, “oprimidos”, “explorados”) e em
relação de desvantagem econômica (De Certeau, 1999; Grignon, 1995; Knijnik, 2002; Lopes,
1999). De Certeau (1999) mencionou que as práticas populares envolvem uma produção escondida,
audaciosa, dispersa, silenciosa, quase invisível, multiforme, fragmentária, sem ideologias ou
instituições próprias e que se disseminam por regiões ocupadas por outra produção de natureza
televisiva, urbanística, comercial e totalitária. Segundo esse autor, o saber popular tem a sua própria
lógica: “essas práticas colocam em jogo uma ‘ratio popular’, uma maneira de pensar investida
numa maneira de agir, uma arte de combinar indissociável de uma arte de realizar” (De Certeau,
1999, p. 42). Tomando Bourdieu em sua análise, De Certeau mencionou duas características
indissociáveis das práticas populares: 1ª) o duplo vínculo dessas práticas a um lugar próprio (um
patrimônio) e um grupo coletivo de gestão (a família, o grupo) – traço de coerência e 2ª) a "Douta
Ignorância", exprimindo que o fazer dos indivíduos se sobrepõe ao conhecimento a ele inerente –
traço de inconsciência (Idem, 1999, p. 123,124).
Em outro discurso acadêmico, há menção à existência de uma cognição específica própria do
popular e que não está necessariamente vinculada à subordinação econômica e social:
De modo geral, afirma-se que são populares os indivíduos que estão subordinados
economicamente na estrutura da sociedade – os não-proprietários dos meios de produção, os
assalariados, os pequenos agricultores, os sem-terra, grupos socialmente minoritários (como
os índios), enfim, os que de uma ou de outra forma, podem ser enquadrados sob o
significado de “exploração capitalista” ou de “opressão”. Nós não atribuiremos, a priori, o
pensamento/conhecimento dito popular a esse numeroso conjunto social, mas sua atribuição
está em aberto e qualquer indivíduo, inclusive na classe considerada economicamente
dominante, pode apresentar os traços da “popularidade cognitiva” rastreados por Gramsci e
anteriormente elencados. A dominação econômica não garante, ipso facto, a exclusão do
quadro cognitivo aqui denominado popular. O mesmo vale para a situação social de
subordinação econômica: esta não implica necessariamente subordinação cognitiva (nem
popularidade cognitiva) (Schaefer e Jantsch, 1995, p. 26).
Entre alguns antropólogos, a categoria popular é considerada pouco precisa em termos
sociológicos e carregada de julgamentos e preconceitos (Velho e Castro, 1978; Canclini, 2003). Por
essa razão preferem não “rotular” saberes e sabedores, evitando criar estereótipos e hierarquizações,
pois isso implicaria um retrocesso daquilo que foi considerado como uma das maiores conquistas da
antropologia: captar o ponto de vista do outro em seus próprios termos. Ao comparar a cultura
erudita e a cultura popular, por exemplo, Velho e Castro mencionaram o seguinte:
A idéia básica é que haveria uma distinção qualitativa entre esses dois tipos de cultura –
uma mais sofisticada, tendo como foco as principais contribuições e realizações da
sociedade em suas formas mais refinadas e de maior valor estético e criativo, enquanto a
segunda seria mais rústica, menos cosmopolita, e de valor até duvidoso. No caso da cultura
de massa então o seu valor seria ainda mais contestado, apontando-se seu caráter
barateador e vulgarizante. É claro, portanto, que é uma classificação carregada de
julgamentos de valor, e até, de preconceitos. No caso da cultura popular pode-se cair numa
posição inversa e passar a valorizá-la como mais autêntica, mais pura, principalmente
quanto tida por intocada e não contaminada. A cultura de elite, em contraposição, seria
considerada artificial, decadente, inautêntica. De uma forma ou de outra polariza-se a
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classificação e fica-se no nível do estereótipo. É claro que existem modos de vida, visões
de mundo mais característicos das camadas populares, mas a categoria popular é muito
pouco precisa em termos sociológicos e pressupõe uma homogeneidade que está longe de
ser comprovada nos estudos existentes sobre camponeses, operários, classes médias baixas
ou outros segmentos e setores que pudessem ser incluídos nessa classificação (Velho e
Castro, 1978, p. 11, 12)
Néstor Canclini (2003) mencionou que a elaboração de um discurso científico sobre o
popular é um problema recente no pensamento moderno, uma novidade nas três últimas décadas.
Ele também oferece uma abordagem que desafia as visões acadêmicas mais tradicionais acerca da
cultura popular, preferindo vê-la, na atualidade, em sua pluralidade e na forma de “culturas
híbridas”. Segundo esse antropólogo, o desenvolvimento moderno não está suprimindo as culturas
populares tradicionais conforme se acredita. Ele afirma que muitos estudos têm revelado que tais
culturas não têm se extinguido conforme previsto, porque vem se configurando como força de
trabalho e renda e sendo incluídas no mercado através dos meios de comunicação de massa,
havendo interesse dos sistemas políticos em fortalecer a hegemonia, a legitimidade do folclore e a
continuidade de sua produção. O artesanato foi mencionado como um dos setores de maior
crescimento na área. Nessa direção, ao contrário de extinguirem-se, as culturas populares vêm se
desenvolvendo e se transformando na interação com as forças da modernidade.
Mas o que já não se pode dizer é que a tendência da modernização é simplesmente provocar
o desaparecimento das culturas tradicionais. O problema não se reduz, então, a conservar e
resgatar tradições supostamente inalteradas. Trata-se de perguntar como estão se
transformando, como interagem com as forças da modernidade (Canclini, 2003, p. 218).
Com a migração do homem do campo para as cidades e o turismo rural, Canclini mencionou
estar ocorrendo uma articulação entre a cultura popular e a vida urbana. Além disso, “as tradições se
reinstalam para além das cidades: em um sistema interurbano e internacional de circulação cultural”
(Idem, 2003, p. 218). Por essa razão, ele também não vê as culturas camponesas e tradicionais como
as representantes majoritárias das culturas populares, as quais, para ele, também não se concentram
em “objetos” ou “produtos”, mas principalmente em comportamentos, práticas sociais e processos
comunicativos. Ele também não concorda com a associação unívoca entre o popular e a situação de
opressão ou dominação.
Os folcloristas prestam atenção ao fato de que nas sociedades modernas uma mesma pessoa
pode participar de diversos grupos folclóricos, é capaz de integrar-se sincrônica e
diacronicamente a vários sistemas de práticas simbólicas: rurais e urbanas, suburbanas e
industriais, microssociais e dos mass media. Não há folclore exclusivo das classes oprimidas,
nem o único tipo possível de relações interfolclóricas são as de dominação, submissão ou
rebelião (Idem, 2003, p. 220).
Sob essa ótica, os grupos culturais populares não são vistos como setores estáveis em
composição e permanência, dotados de características comuns. O que há, na verdade, são condições
para que uma determinada pessoa participe ou não de um determinado tipo de comportamento ou
atividade. Canclini dá o exemplo das festas tradicionais e de produção e venda do artesanato como
tarefas que não são mais exclusivas de grupos étnicos específicos ou dos setores camponeses,
mencionando as intervenções cada vez mais freqüentes de ministérios de cultura e de comércio, de
fundações privadas, de empresas de bebidas e de agências de rádio e televisão. Por essa razão, ele
diz que o popular não é mais monopólio dos setores populares.
Os fenômenos culturais folk ou tradicionais são hoje o produto multideterminado de agentes
populares e hegemônicos, rurais e urbanos, locais, nacionais e transnacionais. Por extensão, é
possível pensar que o popular é constituído por processos híbridos e complexos, usando
como signos de identificação elementos procedentes de diversas classes e nações (Idem,
2003, p. 220, 221).
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Um traço característico no discurso de Canclini é a associação que ele faz entre a cultura
popular e algumas manifestações culturais específicas, tais como o artesanato, a música, a arte, a
poesia, o teatro e a arquitetura, e é obvio que as suas observações são feitas tendo em vista tais
manifestações. De modo geral, ele estabelece uma relação mais íntima entre a cultura popular e
manifestações no campo da arte. Poderíamos então considerar as observações de Canclini como
sendo válidas para aquelas práticas e saberes mais associados à ciência e que foram mencionados
por Chassot (2007) como em vias de extinção ou que já foram extintos e modificados pela
revolução científica e tecnológica? E quanto à presença de ciência na cultura popular? Seria esse
um traço pouco expressivo ou desconhecido das práticas populares?
As etnociências
Em uma das agendas de pesquisas propostas por Pomeroy (1994) no tocante à diversidade
cultural e o ensino de ciências, foi enfatizado o estudo do “conhecimento popular” e das
“tecnologias nativas”, nos quais podem ser analisados os princípios científicos operantes. O que
nos chamou a atenção nessa agenda específica foi ter mencionado que não é necessário que as
práticas e tecnologias populares tenham o status de etnociência para serem investigadas na escola.
Haveria, portanto, elementos característicos das etnociências que podem não estar presentes nos
saberes populares?
Uma visão comum sobre etnociência costuma associá-la ao “conhecimento científico
desvendado” nos saberes e práticas de grupos culturais específicos, como os indígenas, por
exemplo. Pomeroy, no entanto, segue outra direção. Ela recorre a Ovando (1988, como citado em
Pomeroy, 1995, p. 66) e Cajete (1986, como citado em Pomeroy, 1995, p. 66), para dizer que no
domínio das etnociências deve haver evidências da existência de práticas científicas entre os povos
nativos, seja na astronomia, na ecologia, na agricultura ou nas práticas de caça. Na visão de Cajete,
a etnociência foi associada a “métodos, processos de pensamento, operações mentais, valores,
conceitos e experiências através das quais os grupos Americanos Nativos compreendem, refletem e
obtêm conhecimento empírico sobre o mundo natural”.
De fato, em suas origens, a etnociência foi associada ao conhecimento indígena sobre a
Natureza, sendo uma denominação atribuída por cientistas envolvidos com pesquisas junto a essas
comunidades (Behrens, 1989, Berlin, 1972, Boster e Johnson, 1989, como citado em Cobern e
Loving, 2001, p. 54). Em um artigo publicado em 1974, Sturtevant apresentou a etnociência como a
Nova Etnografia (the New Ethnography), mas não considerou adequada a denominação etnociência
por duas razões: primeiro por sugerir que outros tipos de etnografia não sejam ciência e segundo por
admitir que as taxonomias populares sejam ciência. A ciência aqui se associava à classificação ou
ordenação das coisas em classes (taxonomia) pelos indígenas, sendo vista como o grau de redução
do caos por uma dada sociedade (etnociência clássica). Em Trueba e Wright (1985, p. 300, 301)
também notamos associação entre etnociência e uma nova abordagem na etnografia. O prefixo etno,
por sua vez, foi originalmente definido como o que é típico de uma dada cultura ou grupo social. A
etnobotânica, por exemplo, seria uma concepção cultural específica do universo dos vegetais, que
pode ou não estar relacionada à taxonomia da botânica oficial. Tal prefixo, no entanto, é hoje aceito
como sendo mais amplo e inclui considerações como linguagem, jargões, códigos de
comportamento, mitos e símbolos próprios de um contexto cultural.
Em seus desdobramentos, os estudos em etnociência se direcionaram para a lingüística, mas
permaneceram vinculados aos sistemas de classificação dos povos indígenas e de outras populações
tradicionais. Embora algumas aberturas para estudos mais dinâmicos sobre as relações entre essas
comunidades e a Natureza tenham se dado, muitos antropólogos continuam associando a
etnociência à taxonomia e às classificações em geral. No Brasil, essa marca aparece pela referência
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norte-americana original do termo ethnoscience, associado às suas origens etnolingüísticas e
sociolingüísticas (D’Olne Campos, 2000).
Com o desenvolvimento da sociolingüística e da ethnoscience foi surgindo uma enormidade
de termos disciplinares que buscavam identificar aspectos científicos significantes nas comunidades
investigadas. Criaram-se várias etno-X, onde X corresponde a sufixos disciplinares tais como
‘etnobotany’ (1896), ‘etnozoology’ (1914), ‘etnogeography’ (1916), ‘etnobiology’ (1935),
‘etnomineralogy’ (1971), e outras (Cardona, 1985, como citado em D’Olne Campos, 2000). Essas
várias etno-X, no entanto, não tinham uma relação específica com a área da educação científica, em
particular. Eram estudos que buscavam essencialmente estudar o conhecimento das populações
tradicionais tentando compreender seus conhecimentos sobre o mundo natural, as taxonomias e as
classificações totais (Diegues, 1994, p. 69).
Uma etno-X que surgiu essencialmente compromissada com a educação foi a
etnomatemática, tendo sua origem entre pesquisadores brasileiros e que atualmente abarca
pesquisadores, estudos e experiências educacionais em todo o mundo. D’Ambrosio (1998, p. 7)
definiu a etnomatemática como “um programa que visa explicar os processos de geração,
organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças
interpretativas que agem nos e entre os três processos”. Outras etno-X que têm se desenvolvido no
Brasil e em outras partes do mundo, com sociedades acadêmicas organizadas, são a etnobiologia e a
etnoastronomia, embora menos compromissadas com o campo da educação em ciências. Posey
definiu a etnobiologia como sendo
essencialmente o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer
sociedade a respeito da biologia. O conhecimento biológico de folk vem a ser uma amálgama
de plantas, animais, caçadas, horticultura, espíritos, mitos, cerimônias, ritos, reuniões,
energias, cantos e danças (Posey, 1986).
Deve ser mencionado, no entanto, o reconhecimento do valor pedagógico da etnoastronomia
para a educação básica por um pesquisador da área:
Devemos ressaltar o valor pedagógico do ensino da etnoastronomia, principalmente a dos
indígenas e a dos afro-brasileiros, para os alunos do ensino fundamental de todo o Brasil, por
se tratar de uma astronomia baseada em elementos sensoriais (como as Plêiades e Via
Láctea), e não em elementos geométricos e abstratos, e também por fazer alusão a elementos
de nossa Natureza (sobretudo fauna e flora) e história, promovendo auto-estima e valorização
dos saberes antigos, salientando que as diferentes interpretações da mesma região do céu,
feitas por diversas culturas, auxiliam na compreensão das diversidades culturais (Afonso,
2006, p. 79).
Diferente das etno-X mencionadas acima, a Etnofísica e a Etnoquímica ainda são áreas de
saber incipientes. Em nosso conhecimento, a primeira referência que faz menção às mesmas é uma
coletânea de reflexões e pesquisas elaborada por pesquisadores do Instituto Superior Pedagógico,
em Moçambique. Na obra prefaciada por Gerdes (1994), ele se referiu à etnomatemática e as
etnociências como:
- tradições científicas que têm sobrevivido à colonização, e atividades presentes na vida
diária da população com componentes científicos, procurando meios de incorporá-las nos
currículos;
- elementos culturais que podem servir como um ponto de partida para desenvolver e elaborar
matemática e ciências, tanto fora como dentro da escola (Gerdes, 1994, p. 5, 6).
Com base nessas definições para as etnociências, em particular, estamos considerando que a
existência de “práticas científicas” (Pomeroy, 1995, p. 66) ou “tradições científicas e atividades na
vida diária da população com componentes científicos” (Gerdes, 1994, p. 6), é o que atribui ao
saber popular o status de etnociência. Todavia, antes de exemplificarmos e aprofundarmos esse
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aspecto, apresentaremos, a seguir, os referenciais e a metodologia da pesquisa desenvolvida no
interior do estado de Minas Gerais envolvendo o preparo e o uso do sabão de cinzas.
Referenciais e rotas da pesquisa
Nós interagimos com oito pessoas que fazem (ou faziam) o sabão de cinzas em três regiões
do estado de Minas Gerais: Zona da Mata, Sul de Minas e Campos das Vertentes. Os traços em
comum observados nessas pessoas foram a simplicidade, a pouca escolarização e o fato de serem
mulheres – mães e avós de família em sua maioria. Dentre os oito indivíduos contatados somente
um era homem – o filho de uma das produtoras. Essas interações ocorreram em residências e
quintais situados na periferia urbana ou em áreas rurais, onde o sabão de cinzas era preparado.
Somente duas produtoras do sabão ofereceram resistência inicial quanto a nos prestar informações,
a qual foi vencida mediante a afirmação de nosso propósito de inserir os saberes sobre o sabão de
cinzas na escola. Várias interações em seqüência ocorreram com três produtoras do sabão de cinzas,
em particular, ao longo de aproximadamente um ano. Essas interações ocorreram antes, durante e
após o preparo do sabão, com registro escrito, fotográfico e audiovisual.
Nossas experiências iniciais de interação foram acompanhadas de leituras de textos com
abordagem qualitativa em ciências sociais e educação (Freire, 1983; Brandão, 1987; Thiollent,
1988; Gajardo, 1987). Nessas interações, procuramos aprender como o sabão de cinzas era feito,
identificando os materiais usados, suas denominações e o processo em si, buscando também
elucidar o conhecimento químico inerente através de pesquisa bibliográfica e por meio de sua
reprodução em laboratório. Nessa ocasião, realizamos duas experiências exploratórias de inserção
do tema “O sabão de cinzas” em salas de aula de ciências do ensino fundamental, contando com a
cooperação de uma das produtoras do sabão em uma delas. O objetivo dessas experiências foi
introduzir o sabão de cinzas no currículo de ciências e analisar possibilidades de realizar tal intento
por meio de interações entre a escola e a comunidade local. Nessa direção, planejamos atividades
envolvendo uma história em quadrinhos, a leitura e interpretação de textos, a realização de
experimentos simples, visitas à comunidade e a tradução do observado na escola utilizando a
ciência escolar. Os resultados obtidos evidenciaram vários aspectos da interação entre o saber
popular, os alunos e as professoras envolvidas. Na experiência envolvendo uma terceira série de
uma escola situada na área rural de São João del-Rei (MG), por exemplo, os alunos e a professora
se engajaram com bastante entusiasmo e interesse. As crianças adoravam realizar as excursões ao
“laboratório” da “Dica”, uma mulher da comunidade local que sabia preparar o “sabão de bola” – a
denominação local para o sabão de cinzas. Nessas excursões, os alunos acompanharam todo o
processo de fabrico do sabão, fizeram perguntas e ouviram as respostas da produtora do sabão.
Um resultado que se destacou nessa experiência foi “O Coração de Daiene”. Havia na classe
uma menina de 10 anos de idade que não demonstrou muita simpatia e interesse pelo sabão de bola
durante as aulas. Ela também se diferenciava das colegas por vir sempre maquiada para a escola, em
detrimento de sua idade, revelando, em muitas ocasiões, apreciar mais as coisas que vinham da
cidade. Nas atividades finais realizadas com os alunos, a “Dica” veio até a escola e trouxe seu sabão
pronto para que as crianças o manuseassem e testassem suas propriedades de limpeza. Enquanto os
alunos manipulavam o sabão e o moldavam na forma de bola, Daiane surpreendentemente conferiu
ao sabão a forma de um coração, sinalizando uma alteração significativa em sua relação com ele.
Embora isso tenha ocorrido, por outro lado, as crianças demonstraram dificuldades de compreensão
das interpretações dos saberes e práticas por meio do conhecimento químico explicativo, mesmo
tendo-os simplificado ao nível das séries iniciais. Para elas, os saberes e a linguagem da “Dica”
pareceram ter sido mais claros, inteligíveis e suficientes para compreensão.
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
A professora da classe também revelou suas dificuldades. Ela não estava acostumada a
estudar os saberes locais em suas aulas de ciências, não sabia nada sobre o sabão de cinzas e o seu
ensino era exclusivamente centrado no livro didático. Para ela, havia pressões no sentido de
preparar os alunos para prosseguirem seus estudos nas escolas da cidade, pois a escola local só
oferecia o ensino fundamental até a 4ª série. Por essa razão, os alunos deveriam saber bem os
conteúdos do livro que era utilizado nas escolas da cidade, deixando de lado o rico ambiente
cultural em que viviam. Provavelmente foi também por essa razão que os alunos tiveram
dificuldades de compreender nossa tradução do preparo do sabão de cinzas nas aulas de ciências.
Talvez eles não estivessem preparados para isso. Estávamos, portanto, diante de uma realidade
distante de nosso propósito. Ficou evidente, no entanto, que a compreensão dos saberes sobre o
sabão de cinzas por meio da química escolar deveria ser aprofundada em séries posteriores,
movendo-nos, posteriormente, nessa direção.
O trabalho até então realizado, e as experiências escolares, nos motivaram a realizar novas
interações com as produtoras do sabão de cinzas. Essas interações foram importantes para clarear
diversos aspectos. Nelas, percebemos que havia grande semelhança entre a prática e a linguagem de
nossas oito informantes, independente de haver relações de vizinhança ou parentesco entre elas.
Isso nos remeteu à possibilidade de ter havido uma origem única e eficiente dos ensinamentos sobre
esse sabão. Passamos então, a prestar mais atenção nesses saberes em seus próprios termos. Para
isso, reunimos três produtoras do sabão de cinzas para compor um círculo de investigação, o qual
ocorreu na cozinha da casa de uma delas, enquanto o sabão era feito, com registro em vídeo. A essa
altura das investigações, sentimos a necessidade de um referencial que nos auxiliasse a
compreender melhor os saberes além das fronteiras do conhecimento químico interpretativo, o que
nos conduziu ao campo da etnografia de saberes e práticas. Nesse campo de pesquisa, atentamos
para a seguinte hipótese de trabalho:
(...) poderíamos considerar uma definição, ou melhor, uma hipótese de trabalho para a
etnociência se a entendermos como uma etnografia da ciência do outro, construída a
partir da academia. Isso implica que a ciência do outro seja vista como apenas êmica, ou
simplesmente como a ciência do outro distinta da ciência nossa (D’Olne Campos, 2000).
A etnografia mencionada nessa citação está na base da identidade disciplinar da
antropologia social e cultural, desempenhando um papel teórico e metodológico central nessas
disciplinas. De modo geral, a experiência etnográfica tem início com a observação participante, tal
como realizamos em nossas interações com as produtoras do sabão de cinzas. Não existe, no
entanto, uma definição única ou uma teoria completa para a etnografia. Alguns a entendem como “a
observação e análise de grupos humanos considerados em sua particularidade (...) e visando a sua
reconstituição, tão fiel quanto possível à vida de cada um deles” (Lévi-Strauss, 1973, como citado
em Gonçalves, 2002, p. 9). Outros não se preocupam tanto com a “reconstituição fiel” da realidade,
mas com a sua “interpretação” (Geertz, 1978, como citado em Gonçalves, 2002, p. 9), enquanto
outros a vêem como uma “atividade híbrida”, não se configurando somente como “método” ou
“texto”, mas como uma área de tensão e indeterminação entre a linguagem e a experiência
(Clifford, 1988, como citado em Gonçalves, 2002, p. 9).
“Estar lá” (no campo)/“Estar aqui” (na Academia), “Estar lá”/“Escrever aqui”,
“estranhamento/familiaridade”, “êmico/ético”, compreendem ações e termos comuns na área e a
regra de ouro do trabalho etnográfico
pode ser grosseiramente contida nas fórmulas: transformar o exótico no familiar e/ou
transformar o familiar em exótico. E, em ambos os casos, é necessária a presença de dois
termos (que representam dois universos de significação) e, mais basicamente, uma vivência
dos dois domínios por um mesmo sujeito disposto a situá-los e apanhá-los (Da Matta, 1978,
como citado em D’Olne Campos, 2000).
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
Os dois domínios a que se refere Da Matta dizem respeito a um cruzamento de olhares
distintos por parte do pesquisador. Um deles se relaciona com o que os anglo-saxônicos chamaram
de outsider, o qual vê o outro e os seus saberes a partir e com as ferramentas da sua ciência, ou seja,
eticamente. No caso da pesquisa realizada por nós, essa postura teria relação com a elucidação dos
princípios químicos e científicos oficiais operantes no preparo e uso do sabão de cinzas. No outro
olhar, o pesquisador deixa as suas ferramentas e a sua ciência de lado e coloca-se como um “de
dentro”, um insider no saber do outro, guiando-se emicamente, ou seja, buscando compreender os
saberes em seus próprios termos. Em nossa visão, a adoção desses dois olhares ou posturas de
investigação tem implicações tanto nos trabalhos de campo como nas experiências em sala de aula
envolvendo as etnociências e os saberes populares.
No caso dos trabalhos de campo, reconhecemos a importância de uma metodologia
“geradora de dados”, na qual o pesquisador dá liberdade para que o informante fale segundo a sua
própria lógica e conceitos, sem impor ou introduzir conceitos pré-concebidos ou esperados.
Segundo Posey (1986) uma das grandes desvantagens dos pesquisadores de campo é que eles já
trazem suas hipóteses de pesquisa formuladas antes das interações. Muitos dados podem ser obtidos
nessas condições, mas questões preconcebidas raramente refletirão a lógica e a realidade interna de
uma cultura. É essencial, portanto, confiar nos informantes para que esses conduzam o pesquisador
ao longo das trilhas da investigação deles, o que representa um grande desafio para os acadêmicos
de modo geral, e mais particularmente para aqueles das ciências naturais.
Como guia de realização de investigações no campo, destacam-se as seguintes
recomendações de Posey (1986) e D’Olne Campos (2000):
- considerar os informantes como especialistas de suas próprias culturas e como os guias da
pesquisa;
- Estabelecer o “tom necessário” para um relacionamento compartilhado entre “iguais” ou
estabelecer “simetria” (Latour, 1983, 2000) na relação;
- dar atenção especial às contradições e anomalias encontradas (aspectos em conflito ou em
desacordo com a visão de mundo da ciência, por exemplo);
- preparar-se para um constante ir e vir entre o “estar aqui” (na Academia) e o “estar lá” (no
campo).
Ao nos inspirarmos nos referenciais da etnografia, cabe mencionar que não estamos vendo a
mesma com o mesmo alcance que foi originalmente proposto por Malinowski (1984, p. 24), que a
viu inicialmente como uma investigação da cultura nativa em sua totalidade de aspectos. A
etnografia está sendo vista aqui de um modo mais modesto, com foco dimensionado aos saberes e
práticas culturais associadas ao sabão de cinzas e a outros saberes populares com possíveis “pontes”
para a educação em ciências. A etnografia também foi adotada por se configurar como um guia para
interpretação e reconstituição rigorosa dos saberes observados, tendo em vista o seu transporte para
a sala de aula. Nesse aspecto, nossa proposta também se difere em relação ao público-alvo a quem
pretendemos dirigir uma narrativa, descrição ou etnografia dos saberes associados ao sabão de
cinzas, isto é, os alunos e alunas da educação básica.
Além dos referenciais anteriormente apontados, nossa pesquisou utilizou também alguns
referenciais de análise do discurso (Foucault, 1986; Bakhtin, 1986), conforme mencionaremos logo
mais à frente. A Figura 1 resume o percurso metodológico global da pesquisa realizada, que
também tem sido utilizado como guia para o desenvolvimento de outras investigações. Cabe
enfatizar que somente os resultados da pesquisa referentes às quatro primeiras fases são
apresentados no presente texto.
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
Os saberes sobre o sabão de cinzas
O sabão de cinzas foi um agente de destaque na promoção da higiene pessoal e domiciliar
das populações que viviam no estado de Minas Gerais no passado. As pessoas que sabiam fazer
esse sabão eram consideradas indivíduos importantes em suas comunidades. Elas sabiam como
obter uma lixívia de cinzas de madeira e como controlar a sua mistura com grandes quantidades de
gordura animal sob aquecimento, ou seja, sabiam como controlar uma reação química, cuja
finalidade era produzir sabão para uso na higiene do corpo, das roupas e dos utensílios das cozinhas
e das casas. Suas circunstâncias de aparecimento, portanto, relacionam-se à promoção de hábitos de
higiene na população.
FASES
AÇÕES
Interação com informantes, seus saberes e práticas
Documentação audiovisual das práticas
Observar/participar
Gerar e registrar
dados
Filmar e fotografar
Analisar dados
Pesquisa bibliográfica
e em laboratório
Escrever um texto ou
etnografia
Interpretação êmica e ética da cultura
Estudo de transcrição para a sala de aula de ciências
Definir conteúdos
Planejar atividades
Desenvolver meios
mediacionais
integrando recursos
Inserir os saberes em sala de aula
e interpretá-los dos pontos de vista
êmico e ético junto aos alunos
Inserção dos saberes em sala de aula
Registrar dados das experiências
Analisar a natureza dos trânsitos
entre saberes, a adequação dos
meios e a produção de
significados
Análise das respostas dadas pelos alunos
Avaliação das experiências
Figura 1: Rota metodológica – do trabalho de campo à sala de aula
A disseminação dos saberes sobre esse sabão pelo interior de Minas Gerais e estados
vizinhos, a transmissão dos ensinamentos ao longo das gerações e a sua continuidade cultural até os
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
dias atuais evidencia tratar-se de um bem de valor. A aderência cultural do sabão de cinzas associase também à sua eficiência como agente de limpeza, às suas propriedades medicinais no tratamento
de queimaduras e certas doenças de animais, e aos valores e emoções que com ele foram sendo
transmitidas. O sabão de cinzas recebe denominações variadas de acordo com o local de sua
produção: sabão de bola, sabão de dicuada, sabão preto, pão de sabão e outras. Ele é preparado a
partir de dois ingredientes básicos: as cinzas de madeira e a gordura animal. As cinzas não são
diretamente usadas no preparo do sabão, mas para obter a dicuada (ou decoada), um líquido de cor
parda avermelhada obtido através do barrilero (ou barrelheiro). No modo tradicional, o barrilero
compreende um grande balaio feito com taquaras de bambu trançadas, sendo muito comuns aqueles
com capacidade de 50 a 100 litros. Esse balaio é forrado internamente com folhas de bananeira e
depois preenchido com as cinzas; o uso de latões, baldes ou vasilhas contendo furos na base e
forrados com sacos de pano também foram observados.
As cinzas costumam ser peneiradas inicialmente para retirar impurezas eventualmente
presentes. Conforme são introduzidas no interior do barrilero, elas vão sendo prensadas com as
mãos e/ou utilizando um soquete de madeira. As folhas de bananeira agem como filtro: “é pra podê
segurá a cinza”, segundo Dona Aparecida. Em seguida, passam água quente sobre as cinzas, de
modo semelhante ao procedimento de “coar” café, a fim de extrair somente as substâncias solúveis,
pois “se ficá sujo de cinza não pode pô lá... dentro da vasilha. Tem que jogá aquilo fora e torna a
pô outro, ou senão coá”, ou seja, a dicuada não pode conter resíduos de cinzas, somente a sua parte
solúvel: “chama sabão de cinza, mas tem que sê sem cinza. Não pode deixá a cinza pegá ele”.
As mulheres que sabem fazer o sabão de cinzas costumam dizer que vão “pingá a dicuada”,
chamando atenção para o modo como a lixívia de cinzas deixa o barrilero por baixo, ou seja:
pingando/gotejando. A obtenção da dicuada leva cerca de um ou dois dias para se completar e, às
vezes, é necessário preparar mais de um barrilero para obtê-la em quantidade suficiente. Isso
depende da qualidade das cinzas que são usadas, sendo umas mais e outras menos concentradas em
carbonato de potássio (ou potassa) – uma das substâncias que é dissolvida pela água no processo e
que irá reagir quimicamente com a gordura animal para produzir sabão. A quantidade de dicuada
necessária dependerá também da quantidade de gordura animal a ser saponificada. Uma
recomendação importante para a obtenção da dicuada é socar bem as cinzas no interior do
barrilero, “pra podê dá fortidão na dicuada”:
Rosa: Tem que pô num barde ou num balainho e socá. E socá com um soquete pra ficá bem
socadinho, senão não sai tamém não. Se a gente pô a cinza lá só e pô a água, aquilo sai raliiinho...
Aparecida: Sai. Tem que socá. Tem que enfiá ela bem na vasía... Pra podê dá fortidão na dicuada.
A dicuada quanto mais forte mais rápido fáiz o sabão...
A fortidão da dicuada a que se refere Dona Aparecida, contudo, não é associada pelas
mulheres à intensidade de sua coloração parda avermelhada, como seria de se supor. Uma dicuada
pode ter essa coloração intensificada e não ter elevada concentração de potassa dissolvida, assim
como pode apresentar cor amarela pálida e conter elevado teor de potassa.
Da dicuada é possível ainda extrair um “sal”, que pode ser reutilizado no preparo do sabão:
Aparecida: E essa dicuada aqui se a gente pô ela na panela e deixá secá vira um sal. É. A gente qué
aproveitá ela, a gente põe pra secá. E aquele sal pode pô num otro sabão. Quando vai fazê... Pega
aquele sal e passa pro otro sabão.
Rosa: Tem que pô no fogo, né? Fica branquinho o sal.
O barrilero usado para obter a dicuada costuma ficar suspenso sobre o girau, uma armação
feita com galhos de árvores, de modo a mantê-lo elevado sobre um recipiente coletor colocado por
baixo (usam bacias de zinco, de plástico ou latões). A dicuada obtida é então misturada à gordura
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
animal em um tacho de cobre ou panela de ferro colocada sob um fogão ou fornalha alimentada
com lenha: “põe a dicuada alí e põe o sebo, o sebo ou gordura, e vou... e vou mexeno. Aí depois...
Aí que apura o sabão”.
O verbo “apurar” usado por Dona Rosa diz respeito ao estágio no qual o sabão atingiu o seu
“ponto”. Isso leva cerca de uma a duas semanas, dependendo da quantidade de sabão que está
sendo feita. Assim, a preparação do sabão vai sendo desenvolvida junto a outros afazeres
domésticos, entre momentos de aquecimento sob fogo alimentado com lenha, e interrupções
periódicas, nas quais a mistura fica em repouso. A mistura passa por várias fases até atingir o
“ponto”, o qual é avaliado mediante a realização de testes. Um deles consiste em colocar um pouco
da mistura em reação dentro de um recipiente contendo água, seguindo-se agitação para formação
de espuma e sua observação – quanto mais abundante e durável, mais próximo do “ponto”. Em
outro teste, as mulheres colocam um pouco da mistura sobre água e verificam, sem agitar, se há
formação de uma película de gordura na superfície, o que indica haver excesso de gordura. A
degustação também é uma fonte de testes quando se coloca um pouco da mistura na ponta da
língua: se picante indica haver excesso de dicuada.
Os tipos de cinzas e de gordura animal podem variar de uma prática a outra. Por essa razão,
não é comum seguirem uma receita contendo uma especificação das quantidades de cinzas, dicuada
e gordura. A experiência adquirida, a prática e a realização de testes é que determinam a proporção
certa entre os ingredientes. Esses testes compreendem uma forma de acompanhar a reação química
e o consumo/excesso dos ingredientes no meio reacional. Porém, as produtoras não têm
conhecimento sobre reações químicas e nem sobre estequiometria de reações. O que elas sabem é
que um sabão no “ponto” não pode conter excesso e nem falta de nenhum ingrediente:
Rosa: Porque se fartá... Se passá tamém não vale nada.
Aparecida: É. A dicuada também não pode deixá passá.
Anésia: Se passá não cresce. Se faltá tamém não cresce...
Rosa: Eu acho engraçado porque precisa da gordura pra fazê o sabão e se ficá gordura tamém não
vale nada.
Aparecida: Não vale nada.
Rosa: Não espuma.
Aparecida: Não.
Rosa: E se passá a dicuada tamém...
Quando está pronto, o sabão é retirado do fogo e colocado ainda quente em um caixote de
madeira ou outro recipiente. Esperam que esfrie um pouco, mas não totalmente, de modo a poder
moldá-lo na forma de bolas, usando as mãos e panos, ou cortá-lo na forma de barras, quando mais
frio e consistente, usando uma faca. Depois disso guardam o sabão em um local seco e o envolvem
em papel, papelão, folhas de milho, mamona ou de bananeira. Esse sabão tem várias aplicações na
limpeza e se destaca por seu efeito na pele, conforme mencionou Dona Rosa: É. Ele é bom. Serve
pra lavá ropa. Serve pra gente arrumá cozinha. Serve pra lavá a cabeça, que ele é bom pra pele,
né?
As produtoras do sabão de cinzas sabem quais plantas produzem as melhores cinzas para
fazer sabão, havendo menção aos benefícios de uso da palha do café, da palha do feijão e do caule
da Assa-peixe (Vernonia polyanthes). Outras plantas também são adicionadas à mistura reacional
para auxiliar na ação de limpeza do sabão, como as folhas da árvore do mamão e de plantas locais
como a vassourinha e o mané-turé.
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
Uma questão polêmica levantada entre as produtoras do sabão de cinzas refere-se ao uso de
soda cáustica em seu preparo. Algumas se mostraram favoráveis, tal como Dona Anésia, devido a
influencia de sua mãe: Minha mãe usava os dois, né? Os dois: soda e dicuada. Que ele punha um
poco de cada um. Segundo essa Senhora, a adição de soda cáustica tem a vantagem de acelerar o
processo de fabrico do sabão: Com a soda anda mais rápido, né? Fáiz mais rápido o sabão. A
minha mãe fazia... Dizia que era pra andá mais depressa. Outras produtoras, no entanto, revelaram
suas preferências pelo uso exclusivo da dicuada no processo:
Rosa: É, eu não ponho soda não. Ponho só da dicuada só. Se pô soda aí não serve pra gente lavá a
cabeça, né?
Aparecida: E pode usá ele pra uma quemadura. Pode usá ele pra quarqué coisa sem problema, né?
E com a soda... Aí já não pode usá. Porque a soda prejudica, né? A pele... Não é bom a soda.
As mulheres que fazem o sabão de cinzas acreditam que as fases da lua influenciam seu
preparo, conforme disse Maria Izabel: Na lua nova e na cheia espirra muito. Tem que pô na
minguante pra retirá no quarto crescente. Elas acreditam também que um “olho gordo” pode fazer
o sabão “desandar”. Em algumas situações ocorre que o fabrico do sabão de cinzas falha e o
resultado obtido é um material inadequado para a limpeza. Sempre que isso ocorre, a culpa é
atribuída a alguém que passou por perto e colocou um “olho gordo” ou “mau olhado” sobre o sabão
que estava sendo preparado. Por isso, evitam expor o processo, fazem orações, colocam ramos de
arruda amarrados à panela ou por detrás da orelha e proíbem a aproximação de conhecidos
“azaradores” do sabão.
O status de etnociência
Muitos aspectos dos saberes das mulheres que fazem o sabão de cinzas são reforçados pelo
conhecimento químico: o uso da água quente na obtenção da dicuada, por exemplo, favorece a
dissolução da potassa presente nas cinzas devido a sua natureza endotérmica (Dean, 1987), ou seja,
a dissolução dessa substância é favorecida ao aumentar a temperatura da água. A ênfase ao ato de
socar bem as cinzas no interior do barrilero é relevante porque assim se aumenta a quantidade das
mesmas no recipiente extrator. Essa elevada compactação ocasiona também um maior tempo de
contato com a água que atravessa o material, o que também favorece a dissolução do carbonato de
potássio.
A fortidão da dicuada, de fato, não se deve à intensidade de sua coloração parda
avermelhada, a qual decorre da presença de espécies solúveis de ferro trivalente presentes nas
cinzas e que foram dissolvidas pela água quente (Pinheiro, 1990); uma solução aquosa altamente
concentrada em carbonato de potássio seria incolor. A dicuada quanto mais forte mais rápido fáiz o
sabão porque nessa condição haverá uma maior concentração de potassa dissolvida no meio
reacional, e isso certamente aumentará a velocidade da reação. A proporção requerida entre os
ingredientes para se atingir o “ponto” do sabão é explicada com base na estequiometria de reação e
os testes realizados pelas produtoras consistem em verdadeiros trabalhos investigativos efetuados
sobre a mistura reacional, revelando modos de controle do processo.
Somente esses aspectos do saber das mulheres que fazem o sabão de cinzas nos pareceram
apresentar indicativos de seu status de etnociência, especialmente considerando o reforço
encontrado nos saberes da química oficial e os procedimentos adotados para controlar a produção e
a qualidade do sabão. Todavia, não podemos deixar de notar também a existência de conflitos em
relação aos saberes da ciência. Como explicar, por exemplo, que um “olho gordo” é capaz de
prejudicar a formação do sabão?
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
De acordo com o conhecimento químico, o sabão de cinzas se forma mediante a ocorrência
de reações químicas entre a potassa e os ácidos graxos presentes na gordura animal. A concentração
de potassa na dicuada (ou sua fortidão, no dizer das mulheres) e a temperatura são fatores que
influenciam essas reações, mas não um “olho gordo”. Temos aqui um aspecto do saber das
produtoras do sabão de cinzas que se afasta da visão de mundo naturalística da ciência, se
aproximando mais de uma visão sobrenatural do fenômeno. Tal visão pode ser vista também como
o que Posey (1986) denominou por “anomalia” ou “contradição”, em comparação com os saberes
da ciência; trata-se de uma crença que se eleva quando a expectativa comum falha, funcionando
como desculpa ou testa de ferro no pensamento comum (Geertz, 1999) das produtoras.
Essa situação desvenda também que o fabrico do sabão de cinzas talvez seja visto pelas
mulheres como sendo algo mágico, já que a mistura de materiais rudes e grosseiros, tais como a
gordura e as cinzas, acaba por se transformar em um material de melhor aspecto e que tem a
importante propriedade de limpar. Ocultar o sabão que está sendo preparado, colocar ramos de
arruda amarrados ao recipiente no qual está sendo feito ou por detrás da orelha e fazer orações
correspondem, portanto, a magias contrárias à ação de um “olho gordo”. Além disso, é preciso
reconhecer que fazer esse sabão exige muita atenção, trabalho e paciência; os ingredientes têm que
ser misturados até atingir uma proporção que é determinada experimentalmente, sendo, por isso,
suscetível a erros. Há também o aspecto da pequena escolarização das mulheres que sabem fazer o
sabão de cinzas, as quais não tiveram a oportunidade de aprender química na escola. A crença em
“olho gordo” tem, portanto, relações com as raízes culturais dessas mulheres. Todavia, nem sempre
o fato do sabão “desandar” foi atribuído a um “olho gordo”, conforme nos relatou Dona Rosa:
Uma veiz a cumade Zé me deu um pra vê o que ocê arruma com isso aí. Ele passô a dicuada. Não
sei o que eu vô fazê com esse sabão. Eu até vô jogá ele fora. Aí levei lá pra casa, depois oiei, oiei,
oiei bem nele, passei na ropa e ele não espumava. Preto! Falei. Aaa, perai! Eu tinha uma mantega
lá... Aí espuize nele. Aaa, daí ficô bom, eu aproveitei...
A fala acima foi enunciada durante o círculo de investigação realizado entre três produtoras
do sabão de cinzas, no momento em que falavam sobre o “ponto” do sabão. Uma pessoa da
comunidade – provavelmente outra produtora, deu à Dona Rosa um sabão com um problema: “ele
passô a dicuada”, revelando uma situação na qual o fato do sabão “desandar” não foi associado à
ação de um “olho gordo”. Frente a isso, Dona Rosa pegou o sabão, levou-o para sua casa e
observou. Fez então um teste esfregando o sabão em uma roupa, observou a ausência de espuma e a
cor preta do mesmo, provavelmente identificando essa última como característica de um sabão
obtido por reação incompleta, dada a sua entonação. Dona Rosa partiu então para a experimentação,
na qual utilizou uma mantega (manteiga) para corrigir o excesso de dicuada do sabão. Para isso, ela
deve ter levado o sabão ao fogo, adicionado a manteiga, esperado reagir, e observou o resultado.
A opção pelo emprego da manteiga como substância graxa na correção do problema do
sabão sugere que as observações e os testes realizados por Dona Rosa lhe indicaram tratar-se
realmente de um sabão contendo excesso de dicuada, já que ela poderia ter considerado que o
excesso era de gordura, pois nessa condição o sabão também não produziria espuma e seria
inadequado para o uso, conforme relatado pelas produtoras. A afirmação de sua comadre Zé parece
ter sido reforçada pelas observações de Dona Rosa, fazendo com que ela prosseguisse sua
experimentação na direção de confirmar a hipótese de haver um excesso de dicuada que precisaria
ser corrigido. É interessante observar que Dona Rosa optou pelo uso de uma fonte de ácidos graxos
que não é comumente usada no preparo do sabão de cinzas. Ao invés de utilizar sebo de boi ou
torresmo de porco, que são os ingredientes normais, ela usou “uma mantega lá”. Esse fato revela
um aspecto interessante da sabedoria dessa Senhora: ela usou um material menos rico em ácidos
graxos, pois caso contrário correria o risco de converter o excesso de dicuada daquele sabão em
excesso de gordura ao tentar corrigir o problema. A adição de sebo ou torresmo (mais ricos em
ácidos graxos) ao sabão contendo excesso de dicuada poderia adicionar à mistura reagente uma
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
quantidade maior do que a requerida para a neutralização da potassa em excesso. Ao utilizar a
manteiga, Dona Rosa demonstrou ter um controle maior do processo do ponto de vista das
quantidades de reagentes envolvidos na reação química.
Poderíamos dizer que as atitudes de Dona Rosa foram científicas? Como um químico
resolveria esse problema? Em primeiro lugar, um químico teria que conhecer a história do sabão
que “desandou”: quais ingredientes foram usados e como foi feito. Dificilmente ele encontraria
publicações escritas a respeito, sendo mais fácil encontrar textos sobre a produção de sabões
industriais. Por isso, ele teria que conversar com quem fez o sabão ou as especialistas no assunto.
Teria que fazer trabalhos de campo e conviver com a linguagem oral para a aquisição das
informações necessárias. Mas ele provavelmente não desistiria de buscar referenciais teóricos e
partiria para a análise dos conhecimentos acumulados sobre o fenômeno da saponificação, sobre a
composição química de gorduras e das cinzas e então faria análises em laboratório visando
determinar se o sabão continha de fato excesso de potassa e de quanto seria o mesmo. Daí, ele
calcularia teoricamente a quantidade necessária de um determinado ácido graxo para neutralizar a
potassa em excesso e, se fosse cuidadoso, faria um teste preliminar com uma pequena quantidade
ou amostra do sabão visando confirmar os dados. Após isso, o químico então procederia a
experimentação final, tendo por base as suas ferramentas teóricas e de laboratório.
As principais diferenças entre os procedimentos de Dona Rosa e a do químico hipotético são
as suas raízes culturais e as ferramentas que dispõem. Dona Rosa levou o sabão para a sua casa,
enquanto o químico o levaria para o laboratório. Dona Rosa observou o sabão, fez testes, testou
uma hipótese, experimentou com sabedoria e resolveu o problema. O químico faria o mesmo, mas
certamente traria à tona o conhecimento químico oficial sobre sabões, estabelecendo uma diferença
significativa em termos de compreensão e resolução do problema. Essa análise, no entanto, pode
parecer absurda, já que não podemos considerar que haja uma correspondência direta entre esses
dois especialistas:
Se considerarmos os saberes de especialistas de outra cultura bastante distinta da nossa,
parece evidente que não existe correspondência entre os dois domínios de especialidade (ou
disciplinas), sendo o nosso domínio muito mais numeroso em compartimentos disciplinares
do que qualquer outro. Parece evidente também que não existe correspondência biunívoca
entre especialidades dos dois domínios: um botânico ou um farmacêutico não correspondem
a um herborista, nem um curandeiro é um médico ou psicólogo (D’Olne Campos, 2000).
No entanto, Dona Rosa demonstrou indícios de atitudes científicas em sua conduta. É claro
que tais atitudes não se deram no mesmo nível daquelas de um químico ou cientista envolvido com
o mesmo problema, mas em um nível que poderíamos chamar de “ciência rudimentar”, tal como
observou Malinowski entre os Trobriandeses (1948, como citado em Maddock, 1984). Além disso,
nessa análise temos que considerar também outro aspecto relevante no saber das mulheres que é
coerente com a compreensão científica do mundo: as relações de causalidade. Essas mulheres
sabem que existe uma relação de causa e efeito na interação entre a dicuada e a gordura, expressa,
por exemplo, por Dona Aparecida ao comentar sobre o fato de Dona Rosa ter corrigido o excesso de
dicuada com adição de manteiga: É que aí enfraquece a dicuada, né?
Essa mesma relação causal foi mencionada por Dona Aparecida de um modo diferente, ao se
referir à interação entre a dicuada e a gordura no preparo do sabão de cinzas. Ela disse que “a
dicuada é que corta a gordura”. Na verdade, esse gênero de fala explicativo foi observado ser
muito comum entre as produtoras do sabão de cinzas. A princípio, o emprego do verbo “cortar”
remete diretamente a um significado que não tem sentido no contexto em questão, pois pressupõe
separar algo ou alguma coisa em partes ou pedaços menores utilizando um objeto cortante. No caso
da interação entre a dicuada e a gordura, como podemos explicar que “a dicuada é que corta a
gordura”? Como podemos entender a gordura sendo “cortada” pela dicuada?
370
Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
De modo semelhante à manteiga que agiu diminuindo o excesso de dicuada no sabão com
problema, a dicuada atuaria “cortando” a gordura. Mas o quê Dona Aparecida quis dizer
exatamente? Uma outra produtora traduziu esse gênero de fala dizendo que seu significado é: “a
dicuada transforma a gordura”. Nesses termos, ao assumir o sentido de “transformar”, o verbo
“cortar” se aproximou do significado químico convencional, segundo o qual os reagentes da reação
são transformados em novas substâncias. No caso da explicação dada pela produtora, a dicuada age
sobre a gordura transformando-a em sabão. Mas, provavelmente, o verbo “cortar” também foi
emprestado de outros domínios, como quando se diz que um chá ou medicamento é capaz de
“cortar” uma gripe ou febre, por exemplo, e que é retomado no discurso a título de verdade
admitida, de descrição, de raciocínio fundado. Parece dizer coisas diferentes, mas pode estar se
referindo ao mesmo significado, ou ainda querer dizer que a interação entre a dicuada e a gordura
não é muito clara. Nesse campo de presença (Foucault, 1986) particular, as relações instauradas
podem ser da ordem da verificação experimental, da validação lógica, da confirmação analógica, da
repetição pura e simples do que já foi ouvido, ou da aceitação justificada pela tradição e pela
autoridade de quem ensinou essas mulheres a fazer sabão.
À luz do conhecimento químico, o uso do verbo “cortar” também pode ser visto como uma
coincidência curiosa para se referir à hidrólise alcalina dos ésteres presentes na gordura, sob a ação
da dicuada e do aquecimento. De acordo com esse fenômeno químico, moléculas relativamente
grandes dos ésteres são “quebradas” (ou “cortadas”), conforme pode ser percebido na Equação 1,
para formar os ácidos graxos. Essa interpretação1 se refere a uma convergência semântica de
significados entre o modo de explicar a interação entre a dicuada e a gordura pelas mulheres que
fazem o sabão de cinzas e os conhecimentos de química, permitindo aproximá-los. A reação de
formação do sabão não cessa, contudo, na hidrólise alcalina da gordura, restando ainda ocorrerem
reações químicas entre os ácidos graxos produzidos com a potassa presente na dicuada.
______________________
1 – Agradecemos ao Professor Luis Otávio F. Amaral, do Departamento de Química da UFMG, que foi quem nos
iluminou com essa interpretação dos saberes das mulheres.
O
C17H35
C
O
CH2
C17H35
C
O
CH + 3 H2O
C17H35
C
O
CH2
O
3 C17H35
C
H2C
OH
+
HO
OH
CH
H2C
OH
O
Moléculas grandes de um éster
presente no sebo de boi
Moléculas menores de ácidos graxos e
glicerina formados na hidrólise alcalina
Equação 1 – A hidrólise alcalina da gordura em associação com a afirmação: “a dicuada
corta a gordura”.
Os saberes e a educação em química
A análise dos saberes das mulheres que fazem o sabão de cinzas evidencia a presença de
conteúdos que fazem parte dos currículos normais de química do ensino médio, tais como soluções
371
Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
– dissolução, concentração e cristalização de substâncias (a dicuada, sua obtenção, sua “força”, a
formação de um “sal” após secagem), reações químicas (formação do sabão de cinzas),
estequiometria de reações (a proporção requerida entre os ingredientes/reagentes para se atingir o
“ponto” do sabão, o consumo de soda cáustica na reação), cinética de reação (velocidade de
formação do sabão usando uma dicuada mais “forte” e menor energia de ativação utilizando soda
cáustica), e composição química dos materiais (as substâncias presentes nas cinzas e na gordura, os
produtos da reação de saponificação).
Uma das implicações de se estudar os princípios científicos operantes nas práticas populares,
tal como sugerido por Pomeroy (1994), é que esses princípios são usados diretamente na
compreensão e interpretação dessas práticas, havendo, portanto, um contexto de identificação e
aplicação dos conteúdos escolares. Entender como as mulheres que fazem o sabão de cinzas
chegaram à conclusão que o uso da água quente é mais adequado para obter a dicuada, que as
cinzas precisam ser bem socadas no barrilheiro, que plantas específicas são boas fontes de cinzas,
que há uma proporção definida entre os ingredientes para se obter o sabão, entre outros aspectos,
oferece excelente oportunidade para os alunos aprenderem química na escola e identificarem
percursos distintos daqueles da ciência que atingem resultados semelhantes. Além disso, ao inserir
um saber dessa natureza em sala de aula, acreditamos estar propiciando experiências que permitirão
aos alunos verem a química de outro modo, particularmente considerando as dificuldades de
aprendizagem da grande maioria, associadas, em parte, à incompatibilidade existente entre seus
modos cotidianos de ser e pensar e a química escolar. Tal relação pode ser alterada com a inserção
dos saberes das mulheres em sala de aula, que ao serem problematizados podem gerar interesse nos
alunos na direção dos saberes explicativos da química oficial. De modo geral, acreditamos também
que os alunos terão maior interesse e engajamento nas aulas, além de reconhecer e valorizar a
cultura popular local.
Ao analisarmos os saberes químicos presentes nos saberes das mulheres, vemos que esses
abarcam conteúdos que são normalmente ensinados nas três séries de ensino médio, acrescendo
mais um diferencial à instrução. Além disso, certo cuidado deve ser conferido ao tratamento das
crenças das produtoras do sabão de cinzas, como a crença que um “olho gordo” pode prejudicar a
formação do sabão, por exemplo. Como lidar com essa crença junto aos alunos com respeito? Como
vinculá-la aos saberes da química? Poderia ela ajudar os alunos a compreender melhor as reações
químicas e a estequiometria das reações? Que conhecimento explica melhor o fato do sabão
desandar: a ação de um “olho gordo” ou o conhecimento químico? Percebemos que essas questões
podem gerar dificuldades para os professores, necessitando uma formação específica, tal como foi
mencionado por George (1992).
Se por um lado é provável que os alunos irão se relacionar melhor e se interessar mais pela
química escolar e, ao mesmo tempo, passarão a valorizar mais as suas culturas locais (George,
1988; Pomeroy, 1994), não podemos nos esquecer, de outro lado, a possibilidade de analisar
também os “diferentes significados atribuídos”, “as diferentes formas de construção do
conhecimento”, conforme sugerido por Chassot (1990). Essa análise comparativa entre saberes e
epistemologias remete a um dos aspectos enfatizado na interação com outros modos de conhecer
nas aulas de ciências, conforme já mencionamos:
Isso oferece uma chance de ver como a prática da ciência pode se beneficiar através dos
insights de outros domínios do conhecimento. Isso ajuda os alunos a verem que alguns dos
insights da ciência podem ser alcançados por outros percursos epistemológicos. E isso ajuda
os alunos a verem o que é único na ciência – o que a ciência pode fazer que os outros
domínios de conhecimento não podem (Cobern e Loving, 2001, p. 63).
No âmbito da sala de aula, não há como desconsiderar também o diálogo entre diferentes
linguagens sociais e gêneros de discurso (Bakhtin, 1986; Wertsch e Smolka, 1994). Uma forma
possível de comunicação é a adaptação de uma técnica proposta por Aikenhead (1996), e que foi
proposta originalmente para efetivar “travessias entre fronteiras culturais” dos saberes cotidianos
372
Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
dos alunos para os saberes científicos. A Figura 2 exemplifica a técnica de Aikenhead adaptada ao
nosso contexto de estudo.
“A dicuada é que corta a gordura”
A potassa presente na dicuada reage com os
ácidos graxos presentes na gordura
“É que aí enfraquece a dicuada”
Devido ao consumo da potassa na reação
com a gordura, a sua concentração no meio
reacional diminui
Figura 2: Quadros de comparação entre o modo de explicar a interação entre a dicuada e a
gordura de Dona Aparecida e a explicação química correspondente.
Na Figura 2 temos as explicações dadas por Dona Aparecida para a interação entre a
dicuada e a gordura e a explicações químicas correspondentes. A existência de uma separação ou
fronteira entre os diferentes modos de explicar é representada pelas linhas verticais na figura. Entrar
na coluna da esquerda implicaria analisar como Dona Aparecida vê/explica o fenômeno da
interação entre a dicuada e a gordura, enquanto entrar na coluna da direita implicaria perceber como
os químicos explicam o mesmo fenômeno. Uma segunda entrada nessas duas colunas poderia ser
realizada para compreender por que as linguagens são diferentes, como foram construídas e com
base em que ferramentas culturais. Uma terceira entrada permitiria ainda avaliar o alcance e a
validade dos dois modos de explicar.
Segundo Aikenhead, essa técnica pode servir como um tipo de guia do pensamento dos
alunos, cabendo ao professor conduzir as entradas nas duas colunas. De acordo com ele, sugerimos
que nenhum privilégio deve ser conferido a uma ou outra forma de conhecimento, reconhecendo
que ambas têm as suas esferas próprias de funcionamento e utilidade. Ambas são informações
culturais, mas com diferentes orientações de linguagem. Uma abordagem pertinente com ênfase na
explicitação e compreensão dos contextos culturais de significação, alcance e validade dos modos
de conhecer é o construtivismo contextual (Cobern, 1993; El-Hani e Bizzo, 1999), o qual, junto à
noção de “travessias de fronteiras culturais” (Aikenhead, 1986), constitui um arcabouço filosófico e
teórico relevante para a formação de professores na perspectiva da interação com outros modos de
conhecer em sala de aula.
A opção por uma hipermídia como meio de mediação dos saberes em sala de aula
Nós consideramos que a interação entre uma sala de aula e os saberes e práticas relativos ao
sabão de cinzas pode ocorrer de duas maneiras: através de contato direto ou face a face, envolvendo
visitas aos locais de produção, ou mediadas por instrumentos tais como textos, fotografias, vídeos e
373
Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
outros. O primeiro tipo de interação é muito agradável para os alunos, conforme observamos em
nossas experiências exploratórias no ensino fundamental, mas necessita de um planejamento que
busque compatibilizar horários adequados tanto para a escola como para a comunidade, assim como
estabelecer um número de interações/visitas para acompanhamento das práticas em seu tempo real
de duração, que pode, muitas vezes, ser longo. Há também a necessidade de organizar o espaço dos
locais de produção de modo a acomodar os alunos e ainda considerar que a realização do processo
não segue o mesmo padrão de tempo da escola, assim como não é habitual desenvolvê-lo frente a
uma sala de aula com cerca de 40 alunos, por exemplo. Essa interação direta apresenta também o
problema da locomoção dos alunos que estudam em escolas mais distantes dos locais de produção.
Essas dificuldades, no entanto, podem ser facilitadas através do uso de meios mediacionais.
Todos aqueles envolvidos em trabalhos de campo semelhantes ao realizado no presente
estudo sabem o quanto os registros audiovisuais e imagéticos são úteis na etapa de investigação e
análise, principalmente porque permitem sanar dúvidas, rever as ações observadas no campo,
descrevê-las melhor, analisar detalhes e aspectos da linguagem e até mesmo serem usados como
objetos de investigação envolvendo interações entre esses recursos e os informantes. Tais registros,
no entanto, não precisam ficar restritos à pesquisa, podendo ser usados para compor narrativas
imagéticas, audiovisuais ou escrito-audio-visuais visando a sala de aula (Giordan, 2008).
Uma opção com potencial para conciliar bem esses recursos é um instrumento hipermídia –
um sistema informacional e comunicacional que associa imagens (reais ou animadas), sons e textos
escritos em um único suporte, usando a internet ou uma mídia para leitura óptica no computador
(Meleiro e Giordan, 1999). Em seu aspecto informacional, uma hipermídia é um instrumento que
veicula informações; em seu aspecto comunicacional, consideramos a sua concepção na direção de
promover interações e diálogos entre os alunos na produção de significados.
Os instrumentos hipermídia apresentam, de modo geral, links conjuntivos e/ou disjuntivos.
Os primeiros levam a uma experiência de simultaneidade: o usuário acessa uma informação
adicional que aparece sobre a própria página em que se encontra; os demais levam o usuário a outra
página ou ponto do sistema (Leão, 2001, p. 31). Esses sistemas são muito versáteis e podem
apresentar inúmeras outras características além das que foram mencionadas. A possibilidade de
associação de recursos escrito-audio-visuais em um único suporte, com conexões rápidas e mesmo
simultâneas entre informações, representou uma opção tentadora (e promissora) para a inserção dos
saberes das mulheres que produzem o sabão de cinzas em sala de aula, cabendo considerar ainda o
potencial desse instrumento para o estabelecimento de diálogos variados no sentido de: a) incluir
múltiplas vozes, b) promover a interanimação com as vozes dos alunos e c) promover diálogos com
o saber científico.
Defendemos a introdução dos saberes das mulheres na sala de aula de modo a promover o
diálogo entre seus saberes, os saberes da ciência e os significados produzidos pelos alunos. Neste
sentido, a elaboração de uma hipermídia que promova a interanimação dessas vozes foi o caminho
por nós adotado para promover este diálogo e, portanto, a aprendizagem. Em termos da
metodologia da pesquisa, a elaboração da hipermídia correspondeu à quarta fase da figura 1 –
Estudo da transcrição para a sala de aula, no âmbito das ações “planejar atividades” e “desenvolver
meios mediacionais”.
A elaboração do hipermídia etnográfico sobre o sabão de cinzas
O primeiro critério considerado para reconstituir os saberes sobre o sabão de cinzas no
formato hipermídia foi a descrição escrita dos materiais, equipamentos e procedimentos usados em
seu preparo, com atenção para as denominações atribuídas aos mesmos. O segundo critério emergiu
da leitura de Foucault (1986), que nos levou a transcrever e analisar o discurso instaurado no circulo
374
Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
de investigação que reuniu três produtoras do sabão de cinzas. Nessa análise, enfocamos os objetos
do discurso e a etimologia de palavras, as características das personagens segundo suas falas e
outros sinais semióticos, as formações conceituais que emergiram no diálogo e a “teia de relações”
presente no discurso. Essa “teia” ou “feixe” de relações, no dizer de Foucault, foi o que, na verdade,
constituiu nosso segundo critério para a reconstituição dos saberes. A descrição escrita inicial
passou então a considerar as relações presentes no discurso das produtoras (Figura 3). Como
terceiro critério, consideramos o guia êmico anunciado por D’Olne Campos (2000), o que nos levou
a incluir as vozes das mulheres que fazem o sabão de cinzas no texto e lhes conferiu maior autoria
ao texto. O estilo encontrado para a construção do discurso etnográfico foi o de uma narrativa.
Após a elaboração do texto escrito, iniciamos o processo de seleção e edição dos dados
audiovisuais e imagéticos coletados nos trabalhos de campo. O passo seguinte foi transferir o texto
e as imagens para o suporte hipermídia em formato CD-ROM, compondo doze páginas principais
cujos títulos revelam a temática tratada em cada uma delas:
1) Hoje em dia o pessoal não
conhece; 2) Os ingredientes; 3) É de cinza porque ele é feito da dicuada; 4) A dicuada quanto mais
forte mais rápido faiz o sabão; 5) E essa dicuada se deixá secá vira um sal; 6) A mistura que
produz sabão; 7) O “ponto” do sabão; 8) A polêmica do uso da soda; 9) Depois de atingido o
“ponto”; 10) Um sabão eficiente e bom pra pele; 11) Influências da lua e de um “olho gordo” e
12) O sabão de cinzas sobreviverá?
Figura 3: A teia de relações presente no discurso das produtoras do sabão de cinzas
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
Dentro de cada uma das páginas que compõem a hipermídia, dispomos textos e botões de
acesso às outras páginas, às imagens correlacionadas e às perguntas e atividades propostas aos
alunos para interpretação, como por exemplo: Por que usam as cinzas? Por que a dicuada “quanto
mais forte mais rápido faiz o sabão”? Que “sal” é esse que se forma com a evaporação da
dicuada? Por que a mistura da dicuada com a gordura produz sabão? O que significa dizer “a
dicuada é que corta a gordura”? Você é a favor ou contra o uso da soda no preparo do sabão? O
sistema global resultante contém os seguintes constituintes: uma página de abertura contendo uma
imagem ampliada do sabão de cinzas sendo preparado, sobre a qual se movem palavras de boas
vindas e que permite o acesso a um movie-clip que apresenta uma seqüência de fotografias de
nossas informantes e um vídeo mostrando mãos dando forma de bola ao sabão; o menu de acesso
aos 12 textos, à quatro fotografias, à 21 vídeos e 14 perguntas/atividades.
As páginas da hipermídia foram elaboradas utilizando o programa Macromedia® Flash,
devido ao seu potencial criativo, a possibilidade de exibir páginas em formato full screen e a sua
versatilidade no sentido de conjugar recursos textuais e importar vídeos. Programas tais como Final
Cut®, Adobe® Photoshop, Macromedia® Fireworks e CorelDRAW® também foram utilizados
para criar objetos e contribuir no design das páginas da hipermídia, seja para constituir fundos de
páginas, bordas, ou para compor desenhos de botões e figuras. Em todos esses programas há uma
riqueza infinita de recursos e ferramentas para o trabalho de criação, assim como para conferir
beleza ao material. Em relação a esse aspecto, procuramos harmonizar tipos diferentes de
caracteres, cores, molduras, fundos de páginas, dispomos os recursos de cada página em posição
esteticamente agradável e criamos efeitos especiais nos botões de interatividade que dão acesso aos
vídeos do sistema, cuja tonalidade de cor se modifica ao passar o mouse sobre os mesmos.
A simplicidade foi outra característica que consideramos importante na composição do
instrumento, evitando reunir muitos elementos em uma mesma página. Os textos, em particular,
contêm parágrafos curtos para facilitar a leitura e a compreensão dos alunos, e as falas das
produtoras que foram transcritas para a linguagem textual receberam caractere diferenciado em
itálico. A elaboração de cada uma das 12 páginas temáticas do hipermídia etnográfico sobre o sabão
de cinzas consumiu cerca de três a quatro horas de trabalho. O sistema final contém 54 arquivos
shockwave flash (swf), um arquivo auto-run e um arquivo swf convertido em arquivo executável,
capaz de reproduzir o sistema em computadores que não tenham o Programa Flash instalado. Esses
arquivos no CD-ROM ocuparam 408 MB de espaço. Todos os comandos do hipermídia etnográfico
foram programados para serem executados usando somente o mouse do computador. As Figuras 4,
5, 6 e 7 ilustram algumas páginas exemplares do sistema e os seus objetos e recursos.
Nossa preocupação inicial foi o transporte dos saberes das informantes para a sala de aula.
Por essa razão, não foi feita nenhuma interpretação do ponto de vista dos saberes químicos inerentes
na hipermídia, de modo a não dar respostas prontas e possibilitar a expressão e a comunicação de
idéias e o desenvolvimento de pesquisas pelos alunos. O hipermídia etnográfico sobre o sabão de
cinzas pode ser adquirido por meio de contato com o primeiro autor desse artigo e também está
disponível para consulta na Biblioteca da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(USP/São Paulo).
Considerações finais
Em nossa perspectiva de investigar a inserção dos saberes das mulheres que fazem o sabão
de cinzas em sala de aula, ressaltamos a importância de termos identificado, logo de início, um
conjunto de práticas científicas nesses saberes e seu status de etnociência. Esse último aspecto nos
pareceu colocar alguma luz sobre as relações entre os saberes e tecnologias populares, locais,
tradicionais, nativas e indígenas e os currículos de ciências, oferecendo também uma justificativa
favorável à inclusão curricular dos mesmos.
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
Menu
vídeos
textos
para pensar
fotografias
ficha técnica
Sair
Figura 4: Elementos do menu do hipermídia etnográfico sobre o sabão de cinzas. O elemento central
se refere a um vídeo que mostra as mãos de Maria Izabel e Dona Benedita manuseando o sabão de
cinzas. Os demais elementos ou palavras compreendem botões de interatividade que dão acesso a
outras páginas e componentes do sistema, ao clicar o mouse sobre os mesmos.
fotografias
Menu
Figura 5: Quatro das onze fotografias mostradas no hipermídia etnográfico sobre o sabão de cinzas.
Ao clicar o mouse sobre elas, as imagens aparecem ampliadas na tela. A fotografia em preto e
branco dá acesso às imagens das mulheres que fazem o sabão de cinzas. Elementos sonoros que
simulam o ruído de uma máquina fotográfica também foram incorporados na interação com essas
fotografias.
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Investigações em Ensino de Ciências – V15(2), pp. 355-383, 2010
Título, baseado na voz de Dona Aparecida
Hoje em dia o pessoal não conhece...
No estado de Minas Gerais, Brasil,
encontramos a produção e o uso de um sabão
feito com cinzas.
As pessoas que possuem conhecimento a
respeito desse sabão são simples e pouco
escolarizadas.
Algumas delas são: Maria Celeste, de Juiz de
Fora; Margarida, Maria Benedita, Izabel e
Sebastião, de São João del-Rei; Rosa,
Aparecida e Anésia, de Bom Jardim de
Minas.
O sabão de cinzas era mais utilizado no
passado quando havia escassez de agentes de
limpeza.
Botões de acesso às fotografias
das pessoas mencionadas no texto
Anésia: Hoje em dia o pessoal não conhece.
Aparecida: Muitas pessoa não sabe o que
que é o sabão de cinza, né? É porque muda
tudo, né? Aí já não usa mais o sabão de
cinza....
Anésia: Igual lá em casa mesmo, minha
mãe criou doze filhos e nunca comprou um
sabão...
Botão de acesso ao diálogo
registrado em vídeo
Menu
Botões de acesso a duas outras
páginas do Hipermídia
Botão de acesso
ao menu
Botão de acesso à localização
geográfica dos locais onde o
sabão foi encontrado
?
Botão de acesso à pergunta
proposta nessa página
Figura 6: A página do texto Hoje em dia o pessoal não conhece e seus objetos de interação e
navegabilidade. Os escritos e traços em cor vermelha descrevem os objetos e não constam na página
original.
No diálogo abaixo Rosa, Anésia, Aparecida e Alex conversam sobre a interação entre a
dicuada e a gordura.
Rosa: Aí depois que acabá a gordura, aí não
tem gordura. Aí, cadê a gordura na panela?
Alex: Chega tudo e sai tudo, né?
Aparecida: A dicuada é que corta a gordura!
?
Alex: A dicuada vai cortando a gordura.
Aparecida: É a dicuada que corta a gordura.
Alex:
E
sempre...
sempre
então
tem
que
?
tá
olhando o sabão, colocando um poquinho...
Aparecida: Mai um poquinho de dicuada...
Rosa: Porque se fartá... se passá tamém não vale
nada.
Alex: Se passa do ponto também...
Aparecida: Não vale nada.
Aparecida: É, a dicuada tamém não póde deixá
Rosa: Não espuma.
passá.
Aparecida: Não.
Anésia: Se passá não cresce, se faltá tamém não
Rosa: E se passá a dicuada tamém. Uma veiz a
cresce. (...) A dicuada pode tirá a gordura. É
cumade Zé me deu um prá vê o que ocê arruma
interessante.
com isso aí. Ele passô a dicuada, não sei o que eu
Alex: É engraçado, né? A gordura... da gordura
vô fazê com esse sabão. Eu até vô jogá fora. Aí
fazê um sabão sendo pra tirá a gordura, né?
levei lá prá casa, depois oiei, oiei bem nele, passei
Aparecida: Pra tirá a gordura.
na ropa e ele não espumava. Preto! Falei. Aaa,
Rosa: Eu acho engraçado porque precisa da...
peraí! Eu tinha uma manteiga lá, aí espuize nele.
precisa da gordura prá fazê o sabão e se ficá
Aaa, daí ficou bom, eu aproveitei...
gordura tamém não vale nada.
Aparecida: É que aí enfraquece a dicuada, né?
Menu
Figura 7: Atividade proposta na hipermídia para interpretação dos alunos. Os pontos de
interrogação aparecem girando na tela e, ao passar o mouse sobre eles, o sistema informa as
perguntas para discussão dos alunos. Nessa atividade, eles devem interpretar as falas assinaladas
nas cores vermelha e azul. É possível acessar ao vídeo (imagem situada à direita do usuário), o qual
exibe, simultaneamente, o diálogo transcrito de viva voz.
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Nosso estudo foi viabilizado por meio de referenciais teóricos variados, destacando-se
aquele das etnociências, da etnografia de saberes e práticas e da análise do discurso. Para a
transcrição dos saberes em conformidade com a realidade observada, sobressaiu-se a necessidade de
um ir e vir constante entre o “estar aqui” (na Academia) e o “estar lá” (no campo), a adoção de um
guia êmico e o estabelecimento do “tom necessário” na interação com nossas informantes.
Salientamos, no entanto, que foi a realização do círculo de investigação envolvendo três produtoras
do sabão e o diálogo instaurado que nos permitiu aprofundar os saberes dessas mulheres e definir a
“teia de relações” ao redor do sabão de cinzas, garantindo assim uma percepção mais íntegra da
cultura associada à produção e ao uso desse sabão, tendo em vista a sua reconstituição fiel em sala
de aula.
Destacamos também a importância do registro fotográfico e audiovisual das práticas e das
produtoras do sabão nos trabalhos de campo, que nos permitiu compor uma narrativa que reuniu
dados escritos, imagéticos e de “viva voz”, intensificando, portanto, a possibilidade de acesso dos
alunos aos saberes quando os estudos do meio não são possíveis. Percebemos também o potencial
comunicacional do instrumento hipermídia, como sendo capaz de promover diálogos com as vozes
interpretativas dos alunos e com o conhecimento químico explicativo, cujos resultados pretendemos
abordar em futuras publicações.
Os resultados de nossa pesquisa indiciam, portanto, meios possíveis para o tratamento
teórico e metodológico de uma manifestação cultural de tal forma a identificá-la como etnociência e
promover sua mediação em sala de aula, no sentido de dispô-la como saber capaz de dialogar com o
conhecimento científico e com os significados construídos por alunos e professores. Nesse saber
percebemos elementos mais e menos compatíveis com a visão de mundo científica. Ambos nos
pareceram oferecer excelente oportunidade para debater conteúdos que são típicos da química
escolar, quer por se configurarem como contexto atraente para investigação ou por apresentarem
questões polêmicas que podem ser elucidadas através do conhecimento químico explicativo, como,
por exemplo, o uso/não uso de soda cáustica e a influência de um “olho gordo” no preparo do
sabão, as quais estão associadas à compreensão das quantidades/proporções envolvidas nas reações
químicas. Destacamos também a possibilidade de propiciar uma melhor compreensão acerca de
natureza da ciência tendo por base a análise das atitudes e dos saberes e práticas das produtoras do
sabão de cinzas.
Referências
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Recebido em: 12.03.09
Aceito em: 20.10.10
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