RENASCIMENTO
E CIÊNCIA MODERNA
1. O renascimento - Precursor do Nascimento da
Ciência Moderna.
• Da mesma forma como a Idade Média foi por muitos
considerada a idade das trevas, o Renascimento foi
visto como uma reedição da antiguidade.
• Embora seus representantes tenham se inspirado nas
obras antigas, seus esforços resultaram em projetos e
realizações originais - seu ideal foi retornar ao antigo,
para poder ultrapassá-lo.
• O renascentista foi um homem do seu tempo:
possuindo o sentido da história, sabia que o mundo
antigo era diferente do seu e que, pretendendo reviver
a antiguidade, procurava viver uma vida diversa da
Idade Média.
• Esse movimento filosófico e literário, iniciado na Itália,
na segunda metade do século XIV e, depois,
difundido no resto da Europa, tem no humanismo sua
característica principal.
• O aspecto primordial do Humanismo renascentista é a
liberdade do homem, que o faz capaz de estabelecer
e desenvolver seu projeto de vida.
• Ao contrário do conceito medieval de homem,
inteiramente submetido à Igreja e ao Sacro Império
Romano-Germânico, o Humanismo o vê livre, em
relação à natureza e à sociedade.
• Restaurou a dignidade humana, pela admissão da
liberdade e capacidade de interagir com o mundo.
• O termo humanismo originou-se do latim
humanitas, definida por Cícero como a cultura
que distingue o homem civilizado da natureza
e da barbárie.
• Assim, o retorno aos clássicos antigos,
desenvolvendo a cultura, deveria permitir à
humanidade a conquista de uma natureza
humana mais de acordo com o ideal clássico
greco-romano.
• O Humanismo e o Renascimento são apenas
dois momentos do mesmo movimento, tendo,
portanto, os mesmos fundamentos:
• 1) afirmação do valor e da dignidade da
natureza humana;
• 2) livre investigação da natureza física, sem
sujeição à autoridade de Aristóteles e à
autoridade religiosa, em campos fora de sua
alçada.
• Esses dois fundamentos são o naturalismo do
Humanismo - que tem como objeto a natureza
humana e o naturalismo do Renascentismo que
tem como objeto a natureza física.
• A fé inabalável na natureza humana fez com
que os renascentistas acreditassem que a
inteligência e a liberdade do homem são
ilimitadas e que a ele, sendo livre, para agir
bem, basta seguir as leis da sua natureza.
• Leon Battista Alberti (1404-1472) ilustra muito
bem essas idéias, quando diz ser o homem o
artífice de seu próprio destino.
• Esse homem ideal, que procura realizar-se,
reedita a idéia platônica de homem.
• Trata-se, sem dúvida, de um otimismo utópico,
mas que propiciou grande progresso e
fundamentou o surgimento da cultura moderna.
• Acreditando que o mundo natural é o domínio
do homem, o movimento renascentista
apregoou um naturalismo, que, ao lado da
afirmativa do valor intelectual do homem e da
sua liberdade, acentuou, também, o valor do
corpo humano e seus prazeres.
• Em contraste com o ascetismo medieval, a
ética volta às idéias epicuristas antigas - o bem
é o prazer e a virtude é uma organização de
prazeres.
• Na mesma época, procurou-se fundamentar o Estado
em princípios universais, comuns à toda humanidade
e não decorrentes de princípios religiosos: é o
jusnaturalismo que organiza politicamente o Estado, a
partir de princípios do direito natural ( imutável e
eterno), que são a base do direito positivo (mutável
conforme as circunstâncias históricas).
• O Estado nasceu do contrato social, segundo o qual
os indivíduos concordam em limitar sua liberdade em
prol do bem comum, para que o governante possa
fazer valer as leis.
• Da doutrina do contrato social derivaram as teorias
opostas do absolutismo e do liberalismo modernos.
• 2 Filosofia e Ciência no Renascimento.
• Nos séculos XV e XVI, o aristotelismo, com sua
dedução silogística e a indução por enumeração,
ainda dominava o ambiente científico, que precisava
de um método científico para suas elaborações.
• A hipótese heliocêntrica (o sol no centro do universo),
de Nicolau Copérnico (1473-1543), comprovada
científicamente por Kepler (1571-1630) e por Galileu
(1564-1642), foi a grande conquista científica do
século, porque contestou, com base científica, a
cosmologia aristotélico-ptolomaica, que era
geocêntrica ( a terra no centro do cosmos).
• Giordano Bruno (1584-1600) alargou o universo ao
infinito.
• A razão é exaltada como única autoridade
para reconhecer as realidades religiosas,
jurídicas, políticas e científicas.
• A confirmação científica da hipótese de
Copérnico por Kepler e Galileu, as grandes
descobertas de Galileu e sua teorização e
aplicação do método experimental fundaram a
ciência moderna.
• Do ponto de vista filosófico, sua metodologia,
isto é, o método experimental, constituiu-se
em sua maior contribuição ao pensamento
humano.
• Podemos resumir o método de Galileu assim:
1- Observação do fenômeno;
• 2- Análise dos seus elementos;
• 3- Indução ou relação entre os elementos e
elaboração de hipótese explicativa do
fenômeno;
• 4- Dedução ou verificação da hipótese com o
cálculo e o experimento.
• Se o resultado do cálculo concordar com o do
experimento, a hipótese poderá ser
considerada lei científica.
• A física de Galileu é a física da quantidade, como a
moderna, enquanto que a de Francis Bacon é uma
física da qualidade, porque procura a essência ou
qualidade, como faziam os escolásticos, só que não
do ponto de vista metafísico, senão que de uma ótica
puramente física.
• O problema do método caracterizou o pensamento
moderno, como poderemos ver com Bacon, que se
valeu da indução experimental e com René
Descartes, que tomou o caminho da dedução
matemática.
• Começa nesse ponto a discussão entre o empirismo e
o racionalismo - ambos preocupados em solucionar o
problema do conhecimento, ou seja, em responder as
questões da epistemologia ou gnosiologia.
• Francis Bacon nasceu em Londres (15611626) e ocupou altos cargos nos reinados de
Elizabeth I e James I.
• Sua frase saber é poder sintetiza muito bem
seu pensamento: o homem é capaz de
dominar a natureza através do progresso da
ciência.
• A ele interessaram mais as aplicações
práticas da ciência, a que chamamos técnica,
que o saber teórico.
• Para ele, o método silogístico ou dedutivo de
Aristóteles não se presta à descoberta das
coisas; somente a indução, que parte da
observação dos fatos particulares e concretos,
pode levar à verdade e ao estabelecimento de
leis gerais.
• Preconiza o uso da observação e da
experimentação para conhecermos as causas
das coisas e, assim, dominarmos a natureza
em proveito dos homens - o fim da ciência é,
portanto, segundo ele, pragmático e
instrumental.
• Em sua obra mais importante o Novum
Organum, Bacon, além de expor sua teoria
sobre como destruir as falsas idéias que temos
da realidade, para, depois, através da indução,
chegar as causas e leis das coisas,
demonstrou sua fé na técnica, quando afirmou
que as descobertas da pólvora, da bússula e
da imprensa mudaram o aspecto das coisas
em todo mundo.
• Em 1626, Bacon fez experiências para saber
quanto tempo a carne fica preservada pelo frio,
recheando uma galinha com neve; já velho e
fraco, expôs-se ao frio do inverno. Teve uma
bronquite e morreu.
• Em seus últimos anos de vida, Bacon
escreveu uma utopia sobre um Estado
imaginário, onde todos são felizes
porque os sábios que a governam se
preocupam mais com a técnica e a
ciência, que podem oferecer vida boa
aos cidadãos, do que com os problemas
econômicos e sociais.
• A Nova Atlântida - que recebeu esse nome para se
contrapor à Atlântida mencionada por Platão na
República (contrapondo ainda o rei-cientista ao reifilósofo de Platão), como o Novo Organum, se
contrapôs ao Organum de Aristóteles - é um clássico
da língua inglesa e oferece uma visão profética: a
ciência é uma obra coletiva, necessitando de muitos
pesquisadores que recolham material para ser
analisado pelos especialistas; a ciência não pode ser
feita a priori, a partir de afirmações teóricas, mas sim,
a partir de contato com os fenômenos reais, através
da investigação empírica; a ciência tem finalidade
essencialmente prática, como curar doenças e
aumentar a longevidade e fabricar máquinas de vários
tipos, inclusive para voar e navegar sob a água.
• Galileu havia descrito as duas etapas do método
experimental: indução e dedução;
• Bacon dedicou-se à indução subordinando à ela a
dedução - a ciência deve ser feita pela observação e
pela experimentação, isto é, deve partir de casos
particulares para chegar às generalizações;
• Descartes considera a dedução superior à indução,
buscando na razão a certeza científica. O que nada
mais era do que dois momentos do método
experimental, foi visto como dois métodos, duas
fontes de conhecimento.
• Encontramos aí a origem das duas correntes do
pensamento moderno: o empirismo inglês (Hobbes,
Locke, Berkeley e Hume) e o racionalismo (Dercartes,
Malebranche, Espinosa e Leibniz).
• René Descartes (1596-1650) nasceu na
França e iniciou o racionalismo moderno. O
século XVII foi um século de incertezas urgia que se encontrasse um método que
levasse a certezas científicas, isto é, o
método para a ciência.
• Descartes voltou-se para a matemática,
porque as humanidades não traziam
certezas e, ainda pautadas nos comentários
dos antigos, especialmente Aristóteles, não
ofereciam utilidade prática.
• As propostas da matemática lhe pareceram
estar acima do ceticismo, porque tratavam de
resultados que se mantinham válidos através
do espaço e do tempo.
• Constatou, porém, que se aplicavam mais à
mecânica e não traziam nada de fundamental
para a vida humana.
• Resolveu, então, como Demócrito, dedicar-se a
submeter o universo aos números, porque
acreditava existir uma correspondência entre
as leis do universo e as da matemática
• Utilizou-se do método dedutivo, para, através
da razão, construir a ciência: como descreveu
em seu Discurso sobre o Método, começou
por duvidar de tudo, mesmo das idéias que
nos parecem evidentes, as idéias claras e
distintas, aquelas que são iguais para todos é a dúvida metódica: todos os conhecimentos
são considerados provisoriamente falsos.
• Daí nasce uma certeza cintilante: se eu não
existisse, não poderia estar enganado sobre
tudo; eu penso, me engano e duvido - se
duvido, penso e, se penso, existo - Cogito,
ergo sum - penso, logo existo.
• Tenho a intuição clara e distinta do meu ser,
este ser que existe separado do meu ato de
pensar. O pensar, ou cogito, me dá o critério da
evidência, isto é, que é verdadeiro tudo aquilo
de que eu tenho um conhecimento claro e
distinto como o conhecimento do meu eu. Não
se deduz a existência pelo raciocínio, mas ela é
captada imediatamente no pensar.
• Como nos diz Descartes ...enquanto eu queria
assim pensar que tudo era falso, cumpria
necessariamente que eu, que pensava, fosse
alguma coisa.
• E notando que esta verdade: eu penso, logo existo,
era tão firme e tão certa, que todas as mais
extravagantes suposições dos céticos não seriam
capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem
escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que
procurava.
• A dúvida inicial e metódica, que invalida todo
conhecimento não investigado pela razão, é a marca
do racionalismo moderno.
• Para entender todo o desenvolvimento ulterior do
pensamento europeu é fundamental que entendamos
seu ponto de cisão com o pensamento anterior: a
filosofia deixa de ser a ciência do ser (metafísica) e se
transforma na ciência do pensar e do conhecer
(gnosiologia ou epistemologia).
• Do cogito, Descartes parte para a idéia de Deus, que,
para o autor, é inata, é como uma marca que Deus
gravou na consciência do homem. Se sou imperfeito e
limitado, não posso ser a causa do meu ser, ou teria
dado a ele todas as perfeições - se tenho a idéia de
um ser perfeitíssimo, infinito e criador, não O posso
ter criado eu, ser finito e imperfeito, nem mesmo
posso ter criado a idéia que tenho dele: foi Ele quem a
gravou em mim; donde, Deus existe. Se temos a idéia
de um Deus perfeitíssimo é porque Ele existe, uma
vez que a idéia de perfeição absoluta inclui a
existência, como perfeição. Quando penso num ser
perfeitíssimo, automaticamente, penso nele como
existente.
• Além da idéia de Deus, Descartes considera inatas
todas as idéias originárias, como os princípios lógicomatemáticos, as noções morais, etc. Quando o
homem erra, é porque sua vontade livre o leva a
emitir julgamentos, quando o que está sendo julgado
não é racionalmente evidente. Assim, o erro nunca
deriva de Deus ou do intelecto humano.
• Para provar a realidade do mundo físico, Descartes
torna a apelar para Deus: se vejo a realidade sensível
é porque ela existe, porque Deus não iria me enganar,
uma vez que Ele é a verdade e a bondade (le bon
Dieu). Isso não quer dizer, porém, que as coisas são
tal e qual eu as percebo pelos sentidos; estes só têm
utilidade prática, dando a conhecer o que é útil e
prático e não, necessariamente, o que é real; as
idéias das coisas devem ser captadas pelo intelecto além de por suas qualidades sensíveis, por suas
qualidades inteligíveis.
• A alma distingue o homem dos animais; apenas
ele possue corpo e alma. A alma é capaz de
ações e paixões - o homem deve aprender a
superar as paixões pela razão (sabedoria) para
ser dono de sua liberdade.
• Embora a idéia de uma matemática universal
supusesse o ideal de uma sabedoria racional,
que pudesse orientar a vida, Descartes achou
necessário propor uma moral provisória, que
ensinasse a ser feliz.
• Assim, apresenta três regras para o bom
comportamento:
• 1) Obedecer às leis e costumes do país, conservar a
religião tradicional e vincular-se às opiniões mais
moderadas;
• 2) ser firmes e resolutos na ação, mantendo sua
opinião, desde que resolvidos a tanto;
• 3) esforçar-se por vencer-se a si mesmo mais do que
submeter-se ao destino e por modificar seus próprios
pensamentos mais do que a ordem do mundo.
• Somos livres, quando, para afirmar ou negar, seguir
ou fugir das coisas que o intelecto nos propõe, agimos
de modo a não seguir nenhuma força exterior que nos
obriga. É fácil notar a influência estoica na moral
cartesiana.
• Descartes abraça o dualismo metafísico
que levanta problemas de difícil resolução:
de como espírito e matéria, duas
substâncias heterogêneas, se relacionam
e interagem e de como as substâncias
finitas têm realidade frente a Deus, que é
substância infinita.
• No que diz respeito à metafísica,
Descartes, supondo a existência das
idéias inatas, inclina-se para o idealismo
e, em consequência, aproxima-se de
Platão e Santo Agostinho; por isso,
muitos autores de influência agostiniana
se dizem cartesianos. Quanto ao
método dedutivo, é inegável sua
herança aristotélica.
• A Difusão do Cartesianismo: Malebranche e
Pascal e Espinosa.
• As idéias de Descartes, ainda durante sua vida,
suscitaram muita polêmica. Seu pensamento
foi o mais importante do século: repercutiu por
toda Europa e transformou-se em moda na alta
sociedade da França.
• Apesar da oposição dos jesuítas e dos
protestantes, que acreditavam ser a liberdade
de investigação perigosa para a religião, o
cartesianismo influenciou o desenvolvimento do
pensamento subsequente, destacadamente
com Malebranche, Pascal e Espinosa.
• O francês Nicolas Malebranche (1638-1715) foi o
sistematizador do chamado ocasionalismo - o corpo e
a alma não interagem - o corpo, nas sensações, não
age sobre a alma, assim como ela, nos atos de
vontade (volições), não age sobre o corpo; ambos não
produzem a sensação e a volição, mas são ocasiões
para que Deus (única causa eficiente) as produza.
• Uma bola em movimento, que bate noutra, não é a
causa do movimento da primeira (seria preciso algo
que lhe tivesse imprimido movimento e assim por
diante), mas apenas ocasião para que Deus faça
acontecer sua vontade.
• Em sua obra principal - Recherche de la Verité ensina que não há comunicação entre a mente e o
corpo e que, portanto, a mente não pode conhecer
diretamente o mundo.
• Em Deus existem as idéias de todos os seres;
como estamos diretamente unidos a Ele pela
nossa alma, é através da intuição da mente de
Deus que vemos os modelos das coisas
criadas por Ele, que se ordenam por leis.
Como nos diz Malebranche, se não víssemos
Deus, não veríamos nada.
• Blaise Pascal, (1623-1662), filósofo e
cientista, (descobridor do vácuo físico) fez a
primeira crítica ao conceito de razão
cartesiano, que a supunha infinita e absoluta.
• Para ele o conhecimento humano não pode ser
perfeito, porque a verdade, infinita, ultrapassa a
capacidade finita da razão humana.
• Para ele, o esprit de finesse, a razão do coração, é
uma intuição direta que não é racional e que permite
conhecer muito além do que a dedução pode ensinar.
• O homem deve ser humilde em reconhecer seus
limites racionais e, com Agostinho, ensinou que nessa
consciência dos limites da razão está a nobreza do
homem.
• Reconhecer essa limitação, oriunda do pecado
original, e saber que apenas a graça divina poderá,
com auxílio do sobrenatural e com o concurso da
vontade humana, nos restituir a grandeza anterior ao
pecado, depende do esprit de finesse, que deve ser
adaptado a cada indivíduo, uma vez que, como ele
acentuou, somos uns diferentes dos outros.
• Como diz Sciacca, Descartes fornece as regras do
método para construir a ciência e a filosofia racional,
o sistema da razão que, separada da fé, se e
quando pode, não cogita de Deus; Pascal procura
as regras do método para esclarecer o homem a si
mesmo e construir uma filosofia cristã, fundamento
racional da fé.
• Dois homens e dois métodos no limiar do
pensamento moderno: a antítese nos ocupa ainda
hoje. Ele foi o primeiro pensador que, nos seus
Pensées, nos primórdios do modernismo, tentou
fazer, através do método do coração, uma nova
síntese entre fé e ciência.
• Baruch Espinosa, (Amsterdam, 1631-1677), filho de judeus
portugueses, mesmo aceitando o método da dedução
matemática de Descartes, considerou toda a filosofia como
ética, como forma de agir, como religião racional e não como
ciência.
• Para ele, Deus e a natureza se identificam; não existem vários
seres, mas apenas uma única Substância, Deus, que não
existe separado do mundo (monismo) - todo modo (forma
individual dos seres) sai da Substância necessariamente, como
os lados do quadrado saem do próprio quadrado: Deus é
causa nos seus efeitos (causalidade imanente); não é,
portanto, causa externa do mundo, porém causa imanente.
Deus é a própria ordem necessária e geométrica.
• Como em Plotino e nos néo-platônicos, liberdade e
necessidade se identificam: a liberdade de Deus consiste na
necessidade que Ele tem de se desenvolver espontaneamente
e não em poder escolher um modo ou outro de se determinar.
Não há finalidade na sua causalidade, a não ser seu próprio
absoluto desenvolvimento.
•
Sua visão da filosofia como ética pode ser entendida a partir
dos três estágios do processo prático-cognitivo que ele
distinguiu:
• a) conhecimento sensitivo, pelo qual o homem conhece as
coisas individuais - é imperfeito e seu aspecto prático é a
paixão: o homem quer dominar as coisas como se as
possuísse - é o estado da escravidão;
• b) conhecimento racional, que entende as coisas em suas
ligações de causalidade - é a ciência, que livra da paixão e
contempla e aceita a ordem universal, passiva e
imperturbavelmente (apatia estóica).
• c) conhecimento intuitivo, grau supremo do conhecimento,
além da razão, que intui os seres emanando de Deus - livres
do tempo, quantidade e número, chega-se ao amor intelectual
de Deus- do processo geométrico descendente da Substância
Absoluta à multiplicidade, faz-se o processo ascendente
inverso da multiplicidade ao Absoluto, onde todas as coisas se
anulam no mar infinito do ser. A unidade é encontrada além da
razão, na intuição, que é supra-racional.
• Ambos, Pascal e Espinosa, procuraram resolver pela teologia
os problemas deixados por Descartes: a proposta de Pascal foi
teísta, isto é, admitiu a transcendência de Deus; a de Espinosa
foi panteísta, negando a revelação divina e a transcendência
de Deus, resolvendo a religião na filosofia, situando-se, assim,
como um filósofo racional perfeito.
• Para ele, Deus é a natureza e o anseio dos homens de
eternidade, nada mais é que o desejo de se dissolver na
Substância.
• As idéias de liberdade e de pessoa são vistas por ele como
ignorância - pensamos que somos livres porque não
conhecemos as causas de nossas ações; acreditamos ser
pessoas reais porque não sabemos nos ver como emanações
da Substância Absoluta.
• O Deus de Espinosa, como em Plotino e nos estóicos, não é o
Deus da religião: é a razão divinizada, o que faz de Espinosa
um teórico da religião natural. Seu panteísmo influencia, até
hoje, os que pretendem uma religião absolutamente racional,
que não se baseie em dogmas e revelações divinas
• Quanto ao aspecto político, acreditou que o
direito de natureza se identifica com o direito
natural; nem todos chegam ao estágio de
conhecimento natural que permite fazer o que é
de interesse comum - nasce, então a
necessidade do governo para impor a
obediência às leis - passa-se, assim, do direito
natural ao direito positivo.
• O governo deve ser constitucional, com
representantes eleitos, para que o governante
não sobreponha seus interesses ao interesse
público. Como vemos, Espinosa foi um teórico
do liberalismo político.
• O Desenvolvimento do Empirismo: Hobbes e
Locke (sécs.XVII-XVIII)
• Thomas Hobbes (1588-1679) nasceu na Inglaterra e
foi influenciado pelo racionalismo de Descartes, com
quem polemizou e pelo empirismo de Bacon, de quem
foi secretário, além de Galileu, com quem se
encontrou na Itália.
• As idéias de Descartes e Bacon, opostas e
conflitantes, foram fundamentais para a superação da
escolástica medieval e para uma nova visão da
natureza e do homem.
• A obra de Hobbes se constituiu num ponto de contato
entre o racionalismo e o empirismo, algo como uma
síntese de ambos.
•
Embora racionalista, Hobbes discordou de Descartes,
afirmando que a frase penso, logo existo supõe algo
que pense e que uma coisa que pensa é uma coisa
corporal.
• Contra o dualismo de Descartes, que afirma existirem
duas substâncias, a material e a espiritual, Hobbes
externa seu materialismo dizendo que o sujeito que
pensa é corporal.
• E acrescenta: que diremos agora, se talvez o
raciocínio não for outra coisa senão uma reunião e
encadeamento de nomes, pela palavra é? De onde se
segue que, pela razão, nada concluímos quanto à
natureza das coisas, mas só quanto às suas
denominações, isto é, pela razão vemos apenas se
reunimos bem ou mal os nomes das coisas, segundo
as convenções que, de acordo com nossa fantasia,
tenhamos feito quanto aos seus significados.
• Esse texto bem demonstra o nominalismo de
Hobbes, que reduziu os conceitos a meras
palavras.
• E ainda continua: Se isso é assim, como
parece ser, o raciocínio depende de nomes, os
nomes dependem da imaginação e a
imaginação, talvez, (e isso segundo o que
sinto), dependerá dos órgãos corporais; e,
assim, o espírito não será outra coisa senão
um movimento em certas partes do corpo
orgânico.
• Para Descartes, o movimento explica as
substâncias, suas propriedades e as transformações
da matéria - esse mecanicismo explica, porém,
somente o mundo material, mas não o mundo
espiritual (intelectual, psicológico, etc.).
• Para Hobbes, o mecanicismo explica tudo: as
modificações se devem ao movimento de corpos
modificados - existir é existir no espaço, é ser um
corpo em movimento.
• E ele estende o mecanicismo ao espírito - os
sentidos, afetados pelo movimento de corpos
exteriores, transmitem-no ao cérebro e daí ao
coração, onde se iniciaria um movimento de reação
em sentido inverso - o início dessa reação seria a
sensação: a sensação é o princípio do conhecimento
dos próprios princípios, e a ciência dela deriva
inteiramente.
• A ciência seria feita a partir de nomes dados
aos elementos percebidos pelas sensações,
que se somam - essa soma levaria à ciência
que seria o conhecimento das consequências
de uma palavra à outra.
• Resumindo, Hobbes acreditou que o
conhecimento humano se origina dos
entrechoques de corpos que vêm de
movimentos exteriores e que, através dos
sentidos chegam ao espírito (que é um corpo
tênue e sutil); esses movimentos associam-se
uns aos outros e se organizam como ciência.
• John Locke, (1632-1704), também inglês, foi
um dos maiores representantes da cultura
inglesa de seu tempo - a época do Iluminismo.
• Foi um pensador liberal, racionalista em religião
e, como foi comum entre os pensadores
ingleses (o metafísico de vida solitária se
encontra mais na França, na Itália e,
principalmente, na Alemanha, mas não na
Inglaterra), um homem de ação preocupado
com sua profissão (medicina), com a política, a
fisiologia e a educação.
• Sua filosofia investigou o campo da gnosiologia
(epistemologia) abordando o problema crítico do
conhecimento.
• Ele partiu da crítica do intelecto humano, que é a
fonte de todo conhecimento, para conhecer seus
limites e a sua extensão.
• Então, nessa filosofia que pretende, longe das
indagações metafísicas, conhecer o processo
cognoscitivo, ele indagou, basicamente, sobre 1) a
origem e 2) o valor do conhecimento - essas são as
duas linhas mestras do seu pensamento.
• Em sua obra, Ensaio sobre o Entendimento Humano,
ele criticou a doutrina das idéias inatas, admitida na
época por Descartes, pelos cartesianos e pelos néoplatônicos ingleses.
• Segundo ele, não existem tais idéias
(princípios morais, a idéia de Deus, etc.),
uma vez que as crianças, os selvagens e
os ignorantes não as possuem; além
disso, em culturas, épocas e lugares
diversos, elas são também diversas,
donde, não são universais e, se o
fossem, não teriam serventia, pois se
pode chegar a um bom conhecimento
das coisas pela experiência (por ex.,
saber que doce não é amargo).
• Locke comparou a alma humana, na hora do nascimento, a
uma tabula rasa, algo como uma folha de papel em branco,
onde nada ainda foi escrito.
• Através da experiência, essa página, gradualmente, vai sendo
escrita, isto é, a mente humana vai acumulando
conhecimentos, idéias, todas originárias da experiência.
• Assim, todo nosso conhecimento tem origem na experiência.
Há dois tipos de experiência:
• 1) a sensação (percepção externa), que dá as idéias dos
objetos externos, como cor, som, cheiro etc., isto é, as idéias
das coisas.
• 2) A reflexão ( percepção interna) que nos dá as idéias dos
nossos atos espirituais (julgamentos, crenças etc., isto é, as
idéias do eu).
• Esses dois tipos de idéias, que o intelecto recebe
passivamente, são chamadas por Locke de idéias simples, que
vêm de experiências concretas, como frio, quente, doce,
amargo, branco, azul, etc.
• O indivíduo, então, pela atividade do seu
intelecto, une essas idéias formando idéias
conjuntas, como as de substância (várias idéias
simples que levam à noção do substrato de
uma coisa, por ex. ouro: duro, amarelo, etc.),
de modos (propriedades das coisas), e de
relações (distinção entre duas idéias: maiormenor, causa-efeito etc.).
• O intelecto também é responsável pelas idéias
gerais, formadas por abstração e pelas idéias
da reflexão, ou do sentido interno.
• Tendo discutido a origem das idéias, Locke se empenhou em
estabelecer o valor do conhecimento: O que podemos
conhecer? Quando o conhecimento é verdadeiro?
• Vamos entender seu pensamento a partir do que ele diz no
Ensaio: É evidente que o espírito não conhece as coisas
imediatamente, mas apenas por intermédio das idéias que
delas tem.
• A idéia é intermediária entre nós e as coisas. As idéias não são
verdadeiras nem falsas - sua verdade ou falsidade dependerá
do acordo ou desacordo entre as idéias, o que pode ocorrer de
dois modos:
• 1) esse acordo ou desacordo é percebido imediatamente com
evidência, e teremos a verdade intuitiva, que não precisa ser
demonstrada (ex.: 2+2 = 4, ou alto não é baixo),ou
• 2) o acordo ou desacordo entre as idéias não é percebido
imediatamente - embora baseado em conhecimentos intuitivos,
nesse caso, nosso intelecto recorre a idéias intermédias e
temos, então, a verdade por demonstração (as idéias
matemáticas, as morais etc.), que são construídas pela nossa
mente.
• Mas, perguntou Locke, se apenas conhecemos
as idéias, será que elas correspondem à
verdade das coisas ? Responde
afirmativamente, apenas para a certeza
(intuitiva) de nossa própria existência, para a
certeza (demonstrativa) da existência de Deus
e para a certeza da sensação relativa às idéias
simples e, mesmo assim, apenas enquanto
dura a sensação - se me queimo, só tenho
certeza da existência do fogo, enquanto durar o
ardor; depois, o fogo existirá ou não.
• As idéias conjuntas, sendo formadas pelo intelecto,
não têm valor objetivo. São apenas nomes que
usamos para dar nome e classificar as coisas;
assim, o autor deixou claro que, para ele, as
proposições universais da ciência têm apenas valor
prático e nada têm a ver com a verdade das coisas
- são invenções da nossa mente que se referem
apenas a palavras ou idéias e não às próprias
coisas. Vemos aí, bem evidente, o nominalismo de
Locke.
• Quanto às substâncias, o autor admitiu sua
existência, mas assinalou que não podemos
conhecê-las - apenas suas qualidades poderão ser
conhecidas através da pesquisa experimental.
• Para Locke, as idéias são imagens que se
originam na sensação, não sendo exemplares
inteligíveis (como no idealismo ontológico
platônico-agostiniano).
• Assim, só conhecemos da realidade essas
idéias ou imagens que os sentidos nos
oferecem (empirismo); a realidade é o
conteúdo de nossa consciência subjetiva ou
empírica cuja ligação com as coisas em si
desconhecemos.
Download

FILOSOFIA DA CIÊNCIA