Biblioteca Marxista em Galego / Primeira Linha em Rede / Víctor Serge: “A
verdadeira personalidade de Lenine / 1ª ediçom digital em galego-português de
Dezembro de 2004
www.primeiralinha.org
A verdadeira personalidade de Lenine
Víctor Serge
Artigo publicado em “La Batalla”, órgao central de expressom do POUM, em 1937
Morreu esgotado polo seu labor sobre-humano a 21 de Janeiro de 1924. Havia por
volta de dous anos que a doença o imobilizava no seu cadeirom e tinha umha
terrível expressom de angústia, de que algumhas fotografias da época dam prova.
Mas a sua inteligência continuava acordada e, de quando em quando, manifestavase em potentes labaredas. Nesses momentos exprimia a sua grande ansiedade. Os
males do regime que fundara, e que via com grande lucidez, angustiavam-no. Nom
há mada mais trágico que a história das suas últimas luitas contra a doenças, com
o pensamento fixo em poder trabalhar novamente, em procurar soluçons e aliados,
em conter as ameaças. E, sem dúvida nengumha, se Lenine tivesse vivido mais
alguns anos, o rumo da revoluçom teria-se visto profundamente modificado em
sentido favorável.
É indubitável que a sua grande autoridade e a sua vasta inteligência teriam agido
eficazmente no curso das cousas. Talvez tivesse podido orientar o Estado socialista
para a inteligência com os camponeses e moderar assim, ou até ultrapassar, as
tendências reaccionárias do interior. Talvez tivesse sucumbido no longo prazo neste
combate, como sucumbiu outra inteligência igual à dele. A História percorre o
caminho servindo-se, segundo as circunstáncias, dos homens de génio e dos
medíocres. Depois de Napoleom, criou o homem de Sedám. O acaso e o inexorável
vam misturados. A sorte das pessoas depende do acaso, a resultante social do
inexorável, e este inexorável arrasta e quebra o acaso… tantas causas económicas
e históricas tenhem contribuído para o desgaste da Revoluçom que se Lenine
tivesse vivido mais tempo, provavelmente teria corrido umha sorte semelhante à
dos seus companheiros das grandes jornadas revolucionárias. Mas o regime seria
melhor.
Esse ponto de vista nom é, de maneira nengumha, pessimista. Para dominar a
natureza, cumpre que o homem a perceba e se adapte a ela. Para construir o pararaios, cumpre saber que o raio vai cair e como vai cair. Nom há que contar com a
pregária para o impedir. Para transformar a sociedade e discernir as suas vias,
cumpre obedecer a necessidade mais forte, que é a necessidade económica. Assim,
na ciência marxista, Marx e Engels, investigadores honestos, ao atingirem o
mecanismo moderno da produçom, concluírom na necessidade do socialismo,
aspiraçom das massas a um maior bem-estar e a umha vida mais justa, passando
assim da utopia à ciência. Com Lenine, o socialismo passou da ciência à acçom.
Pouco antes de Outubro, as circunstáncias simplificavam os problemas. A guerra
reduzia todo a algumhas alternativas do género de ser ou nom ser. Mas
necessitava-se valor para o ver e, após tê-lo visto, agir audaciosamente. Mas já
nom se podia ser nem viver como no passado. Cumpria era romper com ele. E isto
costuma ser o mais difícil para os homens, que som, via de regra, prisioneiros das
suas rotinas e das suas ilusons. Os escritos de Lenine revelam grandes riquezas.
Mas nunca tivérom tanto valor como nesses seis meses do ano 1917 em que ele foi
o único que se orientou com passo certo no meio de acontecimentos tam caóticos,
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compreendendo que se vivia umha situaçom instável, entre duas ditaduras
igualmente possíveis, a da reacçom e a da classe operária e que, portanto, nom
cabia mais eleiçom que entre a acçom e o desastre. O critério dele nom era fruto da
paixom revolucionária, que poderia ter sido cega, como outra paixom qualquer;
mas da convicçom do político e do economista, fundada na análise quotidiana de
umha dada situaçom.
Lenine levava todo em conta: o estado da produçom, as mudanças, as intençons e
as possibilidades da burguesia, a mentalidade dos generais e dos advogados que
estavam ainda no poder, as aspiraçons das massas na cidade e no campo. E, afinal,
concluiu que chegara a hora. Estado refugiado numha cabana da Finlándia, na beira
do mar, a inícios de Outubro, escreveu para o Comité Central do Partido:
"Caros camaradas: os acontecimentos fixam-nos tam netamente o nosso dever que
a espera resulta um crime. O movimento camponês desenvolve-se com umha força
crescente. As tropas professam-nos umha simpatia cada vez mais acesa. Em
Moscovo podemos contar com 99% dos votos dos soldados: as tropas finlandesas e
a frota som contra o Governo. Unidos aos socialistas revolucionários de esquerda,
temos a maioria do País… nestas condiçons, esperar resulta um crime…".
E ainda:
"A vitória é certa. Há umha percentagem elevadíssima de possibilidades de a
obtermos sem efusom de sangue".
Vim-no, em várias ocasions um bocado mais tarde, na fase mais ardente da vida
dele. Ninguém era mais singelo do que ele. Ninguém ficava mais longe de todo o
que fosse armar-se em homem de génio que verosimilmente era, o grande chefe, o
fundador do Estado soviético. Todas estas palavras ditas a respeito dele teriam-no
indignado. Quando se agravavam os desacordos no partido, a sua maior ameaça
era: "apresento a minha demissom ao Comité Central, volto a ser um simples
militante e a defender o meu ponto de vista na base"…
Levava ainda os seus velhos fatos de emigrante na Suíça. Quando se quijo festejar
o seu 50 aniversário, quase se zangou: e só estivo 20 minutos na velada íntima que
celebrárom alguns companheiros.
Quando Kámenev lhe falou de editar as obras dele completas, contestou-lhe com
certa contrariedade: "Para quê? Tem-se escrito muita cousa em trinta anos! Nom
vale a pena!"
Nom se tinha por infalível, e de facto nom era tal. Cometeu grandes erros. E,
amiúde, no curso da sua mais justa acçom, umha parte de erro nom diminuía a sua
extraordinária perspicácia. Em conjunto, a sua obra fica como um novo ponto de
partida na história, como um magnífico exemplo de desinteresse e de devoçom à
classe operária, como umha aplicaçom vigorosa do pensamento marxista à luita de
classes. Para aí é que nós olhamos hoje como para umha luz, e nom para os seus
lúgubres restos, embalsamados sob um monstruoso mausoleu…
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