RONDON: O MARECHAL DA CAUSA INDIANISTA
Oi! Meu nome é Jacira e eu sou uma índia da tribo Nhambiquaras. Minha
aldeia fica no Estado do Mato Grosso, região centro-oeste do Brasil. Fiquei muito feliz ao
saber que vocês fariam uma homenagem ao meu grande amigo Marechal Rondon. Ele
era um daqueles caras que quando querem algo lutam até o fim para conseguir. Aproveito
para relembrar tudo o que esse grande homem fez por mim, pela nação indígena e pelo
nosso país.
O seu nome, Cândido Mariano da Silva Rondon, já mostra que ele foi uma
pessoa que brilhou na vida, apesar de ter perdido o pai antes de nascer e a mãe quando
ainda era bebê, tendo sido criado pelo avô e pelo tio.
De origem indígena por parte dos seus bisavós, desde cedo demonstrou
interesse pela carreira militar, inscrevendo-se para o Exército, no intuito de ir para a
Academia Militar no Rio de Janeiro. Aliás, o seu último nome, Rondon, foi adotado antes
de ir para a Academia, para mostrar a sua gratidão ao seu tio.
No Rio de Janeiro, tornou-se soldado do Terceiro Regimento de Artilharia a
Cavalo e, mais tarde, recruta do capitão Hermes da Fonseca. Não podendo ir para a
Academia Militar, ele foi primeiro para uma instituição pública, onde foi um aluno
exemplar. Mais tarde, foi encaminhado para a Academia Militar. Depois de muito esforço
e muita determinação, ele foi transferido para a Escola Superior de Guerra, logo após a
sua inauguração. Pouco tempo depois, virou ajudante do major Antônio Ernesto Gomes
Carneiro, no grande desafio de levar as linhas de telégrafo ao interior do Brasil, ligando
inicialmente Goiás e Mato Grosso. E foi aí que começou a sua grande jornada, viajando
pelo Brasil e conhecendo as suas maravilhas e o seu povo.
Mais tarde, formou-se em Ciências Físicas e Naturais, tornando-se
engenheiro militar e segundo-tenente do Estado Maior de Primeira Classe. Foi nessa
época que ele se casou.
Com o início da instalação de mais um trecho das linhas telegráficas, Rondon
foi novamente chamado. Só que dessa vez ele viria para as terras indígenas.
Ainda me lembro que em nosso primeiro contato, todos da minha tribo ficaram
bastante assustados, mas logo perceberam que Rondon sabia quem era o intruso ali. Ele
e os outros brancos não mostraram hostilidade e agiram pacificamente, o que nos
acalmou bastante. Acho que não só a minha tribo como também as vizinhas, e talvez
todas as outras que eles visitaram, sabiam que eles estavam ali com o propósito de
ajudar a melhorar as nossas vidas.
Depois que ele deixou a minha tribo, continuou seguindo o seu caminho,
interligando todo o Brasil. Fico impressionada com o fato de ele ter conhecido muitos de
nossos povos e ter aprendido a conviver pacificamente com cada um.
Eu soube que, após concluir a instalação das primeiras linhas telegráficas,
Rondon foi ser professor na Escola Militar. Porém, fiquei sabendo também que ele estava
meio cansado da vida de casado e que a sua vontade de servir à pátria e ao seu povo era
muito grande. O convite de Gomes Carneiro para instalar, trocar ou recuperar as linhas
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telegráficas chegou na hora certa. E lá veio ele mais uma vez. Meu povo dava cada vez
mais liberdade para ele ver, entender e sentir a nossa cultura, as nossas crenças e o
nosso modo de vida. E ele sempre fez o possível para nos respeitar. Criou até um
princípio básico: "Morrer, se preciso for, matar nunca", que eu, sinceramente, amei. O
nosso Marechal se envolveu tanto e nos amou tanto, que se tornou embaixador na defesa
dos povos indígenas.
Orgulho-me em dizer que o meu grande amigo Cândido Rondon contribuiu
muito para o conhecimento etnográfico, linguístico, geológico, zoológico e botânico do
interior do Brasil. Ele foi indicado duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz e criou o Parque
Indígena do Xingu.
Não posso deixar de mencionar a sua importância para o povo indígena. Ele
pacificou algumas tribos, demarcou terras, criou leis, nos deu instrução básica e amparo
para convivermos com as outras tribos e, o mais importante, nos amou e nos respeitou
como se fôssemos sua família.
O que mais eu admirava nesse bem-feitor é que ele nunca entrou em
confronto, mesmo sofrendo ameaças, ferimentos, torturas e muitas outras agressões.
Encanto-me com alguns de seus princípios, tais como: assegurar aos índios a proteção
direta do Estado, respeitar as tribos indígenas como povos independentes, garantir aos
índios a posse das terras que habitavam e que eram necessárias à sua sobrevivência.
Esse respeito pelos povos indígenas foi posto à prova quando, em setembro
de 1913, Rondon foi atingido por uma flecha envenenada lançada por índios da minha
tribo. Salvo pela bandoleira de couro da sua espingarda, ordenou a seus comandados
que não reagissem e “batessem em retirada”. Pensei que a partir daquele dia ele
abandonaria a causa indígena, mas, ao invés disso, o episódio serviu para motivá-lo
ainda mais na sua cruzada pelo Brasil afora.
E por que Rondon é chamado de Marechal? O título de Marechal do Exército
Brasileiro foi concedido a Rondon pelo Congresso Nacional em 5 de maio de 1955, data
do seu aniversário de 90 anos.
Infelizmente, em 1958, pouco tempo depois de o Estado de Guaporé passar a
se chamar Rondônia, em homenagem a ele e seus grandes feitos, recebi a notícia de que
meu grande amigo havia falecido no Rio de Janeiro, aos 92 anos.
Desde essa época, nós, índios, estamos nos sentindo órfãos, assim como
Rondon na sua infância. Sem que possamos ter alguma esperança de dias melhores,
nossos povos estão sendo dizimados por causa da desnutrição e de doenças, muitas
delas trazidas pelos brancos.
Sabemos que o tempo dos marechais já passou, mas continuaremos nossa
luta pela causa indígena, porque sabemos o quanto nossa cultura e nossas tradições
representam para a formação da nação brasileira.
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