II JORNADA DISCENTE PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO – FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
APRESENTAÇÃO
Esta publicação traz os 33 artigos selecionados pela Comissão Científica da II Jornada
Discente, promovida pelo Programa de Pós Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi realizada nos dias 16 e 17 de outubro de 2013 no
âmbito do 8º Fórum de Pesquisa FAU-Mackenzie.
A II Jornada consistiu em evento para difusão e debate da produção científica dos
discentes do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-Mackenzie, e
encontro entre os alunos de mestrado e doutorado e orientadores. O ensejo de produzir um artigo
sobre a pesquisa em andamento e discuti-la com seus pares e outros professores do Programa
serviu como estímulo e abertura de perspectivas aos alunos, que puderam levar, da experiência,
novas possibilidades e ânimo renovado para seus trabalhos.
Elaborados pelos discentes ou co-autorias entre alunos de mestrado e doutorado e seus
orientadores,
estes textos são uma mostra das abordagens de pesquisa que vêm sendo
desenvolvidas no contexto de sua área de concentração - “Projeto de Arquitetura e Urbanismo”
– e de suas duas linhas de pesquisa - Arquitetura Moderna e Contemporânea: representação
e intervenção; e Urbanismo Moderno e Contemporâneo: representação e intervenção”.
O conjunto de artigos alocados na Linha Arquitetura Moderna e Contemporânea:
representação e intervenção privilegiam a discussão do projeto arquitetônico, indicando a
amplitude dos temas explorados pelas investigações ligadas a essa linha de pesquisa, incluindo
questões ligadas ao Design. Estes trabalhos dedicam-se à reflexão sobre processos de projeto e
seus modos de representação; às relações do projeto de arquitetura e design com o campo mais
amplo da arte e cultura; a contextualização histórica de projetos e seus autores. Comparecem
ainda preocupações envolvendo soluções tecnológicas numa abordagem de transformação e
inovação.
Os artigos alinhados à Linha Urbanismo Moderno e Contemporâneo: representação e
intervenção” refletem a produção de pesquisas que se dedicam ao projeto do urbanismo e aos
processos de transformações da cidade, em especial nos seguintes âmbitos: planos e projetos;
legislação; habitação em áreas irregulares ou de proteção ambiental e suas relações com a
paisagem.
Novas edições do evento devem ser organizadas como forma não sós de intensificar a
convivência acadêmica e o intercâmbio entre alunos e professores, mas também de promover e
valorizar a qualidade da pesquisa que vem sendo produzida em nosso Programa.
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DIREÇÃO
Prof. Dr. Valter Caldana (Diretor)
Prof.ª Dr.ª Eunice Helena S. Abascal (Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo)
Prof. Dr. Paulo Roberto Correa (Coordenador do Curso de Graduação FAU-Mackenzie)
Prof. Dr. Charles C. Vincent (Coordenador de Curso de Design FAU-Mackenzie)
Prof.ª Dr.ª Denise Antonucci (Coordenadora de Pesquisa)
Prof. Dr. Marcelo de Oliveira (Coordenador de Extensão)
COMISSÃO ORGANIZADORA
Prof.ª Dr.ª Eunice Helena Sguizzardi Abascal (Coordenação Geral)
APOIO DISCENTE
PROJETO GRÁFICO
Fanny Schroeder de Freitas Araujo
Marco Aurélio (Kito) Castanha
(Doutoranda PPGAU FAU-Mackenzie)
(professor DI-UPM e pós-graduando PPGAU-UPM)
Marco Aurélio (Kito) Castanha
(professor DI-UPM e pós-graduando PPGAU-UPM)
E-MAIL
Camila Forcellini
[email protected]
(Mestranda PPGAU FAU-Mackenzie)
Responsável:
Sandra Medina Benini
Fanny Schroeder de Freitas Araujo
(Doutoranda PPGAU FAU-Mackenzie)
(pós-graduanda PPGAU-UPM)
SITE (PUBLICAÇÃO ON LINE)
http://www.amigosdanatureza.org.br/livros
Responsável: Sandra Medina Benini
ISSN 2238-5037
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COMISSÃO CIENTÍFICA
Prof. Dr. Abílio da Silva Guerra Neto (PPGAU-UPM)
Prof.ª Dr.ª Ana Gabriela Godinho Lima (PPGAU-UPM)
Prof.ª Dr.ª Angélica T. Benatti Alvim (PPGAU-UPM)
Prof. Dr. Candido Malta Campos Neto (PPGAU-UPM)
Prof. Dr. Carlos Egídio Alonso (PPGAU-UPM)
Prof. Dr. Carlos Leite de Souza (PPGAU-UPM)
Prof.ª Dr.ª Célia Regina Moretti Meirelles (PPGAU-UPM)
Prof.ª Dr.ª Eunice Helena Sguizzardi Abascal (PPGAU-UPM)
Prof. Dr. Charles Vincent (PPGAU-UPM)
Prof.ª Dr.ª Gilda Collet Bruna (PPGAU-UPM)
Prof. Dr. José Geraldo Simões Junior (PPGAU-UPM)
Prof.ª Dr.ª Maria Augusta Justi Pisani (PPGAU-UPM)
Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Villac (PPGAU-UPM)
Prof.ª Dr.ª Nadia Somekh (PPGAU-UPM)
Prof.ª Dr.ª Ruth Verde Zein (PPGAU-UPM)
Prof. Dr. Wilson Florio (PPGAU-UPM)
Prof. Dr. Valter Caldana
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Jornada Discente Pós/FAU-Mackenzie. (2.: 2013 : São Paulo, SP).
II. Jornada Discente Pós/FAU-Mackenzie: Pesquisa em Arquitetura,
Urbanismo e Design / coordenação: Eunice Helena Sguizzardi
Abascal. - São Paulo : Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2013.
ISSN: 2238-5037
1. Arquitetura Moderna e Contemporânea. 2. Urbanismo Moderno e
Contemporâneo. 3. Design Moderno e Contemporâneo. I. Abascal, Eunice
Helena Sguizzardi. II. Título.
CDD 720
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SUMÁRIO
LINHA DE PESQUISA:
ARQUITETURA MODERNA E CONTEMPORÂNEA: REPRESENTAÇÃO E INTERVENÇÃO
Fausto B. Sombra Jr e Abílio Guerra
LUÍS SAIA E LÚCIO COSTA: A PARCERIA NO SÍTIO SANTO ANTÔNIO. _________________________10
Fernanda Amorim Militelli
REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS NA REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO. ________________________38
Gabriel Claude Joseph Daou e Carlos Leite de Souza
AVALIAÇÃO DE CERTIFICAÇÃO LEED PARA EDIFÍCIOS REVITALIZADOS NO
CENTRO HISTÓRICO DE SÃO PAULO CASO DE ESTUDO:
EDIFÍCIO CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL. ________________________________________51
Henny Aguiar B. Rosa Favaro e Ana Gabriela Godinho Lima
DESIGN ECOLÓGICO, PESQUISA ACADÊMICA E O DESIGN DE JOIAS:
APROXIMAÇÕES E DISTINÇÕES. _______________________________________________________70
Joice Chimati Giannotto e Carlos Guilherme Mota
REVISITANDO A GROTA DO BIXIGA. ____________________________________________________86
José Lima Bezerra e José Geraldo Simões Júnior
O METRÔ DE SÃO PAULO E AS NORMAS DE ACESSIBILIDADES. ___________________________106
Leticia Soares Daniel e Rafael Antônio Cunha Perrone
EDIFÍCIO CEPISA: REFLEXOS DE UM ARQUITETO MIGRANTE. _____________________________122
Mario Biselli e Eunice Helena Sguizzardi Abascal
O TODO E A PARTE – CONSIDERAÇÕES SOBRE
O PROJETO DE HABITAÇÕES COLETIVAS. ______________________________________________136
Oswaldo Antônio Ferreira Costa e Candido Malta Campos
LECHTWORTH: PERMANÊNCIA E ATUALIDADE
DOS APORTES DOGARDEN CITY MOVEMENT. ___________________________________________151
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Patricia Cecilia Gonsales e Carlos Guilherme Mota
AS COMEMORAÇÕES DO IV CENTENÁRIO DA CIDADE DE SÃO PAULO E
SEUS REFLEXOS NO AMBIENTE URBANO E CULTURAL DA CIDADE. ________________________168
Paulo Canguço Fraga Burgo e Carlos Egídio Alonso
ANÁLISES DE FOTOGRAFIAS: A “CASA DE VIDRO”. _______________________________________191
Paulo Eduardo Borzani Gonçalves e Carlos Leite de Souza
POTSDAMER PLATZ COMO TERRITÓRIO HÍBRIDO. _______________________________________207
Ricardo Luis Silva e Maria Isabel Villac
ELOGIO À INUTILIDADE: RECONHECIMENTO E APROPRIAÇÃO DO INÚTIL
NA METRÓPOLE CONTEMPORÂNEA. ___________________________________________________224
Silverio Syllas Saad (ARQ)
OS LUGARES E AS ARQUITETURAS PARA A ARTE CONTEMPORÂNEA NO SÉCULO XXI. _______247
LINHA DE PESQUISA:
URBANISMO MODERNO E CONTEMPORÂNEO: REPRESENTAÇÃO E INTERVENÇÃO
Andre Reis Balsini e Maria Isabel Villac
SUSTENTABILIDADE, ÉTICA E ARQUITETURA:
DISCUTINDO A QUALIFICAÇÃO DO HABITAT URBANO. ____________________________________259
Cássia Calastri Nobre e Nadia Somekh
AS RECENTES TRANSFORMAÇÕES URBANAS NO ABC PAULISTA. __________________________277
Daniela Getlinger e Carlos Leite de Souza
INTERVENÇÕES URBANAS: MAIS PROCESSO, MENOS “DESIGN”. ___________________________298
Daniela Getlinger e Carlos Leite de Souza
MEGACIDADES CONTEMPORÂNEAS. ___________________________________________________308
Elaine C. Costa e Angélica T Benatti Alvim
PLANO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO DE SÃO PAULO E OS ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS:
O CASO DA ZONA NORTE (2005 – 2012): INSTRUMENTO DE INTERVENÇÃO NOS
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS? ______________________________________________________319
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Elisabete Castanheira
PAISAGEM URBANA: LEITURAS POSSÍVEIS. _____________________________________________343
Fernanda Figueiredo D’Agostini e Eunice Helena Sguizzardi Abascal
VILA FERROVIÁRIA DE PARANAPIACABA – POLÍTICAS URBANAS E DESENVOLVIMENTO. ______360
Janaína Stédile
TERRITÓRIOS HÍBRIDOS: REFLEXÕES SOBRE O CONTEMPORÂNEO. _______________________376
Lacir Ferreira Baldusco e José Geraldo Simões Júnior
ATUAÇÃO DO SEGMENTO HABITACIONAL DO SETOR IMOBILIÁRIO
NA MACROMETRÓPOLE PAULISTA. ____________________________________________________392
Mariana de Souza Rolim e Carlos Guilherme Mota
PARA UMA APROXIMAÇÃO DE ESTUDOS COMPARATIVOS:
AS CIDADES DE BRIGGS, ROMERO E MORSE. ___________________________________________424
Mauro Calliari, Roberta Laredo, Valter Caldana e Nadia Somekh
HIGH LINE: O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE
NA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO. _______________________________________________439
Mauro Calliari e Valter Caldana
A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO PÚBLICO NA IDENTIDADE DA CIDADE CONTEMPORÂNEA. _______458
Paulo Eduardo Borzani Gonçalves e Gilda Collet Bruna
BASES PARA A ELABORAÇÃO DE PROJETO ARQUITETÔNICO CONTEMPORÂNEO
NO CONTEXTO DO PLANEJAMENTO AMBIENTAL. ________________________________________485
Sandra Medina Benini, Jeane Aparecida Rombi De Godoy Rosin e Gilda Collet Bruna
CONTRADIÇÕES DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA:
ÁREAS VERDES PÚBLICAS X HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL. ________________________509
Silvia P. S. M Vitale e Angélica T Benatti Alvim
CONFLITOS ENTRE A OCUPAÇÃO URBANA E A PROTEÇÃO HÍDRICA-AMBIENTAL
NA BACIA DO RIO PARAÍBA DO SUL: O MUNICÍPIO DE GUARATINGUETÁ, SP. ________________527
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Verônica Polzer e Maria Augusta Justi Pisani
GERENCIAMENTO INTEGRADO DE RESÍDUOS SÓLIDOS. _________________________________544
Viviane Manzione Rubio
PARA QUEM PROJETAMOS? UMA DISCUSSÃO SOBRE O DIREITO
A CIDADE A PARTIR DO PLANO PARA BRASÍLIA. _________________________________________558
Wendie Aparecida Piccinini e Gilda Collet Bruna
A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. ____________________________________583
Wu Chiang Kuo Navarro e Gilda Collet Bruna
RECUPERAÇÃO DA VÁRZEA DO RIO TIETE E QUALIDADE VIDA, EM SÃO PAULO. _____________601
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LUÍS SAIA E LÚCIO COSTA: A PARCERIA NO SÍTIO SANTO ANTÔNIO
RESUMO
O presente artigo analisará parte do processo de restauro do Sítio Santo Antônio em meados do século XX
através das ações de Luís Saia e Lúcio Costa, expondo o ideal modernista presente neste coeso grupo de
intelectuais.
Palavras-chave: Luís Saia, Lúcio Costa, Sítio Santo Antônio
ABSTRACT
This article will examine part of the restoration process of Sitio Santo Antonio in the mid-twentieth century,
through the actions of the architect Luis Saia and Lucio Costa's coordinating, triggering the modernist ideal
of this cohesive group of intellectuals.
Key words: Luís Saia, Lúcio Costa, Sítio Santo Antônio
11
LUÍS SAIA E LÚCIO COSTA: A PARCERIA NO SÍTIO SANTO ANTÔNIO
1
Fausto B. Sombra Jr.
Abílio Guerra
2
Imagem 01: Sítio Santo Antônio – vista do exterior a partir do alpendre casa-grande
Fonte: Fausto Sombra, 2013
1
Arquiteto formado pela Universidade Belas Artes de São Paulo (2002). Cursou o master “El Proyecto: aproximaciones
a la arquitectura desde el medio ambiente histórico y social”, pela UPC – Barcelona (2008), e atualmente desenvolve
sua pesquisa de mestrado através da Universidade Presbiteriana Mackenzie com orientação do professor Abílio Guerra.
E-mail: [email protected]
² Arquiteto (FAU PUC- Campinas), mestre e doutor em História pelo (IFCH Unicamp), professor adjunto de FAU
Mackenzie (graduação e pós-graduação). É editor da Romano Guerra Editora e do Portal Vitruvius –
www.vitruvius.com.br, e coordena o Conselho Editorial da revista científica Arquitextos. Participa como curador e
organizador de atividades culturais brasileiras e internacionais e tem vários artigos e livros publicados como autor e
editor. E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
Em 1940, o arquiteto franco-brasileiro Lúcio Costa ou “Dr. Lúcio como era chamado
no Patrimônio” (ROLIM, 2006, p.29), já há quatro anos como consultor técnico e teórico do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) 3, coordenaria a distância
juntamente com o diretor geral do referido órgão, Rodrigo Mello Franco de Andrade, os
trabalhos de intervenção e restauro do Sítio Santo Antônio. Localizado a aproximadamente
setenta quilómetros da capital paulista, no município de São Roque, a meio caminho da
cidade vizinha Araçariguama, este reconhecido monumento remanescente da arquitetura
rural colonial se encontraria implantado em meio a uma topografia irregular, com acesso
através de um sinuoso caminho, conhecido atualmente como estrada municipal Mário de
Andrade.
Debruçados sobre este paradigmático conjunto arquitetônico do século XVII,
protegido pelo processo de tombamento federal a partir 1941 4 , buscaremos abordar a
parceria de trabalho de seu consultor técnico, Dr. Lúcio, e o futuro diretor da delegacia
paulista, Luís Saia, considerado o principal personagem responsável pela coordenação dos
trabalhos ali empreendidos ao longo do segundo e terceiro quarteis do século XX.
Como
abordagem
e
base
de
argumentação,
transcreveremos
parte
das
correspondências, ofícios e outros documentos relacionados ao processo de intervenção,
nos permitindo aproximar do então período e o latente intercâmbio ideológico deste coeso
3
Órgão
criado
em
janeiro
de
1937
através
do
projeto
do
advogado
e
jornalista
Rodrigo
Mello Franco de Andrade, e constituído na íntegra, através do Decreto-Lei nº 25, de novembro do mesmo ano, sendo
este pautado no ideário de importantes intelectuais brasileiros, articulados pelo Ministério da Educação e Saúde e seu
jovem ministro Gustavo Capanema.
4
O referido monumento se encontra na lista de Patrimônios Materiais e Bens Tombados do IPHAN, com a inscrição:
Casa do Sítio de Santo Antônio e capela que lhe é anexa; nº Processo: 0214-T-39; no Livro Belas Artes: Nº inscr.: 291
;Vol. 1 ;F. 050; Data: 22/01/1941; sendo que seu “tombamento foi estendido às áreas de 2.84 ha e de 8.80 ha,
delimitadas na planta anexa ao processo, em 20/11/1969."
O mesmo bem também se encontra protegido pelo órgão estadual CONDEPHAAT, através do nº Processo: 00374/73;
Resolução de Tombamento: Ex-Officio em 11/12/1974; Livro do Tombo Histórico: inscrição nº 99, p. 13, 06/05/1975.
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grupo de pensadores modernos, aqui forjado pelo estudo e empenho aplicado à arquitetura
colonial através destas duas figuras emblemáticas.
Imagem 02: Sítio Santo Antônio – levantamento planialtimétrico e conformação áreas tombadas
Fonte: Interpretação com base no lev. aerofotogramétrico de 1979 – IGC-SP e planta parcial do monumento
– IPHAN 9ª – desenho Augusto Piccoli
1. O CONJUNTO: UMA BREVE DESCRIÇÃO
No final da década de 30, a exemplo de outros exemplares paulistas já conhecidos no então
período, o conjunto definido por Sítio Santo Antônio já se encontraria parcialmente
descaracterizado e em precário estado de conservação. Conformando a propriedade
encontrávamos a casa-grande, de caráter tipológico definido posteriormente como de “casa
bandeirista”5, e a sua “deliciosa” capela, disposta no mesmo alinhamento e a “uns 30 metros de
5
Acerca da denominação que se convencionou atribuir as casas remanescentes rurais coloniais paulistas,
principalmente do segundo e terceiro séculos, estas só se firmariam com o título de "casas bandeiristas" em meados da
década de 50. Segunda afirmação da arquiteta e pesquisadora Lia (MAYUMI, 2008, p.23-24), nos primeiros anos do
SPHAN seus diretores e técnicos tratariam tais edificações como de "casas velhas", e em alguns casos, a exemplo do
Sítio Santo Antônio e em “analogia com as residências das classes rurais abastadas do Nordeste”, definindo-as como
de "casas-grandes", como podemos observar no inventário de bens paulistas, de Mário de Andrade, encaminhado em
16 de outubro de 1937 ao Dr. Rodrigo Mello Franco de Andrade.
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distância” (ANDRADE, 1937, p.119). Ambas as construções seriam erigidas sobre embasamento
de pedra, paredes em sua grande maioria de taipa de pilão e cobertura com telhas capa e canal,
ocupando “um pequeno compartimento de vale situado em posição suspensa e em setor de perfil
marcante assimétrico”, junto ao córrego “Boy-Poruçuguaba” (AB’SABER Apud KATINSKY, 1976,
p.81).
Imagem 03: Sítio Santo Antônio – fachada principal do conjunto anterior ao restauro
Fonte: IPHAN 9ª SR/SP – Acervo Arquivo Fotográfico
Este conjunto seria edificado no século XVII pelo sertanista capitão Fernão Paes de
Barros 6 , sendo a construção da capela posterior à casa-grande em aproximadamente quatro
décadas, mais precisamente em 16817, ano que segundo Mário de Andrade seria dada a provisão
6
Katinsky (1976, p.128-129) mencionara nas Notas do Capítulo 2: Descrição das casas e situação atual, o Auto de
inventário de 18 de abril de 1714, de Fernão Paes de Barros, atribuindo o Sítio Santo Antônio como de propriedade do
referido sertanista. O autor também citara que através da análise de demais documentações históricas disponíveis seria
possível concluir que a casa-grande teria sido construída por volta de 1640.
7
A publicação elaborada por Carlos G. F. Cerqueira e José Saia Neto, intitulada Sítio e Capela de Santo Antonio:
Roteiro de Visitas reconstruíra a história relativa à administração da capela confiada aos descendentes de Fernão Paes
de Barros, desde sua constituição em 1681 até o período posterior à extinção do sistema de morgadio, vigente no Brasil
até o ano de 1835. (CERQUEIRA; SAIA NETO, 1997)
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para a benção da capela pelo Dr. Francisco da Silveira Dias, protonotário apostólico do bispado
de São Sebastião do Rio de Janeiro. (ANDRADE, 1937, p.120)
Imagem 04: Sítio Santo Antônio – fachada posterior do conjunto anterior ao restauro
Fonte: IPHAN 9ª SR/SP – Acervo Arquivo Fotográfico – gaveta 34, ficha 747
No
período,
a
casa-grande
ocuparia
um
volume
de
perímetro
irregular
com
aproximadamente 25,00m de comprimento por 16,00m de profundidade, protegido por cobertura
de três águas e apresentando fortes indícios de considerável descaracterização, pois prospecções
da época apontariam para um edifício originalmente definido por uma fachada de 36,00m e
ocupando um perímetro retangular. Esta diferença espacial seria fruto do desaparecimento de
quatro ambientes na lateral esquerda e posterior do prédio. Em seu interior seria constada a
criação de alvenarias posteriores ao desenho primitivo da construção, compartimentando e
reduzindo as grandes dimensões dos ambientes originalmente idealizados. Externamente também
encontraríamos reconfigurações de aberturas e fechamentos, inclusive na área que outrora
definira o alpendre frontal da edificação, sendo este ambiente considerado como um dos traços
característico deste grupo de edificações paulistas8.
8
Segundo pesquisas da historiadora Aracy (AMARAL, 1981, p.28-29), em seu livro A Hispanidade em São Paulo: da
casa rural a capela de Santo Antônio, publicado em 1981, o fenômeno da casa bandeirista, com seus volumes
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Já o edifício da capela, este seria definido por um corpo retangular de 9,10m de frente por
14,20m de profundidade, protegido por cobertura de duas águas formadas por panos de
comprimentos assimétricos e anexados a torre sineira. Esta última apresentaria discreto
descolamento em relação ao corpo principal e seria conformada por quatro paredes em pedra.
Externamente, na plataforma de acesso à nave principal, não encontraríamos nenhum abrigo
(alpendre), porém as estruturas e encaixes presentes indicariam que em período anterior
elemento similar houvera existido.
Imagem 05: Sítio Sto Antônio –casa-grande anterior ao restauro – área do alpendre descaracterizado
Fonte: IPHAN 9ª SR/SP – Acervo Arquivo Fotográfico – gaveta 34, ficha 743
Posicionado entre estes edifícios e construído contiguo a edificação principal, encontravase uma terceira construção, de planta quadrada, 12,30x11,80m, apresentando-se já sem
retangulares, de pequenas fenestrações e alpendre posicionado entre paredes laterais, que segundo sua definição teria
o nome de corredores, não seria exclusividade do planalto piratiningano, pois sua tipologia seria constante em diversos
países latinos americanos. Em seu trabalho a autora incluíra, além de imagens de edifícios similares encontrados em
países vizinhos, o relato do arquiteto e historiador equatoriano Gustavo Borja, atribuindo a matriz desta tipologia a
colonização espanhola: “essas casas, de planta quadrada ou retangular, são uma versão popular das casas da
Andaluzia. De planta simétrica, corredores fronteiros (alpendre), amplos telhados de quatro águas, discreta
fenestração”.
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cobertura e parcialmente em ruínas. Este edifício seria conhecido como a casa do Barão, pois
teria sido construído e habitado pelo Barão de Piratininga no século XIX, fato este ratificado pela
transcrição abaixo referente ao depoimento do Sr. Manuel Oliveira (ROSA, 1948), datado de 20 de
setembro de 1948 e endereçado ao “Exmo Snr Dr. Luís Saia”.
Visitando o sitio “Santo Antonio”, no dia 2 do corrente, tenho o imenso prazer de
informar a Vª Exª que as obras de restauração da casa grande me parecem
exatas, sobre tudo na parte da recomposição da ala, que destruída, o seu material
aproveitado pelos Senhores João Venancio Fernandes e Euclides d´Oliveira.
Tanto o telhado como os compartimentos e o alpendre estão atualmente do
mesmo modo que eu os conheci em 1884. Nessa data, o Barão de Piratininga
construiu uma casa nova entre a antiga e a capela, abrindo nessa ocasião uma
porta para fazer ligação entre a construção nova e a antiga.
As senzalas que existiam na frente da casa nova foram queimadas em 1887.
Meus agradecimentos pelo modo carinhoso com que fui recebido no referido sitio
no dia mencionado.
Pedindo desculpas pelos erros e falta nestas informações, subscrevo-me.
De Vª Exª
or
Attº adm. e aºobrgº
a)Manuel Oliveira Rosa
Sobre o destino dado as ruínas da Casa do Barão, por se tratar de um monumento constituído
fora do plano do conjunto colonial original, seus “restos” não suscitariam grande interesse por
parte dos diretores e técnicos do SPHAN que logo descartariam sua estrutura, exceção apenas às
tentativas de serrar em grandes blocos os trechos das paredes de taipa remanescentes, com o
objetivo de reaproveitá-los na reconstituição da porção já inexistente da casa-grande. Contudo, os
procedimentos não alcançariam o resultado esperado, pois a composição e tipo de terra que
conformavam as paredes não proporcionariam a estruturação adequada às peças, que facilmente
se rompiam. (GONÇALVES, 2007, p.128-129)
2. A COLABORAÇÃO DE MÁRIO DE ANDRADE
O trabalho inicial do processo de restauro no conjunto arquitetônico de São Roque, conduzido
à distância por Lúcio Costa, teria o acompanhamento de seu futuro proprietário: o escritor, poeta e
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musicólogo modernista Mário de Andrade, que ao longo da década de 30 participara ativamente
das questões relativas ao patrimônio, material e imaterial, na busca de monumentos e símbolos
tradicionais que dessem lastro ao espírito artístico-cultural e da própria identidade regional e
nacional9 ou como definira a pesquisadora Cristiane Souza Gonçalves, “em busca pela produção
artística genuinamente brasileira” (GONÇALVESa, 2007, p.176).
Imagem 06: Sítio Santo Antônio – Mário de Andrade em visita ao local em 18 jan. 1945
Fonte: IPHAN 9ª SR/SP – Acervo Arquivo Fotográfico
Em visita ao Sítio em 1937, juntamente com Paulo Duarte, Mário se encantaria com a
propriedade, vindo a adquiri-la alguns anos depois, em 1944 (ROLIM, 2006, p.31), com o intuito
de doá-la ao SPHAN após a sua morte. Entretanto, Mário estabelecera duas condições: a primeira
9
Segundo os estudos realizados pelo arquiteto e editor Abílio Guerra, em sua tese de doutorado: Lúcio Costa:
modernidade e tradição – Montagem discursiva da arquitetura moderna brasileira (GUERRA, 2002, p.138-139), a
proximidade do poeta Mário de Andrade com Capanema e seu ministério, “se deu, além da evidente indicação do
amigo”, Carlos Drumond de Andrade, chefe do gabinete de Capanema, “ao fato, nada desprezível, de ser católico
atuante”, o que certamente contava muito para Capanema. Guerra destacaria ainda que a identificação de Capanema
ao modernismo estaria mais ligada “a tentativa de fazer do catolicismo tradicional e do culto de símbolos e líderes da
pátria a base da mítica do Estado forte que se tentava construir”, do que ligado às preocupações de Mário de Andrade
com as “raízes mais populares e vitais do povo”.
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seria o “usufruto em vida” e a segunda seria destinar o local “a um repouso de artistas brasileiros”
(ANDRADE, 1981, p.184), fatos estes que não chegariam a ocorrer em virtude de seu precoce
falecimento, em 25 de fevereiro de 1945, com apenas 51 anos de idade.
Ainda assim, a vida profissional de Mário de Andrade seria marcada por diversas ações
relacionadas ao patrimônio, desde a criação e direção do Departamento Municipal de Cultura de
São Paulo (DC) – 1935; o curso de Etnografia e Folclore ministrado por Lévi-Strauss e a fundação
da Sociedade de Etnografia e Folclore (SEF) – ambos em 193610; a participação na criação do
próprio SPHAN e o inventário de bens paulistas – ambos em 1937; e talvez a mais importante
contribuição de Mário no âmbito do patrimônio: a idealização e organização da Missão de
Pesquisas Folclóricas em 193811.
Segundo Aurélio Eduardo do Nascimento e Vera Lúcia Cardim de Cerqueira, responsável
pela publicação de parte dos apontamentos presentes nas “cadernetas de campo” utilizadas ao
longo da referida Missão, este último importante projeto de Mário fora elaborado no sentido de
“construir com rigor científico um conjunto documental sobre tradições culturais brasileiras que
viabilizasse consultas e estudos com desdobramentos em variados campos do conhecimento e da
criação artística” (CERQUEIRA, NASCIMENTO, 2010, p.07). Para este feito, Mário organizara um
grupo composto por quatro pesquisadores e técnicos que percorreriam vasta área do território
nacional, visando à seleção e o recolhimento de informações referentes à grande diversidade da
10
Segundo o Catálogo da Sociedade de Etnografia e Folclore produzido em 1993, após a realização do curso de Dina
Lévi-Strauss, que contara com a participação de 54 estudiosos, dentre eles: Hélio Damante, Oneyda Alvarenga, Antonio
Rubbo Muller, Luís Saia e Ernani Silva Bruno, e que tivera duração de 6 meses, em 4 de novembro de 1936, durante
almoço de despedida da intelectual francesa, Mário de Andrade propõe a criação do Clube de Etnografia. No dia 2 de
abril de 1937, durante as primeiras discussões sobre os objetivos e denominação, o primitivo Clube de Etnografia passa
a denominar-se Sociedade de Etnografia e Folclore, tendo por finalidade “orientar, promover e divulgar estudos
etnográficos, antropológicos e folclóricos”. Mário se tornaria presidente da referida instituição em reunião realizada em
20 de maio do mesmo ano, após aprovação dos primeiros estatutos.
11
Juntamente com Mário, Oneyda Alvarenga, então chefe da Discoteca Pública Municipal, teve importante papel na
organização e orientação metodológica da Missão. Oneyda ainda teria sido a principal responsável pela organização do
material no retorno da Missão, “que passou a integrar o acervo da Discoteca” (ROLIM, 2006, 58).
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cultura espontânea popular brasileira, já constatada pelo próprio escritor em suas andanças pelo
país afora em períodos anteriores12.
Imagem 07: membros Missão de Pesquisas Folclóricas – Ladeira, Pacheco, Saia e Braunwieser
Teatro Santa Izabel – Recife – mar.1938 – Fonte: Discoteca Oneyda Alvarenga – CCSP
Ao longo da Missão, seus pesquisadores efetuariam uma grande quantidade de
apontamentos nas já mencionadas “cadernetas de campo”; além de coletar e adquirir diversos
artefatos, instrumentos, cantigas e canções provenientes dos diversos locais visitados, utilizandose dos últimos recursos tecnológicos de captação de imagem e som disponíveis.
Fazendo parte deste seleto grupo de pesquisadores, além de Martin Braunwieser,
Benedicto Pacheco e Antônio Ladeira (TONI, 2010, p.28), encontrava-se a importante figura do
ainda jovem e futuro engenheiro-arquiteto Luís Saia, uma vez que este somente se formaria na
Escola Politécnica em 1948, após 16 anos de seu ingresso na instituição em 1932 (ROLIM, 2006,
p.40). Ainda assim, Mário que acompanhara a evolução de Saia ao longo de sua participação no
já citado curso etnográfico de Lévi-Strauss e no auxílio sobre a criação da SEF, o nomearia como
12
Aqui nos referimos à viagem de Mário de Andrade, planejada e realizada por conta própria ao nordeste do país, de
dezembro de 1928 a fevereiro de 1929. “As fotos que tirou nessa ocasião continuam a dar a medida da sua sondagem
cultural” (ANDRADE, 1981, p.10).
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chefe da Missão, deixando-o responsável pela coordenação das principais ações da equipe ao
longo da expedição.
Neste contexto, transcrevemos abaixo trecho do início de uma correspondência de Mário
(ANDRADE, 1981, p.65) ao diretor Rodrigo Mello Franco de Andrade, datada de 06 de abril de
1937, e também presente na dissertação de Mariana de Souza Rolim, Luís Saia e a ideia de
patrimônio – 1932-1975, onde a autora retratara as impressões do escritor paulista sobre o jovem
estudante Saia e a possibilidade de “aproveitá-lo” se bem orientado.
[...]Quanto à indicação dum indivíduo pro SPHAN matutei duas horas e depois
mais tempo matutei diálogo com o Sérgio Melliet. É difícil...Me diga uma coisa: o
fulano contratado, contrato precário, seis meses, quanto tempo? Pode-se retirar o
cargo a qualquer momento? No caso de ser possível experimentar e não dando
certo retirar o cargo, poderia propor um rapaz bastante inteligente, estudante de
engenharia, dedicado à arquitetura tradicional, não passadista: Luiz Saia. Tem o
defeito de ser integralista. Serviria havendo este complexo de inferioridade? Sei
que é ativo e como vivo em contacto com ele, poderia orientá-lo bem. [...]
Aqui, nos parece provável que os “Andrades”, Mário e Rodrigo, já buscassem um
profissional com qualidades e habilidades específicas para coordenação da referida pesquisa,
pois em função de seu importante cargo e a instabilidade política que se instalara no então
período, o escritor de Macunaíma teria dificuldades em permanecer ausente de São Paulo.
Por fim, suas preocupações não seriam em vão. Os reflexos advindos das mudanças
políticas geradas pela instituição do Estado Novo, implementado através do golpe político de
Getúlio Vargas no final de 1937, teriam como consequência direta o afastamento de Mário da
direção do DC e o substancial corte de verbas sobre as ações do grupo de pesquisa, provocando
a reformulação de seu roteiro de viagem e a concentração dos seus esforços na região nordeste:
Pernambuco; Paraíba; Piauí; Ceará; e sobre duas localidades no norte do país, mais
precisamente nos estados do Maranhão e Pará (ROLIM, 2006, p.58-59).
Ainda assim, o resultado do trabalho de campo elaborado pelos seus quatro
pesquisadores, através de sua coordenação, se consolidaria como um importante marco na
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história da pesquisa cultural nacional, qualificando ainda mais os esforços empreendidos por Luís
Saia e dando-lhe a experiência necessária para que pudesse assumir seus próximos importantes
trabalhos e ações, desde a coordenação e elaboração de projetos de intervenções, à publicação
de artigos. Nesta relação, destacamos o primeiro projeto de restauro do SPHAN no Estado de São
Paulo sobre o conjunto jesuítico Nossa Senhora do Rosário, em Embú – 1939; seguido da
publicação do artigo O alpendre nas capelas brasileiras, na revista nº 3 do SPHAN – 1939, o
restauro da igreja de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, e a fortaleza de São João
em Bertioga –1941-1942; a publicação do artigo Notas sobre a arquitetura paulista do segundo
século, na revista nº 8 do SPHAN – 1944; até ser nomeado chefe do 4º Distrito do DPHAN em fins
de janeiro de 194613, momento em que a regional paulista passaria a abranger a direção dos
estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul14.
Contudo, vale salientarmos, segundo esclarecimentos do arquiteto Victor Hugo Mori, em seu
artigo 70 anos do Patrimônio em São Paulo (MORI, 2008, p.26-28), que Saia já seria o
representante paulista legal do SPHAN desde fins de 1938, quando do afastamento de Mário do
posto de Assistente Técnico do órgão federal, fruto dos desajustes políticos já mencionados. Na
época, para ocupar seu lugar, o escritor modernista indicara o nome de Luís Saia ao diretor e
amigo Rodrigo M. F. de Andrade que não acatara logo de início sua sugestão. Para Rodrigo, o
jovem estudante Luís Saia era “imaturo demais para ocupar o lugar de um intelectual de peso de
Mário de Andrade”. Todavia, Mário persistira na indicação, até que seu discípulo Luís Saia, após
elaborar um pioneiro estudo acerca da “Aldeia Jesuítica de Carapicuíba”15, e depois de passar
13
Neste mesmo ano (1946), pelo Decreto-Lei nº 8.534, o Serviço PHAN seria transformado em Diretoria (DPHAN),
nome este que permaneceria representando o órgão federal até 1970 (ROLIM, 2006, p.151).
14
A presente síntese dos trabalhos realizados por Saia fora extraída da exposição: Luís Saia: memória e política,
realizada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, nos meses de fevereiro e março de 2013, idealizada e coordenada
por Carlos Roberto Monteiro de Andrade (IAU/USP), Francisco Sales Trajano Filho (IAU/USP), Jaelson Bitran Trindade
(IPHAN/SP), e Paulo Roberto Masseran (FAAC/UNESP). A referida exposição, apresentada em outras tantas
instituições, celebraria o centenário de nascimento de Luís Saia, que se deu em 16 de outubro de 2011.
15
O referido trabalho, composto de aproximadamente 70 páginas, se encontra arquivado no Arquivo Documental da 9ª
SR/IPHAN – Processo: Carapicuíba MTSP – Conjunto Arq. e Urb.
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pelo crivo do diretor Rodrigo, fora aceito como o novo Assistente Técnico, cargo que
permaneceria até o seu falecimento em 1975.
3. LUÍS SAIA E LÚCIO COSTA
Diante deste breve panorama conformado entre as décadas de 30 e 40, retornamos ao
período de participação de Luís Saia como principal responsável, juntamente com a coordenação
técnica do arquiteto Lúcio Costa e a direção geral de Rodrigo M. F. de Andrade, pela elaboração e
acompanhamento no processo de restauração do Sítio Santo Antônio durante os anos de 19401947, período este que definiria a primeira fase dos trabalhos de intervenção no monumento.
Imagem 08: Sítio Sto Antônio – imagem geral conj. durante segunda fase das intervenções – déc.60
Fonte: IPHAN 9ª SR/SP – Acervo Arquivo Fotográfico
Uma segunda e também importante fase de intervenções seria realizada ao longo da
década de 60, período em que seria realizada a “restauração das pinturas do forro policromado da
Este trabalho seria mencionado pelo próprio Saia no livro Morada Paulista, de 1972, onde ele citara: “[...]trabalho
exaustivo e cheio de erros – éramos tão inocentes e ignorantes em matéria de arquitetura tradicional que nem sabíamos
o que não sabíamos...Nunca publiquei nem publicarei tal estudo, o qual tem estado à disposição dos estudiosos na
sede do 4º Distrito. E tem sido usado não poucas vezes.” (SAIA, 2005, p.20)
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capela, bem como a constituição do lago e a instalação da casa do zelador”. Esta periodização
seria definida por Cristiane Souza Gonçalves através do seu artigo: A experiência do Serviço de
Patrimônio Artístico e Nacional em São Paulo: o caso do restauro do Sítio Santo Antônio, 19401947. (GONÇALVESa, 2007, p.172)
Neste artigo a autora analisaria a primeira fase de intervenções no monumento, no sentido
de buscar compreender as decisões tomadas por Luís Saia e os resultados obtidos no término do
processo. Para isso, Gonçalves se utilizaria de relatórios, ofícios, cartas e consultas à sede do
órgão no Rio de Janeiro, explicitando algumas análises, aprovações e questionamentos
elaborados principalmente por Lúcio Costa, que como já apontado, seria o então consultor do
órgão federal, mais precisamente o Diretor da Divisão dos Estudos e Tombamento, posto este
abaixo apenas do Diretor Rodrigo e o ministro Capanema.
Sobre este importante cargo ocupado por Costa, o mesmo lhe garantia o respaldo
necessário para que suas opiniões fossem geralmente respeitadas e acatadas16, sendo fruto da
experiência por ele adquirida através dos estudos e projetos realizados sobre o patrimônio, como
o seu profundo entendimento acerca do barroco mineiro – reconhecido como uma das primeiras
importantes manifestações artísticas de cunho nacional; a experiência da direção da Escola de
Belas Artes, juntamente com o já reconhecido arquiteto modernista Gregori Warchavchik – 1930;
o revolucionário projeto do edifício do MES, em conjunto com outros importantes arquitetos e a
consultoria do mestre franco-suiço, Le Corbusier – 1936; a criação do Museu das Missões, no Rio
Grande do Sul – 193717; o projeto para o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York –
16
Por vezes a centralização das decisões do SPHAN em Lúcio Costa seria questionada, como no artigo do professor
Carlos Lemos, À procura da memória nacional, de 1993: “às vezes, O SPHAN não passava de uma irrepreensível
repartição pública com decisões cariocas; outras vezes, não passava de aglomeração de delegacias regionais tomando
decisões independentes, às escondidas, com medo que o doutor ‘Lucio ficasse com o nariz torcido’”. Aqui Lemos se
referia ao artigo publicado por Antônio Luiz Dias de Andrade, em 1992, e intitulado O nariz torcido de Lucio Costa.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. À procura da memória nacional. Memória. São Paulo, ano V, nº 17, 1993, p.24.
Apud ROLIM, 2006, p.93)
17
No livro Arquitetura no Brasil: 1900-1990, o crítico de arquitetura Hugo Segawa destacara o trabalho de intervenção
de Lúcio Costa como funcionário do SPHAN nas ruínas da missão jesuítica do século XVIII, em Santo Ângelo, RS. “O
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1938/39; e o projeto do Grande Hotel de Ouro Preto – 1939, sendo estes últimos dois elaborados
em parceria com Oscar Niemeyer.
Em nosso objeto de estudo este processo pode ser novamente observado através de
documentos onde Dr. Lúcio questionara e divergira acerca das definições tomadas por Saia,
conforme ofício abaixo, de 22 de novembro de 1947 (COSTA, 1947), próximo ao término das
obras de restauro referentes à primeira fase das intervenções.
Apezar da lógica da argumentação do Dr. Luiz Saia e da documentação em que
ele se baseia, considero inaceitável a divisão do vão do alpendre em seis lanços.
Basta confrontar as fotografias 393 e 394, com 3 esteios apenas, com as
fotografias 432 e 433, com cinco, para constatar que a solução original não pode
de forma alguma ser esta ultima, que não se enquadra no ritmo geral da
construção e mais parece escoramento provisório. Alias o exame mais demorado
do problema leva a uma conclusão um tanto alarmante: sera que o Dr. Saia se
equivocou, aceitando como primitivas as paredes que constituem um dos cantos
extremos do alpendre, e fez a casa maior do que terá sido? É que a extranheza
18
provocada pela extensão desmedida da fachada se agrava quando se constata
que, em planta, a disposição dos vãos do alpendre – porta e duas janelas
equidistantes – parece indicar que, originalmente, o alpendre teria sido menor,
redução que viria então restituir a fachada e ao alpendre as suas verdadeiras
proporções.
Em 22 de novembro de 1947
(a.)
Lúcio Costa
Diretor da Divisão de Estudos e Tombamento
museu – construído em parte com elementos arquitetônicos remanescentes encontrados na região – e a casa do
zelador integram-se inteligentemente ao conjunto monumental. Esta realização – uma referência do papel de Lúcio
Costa na formulação de uma prática arquitetônica que integra o antigo com o moderno – caracterizou o arquiteto como
um dos principais responsáveis pelo pensamento oficial do patrimônio histórico doravante”. (SEGAWA, 1998, p.80)
18
A citação de Lúcio Costa sobre sua “extranheza” frente às proporções da fachada da casa-grande do Sítio Santo
Antônio, pode ser facilmente compreendida quando comparada com as proporções presentes nas demais casas
bandeiristas, que em muitos casos contavam com fachadas de 18,00 a 20,00 m, e não 36,00 m como constatamos no
monumento de São Roque. Este é o caso das fachadas da Casa do Butantã – 17,70 m; Caxingui – 19,30 m; Padre
Ignácio – 20,00 m; e Mandu, também com 20,00 m, segundo descrições dos referidos monumentos presentes no livro
de Julio Roberto Katinsky (KATINSKY, 1976, p.73-81).
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Imagem 09: Sítio Santo Antônio – fachada frontal casa-grande – 36,00m
Fonte: Fausto Sombra, 2013
Imagem 10: Casa Mandu – Cotia – o contraste do comprimento da fachada – 20,00m, frente ao Sítio
Fonte: Fausto Sombra, 2013
Em seu artigo, a pesquisadora Cristiane Souza Gonçalves já citara este ofício, inclusive ela
incluíra um pequeno trecho da defesa de Saia transcrito de uma longa correspondência de quatro
páginas, datada de 27 de novembro de 1947 (SAIA, 1947) e endereçada ao Dr. Rodrigo M. F. de
Andrade. Nela, Saia esmiuçaria ponto a ponto os questionamentos levantados por Lúcio Costa,
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inclusive frisando que teria confirmações verbais comprovando as dimensões e a concepção
adotada entre as proporções do edifício e o alpendre restaurado.
[...]Quanto ao fato do senhor Diretor da D.E.T se alarmar com a “extensão
desmedida da fachada cabe-me apenas informar que so foram executados as
bitolas irrecusáveis encontradas no proprio local. Neste sentido tenho procurado-e
encontrado confirmação integral por parte de pessoas que conheceram a casa
grande antes da demolição parcial. Mas ainda que não se tivesse esta especie de
confirmação verbal estaria absolutamente seguro das medidas adotadas, pois
todas o foram na base dos alicerces procurados e encontrados.[...]
Saia seguiria defendo sua concepção acerca do restauro na página final do ofício.
[...]Resumindo posso assegurar que as proporções da fachada e do alpendre são
fieis...De fato, é impressionante uma fachada enorme de comprimento e tão pobre
de pe-direito e cheios. Apenas duas pequenas janelas é tão pouco para uma
extensão tão grande que faz a gente pensar em defender o cheio do alpendre a
todo o transe. Estou nesta altura lembrando o clarissimo artigo Documentação
Necessaria sobretudo no que se refere ás proporções de cheios e vasios nos
edificios das diversas fases da arquitetura nacional.[...]
Destes trechos, mais especificamente da primeira parte transcrita, podemos constatar que
Luís Saia buscaria se defender e reforçar os seus argumentos com relação às questões colocadas
por Lúcio, pois, conforme ilustrado inicialmente, encontra-se arquivado nas pastas do referido
monumento, no escritório paulista do IPHAN, o depoimento do Sr. Manuel Oliveira Rosa, de
setembro de 1948, ajudando a fortalecer a concepção compositiva adotada por Saia para a
restauração do referido conjunto arquitetônico. Neste ponto, é importante destacarmos que a data
de resposta de Saia ao Dr. Rodrigo seria anterior ao depoimento citado do Sr. Rosa em
aproximadamente 10 meses, nos parecendo plausível supor que após ser questionado por Costa,
o arquiteto paulista buscaria recolher as informações pertinentes que assegurassem suas
convicções19.
19
Segundo Victor Hugo Mori, pesquisas realizadas em período posterior à direção de Luís Saia no órgão federal, já
após o seu falecimento, revelariam o “Inventário dos Bens Religiosos e Confrarias-1833-1836”, arquivado no Dep. do
Arquivo do Estado (Ind.: Maço 22 – Sala 10). Nele, encontraríamos o “Inventário da Capella de S.Antonio”, datado de
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Também nos parece evidente que Saia não deixa de demonstrar sua postura de respeito e
admiração frente aos seus superiores diretos, pois ainda que defenda suas prospecções e demais
análises realizadas, Saia busca ser, de certa forma, conciliador quando da citação do artigo de
Lúcio Costa, Documentação Necessária, publicado na Revista do SPHAN, nº 01, de 1937,
demonstrando que não seria contrário ao seu superior, mas que apenas lhe parecia evidente que
o referido monumento teria peculiaridades distintas em relação às demais casas até então
estudadas.
Imagem 11: Documentação Necessária – evolução dos vãos na arquitetura a partir do séc. XVII
Fonte: COSTA, Lúcio. Registros de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995, p. 461.
Já no parágrafo final da extensa defesa de Saia, conforme abaixo, o arquiteto paulista
manteria sua postura frente à concepção de restauro adotada, concluindo seu pensamento com
1835 e atestado pelo Juiz Municipal Francisco Figueiredo Coimbra. Seu conteúdo comprovara as convicções e
prospecções elaboradas por Luís Saia no processo de intervenção do referido bem, pois a descrição apresentada
referente à casa-grande seria precisa em relação aos lanços do respectivo edifício: “Huma morada de cazas de quatro
lanços, de taipa e cobertas de telhas, huma Capella do Santo com imagens a saber:”. Ainda segundo Victor Hugo Mori,
este documento comprovaria a forma atípica e alongada do monumento, contrariando o padrão tipológico presente nas
demais casas bandeiristas de taipa de pilão, reconhecidas por serem conformadas por apenas três lanços, com o
alpendre central interligado a apenas uma sala na porção central da edificação, e não duas conforme no Sítio Santo
Antônio.
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sua percepção positiva com relação à ambiência final do alpendre da edificação restaurada e
comentando acerca dos inúmeros convites feitos ao Dr. Lúcio, para que finalmente fizesse uma
visita a São Paulo e ao referido monumento arquitetônico.
[...]Por último, não quero deixar de assinalar o meu sentimento pessoal do
agenciamento: resultou um alpendre espaçoso e acolhedor. Muito maior do que as
suas medidas podem sugerir por causa da plataforma que parece aumentar o seu
tamanho e acentuar o ar acolhedor. Este é contudo uma impressão muito pessoal
que eu teria o maior prazer em ver compartilhada pelo Dr. Lucio Costa, caso ele
senhor Diretor da D.E.T quisesse aceitar o convite tantas vezes feito e repetido de
fazer uma viagem a este Distrito.
Atenciosamente,
Luis Saia
Chefe do 4º Distrito
Sobre este ponto, na verdade Lúcio Costa não estivera em São Paulo não mais que duas
vezes ao longo de toda sua vida, sendo este afastamento físico sobre o 4º Distrito do órgão
federal reforçado pela transcrição de uma entrevista dada a Gonçalves pelo arquiteto José Saia,
filho mais velho de Luís Saia. (GONÇALVESa, 2007, p.182)
Vale ainda destacar, seguindo o raciocínio presente no artigo da referida pesquisadora,
que outros posteriores estudiosos, assim como o próprio Lúcio o fizera, questionariam parte das
soluções adotadas à intervenção do conjunto localizado no município de São Roque. Neste
sentido a pesquisadora cita a hipótese levantada pela historiadora Aracy Amaral, defendida em
seu livro, A Hispanidade em São Paulo: da casa rural a capela de Santo Antônio, publicado em
1981, onde a autora defendera que o alpendre frontal da capela se trataria de uma inserção
posterior à construção original, ou seja, contrariando o pensamento de Saia no período. Este
processo suscitaria questionamentos e desdobramentos diversos, como o desenho de analise
realizado pelo sucessor de Saia no IPHAN, o arquiteto Antônio Luiz Dias de Andrade, o Janjão,
que ao longo de sua direção no órgão, durante os anos de 1978-1994 (MORI, 2008, p.36), nos
deixara importantes reflexões sobre as ações empreendidas nas primeiras décadas do órgão
federal, sendo este então período definido pelo próprio Saia como “A Fase Heroica”.
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Imagem 12: Sítio Santo Antônio – desenho de análise de trecho da capela anterior ao restauro
Fonte: IPHAN 9ª SR/SP – Acervo Arquivo Documental – autoria: Janjão
Ainda sobre suas importantes reflexões, em 1992, Antônio Luiz Dias de Andrade publicaria
o artigo na Revista Sinopse intitulado O nariz torcido de Lucio Costa (ANDRADE, 1992) onde o
autor nos descreveria trechos relacionados ao “intenso debate entre os arquitetos Lúcio Costa e
Luís Saia” durante as obras de restauração do já mencionado conjunto jesuítico de Nossa
Senhora do Rosário, em 1939. Nele, Janjão citara a expressão utilizada por Saia durante uma
exposição no curso de “Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos”, em
1974, onde Lúcio Costa aceitara com “o nariz o torcido” as suas proposições frente à forma
primitiva do telhado da sineira da referida Igreja. Para Saia a cobertura deste elemento seria com
quatro águas e não duas conforme defendera Costa.
No ano seguinte a esta publicação Janjão defenderia sua importante tese de doutorado,
Um estado completo que pode jamais ter existido, com a orientação do amigo e professor Carlos
Lemos. Nele o autor buscara demonstrar que os “restauradores modernistas do Patrimônio”,
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através da ideologia de Lúcio Costa, seguiam a trajetória da “construção de uma história da
arquitetura de caráter finalista, lógica e linear”, seguindo caminhos similares aos percorridos por
outros importantes nomes do restauro, como “Viollet-le-duc e seus discípulos” na França (MORI,
2008, p.33).
Este contexto intelectual nos ajudaria a compreender as oposições não menos acaloradas
de outras gerações de estudiosos frente às análises e interpretações sobre as intervenções nos
sítios históricos, principalmente sobre o tema relacionado ao universo das casas bandeiristas20.
Imagem 13: Trecho da capa da tese doutorado de Janjão
Fonte: ANDRADE, Antônio Luiz Dias de. Um estado completo que pode jamais ter existido.
São Paulo: FAUUSP, 1993
Mesmo nesse sentido, em uma análise mais abrangente, podemos constatar através deste
processo de chefia, e porque não, do trabalho em parceria de Lúcio Costa com o chefe da
20
No artigo originalmente publicado em 1999, no Jornal da Tarde, com o título: Um olhar sobre a arquitetura de morar
paulista, referente à análise do livro Casa Paulista – 1999, de autoria do arquiteto Carlos Alberto Cerqueira Lemos,
Hugo Segawa definiria de forma precisa as divergências entre o pensamento de Luís Saia e seus colegas, mais
precisamente Lemos. Segawa defenderia que o tema retratado neste livro teria “uma ascendência direta nas
inquietações que rondaram a estirpe fundadora do que hoje se chama Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional” e nos recorda que Saia teria sido o “instaurador de uma interpretação da habitação paulista”, enquanto que
Lemos, de uma geração seguinte, “sem negar a contribuição de Saia”, desenvolveria uma nova interpretação destas
questões com base nas fontes que formara o grupo de intelectuais em que Saia se desenvolvera na década de 30, ou
seja, Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Lúcio Costa, e outros não-arquitetos como Aracy Amaral. (SEGAWA, 2013).
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regional paulista e seu subordinado, Luís Saia, que o paradigma de intervenção que viera a se
converter o referido Sítio seria referência para outras tantas ações empreendidas no meio do
patrimônio nacional. Neste processo Lúcio assumira o seu caráter de comando frente ao SPHAN,
já demonstrado em ocasiões anteriores. Aqui nos referimos à construção do Grande Hotel de
Ouro Preto, onde, desde Nova York, durante o projeto do Pavilhão do Brasil na Feira Mundial, em
1939, e na companhia de Oscar Niemeyer, Dr. Lúcio enviara de volta ao Brasil o jovem e talentoso
arquiteto para interferir no projeto de Carlos Leão, então elaborado “com forte teor neocolonial”,
versão esta que seria “do agrado do diretor do SPHAN, Rodrigo M. F. de Andrade, e das
autoridades mineiras”. (GUERRA, 2002, p.142-143)
Também nos parece claro que a força de Lúcio Costa em torno do órgão federal e sua
equipe técnica: Oscar Niemeyer, Carlos Leão, José de Souza Reis, entre outros, além das chefias
regionais, como Luís Saia, formariam um grupo de profissionais e intelectuais coesos em torno de
um pensamento comum, fazendo do Sítio Santo Antônio, conforme palavras do arquiteto e
professor Victor Hugo Mori, “o mais belo monumento paulista sob a ótica da estética do
modernismo”.
Imagem 14: Sítio Santo Antônio – fachada da capela
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Fonte: Fausto Sombra, 2012
4. RESSONÂNCIAS
Imerso nesta linha de pensamento, tempos depois à primeira fase de intervenções no Sítio
Santo Antônio, Luís Saia retomaria o tema referente ao paradigmático monumento, através de um
artigo publicado na Revista de Engenharia Mackenzie nº 130, de agosto/setembro de 1956 (SAIA,
1956, p.37-42.), seguindo trecho abaixo transcrito. Nele, o já engenheiro-arquiteto paulista
elaboraria seu discurso através da análise e analogia da capela do Sítio em São Roque e a Igreja
de São Francisco de Assis, localizada em Pampulha e projetada por Oscar Niemeyer, a pedido de
Juscelino Kubistchek no início da década de 40.
[...] Nestas condições, quando acontece que um arquiteto altamente qualificado seja
convocado para projetar um edifício de arte religiosa – o que é realmente raro – não é
estranhavel que o projeto resultante signifique um rápido salto capaz de compensar a
defasagem do gôsto corrente, ainda preso ao ecletismo e à repetição. A razão é
relativamente simples: um arquiteto que tenha a sensibilidade em dia, e a cabeça no
lugar, propõe a sua tese em termos consentâneos, não apenas quanto ao funcionalismo
da peça – funcionamento necessariamente vinculado aos peculiares aspectos de técnica
construtiva e de partido plástico. Estão neste caso tanto a capela que Oscar Niemeyer
estudou para o conjunto da Pampulha como a igreja que Corbusier projetou para a
localidade de Ronchamp.”
Se recuarmos 275 anos, encontraremos em São Paulo, no município de São Roque, no
sítio Santo Antônio, uma capela cuja contemporaneidade deve ter sido tão chocante,
para época, quanto as citadas. Contemporaneidade traduzida nas modificações que
introduziu e cuja acolhida foi responsável pela tradicionalização e popularização das
soluções adotadas. Em que pesem, portanto, as diferenças de técnica e de partido
plástico que separam a capela de Niemeyer e a do sítio Santo Antônio, ambas se
assemelham no partido geral, na sua validade revolucionária e, especialmente, pelo fato
de se enraizarem profundamente na época, nas regiões. Na cultura que as propiciou e
nas intenções das comunidades que assistiram seus nascimentos.
De fato, a capela paulista, que data de 1681, representou, ao que tudo leva acreditar,
uma profunda inovação nas construções religiosas de então. Tendo vasado a fachada da
principal – aproveitando para isso da proteção do alpendre que era então corrente nas
capelas paulistas...Na opinião autorizada de Lúcio Costa a talha desta pequena capela
seiscentista representa uma das primeiras manifestações da arte brasileira...Tudo leva a
acreditar, enfim, que o arquiteto desta capela do sítio Santo Antônio tenha rompido uma
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linha de tradição existente, creando novas perspectivas para a arquitetura das pequenas
capelas da época bandeirista.
Imagem 15: esquerda: fachada capela Sítio Sto Antônio anterior ao restauro – direita: Igreja da Pampulha
Fonte: Artigo Arquitetura – Luís Saia – 1956
Em uma rápida análise cronológica, podemos identificar que a concepção da Igreja da
Pampulha seria contemporânea à primeira fase das intervenções no Sítio Santo Antônio.
Parece assim possível estabelecermos à relação direta entre os esforços aplicados por
Lúcio Costa, na coordenação das obras de restauro do Sítio em parceria com Luís Saia, e os
trabalhos de Niemeyer empreendidos no próprio órgão federal, ou seja, que o material que Lúcio
manipulara acerca do Sítio paulista seria provavelmente de conhecimento de Niemeyer. A própria
existência da capela do Palácio da Alvorada, em Brasília, teria suas raízes na arquitetura colonial
nacional.
De certo, baseado no panorama apresentado, nos parece correto afirmarmos que Costa
seria a ponte de conexão acerca de um grande numero de ações de caráter arquitetônico e
artístico-cultural, praticados em diversos sítios nacionais em meados do século passado, desde as
primeiras obras-primas realizadas pelo ainda jovem gênio carioca Oscar, até os inúmeros estudos
acerca do patrimônio histórico arquitetônico, onde Luís Saia, um dos principais e mais atuantes
articuladores paulista até meados dos anos 70, dedicara grande parte de sua vida.
Agradecimentos.
Prof. Abílio Guerra
Prof. Victor Hugo Mori e Carlos Gutierrez Cerqueira
Prof. Carlos Roberto Monteiro de Andrade e Jaelson Bitran Trindade
Anita Hirschbruch e Eduardo Miranda Siufi – 9ª SR/IPHAN
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Wilma Martins de Oliveria – CCSP – Centro Cultural São Paulo
Imagem 16: Sítio Santo Antônio – imagem do conjunto arquitetônico
Fonte: Fausto Sombra, 2013
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CERQUEIRA, Carlos G. F., SAIA NETO, José. Sítio e Capela de Santo Antonio: Roteiro de Visitas. São
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de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo. (org. Vera Lúcia Cardim de Cerqueira). São Paulo:
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COSTA, Lúcio. 1947 – 22/nov. Informação nº 181 em que Lúcio questiona as análises e ações de Luís Saia
no processo de restauro do Sítio Santo Antônio. Processo: São Roque – MTSP – Casa do Sítio Sto Antonio
e a capela que lhe é anexa. Pasta: Pt00586 / 0214-T-39 / 162 Folhas / P2, IPHAN 9ª SR/SP.
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GONÇALVESa, Cristiane Souza. A experiência do Serviço de Patrimônio Artístico e Nacional em São Paulo:
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(Mestrado em Arquitetura – orientador: prof. Dr. Carlos Guilherme Motta) – Universidade Presbiteriana
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arquitetônica adotada no restauro do Sítio Santo Antônio. Processo: São Roque – MTSP – Casa do Sítio
Sto Antonio e a capela que lhe é anexa. Pasta: Pt00586 / 0214-T-39 / 162 Folhas / P2, IPHAN 9ª SR/SP.
SAIA, Luís. 1947 – 22/nov. Trecho da página 03 do ofício Of. 239/47 de 04 páginas, endereçado ao Diretor
Geral do SPHAN – Rodrigo Mello Franco de Andrade onde Luís Saia responde as questões levantadas por
Lúcios Costa no ofício “Informação nº 181”. Processo: São Roque – MTSP – Casa do Sítio Santo Antônio e
a capela que lhe é anexa. Pasta: Pt00586 / 0214-T-39 / 162 Folhas / P2, IPHAN 9ª SR/SP.
SAIA, Luís. Arquitetura. São Paulo: Revista de Engenharia Mackenzie, nº130, 1956.
SAIA, Luís. Morada Paulista. São Paulo: Editora Perspectiva – 3ª ed. – 1ª reimp., 2005.
SEGAWA, Hugo. Arquitetura no Brasil: 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1998.
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Acessado em: 15/04/2013.
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TONI, Flávia Camargo. As Cadernetas da Missão de Pesquisas Folclóricas. Missão de Pesquisas
Folclóricas: cadernetas de campo. (org. Vera Lúcia Cardim de Cerqueira). São Paulo: Associação Amigos
do Centro Cultural, 2010.
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REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS NA REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO
RESUMO
O presente trabalho tem objetivo de analisar a reabilitação de edifícios para habitação de interesse social, a
luz dos marcos legais, Constituição de 1988 e Estatuto da Cidade. O foco da pesquisa é a região central do
município de São Paulo, neste cenário, serão avaliadas as políticas habitacionais desde a gestão Luiza
Erundina, iniciada em 1989, pós-constituição, marcada pela reabilitação de edifícios na região central por
meio do Programa de Cortiços, passando pela gestão de Paulo Maluf e Celso Pitta, período de
descontinuidade à política habitacional de interesse social na região central, bem como sua retomada, na
gestão de Marta Suplicy, amparada legalmente pelo Estatuto da Cidade em âmbito federal e pelo Plano
Diretor Estratégico de São Paulo, aprovado em 2002. As políticas habitacionais analisadas nas
periodizações acima descritas terão como foco a reabilitação de edifícios para promoção de habitação de
interesse social na região central de São Paulo.
Reabilitado por meio do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), o edifício Maria Paula, tombado
pelo patrimônio municipal será o exemplo demonstrado, por localizar-se na região central, e ser destinado á
famílias com renda até 03 salários mínimos.
Palavras-chave: Habitação de Interesse Social, Reabilitação de Edifícios, Região Central
ABSTRACT
This study aimed to analyze the rehabilitation of buildings for social housing, focusing legal framework , the
1988 Constitution and the “Estatuto da Cidade”.The focus of the research is the São Paulo’s downtown. This
scenario , will be analyzed housing policies from the management Luiza Erundina , started in 1989 , post constitution , for
buildings rehabilitation in the downtown
through the “Programa de Cortiços”. After,
management of Paulo Maluf and Celso Pitta period of discontinuity policy of social interest housing in the
downtown, as well the return with Marta Suplicy managing, between 2000-2004 , legally supported by the
“Estatuto da Cidade” in the federal scenario and the Strategic Plan São Paulo approved in 2002 . Housing
policies analyzed in periodization described above will focus on the rehabilitation of buildings for promotion
of social housing in Sao Paulo’s downtown. Rehabilitated through “Programa de Arrendamento Residencial”
( PAR ) , the Maria Paula’s building, will be listed by the example shown , because it is located in the central
region , and will be for families with income up to 03 minimum salary .
Key words: Social Housing, buildings rehabilitation, downtown
39
REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS NA REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO
Fernanda Amorim Militelli
1
INTRODUÇÃO
Em 1988 com a promulgação da nova Constituição entraram em vigor dispositivos
específicos para guiar os processos de desenvolvimento territorial e determinar as
condições de gestão urbana. Parte do capítulo constitucional foi escrito com base na
emenda popular da reforma urbana, que tinha sido formulada, discutida, disseminada e
assinada por mais de 100.000 organizações sociais e indivíduos envolvidos no Movimento
Nacional de Reforma Urbana2, (SAULE, 2001).
Essa emenda propunha o reconhecimento constitucional dos seguintes princípios
gerais: autonomia do governo municipal, gestão democrática das cidades, direito social à
moradia, direito à regularização de assentamentos informais consolidados, função social
da propriedade urbana e combate à retenção especulativa do solo urbano, neste diapasão,
inicia-se em 1989, o primeiro período de análise, marcado pela gestão municipal de Luiza
Erundina.
1
Arquiteta e Urbanista. Pós Graduação em Gestão Ambiental, Especialização em Direito Urbanístico, Mestranda em
Arquitetura e Urbanismo na Universidade Mackenzie. Rua da Consolação, 930. Tel. (11) 2114-8000.
email: [email protected]
2
A trajetória do Movimento Nacional de Reforma urbana é explanada por SAULE, N. e UZZO, K. A trajetória da
reforma urbana no Brasil. Disponível em http://base.d-p-h.info/pt/fiches/dph/fiche-dph-8583.html. Acesso em 04 de out.
de 2013.
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1. POLÍTICA HABITACIONAL NA REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO: 1989 A 2004.
1989 A 1993: HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL NA ÁREA CENTRAL DE SÃO PAULO:
PRIMEIROS PASSOS.
Em São Paulo pela primeira vez, a gestão municipal iniciada em 1989, foi norteada pelo
principio constitucional da função social da propriedade e da cidade, priorizando a política
habitacional e a implementação da habitação de interesse social por mutirão autogerido.
(ARANTES, 2004) . Além do êxito obtido pela autogestão3, a gestão municipal entre 1989 e 1993
destacou-se por colocar em pauta a concepção de habitação de interesse social em áreas
centrais da cidade, (BONDUKI, 2000).
Na gestão de Luiza Erundina (1989 – 1993) pela primeira vez foi possível colocar em
prática experiências de reabilitação de edifícios na região central da cidade, destinados á
Habitação de Interesse Social para os moradores de cortiços. (PASTERNAK, 2007)
O Programa de Cortiços desenvolveu duas vias de intervenção nas áreas centrais, uma
baseada em compra e desapropriação de imóveis pelo poder público para implantação de projetos
habitacionais, e outra baseada na autogestão que fundamentava-se em financiamento público
através do Funaps (Fundo Nacional de Habitação) para as associações comunitárias, constituídas
por famílias moradoras de cortiços, adquirirem os imóveis deteriorados e promoverem sua reforma
ou reconstrução, (BONDUKI, 2000).
O mutirão Celso Garcia como prática bem sucedida, o projeto executado na região central
da cidade, além de reabilitar um casarão do século XIX para atividades culturais, promoveu
3
Bonduki (2000) explica que o mutirão autogerido é baseado na organização autônoma da sociedade civil, apoiado e
financiado pelo poder público, proporciona a produção de novas moradias com introdução de avanços tecnológicos e
sociais, proporcionando resultados positivos em relação á qualidade arquitetônica, baixo custo e menores prazos de
execução.
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habitação de interesse social e equipamentos sociais por meio de mutirão autogerido.
Este
projeto atendeu tanto a população moradora do cortiço (localizado anteriormente no casarão)
quanto à população dos cortiços do entorno. Este projeto foi emblemático por ressaltar a questão
do direito à cidade, demonstrado pela permanência da população de baixa renda na região
central de São Paulo, (BONDUKI, 2000).
1993 A 2000: DESCONTINUIDADE
A prática de mutirão e reabilitação de cortiços foi descontinuada no período marcado entre
1993 e 2000, que priorizou a construção de edifícios de apartamentos por métodos
convencionais4, (ARANTES, 2004).
Em janeiro de 1993, quando Luiza Erundina transferiu para Paulo Maluf a
administração de São Paulo, estava em andamento o maior programa habitacional
promovido pelo município em toda sua história, e que foi interrompido pelo novo
prefeito. Quase duzentos empreendimentos - incluindo a construção de milhares
de unidades habitacionais em mutirão, urbanização de favelas, intervenções em
cortiços e outros programas - ficaram paralisados, gerando grande prejuízo para
prefeitura (BONDUKI, 2000, p.98)
Em relação à política habitacional nas áreas centrais, a gestão de Maluf (1993-1997) não
apresentou propostas consistentes. A atuação na área central foi marcada pela criação
do
Programa de Requalificação Urbana e Funcional do Centro de São Paulo (Procentro), que entre
as ações iniciais previa basicamente recuperação de fachadas, empenas cegas, regulamentação
para anúncios, implantação de equipamentos e mobiliário urbano, (DIOGO, 2004)
Entre 1997 e 2000, anos marcados pela gestão de Celso Pitta, a política habitacional na região
central da cidade foi pontuada pela divulgação do Projeto HabiCentro, com diretrizes vinculadas
4
Programa de Verticalização de Favelas – “Cingapura”
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a promoção de projetos habitacionais para classe média, operação cortiço, projeto terceira idade e
projeto residencial estudantil, (DIOGO, 2004). A Unificação das Lutas de Cortiços (ULC) e o
Fórum dos Cortiços reivindicaram ao Procentro um plano com projeto que abarcava 24 edifícios
novos, 10 reformas e 08 reabilitações. Entre as reabilitações está o edifício Baronesa Porto
Carrero, com 32 unidades habitacionais.
Em 1997 foi instituída, pela Lei nº 12.349, a Operação Urbana Centro (OUC) que em
relação ao viés habitacional, previa a construção de novas habitações e incentivo a recuperação
de prédios públicos existentes na área central, porém sem enfatizar a questão Habitação de
Interesse Social.
DE 2001 A 2004: HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL NA REGIÃO CENTRAL DE SÃO
PAULO: NOVAS PERSPECTIVAS
Em 2001, concomitante ao início da nova gestão municipal foi promulgada a Lei Federal n°
Lei Federal n° 10. 257, que instituiu o Estatuto da Cidade. O Estatuto da Cidade renovou e criou
uma série de instrumentos jurídicos, urbanísticos e fiscais, que podem ser utilizados pelas
administrações municipais, especialmente no âmbito dos Planos Diretores, a fim de regulamentar,
induzir e reverter a ação dos mercados de terras e propriedades urbanas, de acordo com os
princípios de inclusão social e sustentabilidade ambiental. Estes instrumentos podem e devem
ser utilizados de maneira combinada, visando não apenas regular os processos de uso e
desenvolvimento do solo, mas especialmente de induzi-los de acordo com um “projeto de cidade”,
expresso, sobretudo, a partir dos planos diretores. (ROLNIK, 2001).
Neste contexto, a política habitacional na região central vinculada a gestão municipal
iniciada em 2001 foi caracterizada, em 03 frentes, (DIOGO, 2004).
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A primeira delas consiste no Plano Reconstruir o Centro, que definiu diretrizes com ênfase
na habitação, viabilizado por meio do programa Morar no Centro. A segunda frente foi
representada pelo Plano de Reabilitação da Área Central (Ação Centro), viabilizado por com
financiamento do BID e gerenciado pela EMURB, posteriormente englobou o Procentro e o
Programa Morar no Centro.
A terceira e última frente foi marcada pela aprovação do Plano diretor estratégico (PDE),
em 2002, e pelo o Plano Municipal de Habitação, que em relação á política habitacional nas áreas
centrais, definiu as Zonas Especiais de Interesse Social 3 5 , que embasaram juridicamente a
implementação dos planos que visam a promoção de habitação de interesse social na região
central.
PROGRAMA MORAR NO CENTRO
O Programa Morar no Centro, pautou sua proposta estruturada em 3 modalidades de
intervenção urbana, os
Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat (PRIH), os Projetos
habitacionais em terrenos ou edifícios vazios e os Projetos Especiais (Requalificação da Foz do
Tamanduateí Parque do Gato e Reabilitação do Edifício São Vito). Estas intervenções preveem
atendimento habitacional, de forma isolada ou combinada, das seguintes modalidades: locação
social, bolsa aluguel, moradia transitória, programa e intervenção em cortiços e Programa de
Arrendamento Residencial (PAR), no qual é enquadrada a reabilitação de edifícios com ênfase na
habitação de interesse social, (DIOGO, 2004)
5
De acordo com o PDE, ZEIS 03 podem ser definidas como: áreas com predominância de terrenos ou edificações
subutilizados situados em áreas dotadas de infraestrutura, serviços urbanos e oferta de empregos, ou que estejam
recebendo investimentos desta natureza, onde haja interesse público, expresso por meio desta lei, dos planos regionais
ou de lei especifica, em promover ou ampliar o uso por Habitação de Interesse Social - HIS ou do Mercado Popular HMP, e melhorar as condições habitacionais da população moradora.
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PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL – PAR
O Programa de Arrendamento Residencial consistiu em um convênio assinado pela
Prefeitura Municipal e Caixa Econômica Federal (CEF), que visava o financiamento para a
reabilitação de edifícios, indicados pela Secretaria de Habitação ou pelos movimentos de moradia,
com finalidade de habitação de interesse social.
O atendimento era destinado à famílias com renda entre 04 a 06 salários mínimos, com
financiamento previsto em 15 anos, com opção de compra do imóvel ao final do período.
Para financiamento, entre outros, a CEF exigia que o empreendimento estivesse localizado
em área com infraestrutura consolidada, próxima a transportes públicos, além da regularização
jurídica do imóvel, laudo estrutural, orçamento detalhado e cronograma físico financeiro.
De
acordo com a PMSP (2004), as exigências relacionadas à regularização jurídica do imóvel, a
negociação para compra do imóvel frente à especulação imobiliária no centro de São Paulo, a
falta de mão de obra especializada para reabilitação dos edifícios, foram alguns dos obstáculos
presentes neste tipo de iniciativa, (DIOGO, 2004).
Até 2006 o PAR deveria permitir a produção de 1.523 unidades habitacionais até o final de
2006. Em 2004, 464 unidades habitacionais distribuídas por 05 edifícios reabilitados haviam sido
entregues: Rizkallah Jorge (167 Unidades Habitacionais), Fernão Sales (54 Unidades
Habitacionais ), Celso Garcia (84 Unidades Habitacionais), Brigadeiro Tobias (84 Unidades
Habitacionais) e Maria Paula (75 Unidades Habitacionais), (PMSP, 2004), que será objeto de
análise.
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6
Figura 01 : Maria Paula 75 UH’s
2. REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIO PARA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: MARIA
PAULA
Concebido em 1941, o edifício Maria Paula foi projetado para abrigar habitações de alto
padrão. Implantado em terreno com 500m² (aproximadamente 20,60m x 24,26), conta com 13
pavimentos e 01 subsolo, totalizando 3.910m² de área construída, com 7,82 de coeficiente de
aproveitamento.
Projetado pelo Escritório Técnico A. B. Pimentel, o edifício apresentava equipamentos coletivos
no subsolo, comércio no térreo, dois elevadores e escada para o acesso às residências,
configuradas por um apartamento por andar (com aproximadamente 250m²) nos pavimentos
superiores.
Devido ao esvaziamento do centro da cidade na década de sessenta para outros vetores de
expansão, aliado à ausência de garagens, acarretou na desocupação do edifício, que
permaneceu vago até 1997, data da ocupação da edificação por integrantes do movimento fórum
de cortiços, (SALCEDO e JOBOJI, 2006).
6
Fonte: Autora
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Em 2002, o edifício foi tombado pelo COMPRESP, por meio da resolução 22/2002 (anexo 1),
com Nível de Preservação 3 (NP3), que versa sobre a preservação parcial do bem tombado, com
manutenção das características externas e ambiência e coerência com os imóveis vizinhos.
Neste cenário, visando à reabilitação do centro de São Paulo, a preservação e recuperação
do patrimônio e o atendimento da demanda habitacional (Programa Morar no Centro), a Prefeitura
do Município de São Paulo (PMSP) em parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF), por meio
do Programa arrendamento residencial (PAR), adquiriu o edifício da Rua Maria Paula, para
reabilitação a promoção de habitação de interesse social de famílias com renda entre três a seis
salários mínimos, (SALCEDO e JOBOJI, 2006).
No convênio estabelecido entre a PMSP e CEF, coube à Prefeitura adquirir o imóvel,
reduzir custos e prazos para licenciamento e isentar o IPTU, a CEF por sua vez, foi responsável
por destinar os imóveis à demanda indicada pela municipalidade, repassar os subsídios municipais
para os arrendatários e garantir o cumprimento dos critérios relativos à inserção urbana e
infraestrutura.
As obras da reabilitação levaram dois anos com custo de $ 1.980.596, 69 (Média de R$ 26.
408,00 por Unidade Habitacional (SALCEDO,2007), o projeto contou com 05 tipologias distintas,
totalizando 75 unidades habitacionais, conforme indicado na tabela 01.
Por ser um edifício tombado a fachada foi recuperada e mantida conforme projeto original.
Os caixilhos foram tocados e as janelas arredondadas recuperadas. A estrutura original do edifício
de concreto armado e as vedações de bloco cerâmico, permaneceram. A circulação foi ampliada
em estrutura metálica e as divisões internas concebidas em bloco cerâmico, o telhado foi
substituído e os elevadores recuperados. (JESUS, 2008).
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Localização
Rua Dona Maria Paula, 161 - Bela Vista/SP
Programa
PAR
Uso inicial
Habitação de Alto Padrão (11 Uh’s com aproximadamente 250m² cada)
Unidades Propostas
75 Uh's
Início das Obras
mai/01
Entrega da Obra
dez/03
36 Uh’s – Ambiente Multiuso, cozinha e banheiro (Áreas entre 38,19 e
40,03m² )
02 Uh’s - Ambiente Multiuso, cozinha e banheiro (unidades adaptadas
para deficientes- 53,36m²)
Tipologias
24 Uh’s Ambiente multiuso e banheiro (Áreas 25,73 e 26,43m²)
12 Uh’s - Ambiente multiuso , copa, cozinha e banheiro (48,54m²)
01 Uh’s – 02 dormitórios, sala, cozinha, depósito e banheiro
Equipamentos
Lavanderia Coletiva
Coletivos Propostos
Custo
Salão de Festas/Reuniões
R$ 1.980.596, 69 (Média de R$ 26. 408,00 por Uh)
7
Tabela 01 : Síntese do Projeto de reabilitação do edifício Maria Paula
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exemplo da reabilitação do edifício Maria Paula para habitação de interesse social na área
central foi uma referencia para otimização de custos em relação á obra civil, pois acordo com
dados do SINDUSCON, em 2004 o custo por m² para um edifício de 12 andares de padrão
popular era de R$592,00/m², o custo da reabilitação do edifício Maria Paula foi de R$ 506,54/m² e
o custo com infraestrutura urbana nulo , haja vista que edifício esta localizado no centro de São
Paulo.
7
Elaborada pela autora com base em dados de: Beraldes, 2009 e Salcedo, 2007
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O diferencial deste projeto vai além da redução de custos, perpassa pela como recuperação de
imóvel tombado, patrimônio arquitetônico da cidade, redução de uso de matéria prima para obra,
minimizando impactos ambientais, entre outros. Contudo, o maior expoente desta iniciativa não
são as vantagens econômicas, patrimoniais, arquitetônicas, urbanísticas ou ambientais, e sim a
inclusão de população de baixa renda na área central, com acesso a infraestrutura urbana e à
urbanidade, validando o principio constitucional da função social da propriedade e da cidade.
REFERÊNCIAS
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BIANCHIN, L.H e SCHICCHI, M.C . Cortiços no centro de São Paulo: Um convite à
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Interesse Social no centro de São Paulo. 2009. 165f. Dissertação de Mestrado. Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, 2009
BONDUKI, N. Habitar São Paulo: Reflexões sobre a gestão urbana. São Paulo, Estação
Liberdade: 2000.
DIOGO, E.C.C. Habitação Social no Contexto da Reabilitação Urbana na Área Central de São
Paulo. 2004. 174f. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
de São Paulo, 2004.
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JESUS, C.R.M. Análise de Custos para Reabilitação de Edifícios para Habitação. 2008.194f.
Dissertação de Mestrado. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Universidade de São
Paulo, 2008.
PASTERNAK, S. Favelas e Cortiços no Brasil: 20 anos de Pesquisas e Políticas. São Paulo,
LAP: 1997
ROLNIK, R. e SAULE, N. (org.). Estatuto da Cidade: Guia para Implementação pelos
municípios e cidadãos. Brasília, DF, 2001.
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Maria Paula, Riskallah Jorge e Brigadeiro Tobias no Centro Histórico de São Paulo. In 7°
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Alegre: Docomomo Brasil , 2007. Disponível em:
<http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/153.pdf>. Acesso em 24 set.2013
SALCEDO, R;F.B. e JOBOJI, D. Programa de Arrendamento Residencial (Par): Reabilitação
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Conservación del Patrimonio, 2006. Disponível em:
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SÃO PAULO (Município). Lei n° 12.349, de 06 de julho de 1997. Estabelece programa de
melhorias para a área central da cidade, cria incentivos e formas para sua implantação, e dá
outras providências. Disponível em:
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<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/opera
coes_urbanas/centro/index.php?p=19620 >. Acesso em: 22 set. 2013.
______. Lei n° 13.430, de 13 de setembro de 2002. Dispõe sobre o Plano Diretor Estratégico de
São Paulo. Disponível em:
<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/legislacao/plano_dire
tor/index.php?p=1386>. Acesso em: 25 mai. 2013
_____.Balanço Qualitativo da Gestão 2001 - 2004. Secretaria da Habitação de São Paulo e
Companhia Metropolitana de Habitação ode São Paulo, 2004.
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AVALIAÇÃO DE CERTIFICAÇÃO LEED PARA EDIFÍCIOS REVITALIZADOS NO
CENTRO HISTÓRICO DE SÃO PAULO
CASO DE ESTUDO: EDIFÍCIO CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL
RESUMO
O objetivo deste artigo é avaliar a possibilidade de, em se revitalizando e modernizando edifícios, mesmo
sendo históricos de centros urbanos em especifico no centro do Município de São Paulo, chamado neste
artigo de “Centro Velho”, torná-los sustentáveis de acordo com os padrões estabelecidos pelo processo de
Certificação LEED.
Palavras-chave: Certificação LEED, Reabilitação e Requalificação de Edifícios, Centro Cultural Banco do
Brasil/SP.
ABSTRACT
The aim of this paper is to evaluate the possibility, if in revitalizing and modernizing buildings, even though
historical urban centers in specific the center of São Paulo, called this article "Old Downtown", make them
sustainable in accordance with the standards set by the LEED Certification process.
Key words: LEED certification, Rehabilitation and Upgrading of Buildings, Centro Cultural Banco do Brazil /
SP.
52
AVALIAÇÃO DE CERTIFICAÇÃO LEED PARA EDIFÍCIOS REVITALIZADOS NO
CENTRO HISTÓRICO DE SÃO PAULO
CASO DE ESTUDO: EDIFÍCIO CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL
1.
Msc. Gabriel Claude Joseph Daou
1
Dr. Carlos Leite de Souza
2
INTRODUÇÃO
O debate em volta da reabilitação e requalificação de centros urbanos, embora já
bastante explorado em diversos trabalhos e artigos acadêmicos, ainda apresenta novas
facetas a cada novo olhar, embora quase sempre com o olhar voltado para a necessidade
de políticas públicas por parte do ente municipal.
Porém, é importante para este artigo definir que, dentro do que se chama de
requalificação urbana, adotou-se o sentido de renovação e revitalização definidas por
Yazigi (2005, p.83): “A renovação é sempre precedida de demolição de edifícios ou
conjuntos; a revitalização é a operação que muda a função do edifício ou do espaço
urbanístico,...” e da definição de requalificação que Yazigi (2005, 85) define como “a
requalificação se impõe muito mais no âmbito da totalidade urbana (renovações e
revitalizações): ela sugere uma ideia mais abrangente, um conjunto de operações que a
distingue das outras”.
Bomfim (2004, p.45) aborda que, ao trabalhar a questão da vacância de imóveis no
centro histórico de São Paulo, a renovação/recuperação ou requalificação de áreas centrais
passa necessariamente por políticas de reabilitação das futuras gestões municipais,
políticas estas que incorporem “os novos instrumentos urbanísticos (Estatuto da Cidade e
Zonas Especiais de Interesse Sociais do Plano Diretor)”.
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Carlos (2005, p.30-31), ao falar do processo de urbanização que se realiza como
processo de reprodução da cidade, ao sintetizar esse processo informa que há uma nova
relação “Estado-espaço” que por meio de políticas públicas, como as de requalificação de
áreas centrais, vem criando parcerias com os setores privados, o que se pode exemplificar,
no caso da cidade de São Paulo, com a ONG Associação Viva o Centro que atuando em
parceria com o poder público municipal, vem conseguindo revitalizar importantes
edificações históricas do “Centro Velho” de São Paulo, como por exemplo, o Complexo
Cultural Júlio Prestes, Praça do Patriarca, revitalização e restauro da iluminação da fachada
e do órgão do Mosteiro de São Bento entre outros3.
Reabilitação e requalificação de centros urbanos, modernização de edificações,
inclusive com adoção de novos usos, têm sido debatidos e estudados com mais ou menos
profundidade, embora o tema pareça nunca se esgotar, sempre ressurgindo através de
novos olhares.
Vários projetos e planos de renovação e reabilitação ou requalificação do centro de
São Paulo vêm sendo propostas nas últimas décadas. Nobre(2009), por exemplo, analisa o
período de 1970 a 2004, onde levanta e analisa os diversos planos e projetos e intervenção
urbana no centro de São Paulo, quando foram executados.
Por outro lado, os planos e projetos do ente municipal não se restringiam a
parcerias com o os setores privados, mas também a projetos em parceria com os poderes
públicos da administração estadual e federal, como por exemplo, o Programa de
Arrendamento Residencial – PAR da Caixa Econômica Federal para populações com renda
entre três a seis salários mínimos (SALCEDO, 2007), parceria esta que revitalizou e
requalificou, ou como Salcedo (2007) denomina de reciclar, três edifícios, ou ainda o
Programa Morar no Centro, durante o período de 2001-2004 (COTELO, 2009, p.615-635),
com crédito subsidiado da Caixa Econômica Federal, além de programas como o Programa
Ação Centro em conjunto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID.
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No entanto, no seu artigo, Salcedo (2007), ao analisar a “reciclagem e requalificação
dos edifícios Maria Paula, Riskallah Jorge e Brigadeiro Tobias”, todos no centro histórico
ou é chamado no presente artigo de “Centro Velho” de São Paulo, abordou “questões
referentes
ao
patrimônio
arquitetônico
e
ambiência,
documentação,
restauração,
reabilitação e reciclagem.” Destas edificações.
Embora Salcedo (2007) não trate diretamente da questão de sustentabilidade destas
edificações, ela cita o termo sem se aprofundar, nas suas conclusões, ao analisar a
questão do restauro e requalificação destes edifícios, temas dos mais influentes na análise
de sustentabilidade de edificações revitalizadas ou ainda requalificadas, ela faz,
exatamente por este fator, a ponte necessária entre os planos e políticas públicas e a
questão do olhar sobre a sustentabilidade de edificações do “Centro Velho” de São Paulo.
Assim, o olhar que se pretende apresentar neste momento representa uma indagação à
questão da sustentabilidade de edificações revitalizadas e modernizadas em centros
urbanos e como paradigma é tomado o edifício Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB/SP,
do assim chamado “Centro Velho” da cidade de São Paulo.
Não se pretende um olhar mais abrangente que envolva todo o centro urbano. Mas
sim, ao se tomar como paradigma este edifício, lançar um olhar sobre as edificações destes
centros que vêm sofrendo revitalização e muitas vezes com mudança de uso, a fim de
modernizá-las, possibilitando-lhes a denominação de edificações sustentáveis.
Entretanto, não se poderia pensar a revitalização de edifícios sem pensá-la dentro
do bojo mais amplo de políticas públicas de reabilitação e requalificação de centros
urbanos que conforme se pode ver na introdução, onde foram apresentadas algumas ideias
de pesquisadores, entre uma grande gama de pesquisadores que vêm pesquisando e
debatendo a questão da degradação de centros urbanos e a necessidade de revitalizá-los,
debatendo as políticas públicas representadas por planos e projetos urbanísticos de
revitalização e requalificação de centros urbanos.
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Mas, antes de passar-se à qualificação do edifício do CCBB e debater se o resultado
da requalificação é ou não sustentável, é importante falar um pouco sobre certificação
LEED (1999) (Leadership in Energy and Environmental Design) que “...é um sistema de
certificação e orientação ambiental de edificações. Criado pelo U.S. Green Building Council
é o selo de maior reconhecimento internacional e o mais utilizado em todo o mundo,
inclusive no Brasil”, que assim como outras certificações
tais como BREEAM (1990),
BEPAC (1993), QQE (1993), GBC (1996), CABEE (2002), além do AQUA e o Selo da Casa
Azul da Caixa Econômica Federal, todos com o aspecto de serem voluntários, vem de
alguma forma avaliar o desempenho de edificações conforme referenciais estabelecidos,
visando à melhoria do desempenho.
2.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os procedimentos metodológicos utilizados para a elaboração deste artigo se apropriam
da combinação de pesquisa teórica em livros, artigos de revistas impressos e digitais, pesquisa
empírica através de sites e entrevistas e utilização da metodologia LEED NC para a avaliação do
edifício do Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo – CCBB/SP.
3.
SISTEMA LEED DE CERTIFICAÇÃO
A escolha da Certificação LEED neste artigo é pelo seu caráter voltado ao mercado, o que
representa um desafio quando o edifício é, como o caso, um edifício voltado para eventos
culturais e tendo sido requalificado por um banco público o Banco do Brasil.
A certificação LEED, se estabelece no Brasil a partir da criação do Green Building Council
Brasil em março de 2007 como uma organização não governamental, assim como nos outros 21
países em que existem membros “...do World Green Building Council, entidade supranacional que
regula e incentiva a criação de Conselhos Nacionais como forma de promover mundialmente
tecnologias, iniciativas e operações sustentáveis na construção civil” e que ela se apresenta no
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seu site4 como entidade “...que surgiu para auxiliar no desenvolvimento da indústria da construção
sustentável no País, utilizando as forças de mercado para conduzir a adoção de práticas de Green
Building em um processo integrado de concepção, construção e operação de edificações e
espaços construídos”..
A intenção da certificação LEED é avaliar “...as melhores práticas adotadas, incluindo
tecnologias, materiais, processos e procedimentos operacionais,...”.
A certificação ocorre através de vários tipos de LEED:
LEED NC – Novas construções e grandes projetos de renovação;
LEED ND – Desenvolvimento de bairro (localidades);
LEED CS – Projetos da envoltória e parte central do edifício;
LEED Retail NC e CI – Lojas de varejo;
LEED Healthcare – Unidades de saúde;
LEED EB_OM – Operação de manutenção de edifícios existentes;
LEED Schools – Escolas;
LEED CI – Projetos de interiores e edifícios comerciais;
A certificação LEED no Brasil analisa as questões de eficiência energética, uso racional da
água, materiais e recursos, qualidade ambiental interna, espaço sustentável, inovações e
tecnologias e créditos regionais, o que acaba, conforme Santos e Abascal (2012) como “indicador
de qualidade” ao avaliar e reconhecer “soluções tecnológicas que em tese contribuiriam para
tornar as construções sustentáveis”.
Assim, para a avaliação pretendida neste artigo será usado LEED NC, pois além de
certificar novas construções, avalia e certifica projetos de renovação.
Além dos diferentes tipos e necessidades, a certificação também tem diferentes níveis de acordo
com o desempenho do empreendimento como Silver, Gold e Platinum.
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4.
EDIFÍCIO CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL – SÃO PAULO
Construído em 1901 e localizado à Rua Álvares Penteado nº 112, esquina com a Rua da
Quitando no coração do “Centro Velho” de São Paulo e tombado pelo processo nº 24084/85 e
Resolução de Tombamento nº 40 de 02/09/2004, com proteção Z8 200-026/Condephaat5.
Em 1923, o Banco do Brasil adquiriu o edifício e comissionou o engenheiro-arquiteto
Hippolyto Gustavo Pujol Junior para a reforma de seu primeiro edifício próprio na capital do
Estado de São Paulo, local em que funcionou como agência bancária de 1927, data da conclusão
das obras até 1996, quando transferiu as suas instalações e em 2001 as obras foram concluídas.
O início da elaboração do projeto original de restauro ocorreu em 1992, mas que por problemas
burocráticos e trocas de administrações na prefeitura de São Paulo prorrogaram a conclusão da
obra que somente foram retomadas após sete anos.
Arquitetonicamente, o edifício, antiga sede do Banco do Brasil, segundo Rubies6 “revela
influências da Escola de Chicago, evidenciadas pela grande área das janelas emoldurada por
pilares monumentais”, ou conforme o arquiteto Luiz Telles 7 , cujo escritório LT Arquitetura, foi
responsável pelo projeto de restauro e requalificação do atual CCBB, o edifício é uma mistura de
estilo Neoclássico com Art Nouveau.
O edifício foi um dos primeiros no uso do concreto armado, o que lhe possibilitou
apresentar um aspecto mais leve.
O edifício tem uma área construída 4.100,00 m², distribuídos em cinco pavimentos
incluindo o subsolo e o mezanino. Tem balcões trabalhados, brasão original e claraboia com vitral,
elevador antigo pantográfico e luminárias da época em que funcionou como agência bancária.
A fachada desenhada, caixilhos de ferro e vidro, alusões a ramos de café, abacaxis e folhas de
fumo – ícones da aristocracia pré-industrial.
Os desenhos da cúpula são em cobre, as portas são de ferro e vidro e levam ao hall de
entrada em forma de elipse.
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O relógio de latão ornado de ramos de café e o lustre central com 17 globos de vidro foram
totalmente restaurados.
As colunas são revestidas em mármore bege com bases também revestidas em latão
sobre mármore rosa.
Atualmente o CCBB/SP conta com salas de exposições, cinema, teatro, auditório,
cybercafé, restaurante, livraria e exposições no interior dos antigos cofres do banco no subsolo.
Foi construída uma torre a parte onde foi instalada a escada de incêndio que possui ventilação,
exaustão e sistema de câmeras.
De forma proposital, outra escada moderna, revelando o seu não pertencimento na
edificação original, foi instalada dentro do edifício levando os visitantes ao subsolo, antes utilizado
como cofre, restaurado e transformado em galeria.
Foram instalados dois elevadores modernos inteligentes que percorrem do térreo ao
quarto andar, tendo sido totalmente restaurado o antigo elevador com porta pantográfica.
Os conduítes elétricos e a tubulação de hidráulica foram totalmente refeitos a fim de
possibilitar o controle de pressão nos hidrantes, disponibilidade de água, detectores de fumaça e
controle de temperatura.
O sistema de comunicações é moderno, possibilitando ao edifício receber aparelhagens de
grande porte.
Foi realizado reforço estrutural e de fundação em concreto e estruturas metálicas em
quase toda a edificação, principalmente onde foi instalado o sistema de ar-condicionado.
A execução do projeto de climatização teve como desafio principal a compatibilização da
rede de dutos com as restrições impostas para a reforma do edifício tombado pelo Condephaat
(Conselho de defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e turístico) de São Paulo
além da completa mudança de funcionalidade.
Outra dificuldade encontrada pela Bettoni, empresa especializada em automação e
segurança, refere-se na época da reforma à limitação de capacidade de fornecimento de energia
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elétrica na região, além da impossibilidade de se obter grande capacidade de armazenamento de
água.
Para o CCBB/SP foi escolhido o sistema de água gelada para atender as diversas
condições de condicionamento de ar, fornecido pela empresa Thermoplan, que envolve o sistema
de controle de umidade, áreas com alta concentração de pessoas e grande taxa de renovação de
ar e ainda o conforto térmico em geral.
Assim, foram especificados dois refrigeradores com 45 TR de capacidade cada, com
condensadores resfriados a ar, não consumindo água para efetuar a condensação do gás
refrigerante.
Foi previsto um sistema de termo-acumulação para corte de pico de carga térmica,
utilizando três tanques de gelo, onde a água é congelada durante a madrugada, quando o
fornecimento de energia elétrica é mais estável e econômico, reduzindo o consumo de energia
elétrica.
Em alguns locais foi impossibilitado o uso de dutos, pois o teto precisava ser preservado.
Por esse motivo, a solução utilizada passou por ar-condicionados individuais, de gabinete vertical,
montados junto às paredes, aparentes ou alojados dentro de arcabouços criados pela arquitetura,
insuflando ar diretamente nas salas.
Na área de exposição existe controle de temperatura e unidade relativa do ar, sendo que
os equipamentos foram dotados de aquecedores e umidificadores elétricos.
O ar é filtrado, resfriado e distribuído junto aos condicionadores, através de dutos, ramais
que partem de um duto vertical alojado em um shaft, ou diretamente nos ambientes, onde, além
da função de renovação, auxilia no resfriamento, conforme afirma Carlos Massaru Kayano, da
empresa Thermoplan, responsável pelo projeto de ar condicionado à época.
Os sistemas de exaustão mecânica foram aplicados para garantir a renovação de ar nos
sanitários, copa e cozinha com a finalidade de eliminar os afluentes gasosos.
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Quanto à segurança, o circuito fechado de TV, equipado, à época do levantamento de
dados, com 84 câmeras distribuídas em todos os ângulos, protege as obras de arte expostas no
local, sendo que o cabeamento passa sob o piso não interferindo na arquitetura, tendo sido
abertas pequenas fendas nas portas para alojar os sensores de presença e detectores de fumaça.
Uma importante dificuldade à época da restauração foi encontrar câmeras pequenas e
discretas para que não interferissem na arquitetura e nem conflitassem com as obras exibidas.
É importante frisar que o único piso que foi mantido original foi o piso central em mosaico
esmaltado.
A implantação de sistemas de supervisão predial e segurança abordaram a integração
entre a arquitetura, elétrica, hidráulica, incêndio, ar condicionado e automação.
Segundo Roberto Luigi Bettoni, diretor da empresa responsável pela automação e
segurança, a maior dificuldade era transformar o CCBB/SP em um edifício inteligente, com
tecnologia de ponta, confortável, confiável, flexível a novas tecnologias, com facilidade de
gerenciamento, econômico na manutenção e, principalmente, com características de controle
adequadas às exposições de obras de arte, em especial no que concerne ao controle de umidade
relativa do ar e temperatura adequados às características exigidas pelos expositores. Por outro
lado, o sistema também supervisiona os componentes das instalações hidráulicas e elétricas.
Para solucionar este desafio, foi implantado um sistema de supervisão e controle predial,
totalmente eletrônico que era baseado em controladores micro-processado, gerenciados por uma
central instalada na sala de controle, possibilitando aos operadores a visualização em tempo real,
proporcionando segurança e confiabilidade nas instalações.
Outro recurso é a facilidade de ligar e desligar a iluminação segundo uma programação
horária ou a pedido do operador da central de supervisão.
Outro ponto fundamental foi a questão do isolamento acústico. O teatro, o cinema, a sala
de vídeo e o auditório foram os principais ambientes a serem considerados para garantir
desempenho acústico adequado durante as apresentações ocorridas no local.
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Por causa da acústica, a laje e a madeira do cinema receberam tratamento com lã de vidro
e as instalações elétricas passam todas pelo piso.
O ruído externo trouxe preocupações quanto ao isolamento sonoro, principalmente quanto
às janelas, portas e coberturas, pois nas ruas próximas existe um grande comércio e tráfego de
pedestres.
A cobertura do teatro necessitou de tratamento para impedir propagação sonora no interior
do ambiente, devido à sua fragilidade com relação ao impacto das chuvas. O ruído proveniente
das cabines também foi analisado evitando interferências no decorrer das apresentações e por
isso portas visores e paredes receberam reforço acústico. Além disso, o vão formado entre o piso
inclinado e a laje do andar inferior foi preenchido para não provocar ruído interno.
As luminárias originais em bom estado foram restauradas e preservadas no projeto,
enquanto as salas de exposições e múltiplo uso pediram soluções com maior flexibilidade na
utilização dos espaços. Sancas para iluminação indireta, luminárias embutidas no forro para
iluminação difusa e sistema de trilhos eletrificado embutido no forro para permitir a instalação de
projetores com iluminação pontual destinada às exposições.
As obras de arte e a iluminação são sustentadas por cabos de aço, presos nas vigas para
impedir que as paredes sejam perfuradas ou danificadas pela instalação de quadros, além de
permitir novas formas de layout.
As lâmpadas com alto índice de reprodução de cor e tonalidade amarela foram escolhidas
para proporcionar um ambiente condizente com a arquitetura do prédio. Além disso, foi possível
aproveitar a iluminação natural através da claraboia situada no vão central.
Já na parte externa, a fachada foi destacada com direcionamento da luz nas reentrâncias e
saliências, permitindo maior visualização da arquitetura.
Para evitar umidade no espaço de exposições, os locais e contenções em contato com a
terra foram tratados e nas lajes de cobertura, áreas frias e áreas sujeitas a movimentação
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estrutural, foi utilizado um sistema flexível de impermeabilização em dupla camada a fim de
aumentar a vida útil da proteção e absorver eventuais fissuras.
Vale ressaltar, antes de se iniciar a análise do Edifício CCBB/SP pela metodologia LEED
NC, que o início da elaboração do projeto ocorre em 1992 e as obras tiveram fim em 2001.
Portanto, o projeto e a consequente restauração, requalificação e modernização não foram
pensados dentro dos conceitos para a certificação LEED.
Por outro lado o projeto é de restauro, requalificação e modernização de um edifício de um
banco público, o que a princípio não é o objeto do sistema de certificação LEED, embora ao se
visar tornar uma edificação sustentável, os projetos de restauro, requalificação e modernização de
edificações, podem utilizá-lo como balizamento.
Assim, não será realizada a aplicação de pontuação dada pelo LEED para os créditos,
mas sim, se atende ou não aos quesitos de cada crédito e em caso negativo analisar a
possibilidade do atendimento caso o projeto tivesse sido pensado com foco na certificação.
5.
ANÁLISE DO EDIFÍCIO CCBB/SP PELA METODOLOGIA LEED NC
Para a análise será utilizada como sequência de análise, a sequência do formulário padrão
“LEED para Novas Construções 2009 – Registo Projeto Checklist” disponível no site do órgão.
Foram adotadas cinco categorias de classificação, conforme podemos verificar abaixo:
a)
Não comtempla – usada quando o projeto original não contemplou requisitos que
atenderiam o sistema de certificação LEED NC.
b)
Não foi possível verificar – usada quando não foi possível verificar se o projeto
atenderia ou não ao quesito.
c)
Não atende – usada quando o projeto/obra não atendeu ao quesito.
d)
Contempla – usada quando o projeto/obra atendeu ao quesito do LEED NC.
e)
Não se aplica – usada quando o quesito do LEED NC não se aplica ao projeto em
análise.
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No entanto, quando o quesito do LEED NC poderia ser suprido no momento do projeto, realizouse comentário explicativo.
Tabela 1: Análise do Edifício CCBB/SP pela metodologia LEED NC
Requisito
Classificação
Obrigatório
Quesito
Análise
Espaço Sustentável
Pré-requesito 1 - Prevenção da poluição
na atividade da Construção
Crédito 1 - Seleção do Terreno
Crédito 2 - Densidade Urbana e Conexão
com a Comunidade
Crédito 3 - Remediação de Áreas
contaminadas
Crédito 4.1 - Transporte Alternativo,
Acesso ao transporte Público
Requisito
Não foi possível
verificar
No entanto, neste quesito
poderia ter sido atendida uma
das exigências, a que se
refere à questão de evitar a
poluição do ar com poeira e
partículas decorrentes da
obra.
Não contempla
Contempla
Não se aplica
Contempla
Crédito 4.2 - Transporte Alternativo,
Bicicletário e Vestiário para os ocupantes
Não se aplica
Crédito 4.3 - Transporte Alternativo, Uso
de Veículo de Baixa Emissão
Não se aplica
Crédito 4.4 - Transporte Alternativo, Área
de Estacionamento
Não atende
Crédito 5.1 - Desenvolvimento do espaço,
Proteção e Restauro do Habitat
Não se aplica
Crédito 5.2 - Desenvolvimento do Espaço,
Maximizar espaços Abertos
Não se aplica
Crédito 6.1 - Projeto para Águas Pluviais,
Controle da Quantidade
Não se aplica
Crédito 6.2 - Projeto para Águas Pluviais,
Controle da Qualidade
Não se aplica
Poderia atender a este
quesito. Pois, o edifício está
localizado em uma região
onde existem vários edifícios
com garagens públicas e ao
mesmo tempo o edifício se
encontra numa rua sem
acesso público a automóveis.
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Crédito 7.1 - Redução da Ilha de Calor,
Áreas Descobertas
Não se aplica
Crédito 7.2 - Redução da Ilha de Calor,
Áreas Cobertas
Não atende
Crédito 8 - Redução da Poluição
Luminosa
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não se aplica
Uso Racional da Água
Pré-Requisito 1 - Redução no Uso da
Água
Requisito
Não foi possível
verificar
Crédito 1 - Uso Eficiente de Água no
Paisagismo
Não se aplica
Crédito 2 - Tecnologias Inovadoras para
Águas Servidas
Não se aplica
Crédito 3 - Redução de Consumo de
Água
Não foi possível
verificar
Mesmo que não tenha sido
possível
verificar
o
atendimento deste quesito no
projeto original, caso o
projeto tivesse sido pensado
em termos do atendimento do
quesito
do
LEED
NC,
tecnicamente
teria
sido
possível atender.
Mesmo que não tenha sido
possível
verificar
o
atendimento deste quesito,
caso o projeto tivesse sido
pensado em termos do
atendimento do quesito do
LEED NC, tecnicamente teria
sido possível atender.
Energia e Atmosfera
Pré-Requesito 1 - Comissionamento dos
Sistemas de Energia
Requisito
Não foi possível
verificar
No entanto, provavelmente,
por ser uma obra de restauro
e modernização de uma
edificação pública deve ter
atendido a este quesito.
Pré-Requesito 2 - Performance Mínima
de Energia
Requisito
Não foi possível
verificar
Mesmo que não tenha sido
possível
verificar
o
atendimento deste quesito,
caso o projeto tivesse sido
pensado em termos do
atendimento do quesito do
LEED NC, tecnicamente teria
sido possível atender.
Pré-Requisito 3 - Gestão Fundamental de
Gases Refrigerantes, Não Uso de CFC's
Requisito
Não foi possível
verificar
Este quesito provavelmente
foi atendido, pois uma das
premissas inicias do projeto
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foi
a
questão
da
modernização da edificação
com a implantação de um
sistema moderno de arcondicionado.
Crédito 1 - Otimização da Performance
Energética
Crédito 2 - Geração de Energia
Renovável
Crédito 3 - Melhoria no Comissionamento
Crédito 4 - Melhoria na Gestão de Gases
Refrigerantes
Crédito 5 - Medições e Verificações
Crédito 6 - Energia Verde
Não foi possível
verificar
Este quesito provavelmente
foi atendido, pois uma das
premissas inicias do projeto
foi
a
questão
da
modernização da edificação
com a implantação de um
sistema moderno de arcondicionado.
Não se aplica
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não se aplica
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não foi possível
verificar
Este quesito provavelmente
foi atendido, pois uma das
premissas inicias do projeto
foi
a
questão
da
modernização da edificação
com a implantação de um
sistema moderno de arcondicionado.
Não se aplica
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não atende
Materiais e Recursos
Pré-Requisito 1 - Depósito e Coleta de
Materiais Recicláveis
Requisito
Não atende
Crédito 1.1 - Reuso do Edifício, Manter
Paredes, Pisos e Coberturas Existentes
Contempla
Crédito 1.2 - Reuso do Edifício, Manter
Elementos Interiores não Estruturais
Contempla
Crédito 2 - Gestão de Resíduos da
Não atende
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Tecnicamente
teria
sido
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Construção
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Crédito 3 - Reuso de Materiais
Não se aplica
Crédito 4 - Conteúdo Reciclado
Não se aplica
Crédito 5 - Materiais Regionais
Não foi possível
verificar
Crédito 6 - Materiais de Rápida
Renovação
Não se aplica
Não foi possível
verificar
Crédito 7 - Madeira Certificada
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Qualidade Ambiental Interna
Pré-Requisito 1 - Desempenho Mínimo
da Qualidade do Ar Interno
Requisito
Contempla
Pré-Requisito 2 - Controle da Fumaça do
Cigarro
Requisito
Contempla
Crédito 1 - Monitoração do Ar Externo
Crédito 2 - Aumento da Ventilação
Crédito 3.1 - Plano de Gestão da
Qualidade do Ar, Durante a Construção
Crédito 3.2 - Plano de Gestão da
Qualidade do Ar, Antes da Ocupação
Não atende
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não foi possível
verificar
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não atende
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não atende
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
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Crédito 4.1 - Materiais de Baixa Emissão,
Adesivos e Selantes
Crédito 4.2 - Materiais de Baixa Emissão,
Tintas e Vernizes
Crédito 4.3 - Materiais de Baixa Emissão,
Carpetes e Sistemas de Piso
Crédito 4.4 - Materiais de Baixa Emissão,
Madeiras Compostas e Produtos de
Agrofibras
Crédito 5 - Controle Interno de Poluentes
e Produtos Químicos
Não foi possível
verificar
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não foi possível
verificar
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não foi possível
verificar
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não foi possível
verificar
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não foi possível
verificar
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Crédito 6.1 - Controle de Sistemas ,
Iluminação
Contempla
Crédito 6.2 - Controle de Sistemas ,
Conforto Térmico
Contempla
Não foi possível
verificar
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Não foi possível
verificar
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Crédito 8.1 - Iluminação Natural e
Paisagem, Luz do Dia
Contempla
A manutenção da claraboia
do vão central.
Crédito 8.2 - Iluminação Natural e
Paisagem, Vistas
Contempla
A manutenção dos vãos das
janelas.
Crédito 7.1 - Conforto Térmico, Projeto
Crédito 7.2 - Conforto Térmico, Ventilação
Inovação e Processo do Projeto
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Crédito 1 - Inovação no Projeto
Não se aplica
Crédito 2 - Profissional Acreditado LEED
Não atende
Tecnicamente
teria
sido
possível atender a este
quesito, caso o projeto
tivesse sido pensado em
termos de certificação LEED
NC.
Créditos Regionais
Crédito 1 - Propriedades Regionais
6.
Não se aplica
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em consideração que o projeto de restauro, modernização e requalificação da
edificação não foi pensado em termos de certificação LEED NC, ao se realizar a análise do
mesmo dentro das exigências do sistema de certificação LEED NC, se verifica que, caso o projeto
tivesse sido elaborado com foco em certificação LEED NC, ele teria atendido plenamente à
proposta da certificação.
Assim pode-se considerar que é possível, em grande parte, atender as exigências de
certificação em edifícios revitalizados, bastando para tanto políticas de incentivo e no caso de
edifícios públicos, vontade política para a sua realização.
7.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BOMFIM, Valéria C. O Centro Histórico de São Paulo: a vacância imobiliária, as ocupações e os
processos de reabilitação urbana, in Cadernos Metrópole, N. 12, pp. 27-48, 2º sem. 2004.
CARLOS, Ana F A. A Reprodução da Cidade como Negócio, In Urbanização e mundialização: estudos
sobre a metrópole. Ana Fano Alessandri Carlos e Carles Carreras (orgs.), pp. 29-37, São Paulo: Contexto,
2005 – (Novas abordagens. GEOUSP; v.4).
COTELO, Ferando C. Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro da
Prefeitura de São Paulo (2001-2004), In Cadernos Metrópole, v. 11, n. 22, pp. 615-635, jul/dez 2009.
NOBRE, Eduardo A C. Políticas urbanas para o centro de São Paulo: renovação ou reabilitação?
Avaliação das propostas da prefeitura do Município de São Paulo de 1970 a 2004, In PÒS – Revista do
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Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP/Universidade de São Paulo.
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Comissão de Pós-Graduação – São Paulo: FAUUSP, v.1 (1990-),
Semestral, v. 16, pp. 214-231, n. 25, jun. 2009.
SALCEDO, Rosio F B, Documentação e Análise da Reciclagem e Requalificação dos Edifícios Maria
Paula, Riskallah Jorge e Brigadeiro Tobias no Centro Histórico de São Paulo. In Anais do 7º seminário
do.co,mo.mo_brasil, Porto Alegre, 22 a 24 de outubro de 2007.
SANTOS, Mariana F. e ABSCAL, Eunice S. Certificação LEED e arquitetura sustentável: edifício Eldorado
Business
Tower.
Jan.
2012.
Disponivel
em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.140/4126>. Acessado em 22 set. 2012.
YAZIGI, Eduardo. Funções culturais da metrópole: Metodologia sobre a requalificação urbana do
Centro de São Paulo, In Urbanização e mundialização: estudos sobre a metrópole. Ana Fano Alessandri
Carlos e Carles Carreras (orgs.), pp. 81-97, São Paulo: Contexto, 2005 – (Novas abordagens. GEOUSP;
v.4).,
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DESIGN ECOLÓGICO, PESQUISA ACADÊMICA E O DESIGN DE JOIAS:
APROXIMAÇÕES E DISTINÇÕES.
RESUMO
Este artigo apresenta algumas reflexões sobre as implicações das noções de sustentabilidade no Design de
Joias, e discute alguns aspectos relativos à interação entre o Design, o artesanato e a arte, a partir de
analogias propostas por autores como Grace Lees-Maffei e Linda Sandino, que apresentam o território
instável e em permanente mudança. A princípio são feitas algumas considerações sobre o termo
"sustentabilidade", de maneira a deixar claro o referencial sobre o qual operamos nossa reflexão. Em seguida
apresentamos o conceito de "design ecológico", na busca por descrever com maior precisão o universo do
qual estamos falando. Por fim, apresentamos alguns exemplos de design de joias, produzidos por alunos do
curso de Design da FAU-Mackenzie, relativos às esses conjuntos de práticas e discursos que envolvem os
objetos dessa cultura material.
Palavras chave: sustentabilidade; design ecológico; design de joias.
ABSTRACT
This article presents some reflections on the implications of the notions of sustainability in Jewelry Design, and
discusses some aspects of the interaction between design, crafts and art, from analogies proposed by authors
such as Grace Lees-Maffei and Linda Sandino, who present territory unstable and constantly changing. At first
some considerations about the term "sustainability" in order to make clear the reference on which we operate
our reflection. Then we present the concept of "green design", seeking to describe more accurately the
universe of which we are speaking. Finally, we present some examples of jewelry design, produced by
students of the Design FAU-Mackenzie, related to these sets of practices and discourses of the objects of this
material culture.
Keywords: sustainability, green design, jewelry design.
71
DESIGN ECOLÓGICO, PESQUISA ACADÊMICA E O DESIGN DE JOIAS:
APROXIMAÇÕES E DISTINÇÕES.
Henny Aguiar B. Rosa Favaro
1
Ana Gabriela Godinho Lima
2
MEIO-AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE, MARCOS REFERENCIAIS.
De acordo com Philippi Jr (2000, p. 62) “o tema meio ambiente precisa ser entendido em sua
complexidade como um conjunto de fatores que constitui o todo”. Ocorre que a extensão dos
problemas ambientais costuma não ser reconhecida como decorrência das diversas facetas que
compõem as questões ambientais e sim como se fossem compartimentos independentes, cuja
importância e emergência dependem do problema a ser resolvido. Ora, o modo como nos
relacionamos, e como passaremos a nos relacionar com o meio-ambiente têm recebido o nome de
"sustentabilidade", um termo que convém esclarecer sempre que é evocado.
Servindo atualmente de referência ao debate internacional sobre o assunto, os Princípios de
Sustentabilidade, publicados no website norte-americano www.nps.gov, baseiam-se nos princípios
de Hannover, desenvolvidos pelo escritório de William McDonough para a EXPO 2000,
enumerando nove seguintes tópicos que julgamos conveniente reproduzir na íntegra:
1. Insistência no direito da humanidade e a natureza coexistirem em condições saudáveis,
colaborativas e diversificadas;
2. Reconhecimento da interdependência. Os elementos do design humano interagem com e
dependem do mundo natural com amplas e diversas implicações em todas as escalas. Expandir as
1
Designer, Prof.ª Drª do Curso de Design da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie – FAU-Mackenzie - [email protected]
2 (2) Arquiteta e urbanista, Prof.ª Drª do Departamento de Arquitetura/Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie – PPGAU/UPM – [email protected]
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considerações do design e reconhecer mesmo os efeitos mais distantes.
3. Respeitar as relações entre espírito e matéria. Considerar todos os aspectos do estabelecimento
humanos incluindo comunidade, moradia, indústria e comércio em termos das conexões existentes
e em desenvolvimento entre a consciência material e espiritual.
4. Aceitar a responsabilidade pelas consequências das decisões projetuais sobre o bem-estar
humano, a viabilidade dos sistemas naturais e seus direitos de coexistir.
5. Criar objetos seguros de valor a longo-prazo. Não sobrecarregar as gerações futuras com a
obrigação de administrar ou vigiar situações de perigo em potencial por causa da criação
inconsequente de produtos, processos ou padrões.
6. Eliminar o conceito de desperdício. Avaliar e otimizar o ciclo de vida completo dos produtos e
processos. Aproximar-se dos sistemas naturais em que não há desperdício.
7. Depender de fluxos naturais de energia. O design humano deveria, como no mundo vivo, derivar
suas forças criativas da perpétua irradiação solar. Incorporar essa energia de forma eficiente e
segura para usos responsáveis.
Como se esclarece na própria página eletrônica, esses princípios foram adotados pelo
Congresso Mundial da União Internacional de Arquitetos (UIA) em Junho de 1993, no Instituto
Americano de Arquitetos (AIA), durante a Expo 93 de Chicago. Lembra-se ainda que naquele
momento foi assinada a "Declaração de Interdependência para um Futuro Sustentável", em que os
membros das instituições mencionadas acima, face às condições de degradação ambiental
diagnosticadas daquele momento, comprometiam-se a:
 Colocar a sustentabilidade social e ambiental no centro de suas práticas e responsabilidades
profissionais
 Desenvolver e continuar a aperfeiçoar práticas, procedimentos, produtos, serviços e padrões
para o design sustentável
 Educar a indústria da construção, clientes e o público em geral sobre a importância do design
sustentável
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73
 Trabalhar para modificar as políticas, regulamentações e padrões no governo e nos negócios
de modo que o design sustentável torne-se uma prática completamente apoiada pelos
padrões
 Trazer o meio construído para os padrões do design sustentável
Não obstante a abrangência e a clareza destes princípios e declarações, os anos a seguir
viram crescer, paralelamente aos esforços sistemáticos em fortalecer o papel do design na
construção de um ambiente sustentável, a banalização do termo. Neste contexto, surgiu a
necessidade de definir conceitos mais precisos e bem delimitados que norteassem os profissionais
e descrevessem com mais rigor aspectos típicos da prática do design, como veremos a seguir.
O CONCEITO DE DESIGN ECOLÓGICO
Como pondera Lennan (2004, p. 2), a palavra sustentabilidade, ou a expressão design
sustentável, têm frequentemente sido empregadas de modo superficial, ou com muitas e diferentes
conotações. Nesse contexto, os equívocos e a banalização acabaram por criar várias barreiras ao
seu correto emprego. Na medida em que revistas populares de moda, decoração ou de atualidades
passaram a empregar o termo para descrever eletrodomésticos, bolsas e alimentos, sem a
preocupação de explicar a quais critérios estão se referindo, no meio do design e da academia
muitos profissionais passaram a pensar duas vezes antes de adotar o termo. O autor prossegue
considerando que parte do problema decorre também da inadequação do termo "sustentável", que
não é abrangente o suficiente para descrever o movimento e a filosofia por trás dele. Com efeito, no
dicionário Aurélio Século XXI, encontramos as seguintes definições: 1. que se pode sustentar. 2.
capaz de se manter mais ou menos constante, ou estável, por longo período. Essas definições não
retratam com precisão o que os especialistas em sustentabilidade, como Lennan, chamariam de
"necessidade de mudar o modo como nos relacionamos com o mundo natural". O autor lembra que
termos muito melhores poderiam ter sido escolhidos, tais como "design restaurador" (restorative
design), sugerindo o desafio que está adiante, ou design ecológico (ecological design). (LENNAN,
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2004, p. 2)
Yang, Freeman e Cote (2004, p. 97), fundamentam a noção de design ecológico em pelo
menos sete princípios: 1) a necessidade de atender às necessidades inerentes dos humanos e
suas economias; 2) a necessidade de sustentar a integridade estrutural e funcional dos
ecossistemas sejam eles naturais ou processados; 3) considerar a conveniência de emular os
desenhos inerentes à natureza em sistemas antropogênicos; 4) a necessidade de progredir em
direção a uma economia sustentável por meio de maior apoio em recursos renováveis e mais foco
na reciclagem, reuso e uso eficiente de materiais e energia; 5) o uso de economias ecológicas de
forma a levar em conta a possibilidade de haver depreciação de recursos e dano ambiental, ou
seja, ter em consideração questões de impacto ambiental; 6) a necessidade de conservar
ecossistemas naturais e a biodiversidade indígena em níveis viáveis; 7) a conveniência de
incrementar a educação ambiental para construir um suporte social para o desenvolvimento
sustentável, conservação de recursos e proteção do mundo natural.
DESIGN ECOLÓGICO OU ECODESIGN E O DESIGN DE JOIAS NA UNIVERSIDADE
O intuito de propor essa abordagem sobre experiências expressivas e artísticas
desenvolvidas com resíduos sólidos recicláveis, na área de design de joia, tem o potencial de
provocar uma busca por novas soluções para os inúmeros problemas ambientais tais como,
Recuperação; Reciclagem; Ética; Conceito de Ciclo de Vida de um Produto; Ecologia Aplicada ao
Design. Estas são perspectivas que atendem as diretrizes da Política Nacional de Educação
Ambiental e da agenda 21.
O documento produzido na Rio-92 e que também se refere a educação ambiental como
tendo um papel relevante, como preconiza o capítulo 36 da Agenda 21, diz que:
Tanto o ensino formal como o informal são indispensáveis para modificar a atitude
das pessoas, para que estas tenham capacidade de avaliar os problemas do
desenvolvimento sustentável e abordá-los. O ensino é também fundamental para
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75
conferir
consciência
ambiental
e
ética,
valores
e
atitudes,
técnicas
e
comportamentos em consonância com o desenvolvimento sustentável e que
favoreçam a participação pública efetiva nas tomadas de decisão. Para ser eficaz,
o ensino sobre meio ambiente e desenvolvimento deve abordar a dinâmica do
desenvolvimento
do
meio
físico/biológico
e
do
socioeconômico
e
do
desenvolvimento humano (que pode incluir o espiritual), deve integrar-se em todas
as disciplinas e empregar métodos formais e informais e meios efetivos de
comunicação. (SMA/AGENDA 21, 1997, p. 36.3).
O capitulo 21 desse documento (Agenda 21) trata igualmente da questão dos resíduos
sólidos, alertando para a contaminação do solo e das águas; práticas de reutilização e reciclagem;
tratamentos ambientalmente adequados e ampliação dos serviços que se ocupam desses resíduos.
Recomenda também que cada país, estado e cidade elabore sua Agenda 21 com ampla
participação dos diversos setores da sociedade.
Entre as recomendações e ações destacadas pela Agenda 21 brasileira constam também a
necessidade de estimular a simplificação das embalagens e restringir a produção de descartáveis
garantindo ao consumidor a disponibilidade de produtos em embalagens retornáveis e/ou
reaproveitáveis. Dessas ações, quais são as medidas mais eficazes para formar uma consciência
ambiental e mudar atitudes e valores que garantam a melhoria da gestão dos resíduos sólidos
recicláveis?
Dentre as inúmeras ações possíveis incluem-se aquelas geradas no âmbito da participação
da Universidade, produzindo recursos educativos que possam: auxiliar na abordagem das questões
relacionadas aos resíduos sólidos recicláveis; reforçar a importância da educação como meio de
divulgar conhecimentos, e estimular novas atitudes e valores que possam contribuir para a melhoria
dos índices de qualidade de vida. Nesse sentido, o (re)conhecimento de que o tema reciclagem e
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reaproveitamento do lixo têm potencial educativo para o desenvolvimento de atividades de projeto na
área de design de joia, moldes interdisciplinares sugerem um campo fértil de reflexão projetual.
Muito se tem escrito sobre conceitos de ecodesign e design sustentável nos últimos
10 anos, resultando em uma multiplicidade de definições, descrições e modelos. A
ideia central é que o processo de design e planejamento - e os produtos e serviços
resultantes – necessitam reconhecer os limites ecológicos e, em geral, demonstrar
mais responsabilidade e uma maior contribuição ao ambiente e à sociedade.
(SHERWIN, 2006, V.4, P.21.)
PROJETOS COM METODOLOGIA FUNDAMENTADA NO CONCEITO DE DESIGN
ECOLÓGICO - ECODESIGN
No âmbito do ensino, disciplinas de: ecodesign; gestão ambiental; design para o meioambiente; entre outras, tem como uma das premissas a serem levadas em conta, é a da geração
de produtos com uma vida útil longa, ou que seja possível a utilização de menor quantidade de
matéria-prima, e que possam ser reutilizadas ou recicladas.Em se tratando especificamente do
caso do design de joias, a referência à questão ecológica é trabalhada através de projetos
orientados não apenas à criação, de forma que fazem alusão a culturas como a indígena,
reconhecidamente frágil ao impacto dos desequilíbrios ecológicos, como também a redução de
custos, a certificação, produção limpa e seleção de material de baixo impacto ambiental.
Essas abordagens permitem sugerir que os esforços relativos aos temas relacionados ao
pensamento ecológico, apontam para a exploração de novos valores, no fazer e nas práticas
profissionais de projeto em design.
Um exemplo desta postura é ilustrado com projeto da figura 1, produto de um Trabalho de
Conclusão de Curso da Universidade. Inspira-se nos motivos geométricos decorativos típicos das
tangas e cintos trançados da tribo indígena paraense WAI WAI, para criar um conjunto de brincos,
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anel e pingente que empregam em sua confecção ouro e madeira certificada. Elementos de uma
cultura autóctone e de um material não-tradicional em joalheria são re-significados no contexto
desta criação.
Fig. 1 Ditlind Karin Lenk – Joia inspirada na tribo indígena brasileira WAI WAI. TCC- Design. Material: ouro
reaproveitado e madeira com certificado.
O projeto ilustra em alguma medida a preocupação de que a atuação do designer, por meio
de seu olhar treinado, possa contribuir para o fortalecimento da identidade comunitária e para a
criação de mercados de trabalho sustentáveis. Sachs ao lembrar as palavras de Swaminathan
(2002, p. 29), em seu "Caminhos para o desenvolvimento sustentável", coloca que uma nova forma
de civilização, fundamentada no aproveitamento sustentável dos recursos renováveis, não é
apenas possível, mas essencial. O pensamento projetual no design de joias sem dúvida alinha-se
com essa afirmação.
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Fig. 2 - Fernando Pires Jorge Concurso ANGLOGOLD– 2004. Tema – RAÍZES. Bracelete Atabaque –
sementes Pau Brasil, Palmeira e Açaí.
O interesse pelos temas evocativos à natureza está presente nos projetos de forma
reflexiva, incluindo elementos da cultura indígena brasileira bem como dos recursos naturais
nacionais que transcendem o universo conhecido das pedras preciosas clássicas como as
esmeraldas. O assim chamado "design diferenciado" fundamenta-se no reconhecimento de
materiais alternativos, que oferecem mais diversidade nas cores, leveza, praticidade e beleza, e se
utilizam de gemas tipicamente brasileiras, assim como sementes, madeiras, criando outras leituras
da cultura e dos recursos nacionais.
Fig. 3 - Fernando Pires Jorge. TCC – Design. Joia inspirada no gingado da capoeira. Material: ouro, topázio
imperial e casca de coco.
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Quando se trata de pensar a relação entre pesquisa acadêmica às esses conjuntos de
práticas e discursos que envolvem os objetos dessa cultura material, acreditamos que há também
características importantes no processo de projeto e produção destes objetos, que merece serem
observadas, tais como Lees-Maffei e Sandino sugerem: design, artesanato e arte podem ser vistos
como ocupando um território instável, de mudanças permanentes, que caracterizam não apenas as
histórias desses três conjuntos de práticas mas também as narrativas que os circundam.
As autoras questionam a respeito do ‘status’ considerado como irrelevante à hierarquia
convencional nas ligações entre essas práticas: “... o entendimento dessas tensões culturais tem
sido visto em termos de desenvolvimento paralelo, ou convergente, ao invés de hierárquico.” LeesMaffei (2007).
Para o entendimento das ligações entre o design, artesanato e arte, é preciso questionar a
relação mutuamente informativa entre a prática e o discurso, princípios esses que se mostram
sujeitos a mudanças em função da história e que variam regionalmente e culturalmente.
Em qualquer análise que se apresente sobre as ligações entre os três domínios, se faz
necessário um envolvimento com a história, cultura e as mudanças aplicadas através das
instituições nos discursos que as rodeiam, e como observa Rosemary Hill, (apud Lees-Mafei,
2007), a crítica ocupa um lugar independente da arte, pois: “A crítica pode muito bem aproveitar
histórias distintas daquelas do design, arte e artesanato, mas para assim o afirmar sem
reconhecer as relações mutuamente constituintes entre essas histórias é ignorar as ligações, as
quais sob análise são tão reveladoras.”
Também de acordo com Lees-Maffei, o desenvolvimento da história do design, tem
assegurado a importância de integrar o design, o artesanato e a arte, onde as autoras observam
que:
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Durante os últimos 150 anos têm se escrito sobre artesanato como sendo um
antídoto à crescente industrialização. Até mesmo em 2000, o jornal inglês The
Guardian foi visto reafirmando aos seus leitores que a arte em vidro sobreviveu à
industrialização do século dezenove. Lees-Mafei (2007, p. 209)
Teóricos do design do meio do século dezenove estavam preocupados em promover as
práticas artesanais enraizadas nos séculos de tradição, como uma necessária correspondente da
sociedade industrial. Atitudes como essas, afirma a autora, de maneira diferente, apoiam o
trabalho e a recepção da Bauhaus, com seu conjunto de princípios relacionados incluindo a
insistência de que o design, o artesanato e as belas artes fossem ensinados, exercidos e vistos
juntos, ao invés de separados hierarquicamente, e que um dos objetivos seria a elevação do
status do design e do artesanato aquele experimentado pelas belas artes.
Podemos questionar o sucesso dessa empreitada com o contínuo cultivo dessas
discussões: Martina Margetts apud Lees – Mafeei 2007, afirma que “os ‘mantras’ como ‘nova
cerâmica’ e ‘nova joia’ sugerem mudanças de prioridades, na qual ideias conceituais florescem em
conjunto, algumas vezes, ao invés de considerações do uso”, e afirma também que se faz
necessária uma análise cuidadosa para que se possa alcançar um contexto mais sofisticado para
a discussão e a compreensão do artesanato.
Em face aos desafios experimentais às tradições de especialidades, Peter Fuller apud
Less – Mafeei 2007 afirma em seu credo conservativo, que a originalidade é possível apenas
tendo como base a tradição, ou seja, só se alcança a excelência, através da aceitação das
tradições e limitações específicas de qualquer busca. Seu ponto de vista sobre a ênfase da
individualidade de expressão que levou os artesãos a negligenciar suas habilidades, é explicada
da seguinte forma:
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A ortodoxia moderna é que concepção e execução são atividades separadas e
que a execução - o mero fazer - pode tomar conta de si mesmo. Habilidades são
consideradas como restrições técnicas sobre a auto-expressão e elas não são
reconhecidas como sendo o conteúdo, e sim como sendo o meio de expressão.
Fuller apud Less - Mafeei (2007).
A recente onda de textos e eventos questionando o artesanato providenciou um
interesse necessário ao envolvimento compartilhado de artistas, designers e artesãos.
De acordo com documento publicado pela UNESCO, Castro (2008) afirma que o
artesanato é considerado como parte integrante do patrimônio cultural de grupos e comunidades
pela sua capacidade representativa do imaginário popular, tradições e costumes, com a função de
preservar conhecimentos e técnicas específicas, sejam através da criação de objetos, artefatos ou
mesmo instrumentos, reconhecidamente concernente às culturas de um povo.
As autoras também argumentam que o espaço do artesanato dentro da tendência visual
contemporânea se solidifica a partir da exposição Objects of Our Time, sediada no Crafts Council
em 1996, onde o curador e então diretor Tony Ford, declarou uma mudança de posicionamento
definitivo do artesanato das margens para o centro: “ocupar uma posição integrada com as belas
artes, moda, arquitetura e design industrial”, e complementam que com a reorganização dos
conselhos governamentais de design, arte e artesanato, e as mudanças no setor mais alto da
educação, estudiosos, alunos e praticantes das mais variadas formas de cultura material e visual,
precisam ver seus objetos de uma forma contextualizada e interdisciplinar, de maneira a revigorar a
discussão da relação entre esses campos.
De acordo com o editorial da 30ª edição de aniversário da revista Crafts publicada em
2003, são identificadas as mudanças ocorridas durante três décadas:
Em março de 1973, na edição número1, um artigo intitulado The Concept of Craft
(O Conceito de Artesanato) fez - entre outras - duas perguntas: "O que é
artesanato?" e "Como ele se diferencia por um lado da indústria e por outro lado
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da arte?" 30 anos depois, uma terceira pergunta segue-se à segunda: "Isso
importa?" Certamente hoje poucos artesãos consideram as barreiras entre a arte,
o artesanato e o design de tamanha significância. Artesanato e indústria são
rotineiramente parceiros, e muitos designers de bom grado combinam o feitio de
objetos exclusivos com a linha de produção... [e] o termo artesanato é agora
simplesmente
"inadequado"
para
resumir
a
diversidade
colaborativa,
interdisciplinar dessa prática atual. (RUDGE apud LEES-MAFFEI, 2007, p. 215)
Entretanto, se por um lado, de acordo com a citação, as barreiras entre o design,
artesanato e arte, não importam mais, por outro, o termo artesanato fica inadequado para
descrever a prática atual. Rudge se afasta da próxima pergunta lógica: “Se não artesanato, então
o quê?”.
Dada a diversidade de opiniões e os sentimentos aflorados a cerca do design,
artesanato e arte, qualquer observação sobre o assunto, precisa estar ciente da natureza perigosa
e inflamatória do assunto, e reconhecer essas ligações como criativas e dinâmicas, pois a
diversidade colaborativa e interdisciplinar da prática atual produz artefatos híbridos que rendem
discussões sobre essas relações, as quais necessitam de exploração mais aprofundada.
No caso do Brasil, atualmente cerca de 8,5 milhões de pessoas trabalham na produção
de artesanato, sendo 87% mulheres, o que extrapola razões culturais, pois Sant’ana (2010)
observa que em função do desemprego, surge como alternativa socioeconômica para populações
principalmente localizadas no meio rural, ou em pequenas cidades.
Com o intuito de elucidar o valor da reflexão sobre o dinamismo das relações entre arte,
artesanato e design, pretende-se demonstrar que o relacionamento entre essas categorias ajuda o
entendimento de seus objetos, pois se trata de áreas sub-exploradas em pesquisa acadêmica.
É possível que se realizem ações conjuntas com designers e artesãos, sem a intenção
de modificá-las, mas de sustentá-las como manifestação cultural, através de trocas e
atualizações, sem que nenhuma delas seja aniquilada:
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O artesanato é um patrimônio inestimável que ninguém pode se dar ao luxo de
perder. Mas esse patrimônio não deve ser congelado no tempo, congelado, ele
morre. E é na transformação respeitosa que entra o papel dos designers. Vida
longa para esse namoro que apenas se inicia. (BORGES, 2003, p. 68).
Linda Sandino nos lembra de que historiadores do design ignoram o significado alusivo dos
materiais nos objetos, e foca no uso expressivo na arte e nas joias de estúdio atuais, e sugere uma
reavaliação do significado dos materiais, e oferece uma leitura de objetos que destacam a falta de
originalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já foi observada, a interação entre o design, o artesanato e a arte, não é
específica apenas historicamente, mas também é determinada pela cultura e pela região, e sua
relação de significados difere geográfica e culturalmente em função das práticas de produção e
consumo.
As experiências projetuais ilustradas no presente artigo, ensejam considerações animadoras
quanto à valorização do design produzido regionalmente, que leva em conta aspectos simbólicos,
culturais e vernaculares de culturas e comunidades que vivem à margem da sociedade
industrializada. Novas perspectivas têm sido estimuladas a partir do momento em que se enunciam
princípios como o direito de co-existência de diversos agentes e sistemas, naturais ou processados,
e a importância de preservação de culturas, como a indígena, em níveis viáveis, ainda que a noção
de viabilidade careça de uma descrição mais precisa e rigorosa. A título de fechamento deste
artigo, parece inspirador lembrar a citação que Lennan faz de Victor Hugo na abertura de seu "The
Philosophy of Sustainable Design”: "Pode-se resistir à invasão de um exército, mas não a uma idéia
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cujo tempo chegou". Em linha com Lennan entendemos que o Design Sustentável é uma idéia cujo
tempo chegou.
REFERÊNCIAS
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2003.
BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. (lei Ordinária). Política nacional de educação
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BRASIL. Lei nº 4.281, de 25 de junho de 2002. Regulamenta a Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999
que institui a Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília DF. 2002.
CALDERONI, Abetai. Os Bilhões Perdidos no Lixo. 4 ed. São Paulo: Humanitos Editora, 2003.
CASTRO, Maria Laura; FONSECA, Maria Cecília. Patrimônio imaterial no Brasil. Brasília:
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua
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LEES-MAFFEI, Grace. Dangerous Liaisons: Relationship Between Design, Craft and Art. The
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–
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REVISITANDO A GROTA DO BIXIGA
RESUMO
A Grota do Bixiga é um território ímpar dentro do centro da cidade de São Paulo, uma região que apesar de
degradada, tem identidade própria e vínculo com seus moradores, além de conseguir mesclar diferentes
camadas sociais em um mesmo espaço. Este estudo revisita a região e relaciona algumas das tentativas de
requalificar a área.
Palavras chave: Grota do Bixiga, Bela Vista, Parque da Grota, Concurso Nacional de Ideias, Casa Paulista.
ABSTRACT
The Grota do Bixiga is a unique territory inside the center of Sao Paulo, a region that despite of its
degradation,has own identity and relationship to its residentes, also achieve a merge of diferente social
classes in the same space. This study revisits the region and relates some of the attempts to rehabilitate the
área.
Keywords: Grota do Bixiga, Bela Vista neighborhood, Park Grota, National Competition of Ideas, Program
Casa Paulista.
87
REVISITANDO A GROTA DO BIXIGA
Joice Chimati Giannotto
1
Carlos Guilherme Mota
2
INTRODUÇÃO
Este artigo é parte de uma pesquisa maior que busca olhar o antigo Bairro do Bixiga
atual Bela Vista, procurando fazer uma abordagem a partir de seu imaginário.
Em seu livro A cidade polifônica o antropólogo Massimo Canevacci compara a
Cidade de São Paulo à cidade de Cecília, do livro As cidades invisíveis de Italo Calvino.
Aqui vamos comparar a Grota do Bixiga à Fedora.
No centro de Fedora, metrópole de pedra cinzenta, há um palácio de metal
com uma esfera de vidro em cada cômodo. Dentro de cada esfera, vê-se uma
cidade azul que é o modelo para uma outra Fedora. São as formas que a
cidade teria podido tomar se por uma razão ou outra, não tivesse se tornado
o que é atualmente. (ITALO CALVINO, 2011, P. 32)
Ao longo dos anos, esta área no coração de São Paulo entre o Centro e a Paulista,
vive ou sobrevive em meio à degradação. De tempos em tempos surgem projetos para sua
revitalização, porém por se tratar de uma área que não atrai os investimentos do mercado
imobiliário, não consegue concretizar estes desígnios restando somente um imaginário de
como ela poderia ter sido se assim não fosse.
1
Arquiteta e Urbanista formada pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo em 2001, Especialização em
Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas em 2005, certificada Project Management Professional em
2011 pelo PMI Institute. Mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail:
[email protected].
2
Formado em História pela Universidade de São Paulo em 1963, Mestrado em História Moderna e Contemporânea pela
Universidade de São Paulo em 1967, Doutor em História Moderna e Contemporânea pela Universidade de São Paulo
em 1970. Professor Titular na Universidade Presbiteriana Mackenzie e Professor Emérito da FFLCH USP. E-mail:
[email protected]
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Aqui analisaremos a Grota do Bixiga em sua evolução. Para tanto este artigo se
estrutura em cinco partes:

A Grota do Bixiga, com ênfase no período de 2002 a 2013.

Parque da Grota, 1974

Concurso nacional de ideias para a renovação urbana e preservação do bairro do
Bixiga, 1990

Programa Casa Paulista

Considerações finais.
1. A GROTA DO BIXIGA
O Bairro da Bela Vista situado entre dois vetores de crescimento a Área Central e a Paulista é
um dos mais peculiares da cidade de São Paulo, originalmente ocupado por negros e imigrantes
italianos. As principais características físicas do Bixiga são o traçado irregular de suas ruas, lotes
pequenos com vários donos, relevo acidentado e vias que retalham o seu tecido urbano. Ao
contrário de outros bairros degradados que envolvem o centro, a Bela Vista possui vida noturna
com seus teatros e cantinas.
Em 1974 a Coordenadoria Geral do Planejamento Urbano (COGEP) fez um estudo do bairro
da Bela Vista e o dividiu em seis áreas homogêneas entre si:

Espigão, que se localiza na parte alta do bairro próximo a Avenida Paulista;

Grota, imediatamente abaixo do espigão delimitado pela Rua dos Franceses e indo de
encontro com a Avenida 9 de Julho;

Cantinas, eixo das ruas 13 de Maio e Rui Barbosa;

Martiniano, eixo da rua Martiniano de Carvalho; Metrô, faixa lindeira à Avenida 23 de Maio;

e Baixada, entre as sub áreas Martiniano e Cantinas.
Segundo este estudo, os empresários consideram como área de interesse, a área do espigão
e parte alta da grota, sendo que elas irão se desenvolver sem nenhuma medida modificadora, no
entanto é necessário um planejamento para que a renovação do bairro não acabe com as suas
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características. A área das cantinas é a mais antiga, com uma ocupação adensada, é nesta área
que se localizam as tradicionais cantinas e teatros. As demais áreas encontram-se estagnadas no
processo de desenvolvimento. (MARZOLA, 1985)
O Bairro da Bela Vista sofre com as contradições geradas pelos seus eixos viários principais
que seccionam o seu tecido urbano e marcam o seu desenvolvimento, ou seja, a parte do espigão
se desenvolve em consequência ao desenvolvimento da Paulista, as cantinas e teatros se
instalaram no eixo 13 de Maio / Rui Barbosa, mas a grota está locada fora da área de influência
dos dois vetores.
A Grota do Bixiga faz parte da sub-bacia hidrográfica do Córrego Saracura Pequeno,
localizado na vertente norte do espigão central. O Córrego Saracura Pequeno tem cerca de 900
metros, nasce nas proximidades da Rua São Carlos do Pinhal, passa pela Rua Cardeal Leme e
deságua no Ribeirão Saracura Grande, Avenida 9 de julho, altura da Praça 14 Bis. Os dois cursos
d’água atualmente estão canalizados. (SCHUTZER, 2012).
Figura 1 - Sub área da grota delimitada sobre imagem do Google Earth, edição da autora.
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A grota está compreendida entre a Rua Sílvia, Alameda Ribeirão Preto, Joaquim Eugênio
de Lima, dos Franceses e Luiz Barreto, com área de aproximadamente 34,5ha. É vizinha das
subáreas do espigão e das cantinas. A parte alta da grota tende a acompanhar o desenvolvimento
da Avenida Paulista, mas o restante tende a permanecer estagnado. A grota tem características
especiais de topografia e deterioração das construções. A área desperta pouco interesse da
iniciativa privada, devido aos pequenos lotes pertencentes a vários proprietários; suas condições
atuais não são compatíveis com os padrões das classes privilegiadas, possui construções
obsoletas que são pouco valorizadas. (MARZOLA, 1985)
Em 2002, através da resolução nº 22 do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), grande parte do bairro foi
tombada, e para tanto foram destacados os aspectos:

importância histórica e urbanística do bairro na estruturação da cidade, pois é um dos poucos
bairros que ainda guardam inalteradas as características originais de seu traçado urbano e
parcelamento do solo;

elementos estruturadores do ambiente urbano com interesse de preservação seja pelo valor
cultural, ambiental, afetivo e/ou turístico;

a permanência da conformação geomorfológica original nas áreas da Grota, do Morro dos
Ingleses e da Vila o Itororó; grande número de edificações de inegável valor histórico,
arquitetônico, ambiental e afetivo, muitas delas remanescentes da ocupação original do bairro
(final do séc. XIX);

mescla de usos;

vocação e potencial turístico;

população residente cuja permanência é fundamental para a manutenção da identidade do
bairro;
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91

futuras propostas de renovação urbana para melhoria de condições de uso e ocupação em
harmonia com a presente resolução.
Segundo o artigo 2º desta resolução a área da Grota é considerada área envoltória de bens
tombados, e possui diversos tombamentos com nível de preservação 3 (NP3).3
Figura 2 – Indicação de bens tombados relacionados na resolução do CONPRESP 22/2002 indicada sobre
mapa de 1972, desenho da autora.
Em 2004, a Prefeitura de São Paulo aprovou um novo zoneamento para a cidade, lei nº
13.885/2004. A Grota do Bixiga teve seu zoneamento alterado para somente três tipos de zonas:

ZM-3a: “zona mista de densidades demográficas e construtivas altas, com coeficiente de
aproveitamento mínimo igual a 0,20, básico igual a 1,0 e máximo variando de 1,0 até o limite
de 2,5;”

ZPEC: zona de preservação cultura – “são áreas do território destinadas a preservação,
recuperação e manutenção do patrimônio histórico, artístico, arqueológico, podendo se
configurar como sítios, edifícios ou conjuntos urbanos.” (São Paulo, 2004)
3
O nível 3 de tombamento é descrito no Art. 7º da Resolução 22/2002 do COMPRESP como: “Quando se tratar de
imóvel deverão ser mantidas as características externas, a ambiência e a coerência com o imóvel vizinho classificado
como NP1 e NP2, bem como deverá estar prevista a possibilidade de recuperação das características arquitetônicas
originais”.
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
ZEIS 3: zona especial de interesse social – contém destinação obrigatória de parte da área
construída computável para habitação de interesse social (HIS) e habitação do mercado
popular (HMP).
Figura 3 – Zoneamento 2004 - O mapa utilizado como base foi o mapa 4, relativo ao uso e ocupação do
solo da subprefeitura da Sé, anexo a lei nº13.885/2004, o recorte e a edição foram feitos pela autora.
Em 26 de abril de 2013, foi republicado o edital da concorrência internacional para a Parceria
Público Privada (PPP) da Linha 6 do Metrô (laranja), Brasilândia – São Joaquim. O bairro da Bela
Vista deve receber duas estações: 14 Bis e Bela Vista. A futura estação 14 Bis está localizada
dentro do perímetro da grota e a previsão para a implantação das estações é que as obras
ocorram entre 2014 e 2020. Por conta desta nova estação, um dos símbolos da grota e bairro, a
Escola de Samba Vai-Vai, corre o risco de ter sua sede desapropriada.
2. PARQUE DA GROTA, 1974
O projeto do Parque da Grota elaborado por Paulo Mendes da Rocha e sua equipe composta
por: Cristina de Castro Mello, Flávio L. Motta, José Cláudio Gomes, Benedito Lima de Toledo,
Maria Ruth do Amaral Sampaio, Samuel Kerr, Koiti Mori e Klara Kaiser Mori, integra um
meticuloso estudo da COGEP para a reurbanização da Grota, suas diretrizes básicas foram:
1. Manter e ativar a Bela Vista como bairro predominantemente habitacional,
aumentando a densidade demográfica com novos critérios de ocupação do
solo e melhor aproveitamento dos recursos existentes na área: proximidade do
centro, facilidade de transportes, infra-estrutura urbana, comércio, serviços
privados e institucionais.
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2. Incentivar e ampliar, no bairro, as atividades de recreação e cultura, já
tradicionais no Bexiga, com vistas também à população de toda a cidade e ao
turismo.
Para se atingir os objetivos da renovação urbana pretendida, foram previstos três
tipos de intervenção: preservação, reurbanização e ordenação. (ROCHA, 1976)
O projeto propôs 984 unidades habitacionais, distribuídas em apartamentos de 2 e 3
dormitórios, com área entre 50 e 70m² por unidade. A população residente em habitações
precárias deveria ser relocada dentro da mesma área. As áreas livres dos edifícios deveriam
preencher a necessidade de estar e lazer coletivos, incentivando o desenvolvimento da
sociedade. O parque criado deveria fornecer serviços, áreas de lazer, ensino e esportes de
maneira integrada. O projeto contava ainda com a criação de um hotel para cerca de 300 leitos,
uma grande área para a construção de um centro de música popular e outras manifestações junto
ao anel da Avenida 9 de Julho, ao longo da Rua São Vicente. As encostas deveriam ser
densamente arborizadas e os meios de quadras deveriam formar caminhos de pedestres com
parques e jardins.
Relativo ao zoneamento da área de reurbanização seria mantido os edifícios com mais de
quatro pavimentos em boas condições, alterando-se o critério de ocupação dos pavimentos térreo
e sobreloja para que se destinassem ao comércio. Para a área restante deveriam ser atendidos
critérios como: gabarito, ocupação de térreo e sobrelojas, obrigatoriedade do uso de pilotis no
pavimento térreo, ocupação máxima de 30% para habitações e de 70% para comércio, eliminação
dos muros pelo menos no recuo da frente, obrigatoriedade de recuo de fundo que posteriormente
poderia ser desapropriado para se formar os jardins de meio de quadra, e na parte alta da grota
não deveriam ter paredes cegas voltadas para o vale. O paisagismo nesta área teria grande
importância uma vez que o próprio projeto é denominado “parque”.
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3. O CONCURSO NACIONAL DE IDEIAS PARA A RENOVAÇÃO URBANA E PRESERVAÇÃO
DO BAIRRO DO BIXIGA, 1990.
O concurso nacional de ideias não se restringiu somente a Grota, mas a todo o bairro do
Bixiga. Sarah Feldman (1991), em sua matéria para a revista Projeto Design nº 138, faz uma
compilação do que foi este concurso e discorre sobre a ata do júri e os três primeiros colocados,
conforme veremos ao longo desta seção.
O concurso surgiu da necessidade de estabelecer novas relações entre o poder público e os
cidadãos. Para tanto, garantiu-se voz aos moradores e usuários do bairro para se manifestarem
sobre o que deveria ser alterado, preservado, quais as soluções para moradias e principais
conflitos, etc.
As equipes que participaram deste concurso receberam um material oriundo de dez debates
públicos. O objeto do concurso era a vida e a sua qualidade, e não sua decomposição numérica.
O programa para este concurso era aberto e buscava-se valorizar soluções referenciadas nas
especificidades do lugar. Dos trinta trabalhos apresentados, foram excluídos os com maior
fragilidade conceitual e formal, restando dez.
Segundo a ata dos trabalhos do júri, todas as intervenções pontuais apresentadas pelos
projetos, mesmo os selecionados, foram insuficientes, fato que se deveu a imprecisão das
demandas. Foram selecionados três projetos, que foram divulgados a partir de cartazes e cartilha
explicativa, para que fosse feita uma votação com a população do bairro para a escolha do projeto
e áreas em que as intervenções deveriam ser priorizadas. Segue a síntese dos trabalhos,
apresentados na ordem de sua classificação final:
A. EQUIPE AZUL (TRABALHO 5), DE RECIFE, COORDENADA POR AMÉLIA REYNALDO:
No interior dessa proposta, a síntese de uma história, de um caminhar. De uma
filosofia. Planejar a renovação urbana e preservação das cidades está associado a
uma ampla e permanente discussão e participação da população. Conhecer as
particularidades do Bexiga foi possível em função do acesso ao material produzido
durante o processo de debates e discussões, e do viver, o quanto possível as
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práticas do cotidiano do bairro. Acompanhar a evolução urbana e cultural do
bairro, de chácara a loteamento popular, de terra de africanos e italianos e mais
tarde migrantes rurais de diversas regiões. Descobrir a modernidade, o progresso
que redesenha espaços e encobre desejos e sonhos. Descortinar um Bexiga
transformado pelas grandes obras viárias; a excessiva verticalização de algumas
áreas; a substituição funcional e, consequentemente populacional, mas resistente
na preservação de imóveis de sua formação original. Vários deles habitações
precárias de uma população que alimenta o desejo de permanecer onde está. Ou
ainda um Bexiga vivo e plural quando entre contrastes e conflitos oferece a desta
de toda a cidade. (FELDMAN, 1991, p. 82)
O bairro foi subdividido em cinco áreas:

área próxima ao centro antigo;

área próxima ao centro novo;

área do grotão da Bela Vista;

área próxima à Avenida 23 de Maio; e

área central do bairro.
Destacaram três características físicas básicas: espaços consolidados, espaços adensáveis e
espaços de adensamento cauteloso.
Estabeleceram-se os objetivos: sistema gerencial, representado pelo Espaço Bexiga onde o
público e o privado se confrontassem e onde o gerenciamento do planejamento estivesse
associado a população; processo permanente de debates entre os representantes dos diversos
segmentos sociais e grupos de pressão da área visando o querer coletivo onde a estratégia era
tratar a quadra como unidade de intervenção.
Criaram também duas áreas de intervenção prioritárias: ZIA – conjunto de quadras próximas à
encosta da Avenida 13 de Maio; e ZIB – núcleo do bairro.
B. EQUIPE VERMELHA (TRABALHO 25), DE SÃO PAULO, COORDENADA POR JOSÉ DE
SOUZA MORAES:
A visão da cidade que orienta nossa proposta para o Bexiga pode ser
caracterizada como: pluralista (em vez de um modelo acabado, uma multidão de
modelos); contextualista (não passa o trator, constrói ambientes e significados a
partir dos tecidos existentes); participativa e aberta à refutação (a comunidade
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visualiza e modifica cenários antes que ocorram); de mercado (enfatiza a inciativa
privada e os mecanismos de mercado como motores das transformações do
ambiente e incentiva tanto o lucro dos investimentos como sua contribuição
social).
A proposta básica é simples: reverter o processo imobiliário que descaracterizava
o bairro redirecionando sua energia para a preservação e melhoria do ambiente.
(MORAES In FELDMAN, 1991, p. 84)
Através deste projeto seria possível vender o potencial construtivo de áreas que não deveriam
ser adensadas para áreas vizinhas que comportassem o adensamento. Todas as normas e
coeficientes seriam calibrados por mecanismos de simulação e complementados por um plano de
desenho urbano que provê diretrizes para melhorias no espaço público. A equipe abordou seis
temas:

Zoneamento - foram identificadas quatro zonas típicas: estáveis (Paulista); degradadas
(centro); de preservação (13 de maio); e de expansão (23 de maio). Haveriam mecanismos de
transferência de potencial construtivo.

Habitação contaria com duas políticas: conservação e melhoria do estoque existente e oferta
de novas unidades de padrões diferenciados.

Circulação e transportes: desviar o trânsito de passagem para as artérias e para fora do bairro;
criação de três estacionamentos; criação de circuitos de micro-ônibus circulares com circuitos
alternativos à noite e aos finais de semana; priorização dos pedestres, especialmente nas
áreas de comércio.

Meios de financiamento: antes das primeiras trocas de coeficientes construtivos o
financiamento se daria por um fundo associado ao IPTU do bairro, depois se pagaria com o
movimento imobiliário.

Desenho urbano: criação de diretrizes para ruas e praças, a partir da identificação de fatores
que degradam a qualidade ambiental.

Participação e aferição: a comunidade deveria ser inserida no processo decisório através de
técnicas como o método Delphi e simulação ambiental.
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C. EQUIPE AMARELA (TRABALHO 20), DO RIO DE JANEIRO, COORDENADA POR
DEMETRE BASILE ANASTASSAKIS:
Um pressuposto orientou todo o nosso trabalho. Se a cidade é o espaço que torna
possível a democratização de oportunidades e nem todos podem desfrutá-la, será
necessário que se criem mecanismos que garantam a todos, independentemente
de classe social ou montante de renda esse direito. (FELDMAN, 1991, p. 85)
A análise desta equipe verificou que o bairro está ilhado entre a Avenida 23 de Maio,
Avenida 9 de Julho e os arranha-céus da Paulista, e pretende “desilhar” o bairro fazendo sua
integração com o transporte de massa, privilegiando os pedestres e veículos que se destinam ao
uso local.
Questiona sobre qual Bixiga queremos, e propõe diversas medidas: adensamento habitacional
sem prejuízo da qualidade de vida e buscando atrair investimentos da iniciativa privada;
requalificação das calçadas de áreas comerciais a partir do alargamento e implantação de
equipamentos; tratar a 13 de Maio como corredor cultural; arborizar ruas; criar uma universidade
aberta de artes aproveitando o potencial artístico e boêmio do bairro. Por fim aborda a questão da
habitação visando “desadensar” os cortiços, reduzindo o número de famílias em cada um desses
imóveis e gerando moradia digna, com viabilidade econômica para atrair a iniciativa privada; estas
novas edificações teriam comércio e serviços nos primeiros andares, que deverão pagar pelo
ponto, pelo menos o custeio do terreno, reduzindo assim o custo da moradia.
4. PROGRAMA CASA PAULISTA – PARCERIA PÚBLICO PRIVADA (PPP) – HABITACIONAL
CENTRO DA CIDADE DE SÃO PAULO
Em 17 de abril de 2012, a Secretaria da Habitação de São Paulo do Governo do Estado de
São Paulo, publicou o edital, 004/2012, de chamamento público para construção de habitações de
interesse social (HIS) e habitação do mercado popular (HMP). No anexo 2, deste edital, são
descritas as áreas de intervenção e as diretrizes técnicas que devem ser adotadas para os
projetos. Este programa possui recortes em diversos bairros: Barra Funda, Santa Cecília, Pari,
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Tamanduateí, Bom Retiro, Pari, República, Bela Vista, Liberdade, Brás, Cambuci, Mooca, Brás,
Belém e Belenzinho, divididos em setores e subdivididos em perímetros ou áreas de intervenção,
que por sua vez são agrupados em lotes. Neste estudo, abordaremos especificamente o setor B,
perímetro B3.
De acordo com o anexo 2, do edital, as principais diretrizes gerais para o programa são:

unidade urbana – o desenho deverá ser harmônico para os novos edifícios em relação ao
entorno;

diversidade arquitetônica – os edifícios dos conjuntos deverão ter identidade, sem que seja
desrespeitado o princípio da equivalência;

evitar o gueto;

evitar o condomínio fechado para a cidade;

melhorar a estratégia do espaço público;

cidade de uso misto;

concentração das intervenções em torno das estações, integração social em torno de valores
comuns;

reforçar os polos urbanos configurados pelas estações (Metrô e CPTM);

Concentração das intervenções ao longo das avenidas, favorecer o surgimento de polos de
oportunidade;

melhorar a implantação dos grandes eixos de infraestrutura; abrir novas frentes, ou seja, onde
cabível abrir ruas paralelas ao trilhos;

promover a transposição de barreiras;

agrupamentos – agrupar os empreendimentos para potencializar as transformações oriundas
destas intervenções, através da criação de eixos ou bulevares para favorecer o surgimento de
polos de oportunidades e centros de referência, deverão formar pequenas praças ou largos
fomentando o comércio local e os vínculos de vizinhança;
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
deverá haver sinergia com a rua, a partir da extensão do uso público para dentro do lote; os
usos do térreo deverão ser de interesse público – institucional, comércio e serviços.
As diretrizes para os edifícios são: ocupação e animação das ruas, ou seja, deve-se privilegiar
a implantação junto ao alinhamento da rua ou próximo dela onde o recuo de frente for obrigatório
e integrar este espaço aos passeios públicos com edifícios de maior projeção e
consequentemente mais baixos; os edifícios devem se relacionar com a rua, evitando-se os
paredões; os edifícios deverão ter usos mistos.
Para as HIS haverá três tipologias, apartamentos de 1, 2 ou 3 dormitórios; para as HMP
haverá quatro tipologias, compacto, 1, 2 e 3 dormitórios. No anexo existe um “memorial” com as
diretrizes técnicas para estas habitações.
O setor B é “um conjunto heterogêneo de tecidos urbanos bastante distintos, tendo em comum
a vocação habitacional e uso misto de alta densidade” (p. 37). Está subdividido em cinco
perímetros divididos em dois grupos, as áreas B1e B2 (Minhocão e São João) é mais verticalizado
e está sob ação da Operação Urbana Centro que lhe confere o potencial construtivo máximo de 6.
As áreas B3, B4 e B5 (Grota do Bixiga, Bela Vista e 23 de Maio), tem um baixo potencial
construtivo e estão sob incidência de ZEPEC.
As principais diretrizes para o setor B-Sul são: rede de animação de rua como estratégia de
revitalização e preservação do meio urbano; circuitos cultural, gastronômico, boêmio, compras e
lazer; espaços para trabalho e aprendizado, com a finalidade de inclusão da população;
coexistência de diversos seguimentos sociais em um mesmo lugar; priorizar edificações de uso
misto com o térreo comercial ou institucional; sempre que possível utilizar soluções ambientais e
de eficiência energética; promover a inclusão dos moradores dos cortiços da área no programa.
No setor B3, apesar das oportunidades serem dispersas, os empreendimentos deverão estar
próximos e articulados entre si. Devem ser abertas passagens de pedestres nas quadras com
mais de 200m de comprimento e promover a conexão entre o bairro baixo e o bairro alto; criar
parques de encosta com no mínimo 12.350m²; e implantar escola e creche associadas ao espeço
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verde livre. Deverão ser construídas 184 unidades de HIS, 64 unidades de HMP, e 2.700m²
destinados a comércio e serviços. O gabarito máximo dos edifícios é de 15m e o patrimônio
histórico deve ser incluído nas ações do programa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do tempo, foram elaborados diversos projetos e estudos para revitalizar a Grota do
Bixiga, neste pequeno estudo foram abordados três destes projetos que ocorreram ao longo de
quase 40 anos.
Todos os projetos aqui apresentados têm seu mérito e seu contexto histórico. O projeto de
Paulo Mendes da Rocha, na década de 70, previa uma intervenção bastante radical, pois
deveriam ser mantidos somente os edifícios com mais de 4 pavimentos que estivessem em bom
estado e propôs a partir dos conceitos de urbanismo moderno: pilotis para liberar o térreo,
quadras abertas, espaços de uso comum abertos ao público, eliminação de muros ao menos no
recuo frontal, etc. Hoje o projeto seria inviabilizado pelos tombamentos de 2002 e o zoneamento
de 2004, que alteram a condição que existia na época e exige uma maior relação com as
edificações e o entorno pré-existentes no local trazendo um conceito de contiguidade, conforme o
desenvolvido na tese de Magalhães (2005, p. 68): “Adotei o vocábulo ‘contiguidade’ para
expressar a condição a qual devem se sujeitar as novas estruturas, edilícias ou urbanísticas, a
serem inseridas na cidade existente” e complementa “ela se expressa como algo que é próximo,
que é vizinho, e que permite ou mantém convivência ou relação de convívio”.
No Concurso Nacional de Ideias para a Renovação Urbana e Preservação do Bairro do Bixiga,
na década de 90, houve um ponto muito interessante, a população residente foi consultada
através de debates públicos e pôde escolher através de votação, qual dos três projetos finalistas
mais se adequavam as suas expectativas em relação ao bairro. O projeto vencedor propôs a
criação do “Espaço Bexiga” para gerenciar as intervenções que ocorreriam no bairro. Vale
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ressaltar que apesar do “Espaço Bexiga” não ter sido formalmente criado, a população desta
região é bastante engajada, o bairro conta com:

a Paróquia de Nossa Senhora Achiropita, que possui diversos trabalhos sociais, além de
organizar uma das festas mais tradicionais da cidade;

o Museu Memória do Bixiga, criado em 1980 por Armando Puglisi e cujo acervo é composto
por peças de seu criador e dos moradores do bairro;

o site www.bixiga.com.br e o blog http://bixigaamoremio.blogspot.com.br, onde é contado um
pouco do que acontece no bairro e são divulgados eventos para a população;

a Rede Social Bela Vista, criada em 2005, com a finalidade de articular as mais de 40
organizações dos setores públicos e sem fins lucrativos, que atuam nesta área através de
reuniões mensais e fóruns trimestrais, com participação expressiva da população do bairro.
Esta rede atualmente trabalha no “Plano de Desenvolvimento Local Bixiga 2014” trabalhando
em três pilares: meio ambiente, econômico e social, e no “Plano de Bairro Bela Vista 2020”.
Neste contexto é possível verificar uma coletividade que permeia o cotidiano dos moradores
do bairro.
A identidade coletiva é outra questão que se coloca nos estudos de revisão do
urbanismo. O tema passa a ter pertinência quando o lugar volta a ter importância,
quando o universal já não é mais o único destino, quando a certeza convive com a
incerteza. (MAGALHÃES, 2005, p. 54)
O projeto do Programa Casa Paulista, a Parceria público-privada – Habitacional centro da
cidade de São Paulo é o mais atual e está em andamento. Como a Grota do Bixiga, por si só não
atrai investidores, incluíram no lote 2, três setores B (República / Bela Vista), C (Liberdade / Brás)
e D (Indústrias Cambuci / Mooca). Este projeto apesar de também ter conceitos do urbanismo
moderno como a quadra aberta e o térreo com acesso ao público, também presentes no projeto
de Paulo Mendes da Rocha, tende a causar uma ruptura menor com o tecido urbano atual. Hoje a
Grota é considerada área envoltória de bens tombados, além de conter diversos bens tombados
com o nível 3 de preservação, que não permite uma demolição em massa em seu território. Até o
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momento o projeto trata de premissas, e os investidores é que vão desenvolver os projetos
urbanos e arquitetônicos, ficando o desafio de costurar os conceitos das diretrizes com a grota
atual, procurando intensificar as relações que existem com o local. No dia 6 de junho de 2013, a
Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (ASBEA), noticiou que o Ministério Público
Estadual de São Paulo, ajuizou uma ação civil pública para paralisar o projeto, alegando que não
houve participação popular na elaboração do edital da Parceria Público-Privada (PPP) de acordo
com o requerido no Estatuto das Cidades (Lei federal nº 10.257/2001), alega-se também que a
participação popular até o momento atende somente ao disposto na Lei de Licitações (Lei federal
nº 8.666/93).
O arquiteto Abílio Guerra (2012), demonstra preocupação quanto ao tema revitalização da
Grota do Bixiga, especialmente por haver uma apropriação deste espaço muito típica de seus
moradores e que conta um pedacinho da história de São Paulo.
De vez em quando se lembram do grotão. O arquiteto Paulo Mendes de Rocha
arriscou um projeto de revitalização da área e, no seu vácuo, profissionais
diversos já palpitaram sobre um destino mais alvissareiro para esta região
deprimida. Se alguém for realmente fazer algo nesta área, espero que seja um
arquiteto do porte de nosso prêmio Pritzker. E torço para que não seja
acompanhado da expulsão desta gente simples que merece estar ali.
Mas, no fundo, o que torço mesmo é para que a esqueçam por mais algum tempo
– com sorte, algumas décadas –, que troquem a revitalização artificial da área pela
vitalidade arcaica que lhe dá o caráter. O isolamento tem como aliado a própria
inexistência oficial do Bixiga, bairro tradicionalíssimo desprezado pela divisão
administrativa da cidade, [...] Passear por ali é se deparar com a memória da
cidade provinciana que São Paulo foi até anteontem. (Guerra, 2012)
O que resta neste momento é acompanhar o desenrolar dos trâmites da parceria públicoprivada e do Ministério Público Estadual de São Paulo, além de acompanhar as modificações que
serão introduzidas com a nova estação do metrô. Assim como o arquiteto Abílio Guerra, vários
outros arquitetos e residentes deste bairro, que apesar de degradado possui relação ímpar com
sua população fixa e flutuante, tem a preocupação de resolver a complexa equação de como fazer
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uma revitalização, sem que com esta modernização se perca a identidade que hoje é tão
enraizada neste território.
REFERÊNCIAS
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O METRÔ DE SÃO PAULO E AS NORMAS DE ACESSIBILIDADES
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a acessibilidade do Metrô de São Paulo, em relação à NBR9050/04 e o Decreto 5.296/04, em seu entorno, equipamentos urbanos, edificação, comunicação visual e os
trens. Esta análise comparativa entre os setores que compõem o sistema do metrô e a principal norma
brasileira visa principalmente alertar os projetistas e demais órgãos governamentais envolvidos na
concepção de projetos acessíveis, para que possa atender especialmente as pessoas com deficiência física
ou mobilidade reduzida.
A estrutura metroviária é formada por segmentos que são ou deveriam ser acessíveis e utilizados por todos
os usuários com autonomia inclusiva, ou seja, qualquer usuário possa acessar os trens do metrô desde o
seu entorno, plataformas e carros sem necessitar para isso, da ajuda de terceiros ou funcionários da
companhia.
Visa demonstrar a diferença entre o que o que as normas brasileiras tratam para os sistemas de transportes
coletivos, no caso o metrô e a realidade encontrada nas diversas estações das linhas do metropolitano.
Palavras-chave: metrô, normas, acessibilidade.
ABSTRACT
This paper aims to analyze the accessibility of the São Paulo Metro, regarding NBR-9050/04 and Decree
5.296/04, in your surroundings, urban equipment, building, visual communication and trains. This
comparative analysis of the sectors that make up the subway system and the main Brazilian standard mainly
aims to alert designers and other government agencies involved in project design accessible, especially to
serve people with disabilities or reduced mobility. The subway structure is formed by segments that are or
should be accessible and used by all users with autonomy inclusive, ie any user can access the subway
trains from its surroundings, platforms and cars without the need for this, the help of third parties or
employees of the company. Aims to demonstrate the difference between what the Brazilian rules deal for
public transport systems, where the subway and reality found in the various stations of the subway lines.
Key words: subway, standards, accessibility.
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O METRÔ DE SÃO PAULO E AS NORMAS DE ACESSIBILIDADES
José Lima Bezerra1
José Geraldo Simões Júnior2
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como principal objetivo, levantar os vários problemas que ainda são
decorrentes nos transportes públicos, em especial o Metrô de São Paulo, no que se refere à
acessibilidade para as pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida.
É fundamental para que todos os usuários do sistema metropolitano indiferentes de
classe social a que pertençam, tenham o direito de estarem inseridos no contexto do
transporte público acessível bem como as pessoas com deficiência ou mobilidade
reduzida, possam estar também utilizando os meios de transportes públicos acessíveis,
com autonomia e inclusão social.
No Brasil, assim como em várias partes do mundo, vem acontecendo mudanças de
atitude por parte de profissionais e governo com o intuito de priorizar os projetos e
técnicas de construção voltadas à inclusão da pessoa com deficiência, o qual tem
contribuído as normas e leis que regulam a obrigatoriedade nas adequações dos espaços
públicos e de uso coletivos. Como exemplo a NBR-9050/04 que trouxe inovações e
1
Arquiteto e urbanista, mestrando em arquitetura e urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Av.
Consolação, 896- São Paulo. Tel. 2114-8792 [email protected]
2
Arquiteto e urbanista pela USP, mestre pela FGV-SP, doutor pela USP, com pós-doutorado pela Universidade Técnica
de Viena. Professor adjunto da FAU-Universidade Presbiteriana Mackenzie, Av. Consolação, 896- São Paulo. Tel. 21148792 [email protected]
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melhorias para as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e o Decreto 5.296/04
que regula as Leis 10.048/00 e 10.098/00. Infelizmente ocorreu um aumento significativo de
exemplos de atuações que visam exclusivamente cumprir essas determinações legais, e
que por muitas vezes apresentam-se ineficazes, oferecendo um produto ou soluções que
não atendem legalmente as necessidades dos usuários. Padronizam tais projetos e
serviços como se fosse uma linha de fábrica, sem considerar as normas técnicas e a
evolução tecnológica, que caracterizam os ambientes e a diversidade do público alvo a ser
atendido e sem agregar os demais valores e benefícios para as pessoas com mobilidade
reduzida.
Segundo o (IBGE, 2010), um grande número de brasileiros declararam ter algum tipo de
deficiência, mais precisamente 23,9% da população distribuída em todas as faixas etárias.
São pessoas que apresentaram determinado grau de dificuldade, seja visual, auditiva,
mental ou com uma deficiência física. Segundo ainda o (IBGE, 2010) mais de 45 milhões de
pessoas com algum tipo de deficiência, ou seja, quase 24% da população brasileira,
apresenta determinada deficiência que limita ou dificulta a mobilidade. No Brasil existem
várias leis que regulam os direitos dos cidadãos com algum tipo de deficiência ou com
mobilidade reduzida.
O decreto 5.296/04 que regula as leis 10.048/00 e 10.098/00 estabelece os critérios
básicos que norteiam e promovem a acessibilidade das pessoas com deficiência física,
mobilidade reduzida, deficiência visual, auditiva ou mental.
Mas é a NBR-9050/04 que norteia as construções e edificações bem como a
comunicação visual que é ignorada pela maioria dos projetistas que lidam com a causa
pública, em especial no sistema de transportes públicos em São Paulo.
Considerando que é o momento de se conscientizar e mobilizar ações para lidar com a
diversidade humana, promovendo a inclusão das pessoas com mobilidade reduzida, o
presente trabalho teve como objetivo também, avaliar a acessibilidade urbana, no principal
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sistema de transporte público de São Paulo, visando à inclusão social das pessoas com
deficiência ou com mobilidade reduzida.
A inclusão social é a maneira pela qual a sociedade consciente, integra os cidadãos
excluídos ou marginalizados a fim de criar um único sistema de convívio social, trazendo
em fim, pessoas que na maioria das vezes, apresentam alguma deficiência física,
mobilidade reduzida ou necessidades especiais. É pela inclusão social que essas pessoas
possam se sentir cidadãs e ter a mobilidade autônoma podendo assumir seus papéis na
sociedade. Se a sociedade se modifica de forma positiva e globalizada, do mesmo modo
deve propiciar às pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida, condições
favoráveis para adaptação, de acordo com suas limitações, favorecendo o seu
desenvolvimento através da educação e da qualificação para o lazer e convívio social
harmonioso com toda a sociedade.
Assim, por serem seres humanos, são diferentes, pertencem a grupos variados,
convivem e desenvolvem-se em culturas distintas. São então diferentes de direito. É o que
se chama de direito à diferença.
Mesmo que as pessoas apresentem características diferenciadas, decorrentes não
apenas de deficiências, mas também de condições socioculturais e econômicas
desfavoráveis, elas terão direito à liberdade e à igualdade de oportunidades garantidas em
forma de lei que deve ser aplicada para que todos possam ter o direito de ir e vir com
autonomia.
Segundo (LOPES, 2005), o estudo de como esses parâmetros da pessoa com deficiência
interferem em sua relação com o ambiente dando origem aos conceitos de acessibilidade
que integram a metodologia, são as informações que permitem identificar simultaneamente
os problemas e as situações ideais em relação a deslocamento, circulação, alcance
manual, campo de visão, alcance auditivo, facilidade de compreensão e percepção dos
espaços e das informações fornecidas.
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Mais do que indicar modelo e ditar normas e posturas para que se torne um ambiente ou
espaço com nível de acessibilidade aceitável para pessoas com deficiência, hoje o tema se
qualificou com uma importância acentuada dentro dos espaços públicos, especialmente
em importantes centros como São Paulo. No Brasil, a partir da década de 90 onde se
chamou a atenção dos profissionais da área de arquitetura e profissionais afins, para
projetar em nome de uma nova realidade e de um novo segmento da sociedade, a
sociedade dos excluídos. Após esse período, aparecem leis que obrigam a construção,
projeto e adequação de algumas tipologias de edificação e espaços públicos em particular
o Sistema Metroviário de São Paulo. O que se pleiteia aqui é uma proposta que possa
influenciar na qualidade do projeto contribuindo para que todos os conceitos de
mobilidade acessível possam estar presentes em projetos que cuida da causa da
acessibilidade, desde a fase inicial até a consumação do projeto executivo e sua
aplicabilidade seja em construção ou reforma.
Segundo ainda (LOPES, 2005), para que todos esses objetivos sejam alcançados, é
necessário conhecer e compreender a evolução histórica da classificação e conceituação
das deficiências, assim como das leis que ordenam as construções e edificações da
cidade, particularmente aquelas voltadas a garantir a acessibilidade no transporte público.
2. CONCEITO DE ACESSIBILIDADE
Segundo (RAIA, 2000), o conceito de acessibilidade tem sido abordado e debatido há
bastante tempo, mas mesmo assim, ainda está moderno e continua atualizado para que se possa
estudar e elaborar projetos de cunho urbanísticos e de transportes de natureza pública e privados
tornando um mensurador dos serviços de qualidade acessível.
Já (CHALLURI, 2006), enfatiza que não existe uma única definição para a acessibilidade,
podendo ter vários significados e utilização, desde os entornos, edificações e sistemas de
transportes em que há a facilidade de locomoção das pessoas com deficiências ou mobilidade
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reduzida. Situações onde todos podem se locomover com autonomia inclusiva entre duas
localidades, com conforto, tempo de viagem de acordo com os padrões normais e acima de tudo
que não haja discriminação por parte de operadores e servidores dos sistemas de transportes.
Para a maior parte da população da cidade de São Paulo, os deslocamentos são feitos
através do sistema de transporte público, no caso o Metrô de São Paulo que segundo o próprio
metrô transporta diariamente cerca de 2.999.000 milhões de passageiros e que precisa oferecer
aos seus usuários, transporte de qualidade acessível.
Portanto, para que haja acessibilidade no Sistema Metropolitano de São Paulo, é preciso
haver todo um conjunto acessível, que vai desde o entorno, como calçadas, guias rebaixadas,
sistemas de acesso até chegar aos bloqueios, circulação vertical, plataformas e trens.
Para o (Ministério das Cidades, 2006), a acessibilidade pode ser entendida como uma
maneira em que todos possam desfrutar da igualdade no desenvolvimento da sociedade em todos
os níveis sem que haja interferência de outros, tornando tais indivíduos, aptos para processar o
desenvolvimento socioeconômico e cultural, tornando-os importantes para a sociedade em que
residem, trabalham e consomem.
Em resumo, a acessibilidade é a qualidade em que todos os cidadãos sem distinção de
qualquer natureza, desfrutam para a realização de suas atividades diárias com o menor esforço
físico despedido e com autonomia inclusiva em todos os meios urbanos, arquitetônicos e de
transportes.
O sistema de acessibilidade física no transporte, definida como uma das condições para
utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos serviços de transporte coletivo de
passageiros, por pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida, constitui-se um dos principais
aspectos técnicos na avaliação da qualidade na circulação urbana, uma vez que possibilita a
utilização de veículos e espaços por todas as pessoas, especialmente para pessoa com
deficiência física ou mobilidade reduzida.
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Segundo (PRADO, 1997), as cidades devem ser acessíveis a todas as pessoas desde o
seu nascimento até a velhice. Já (GUIMARÃES, 1995), complementa afirmando que os espaços
devem permitir aos seus usuários indistintamente, maneiras de serem usados, explorados,
providos de elementos aglutinadores, capaz de oferecer as condições de uso sem a interferência
de outros. Tornando com isso o conjunto adequado a todo tipo de necessidade ou condição.
Quando as condições das cidades refletem diretamente no desempenho de seus usuários, então
a acessibilidade inclusiva se expressa socialmente e sua carência impede a conquista da
autonomia e da independência dos seus cidadãos.
O sistema de transportes acessíveis tornou-se um grande desafio para os governos e
sociedade nos dias atuais, pois determina que haja a eliminação de barreiras arquitetônicas e
urbanísticas nas cidades, nos edifícios, nos sistemas de transportes e na comunicação visual em
geral. Para arquitetos e urbanistas estas considerações devem ser encaradas logo no início de
cada projeto acessível.
Sobre a realidade brasileira e de São Paulo, as projeções enfatizam o dever
principalmente por parte dos políticos, sobre a importância de se ter uma política permanente na
questão da acessibilidade tanto nas edificações quanto nos sistemas de transportes
coletivos públicos, e de assegurar os direitos das pessoas com deficiências e mobilidade
reduzida.
Segundo (RYHL, 2004), todo arquiteto, urbanista ou planejador que trabalha com o fim de
criar ambientes acessíveis com a inclusão social, deve ter a acessibilidade como elemento
primordial, considerando também o acesso da percepção e da experiência da qualidade
arquitetônica dos ambientes planejados, caso não seja considerado, a acessibilidade como
parâmetro principal em seus projetos, tornar-se-á um fiasco para o acesso parte das pessoas que
irão utilizar tais espaços. As questões relativas à acessibilidade e inclusão social têm sido
bastante discutidas em diferentes áreas da sociedade e de atuação de diferente profissionais. A
acessibilidade, como definição de vários pesquisadores, envolve de uma maneira geral todos os
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parâmetros que influenciam o movimento, a ação humana no meio ambiente. A partir da
conceituação de acessibilidade, o desafio que se coloca é responder de que forma é possível que
todas as pessoas, sem restrições, possam exercer seu direito de ir e vir, garantido pela
constituição.
A mobilidade urbana acessível é a medida de avaliação da qualidade dos serviços de
transporte urbano oferecidos pelos poderes públicos, mesmo atendendo as diferenças
heterogenias da população em relação às suas necessidades.
(...) O principal meio de deslocamento para a maior parte da população é o
transporte público.
A acessibilidade era analisada apenas pela instalação de
elevadores em ônibus para deficientes, o que impedia uma análise mais
abrangente do problema, ignorando outras necessidades existentes. Portanto
devem-se levar em conta os ambientes como calçadas, estações e os veículos do
sistema de transporte. (...). PIANNICI, (2011).
3. ACESSIBILIDADE NO METRÔ DE SÃO PAULO
Fazer o transporte de passageiros numa cidade com o tamanho e os problemas de São
Paulo, não se resume apenas em levar e trazer pessoas de um lugar para outro com a rapidez e
pontualidade que se espera de um bom transporte público sem haver a preocupação com a
segurança, autonomia e facilidade de acesso para todos os usuários. Para isso, inclui também
desde a malha de transporte público bem planejado até um sistema de vias coletoras capazes de
atender a demanda de usuários com eficiência. Porém, este sistema eficiente de transporte
público pode não ser totalmente competente, quando esta grande região, que é São Paulo,
desenvolve sem o planejamento por parte dos governantes, tornando-se mais densa em uma
região do que em outras, o que dificulta a mobilidade urbana acessível de seus habitantes.
O Metrô de São Paulo passou por esses processos de expansão da sua rede, sem a
preocupação dos projetos iniciais, de entregar ao público em geral e em especial os usuários
deficientes ou com mobilidade reduzida, um sistema de transporte capaz de transportar esses
passageiros com autonomia inclusiva, dignidade e respeito por parte do poder público.
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A primeira linha a iniciar a instalação de equipamento de transporte vertical, foi a linha 03
Vermelha que liga o Terminal Barra Funda a Itaquera. Só que um sistema acessível não funciona
apenas com o transporte de pessoas das plataformas às áreas de saídas e bloqueios, é preciso
haver uma preocupação que vai desde o entorno onde os passageiros iniciam suas viagens até o
embarque final nos trens.
Segundo o (METRÔ, 2012), a estação com maior número de passageiros foi o Terminal
Barra Funda na Zona Oeste da capital, com 59,5 milhões de pessoas por dia o qual foi
determinante para fazer uma breve análise da atual situação em que se encontram seus acessos
e sistemas e circulação.
A Estação Barra Funda objeto desse artigo, ainda não está totalmente acessível, apesar
das melhorias já realizadas ao longo da sua existência como sinalização através de piso tátil e de
alerta, sistema de comunicação visual, transporte vertical feito através de elevadores e troca de
corrimãos juntamente com a sinalização de degraus.
Só que um dos principais fatores negativos e que poucos se preocupam é o entorno
juntamente com os acessos à estação. Para que se tenha ideia do que existe no acesso de quem
vem ou vai para o Shopping West Plazza, simplesmente não há guia rebaixada nem piso
adequado à mobilidade acessível. Na figura 1 abaixo, está demonstrada a realidade existente e o
que diz a NBR-9050/04, com relação aos fatores negativos do entorno da estação.
Segundo A NBR-9050/04 no item 6.10.11.9, “Deve ser garantida uma faixa livre no
passeio, além do espaço ocupado pelo rebaixamento, de no mínimo 0,80 m, sendo
recomendáveis 1,20 m”. Já no item 6.10.11.10 “As abas laterais dos rebaixamentos devem ter
projeção horizontal mínima de 0,50m e compor planos inclinados de acomodação, a inclinação
máxima recomendada é de 10%.”
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Figura 1: não há rebaixamento da calçada de acesso à estação. Fonte: arquivo pessoal. 06/10/2013.
Também não há sistema de piso direcional ou de alerta, itens importantes para que as
pessoas com deficiência visual possam se locomover com autonomia inclusiva. Na figura abaixo,
mais uma vez é demonstrada a falta de elementos que copõem o sistema de entorno acessível. A
NBR-9050/04, diz no item 6.1.1 que “os pisos devem ter superfície regular, firme, estável e
antiderrapante sob qualquer condição, que não provoque trepidação em dispositivos com rodas
cadeiras de rodas ou carrinhos de bebê.”
Não é o que está demonstrado na figura 1 acima em que é nítido o uso do piso
intertravado em primeiro plano e mosaico português no passeio.
De acordo com A NBR-9050/04, é preciso que haja o piso de alerta em situações em que
envolvam risco de segurança, devendo está associado à faixa de cor contrastante com o piso
adjacente, item 6.1.2. Já o piso tátil direcional tratado no item 6.1.3 diz que o piso deve ser usado
quando não há uma linha tipo guia para direcionar e balizar as pessoas com deficiência visual seja
em áreas internas e externas.
Na próxima figura 2 abaixo, é claro a falta dos pisos táteis de alerta e direcional, o que
requer pelos usuários com deficiência visual, a companhia de funcionário do Metropolitano.
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Figura 2: não há piso tátil de alerta e direcional. Fonte: arquivo pessoal. 06/10/2013.
Uma condição constrangedora para as pessoas com deficiência ou com mobilidade
reduzida, é a falta de espaço para que pessoas com cadeiras de roda ou sistema de pisos de
alerta e direcional onde no meio do passeio fica um pilar de concreto impedindo a passagem de
tais usuários para acessar a rampa de concreto que fica por traz da escada de concreto vista ao
lado direito. Na figura 3 abaixo, pode ser constatado o relato acima, mais uma vez o entorno dos
acessos das estações sem o devido cuidado por parte dos órgãos governamentais no sentido de
prover de sistemas acessíveis qualquer acesso que levem os usuários às plataformas dos trens.
Figura 3: não há espaço suficiente para utilização da rampa. Fonte: arquivo pessoal. 06/10/2013.
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De acordo com a NBR-9050/04, no item 6.1.1 “os pisos Os pisos devem ter superfície
regular, firme, estável e antiderrapante sob qualquer condição, que não provoque trepidação em
dispositivos com rodas (cadeiras de rodas ou carrinhos de bebê).” Diz também que a “inclinação
transversal da superfície até 2% para pisos internos e 3% para pisos externos e inclinação
longitudinal máxima de 5%. Inclinações superiores a 5% são consideradas rampas e, portanto,
devem atender ao item 6.4.”
Essa é mais uma barreira arquitetônica deixada como herança de um projeto que não
contemplou as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
De acordo com a NBR-9050/04, 5.14.1.2 A sinalização tátil de alerta deve ser instalada
perpendicularmente ao sentido de deslocamento nas seguintes situações:
“no início e término de escadas fixas, escadas rolantes e rampas, em cor contrastante com a do
piso, com largura entre 0,25 m a 0,60 m, afastada de 0,32 m no máximo do ponto onde ocorre a
mudança do plano, conforme exemplificada.”
Na figura 04 abaixo é demonstrada a rampa de acesso da Estação Barra Funda que
direciona no sentido do Memorial da América Latina, nota-se que não há o piso tátil de alerta
conforme tratado no item 5.14.1.2, o que caracteriza uma falha no sistema acessível do metrô.
Nota-se também que não há continuidade da parede guia para ser usada pelas pessoas com
deficiência ou mobilidade reduzida.
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Figura 04: falta piso de alerta no início e fim de rampa, e mudança de direção da rampa.
Fonte: arquivo pessoal. 06/10/2013.
Fora o item comentado acima, o tipo de piso emborrachado dificulta o acesso pelas
pessoas com deficiencia, onde há trepidação elevada dificultando a mobilidade acessível.
Como foi analisado acima, a Estação Intermodal da Barra Funda onde está a Linha 03 do Metrô
de São Paulo, apresenta vários itens que não atende as normas de acessibilidade.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Metrô de São Paulo através da Estação Barra Funda, apresenta uma acessibilidade que
ainda carece ser reformada de acordo com as normas de acessibilidade brasileira. Mas mesmo
assim, houve progresso desde que foi construída, apresentando melhora atual em relação ao
início quando foi construído.
Espera-se que as questões identificadas e analisadas neste trabalho, possam contribuir
para uma melhoria nas questões acessíveis do Metrô de São Paulo e de outras estações de
convívio público e social.
É baseado nesse sentido, e com os conhecimentos e estudos sobre as necessidades do
homem que essa reflexão exige uma constante atualização. Evidente que o presente trabalho não
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tem jamais a pretensão de ser uma resposta definitiva a todos os problemas e questionamentos
nem mesmo ser prescritivo. Pelo contrário, a metodologia aqui exposta deve ser avaliada como
um novo rumo para que novas variáveis sejam incorporadas, e tendo como principal meta, a
inclusão social de todos os indivíduos que são usuários do Metrô de São Paulo. Baseado em uma
sociedade, que tem seus transportes públicos, como cenário de sua suas relações com o meio
urbano.
Como considerações finais desse artigo, podemos propor um mecanismo capaz de
embasar, ainda que por aproximação, uma maneira racional de técnica e conhecimento que
possibilite aos profissionais da área de projetos, a criação de soluções para outros trabalhos
urbanísticos e de transporte público na Cidade de São Paulo, dentro dos princípios do Desenho
Universal, sem com isso deixar de praticar e atender as necessidades de cada indivíduo com
deficiências ou mobilidade reduzida, usando também como parâmetro a NBR-9050/04 para
direcionar os projetos futuros do Metropolitano.
Além de fazer um diagnóstico dos problemas encontrados em áreas distintas do Metrô de São
Paulo, essa reflexão também tem como diretriz apresentar e acrescentar certas recomendações
para as adequações dos espaços, que se encontra em desconformidade, e na aplicação contínua
da metodologia projetual como também oferecer insumos técnicos para novos projetos e para
direcionar o conteúdo de normas e leis de acessibilidade.
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2000. 217p. Tese (Doutorado)- escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo,
2000.
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EDIFÍCIO CEPISA: REFLEXOS DE UM ARQUITETO MIGRANTE
RESUMO
Existe uma situação característica da arquitetura moderna produzida em Teresina, capital do Piauí pelo
arquiteto Antônio Luiz Dutra de Araújo. Primeiramente devido à sua formação, vindo da escola carioca,
graduado na década de 1960 e atuante na construção de agências bancárias do Banco Nacional, Brasil
afora. Vindo para Teresina a trabalho, Antônio Luiz depara-se com uma cidade ainda nos primórdios da
modernização e com uma demanda significativa de projetos das mais diversas tipologias. Essa grande
oferta de trabalho, o traz de forma definitiva para a cidade podendo-se observar claramente a sua
preocupação do arquiteto com a inserção do modernismo, sem esquecer-se da realidade em que se
encontra Teresina. O arquiteto primou pelo uso de materiais construtivos locais e pela busca pelo conforto
térmico (devido às altas temperaturas em que a cidade é submetida durante todos os meses do ano). O
Edifício Alberto Silva aqui estudado é um exemplar notório do traço do arquiteto, já que apresenta
características preponderantes do ato de projetar de Antônio Luiz, observados principalmente nas
circulações e acessos do edifício, além de ser um objeto de estudo que gera questionamentos acerca de
sua implantação no centro histórico da cidade.
Palavras-chave: Arquitetura Moderna, Teresina, Edifício Cepisa, Antônio Luiz, prática projetual.
ABSTRACT
There is a situation characteristic of modern architecture produced in Teresina , Piaui 's capital by architect
Antonio Luiz Dutra de Araújo . Primarily due to their training , from school carioca , graduated in 1960 and
active in the construction of branches of the National Bank , throughout Brazil . Coming to Teresina to work,
Antonio Luiz faces a city still in the early stages of modernization and with a significant demand for projects
from various typologies . This large supply of labor, brings permanently to the city can be observed clearly its
concern with the insertion of the architect of modernism , without forgetting the reality that lies Teresina . The
architect was conspicuous by the use of local construction materials and the search for thermal comfort ( due
to high temperatures in the city is subjected during all months of the year ) . The Building Alberto Silva
studied here is a copy of the notorious trait of the architect , since it has predominant characteristics of the
act of designing of Luiz Antônio , observed mainly in corridors and access the building , in addition to being
an object of study that raises questions about its deployment in the historic city center.
Key words: Modern Architecture, Teresina, Building Cepisa, Luiz Antônio, design practice.
123
EDIFÍCIO CEPISA: REFLEXOS DE UM ARQUITETO MIGRANTE
Leticia Soares Daniel¹
Rafael Antônio Cunha Perrone²
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda uma análise projetual do Edifício Governador Alberto Silva
(1972) (Figura 1), sede da Companhia Elétrica do Piauí em Teresina, que é de autoria do
arquiteto mineiro Antônio Luiz Dutra de Araújo, a fim caracterizar sua prática de projetar e
conceber um edifício. A escolha deu-se primeiramente por ser uma das principais obras do
arquiteto na cidade e ser fruto de um concurso de projetos realizado durante o governo do
engenheiro Alberto Tavares Silva. Além disso, devido a sua inserção urbana, seus critérios
projetuais e por ser um exemplar construído em um período de modernização que a cidade
estava passando.
Figura 1: Edifício CEPISA ano 1974. Fonte: Escritório Maloca Arquitetura e Engenharia, maio 2013.
O tema escolhido faz parte da dissertação de mestrado a ser apresentada no Programa
de Pós Graduação da FAU Mackenzie São Paulo, que objetiva estudar a atuação do
arquiteto Antônio Luiz Dutra de Araújo na cidade de Teresina, Piauí, elencando alguns
projetos importantes de sua obra para estudo. Existe uma forma de situar o arquiteto no
panorama nacional através de sua formação e atuação profissional, podendo ser
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considerado como “arquiteto migrante” de acordo com Bastos e Zein (2010, p.142). A partir
dos anos sessenta, houve intensa migração de arquitetos pelo território nacional tanto para
conceber projetos em estados distintos quanto para atuar na docência em novas
faculdades de arquitetura, esse movimento proporcionou novos debates sobre a produção
arquitetônica desse período.
Utilizando-se da análise projetual, de aspectos da formação do arquiteto e de sua
trajetória na cidade de Teresina, objetiva-se criar uma argumentação que responda ao
seguinte questionamento: Quais são as características (critérios projetuais) presentes nas
obras do arquiteto, que delimitam sua forma de projetar e conceber um edifício?
Waisman (2013, p.57) afirma que é necessária a situação de objetos (de pesquisa)
analisados em um contexto para que estes sejam melhor compreendidos, por isso é
importante salientar que o arquiteto possui uma característica preponderante em sua
trajetória: sendo mineiro, formado na FNA no Rio de Janeiro e posteriormente mudando-se
para o Piauí, cria-se a partir daí um contexto particular de atuação. Tenta-se inserir em um
estado do nordeste brasileiro, com características provincianas e de difícil aceitação do
novo por parte da população, um movimento modernizador que irá encontrar algumas
barreiras tanto tecnológicas, quanto climáticas e até econômicas, essa adaptação da
arquitetura moderna em um ambiente distinto merece ser alvo de discussão e
questionamentos.
A metodologia de pesquisa utilizada abrange o levantamento de dados historiográficos
(livros, periódicos, dissertações de mestrado, teses de doutorados, artigos), busca de
dados primários em arquivos privados e públicos, entrevistas com o arquiteto, visita às
obras e levantamento fotográfico.
O primeiro tópico da estrutura do artigo discorrerá da trajetória do arquiteto Antônio
Luiz, abordando sua formação e atuação profissional. O segundo tópico será um histórico
do edifício da CEPISA e o terceiro fará uma análise da obra, através de alguns critérios que
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irão elencar características pertinentes ao modo de projetar do arquiteto. Por fim as
considerações finais irão concluir sobre os questionamentos pertinentes.
2. A TRAJETÓRIA DO ARQUITETO ANTÔNIO LUIZ
Sabe-se que a inserção da arquitetura moderna no Brasil teve até a década de 1960, Rio de
Janeiro e São Paulo como principais centros irradiadores do movimento, estando ali localizados
os primeiros exemplares arquitetônicos, as escolas de arquitetura e os principais profissionais. A
partir desse período, houve uma disseminação do movimento para outras regiões do país sendo
que Antônio Luiz também foi um exemplo desses arquitetos tidos como “migrantes” ou
“peregrinos”.
Segundo Segawa (2010, p.134):
Essas migrações internas – como procuramos demonstrar sinteticamente –
transcendem o mero sentido de deslocamento de profissionais em busca de
oportunidades melhores. Esse trânsito de profissionais pelo país simboliza uma
troca e um enriquecimento de valores que como sementes ao vento, vão
desenvolver atitudes em outras paragens. [...] Essas migrações caracterizam um
processo de transferência de conhecimento e tecnologia de regiões mais
desenvolvidas (como o Rio de Janeiro, São Paulo, e os grandes centros regionais)
para outras menos desenvolvidas, num processo indutivo de modernização e
uniformização de valores culturais e técnicos de arquitetura.
Diplomado em 1962 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil no Rio
de Janeiro, Antônio Luiz Dutra de Araújo, mineiro, de Juiz de Fora, foi aluno de Sérgio Bernardes
de quem afirma ter recebido influências, como ele mesmo fala “no modo de ensinar, de projetar,
de pensar a Arquitetura e no modo simples e igual de se relacionar com seus alunos”. Ao formarse, foi contratado como arquiteto do Banco Nacional de Minas Gerais S/A, vindo a projetar e
acompanhar as instalações de agências do banco pelo território brasileiro como: agência de
Vitória, no Estado do Espírito Santo, agência de Recife em Pernambuco, Agência de Manaus, no
Amazonas, agência de Teresina, no Piauí e entre outras.
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No ano de 1965, Antônio vem ao estado do Piauí a fim de executar o projeto da Agência do
Banco Nacional em Teresina. O local era um prédio no centro da cidade em frente à Praça Rio
Branco, por trás do que seria mais tarde o Ministério da Fazenda, também projeto de sua autoria
no ano de 1971. Em sua visita, conhece o engenheiro Lourival Sales Parente, dono da construtora
que levava seu nome, com quem manteve amizade e veio a iniciar uma série de projetos em
conjunto, sendo o primeiro deles a agência do Banco Nacional de Teresina.
Segundo Afonso (2010, p.23), durante as décadas de 1950 e 1960, período em que o setor
imobiliário alavancava um desenvolvimento significativo em cidades no Brasil e no mundo,
Teresina ainda encontrava-se com ar de provincianismo. Poucas obras públicas foram produzidas
durante esse período, no entanto, o setor privado detinha uma produção significativa de
residências (algumas com caráter modernista), principalmente ao longo da Avenida Frei Serafim e
em seu entorno. O arquiteto afirma que sua impressão inicial da cidade foi a quase inexistência de
obras modernas, a maioria dos edifícios eram em estilo eclético e, existia ainda, uma dificuldade
de se encontrar construtores locais para a realização de projetos diferenciados.
Até então o arquiteto residia no Rio de Janeiro e havia aberto um escritório com outro
arquiteto do Banco Nacional, Márcio Lustosa, chamado Maloca Arquitetura e Decoração Ltda,
com sede na Avenida Rio Branco. No entanto, a demanda de projetos para Piauí aumentou
consideravelmente e ele veio a trazer, em 1967, uma filial do escritório para Teresina. Localizada
na Zona Leste, fora do perímetro da cidade, onde na década de 1960 ainda era pouco ocupada e
com muita área verde, a edificação assemelhava-se a “moradias indígenas”, feita com uso de
materiais locais: como o tijolo aparente e cobertura em palha de carnaúba, sendo a planta em
formato curvo, era um exemplar moderno estilizado.
Para Silva (2006), sua produção arquitetônica em Teresina teve das mais variadas
tipologias, desde residências, escolas, edifícios institucionais, até clubes de lazer, hospitais dentre
outros. No período em que chegou à cidade, existia uma carência de profissionais arquitetos,
sendo Miguel Caddah e Anísio de Medeiros alguns dos principais atuantes. Isso garantia uma
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variedade de projetos para o arquiteto, que teve muito de seu trabalho executado, principalmente
por serem obras para o Governo do Estado.
Em conjunto com o engenheiro Lourival Parente foram feitos os edifícios da Sede do
Banco do Estado do Piauí e da Sede do Ministério da Fazenda, ambos estavam com a estrutura
em concreto armado em execução e o arquiteto atuou na concepção formal e especificação de
todo o resto. O conjunto habitacional do IAPEP (60 casas e 240 apartamentos), o Edifício do
Palácio do Comércio, o escritório Maloca e dentre outros.
3. O EDIFÍCIO DA CEPISA | HISTÓRICO
Durante o período posterior à segunda guerra, as cidades brasileiras passaram por uma
industrialização
acelerada
acompanhadas
de
uma forte
urbanização.
Tal
crescimento
aparentemente favorável acentuou a ausência de uma política de infraestrutura energética no
país, tornando-se um empecilho à dinâmica econômica emergente nesse período. Entre os anos
de 1945 e 1962 (período de constituição da Eletrobrás – Estatal responsável pela política nacional
de energia), foram organizadas inúmeras companhias públicas de energia elétrica (SEGAWA,
2010 p.161).
O edifício sede da CEPISA faz parte de um processo de modernização que Teresina passou a
partir da década de 1950. No ano de 1962 é constituída a CEPISA como Sociedade Anônima,
com razão social de Centrais Elétricas do Piauí S.A. No início da década de 1970, chega à cidade,
durante a atuação do até então diretor das Centrais Elétricas do Piauí, engenheiro Alberto
Tavares Silva, o Plano de Distribuição da Rede Elétrica do Estado, que exigia uma sede para a
empresa (CAVALCANTI, K; LOPES, R, 2010, P.246).
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Figura 2: Imagem da construção do edifício e da Avenida Maranhão ainda sem infraestrutura.
Fonte: Site CEPISA, 2010.
Em 1971 Alberto Silva é eleito governador do estado do Piauí e de imediato lança um
concurso para o projeto arquitetônico da sede, na época a cidade era carente de profissionais da
área e de acordo com arquiteto Antônio Luiz foram poucos os participantes. O terreno localizado
no centro da cidade, às margens do Rio Parnaíba, já detinha uma usina de abastecimento de
energia à base de carvão e alguns casebres de palha nas redondezas. A região, ainda não
urbanizada, teve como impulsionador, a concepção do prédio, trazendo infraestrutura urbana ao
entorno como o arruamento da Avenida Maranhão (Figura 2) (AFONSO, 2010).
Segawa (2010, p.190) afirma que a arquitetura brasileira desenvolvida nos anos do “milagre
econômico”, alimentava uma pretensão de alcance de desenvolvimento do país, por isso,
planejava-se, projetava-se e construía-se como nunca se fez em outros tempos. Outra
característica desse período é que “canonizava-se e burocratizava-se uma postura arquitetônica”,
ou seja, não importava qual tipologia ou programa de necessidades de um edifício, a modernidade
teria de estar presente, principalmente com estruturas de concreto, o concreto aparente, da
competição pelos grandes vãos e maiores panos de vidro, ou seja, o uso desses sistemas para
demonstrar o avanço e a modernização.
O concurso teve poucos participantes e foi o arquiteto Antônio Luiz, que teve sua proposta
vencedora, idealizada em caráter moderno, era um edifício em formato puro cilíndrico até então
inexistente na cidade (Figura 3).
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Um edifício redondo, de arquitetura arrojada e estrutura inovadora é erguido ao
lado de antigas usinas elétricas de carvão em plena década de setenta. Rasga os
céus para mostrar a beleza dos contrastes, dos grandes desafios e das melhores
ideias: um gerador de energia (CEPISA, 2009).
Figura 3: Perspectiva apresentada no Concurso da sede da Companhia Elétrica do Piauí pelo arquiteto
Antônio Luiz.
Fonte: Acervo do Arquiteto, maio 2012.
O prédio foi concebido de imediato, sendo concluído em 1973, inaugurado em janeiro de
1974 e recebeu o nome de Edifício Governador Alberto Silva. O arquiteto afirma em entrevista,
que o objetivo inicial do projeto era tratar o edifício de acordo com a função à que ele seria
destinado, sendo assim imaginou um gerador. A forma circular se caracteriza como uma
superposição de círculos ou de anéis em “fatias, como discos sobrepostos”, afirma o arquiteto,
são quatro pavimentos, sendo o térreo disposto parte em pilotis. A proposta ainda detinha um átrio
central que fazia comunicação direta com o exterior e encontrava-se solta do lote.
Segundo o arquiteto, a partir da década de 1980 “o progresso da cidade trouxe um
contrapeso, a malandragem [...] as pessoas desandaram a levantar barricadas urbanas chamadas
muros, para se defenderem contra o que, em pouco tempo, passou a se chamar violência”. Essa
prática observada em Teresina principalmente no segmento residencial, também atingiu diversos
edifícios do setor público como a CEPISA. No ano de 2000, um muro foi levantado em toda a
extensão do lote, dificultado o ângulo de visão do edifício e o uso do espaço externo pela
população.
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4. ANÁLISE DO EDIFÍCIO
O desenho é a invenção de um objeto por meio de outro, que o precede no tempo.
O projetista opera sobre este primeiro objeto, o projeto, modificando-o até julgá-lo
satisfatório. Em seguida, traduz suas características em um código adequado de
instruções para que seja compreendido pelos encarregados da materialização do
segundo objeto, o edifício ou a “obra”. (MARTINEZ, 2000 p.11)
Levando em consideração o conceito de “desenho” descrito acima, será realizada uma análise
do edifício da CEPISA, identificando algumas das principais características projetuais e elencando
pontos que caracterizem o modo de projetar do arquiteto. Serão utilizadas plantas, cortes e
imagens externas do edifício, a fim de ilustrar o argumento.
O edifício encontra-se na porção sul do centro de Teresina, foi implantado nas proximidades
do Rio Parnaíba, que detém uma paisagem ambiental privilegiada e é delimitado pelas vias: ao
norte rua Santa Luzia, à leste rua João Cabral, ao sul avenida Joaquim Ribeiro e oeste avenida
Maranhão. Seu entorno é composto por residências e além do rio existe a Praça Da Costa e Silva
na porção norte. A Praça construída durante o governo de Dirceu Arcoverde foi inaugurada em
1977 e tem como autor o paisagista Burle Marx em parceria com o arquiteto Acácio Gil Borsói.
A relação do objeto de estudo com o entorno é destoante até os dias atuais. No período de
sua construção a forma pura e arredondada chamava muita atenção e exaltava a disparidade
tanto de arquiteturas como de tecnologias das construções próximas, que eram em alvenaria e
casebres de palha, além da presença do Rio Parnaíba (Figura 1). Atualmente, o edifício ainda
causa algum impacto por fazer parte do centro histórico da cidade, em uma porção em que não
houve grandes mudanças na paisagem.
O cuidado do arquiteto ao implantar o prédio solto do lote, é uma característica muito presente
em edifícios modernos daquele período, ele parecia pairar sobre as margens do Rio Parnaíba e
toda a sua forma poderia ser visualizada a partir de diversas perspectivas. O terreno possui uma
topografia com certo declive, com uma diferença de cinco metros no sentido leste – oeste, tendo o
arquiteto tirado partido do desnível topográfico para delimitar os acessos e a circulação do edifício.
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Inicialmente o projeto também teve um cuidado paisagístico, com a presença de jardins e um
espelho d’água em sua entrada. Atualmente o espelho d’água está desativado por falta de
manutenção e o edifício foi murado na década 2000 devido à violência do entorno, o que prejudica
a visibilidade do conjunto arquitetônico.
A planta de formato circular foi essencial para a resolução dos critérios projetuais adotados
pelo arquiteto. Primeiro o programa de necessidades, que foi assentado de maneira lógica,
ordenado por espaços modulados e observando a sinuosidade dos raios da planta, a fim de criar
curvas leves que não dificultassem a função dos ambientes. Outra característica é a setorização
dos espaços, bem delimitados através de “anéis” e o posicionamento dos acessos do edifício.
Em planta (Figura 3), desde o perímetro externo para o interno, o primeiro anel é a circulação
externa de cada andar (uma circulação mais social, utilizada como varanda e área de descanso),
o segundo anel seria a disposição das salas para uso dos funcionários, também de uso social. O
terceiro anel seria a parte da circulação de serviço e social e é nessa porção do edifício em que se
encontram as baterias sanitárias, depósitos e as circulações verticais (escadas e o local
predefinido para elevadores), por fim o último anel seria o átrio interno com uma abertura zenital e
um jardim interno no piso térreo.
Figura 3: Planta baixa do pavimento térreo do edifício CEPISA. Fonte: Acervo da Maloca Estrutura e
Engenharia, 2013.
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Ching, (2008, p.228) conceitua circulação como “movimento através do espaço”, para o autor,
a circulação de um edifício pode ser concebida como a “linha perceptiva que conecta os espaços
de um edifício ou qualquer série de espaços internos e externos”. Sabendo que para Antônio Luiz,
o ponto de partida de um projeto é a definição das circulações, são elas que delimitam o real
espaço a ser utilizado pelo conjunto arquitetônico e é a partir delas que se podem ter diferentes
soluções projetuais do espaço edificado. Existe então uma concepção de projeto adotada pelo
arquiteto: a circulação como determinante da forma do edifício (Figura 4).
Figura 4: Circulação vertical interna do edifício CEPISA.
Fonte: Arquivo da autora, 2013.
Outro aspecto determinante foi a intenção do arquiteto de apresentá-lo como um gerador de
energia: a sobreposição de anéis em quatro pavimentos com um átrio ao centro. A estrutura é
resolvida em concreto armado, característica nas obras modernas, onde os pilares são dispostos
de forma radial em três “anéis estruturais”. Nesse caso, a planta apresenta-se livre, com o uso de
fechamentos em alvenaria nas baterias sanitária e parte das circulações, enquanto as salas eram
divididas em painéis, o que trazia certa flexibilidade e liberdade do espaço.
Em corte, tem-se um detalhe na laje e no forro dos pavimentos que favorecem a ventilação
natural, usando o átrio central como exaustor de calor. Essa preocupação do arquiteto deve-se ao
fato de no período de construção do edifício ainda ser raro o uso de aparelhos de ar condicionado
na cidade e como o clima de Teresina apresenta altas temperaturas durante todo o ano, existe
uma atenção dada ao alcance do conforto térmico no interior dos edifícios. Além da ventilação
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favorecida, houve outro critério projetual explorado: o uso da circulação externa de cada
pavimento como quebra-sol, com a colocação de uma painel em laje horizontal, a fim de barrar a
alta incidência de raios solares no edifício, controlando além do conforto interno a alta
luminosidade dos ambientes.
Quanto à plasticidade, o edifício apresenta-se externamente fachadas em tons de ocre, bem
leve, com alguns detalhes brancos e observa-se a presença dos fechamentos em vidro, isso
garante sobriedade ao conjunto arquitetônico. Além disso, existem rasgos de transparência devido
ao fechamento em pano de vidro utilizado para entrada de iluminação natural indireta, dando mais
leveza à arquitetura do edifício (Figura 5).
Figura 5: Fachada do Edifício. Fonte: Arquivo da autora, junho 2013.
Existe um aspecto conceitual do edifício que remete também à formação do arquiteto Antônio
Luiz. Tendo sido aluno e admirador de Sérgio Bernardes na FNA e também de suas obras Brasil
afora, pode-se observar certa semelhança de concepção formal entre o edifício estudado nesse
artigo e o Hotel Tambaú. Construído em João Pessoa no ano de 1966, também detinha planta em
formato circular, delimitada por circulações radiais e com a criação de espaços verdes que
favoreciam relações entre o externo e o interno do edifício. Em uma concepção que favorecia a
observação da paisagem foi estrategicamente implantado à beira mar.
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Atualmente, o edifício encontra-se com algumas alterações, o piso interno das salas de
trabalho foi todo alterado, antes taco, agora cerâmica. As subdivisões das salas também foi
alteradas, assim como a implantação de aparelhos de ar condicionados, o que fez com que as
aberturas propostas pelo arquiteto para a circulação de ventos pelo edifício fossem utilizada para
a colocação de aparelhos. Houve a desativação dos espelhos d’água na entrada principal do
edifício e também do jardim interno no piso térreo do átrio central. Além disso, no ano de 2000 foi
colocado um muro alto nos limites no terreno dificultando a visão das relações do edifício com seu
entorno.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de grande parte da arquitetura moderna ter sido regida por pontos limitadores
funcionais e formais de caráter universal ela adquiriu, conforme se observa no edifício CEPISA,
particularidades de acordo com o contexto e o lugar em que estava sendo inserida. Além disso,
existe uma visão característica de quem a projeta e concebe, o arquiteto como idealizador de um
projeto também influencia o resultado final de modo interpretativo pois em sua formação em base
moderna tanto aspectos tecnológicos , funcionais e de conforto foram objeto de sua formação.
Suas experiências vivenciadas e seu posicionamento de ampliação de recursos contemporâneos
à sua época para definir um edifício administrativo em Teresina alimentaram novas soluções e
proposições adequadas ao destino da edificação e a sua incorporação à paisagem e ao clima
locais.
Antônio Luiz, recém-chegado em Teresina na década de 1960, inserindo-se em um contexto
de atraso arquitetônico em que edifícios ecléticos ainda eram construídos, assumiu um papel
pioneiro ao inserir alguns dos primeiros prédios modernos na cidade. Atentando para o contexto
local como o clima, a disponibilidade de certos materiais e a escassez de tecnologias conseguiu
conceber tipologias exemplares modernas, seguindo critérios projetuais como a preocupação
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plástica formal, a circulação de edifícios como ponto principal na resolução de plantas e estruturas
que favoreçam o conforto térmico nos edifícios, aplicando-os à realidade da cidade.
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O TODO E A PARTE – CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE HABITAÇÕES
COLETIVAS
RESUMO
Este artigo discute noções de processo projetual através da exposição de um tema específico, no
qual a lógica de elaboração do partido parece “invertida”, verificando-se certa contradição no confronto com
definições modernas segundo as quais: o partido, sendo uma prefiguração do projeto, faz da projetação um
processo que desenvolve do todo em direção à parte, o que não difere muito neste aspecto da metodologia
proposta por Durand no âmbito da École des Beaux Arts: encaminhar o projeto do geral para o particular.
É preciso levar em consideração que nenhum processo projetual é linear e uniforme, portanto,
saltos de escala – do particular ao geral e vice versa – são comuns durante o processo. A prática
profissional, no entanto, indica que no caso da habitação, o processo se inicia no pensar a célula, a unidade
habitacional. Isto porque os dados sobre a unidade e as legislações municipais, compõem a totalidade de
dados fornecidos à elaboração do projeto.
No sentido de ilustrar a cultura específica de problemas e modelos relacionados a este tema, a
argumentação prossegue em duas frentes:
- A profunda implicação entre a habitação coletiva e o espaço público nos leva a uma primeira
1
menção a Herman Hertzberger através de sua conceituação de público e privado na arquitetura.
- A uma discussão das políticas urbanísticas e consequentes legislações municipais.
A atuação recente de arquitetos no programa municipal de urbanização de favelas tem produzido
experiências e reflexões novas sobre o problema, sugerindo que a crítica aos dados oriundos de
diagnósticos e à legislação representa um aspecto fundamental para a atuação neste campo.
A experiência do autor deste artigo com o tema permite apresentar, a título de demonstração, três
projetos habitacionais de tipologias distintas na cidade de São Paulo:
- PROJETO 1, desenvolvido para o programa de Reurbanização de favelas da SEHAB, que dispõe de
legislação específica e alguma flexibilidade para as abordagens de projeto.
- PROJETO 2, apresentado ao concurso Habitasampa, conforme a lei de operação urbana-centro.
- PROJETO 3, uma torre habitacional isolada conforme a legislação típica da cidade para áreas passíveis
de verticalização.
Palavras-chave: Processo projetual, Habitação coletiva, modelo urbano
1
HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
137
ABSTRACT
This article is a discussion of notions in design process through the exposition of a specific theme, in
which the logic of conception seems odd, showing certain contradictions with modern definitions: the parti as
prefiguration of the project, makes the design process a movement from the whole towards the part, what is
no different of the methodology proposed by Durand in the context of the École des Beaux Arts: conduct the
project from general to particular.
Assuming that no design process is linear, the design practice points, however, that in the case of
Collective Housing, the process works inverted. That is to say it begins with the housing unit, the cell. That´s
is because the client´s brief consists basically of data on the unit and city regulations.
To illustrate the specific culture of problems and typologies related to the theme, the article proposes
two fronts of argument:
- The profound relation between urban space and housing blocks, that lead us to the reflections of
Herman Hertzberger on public and private in architecture.
- The discussion on urban politics and regulations.
The recent Project of architects on city urbanization of favelas reveals that critics on briefing´s data
represent a turning point for work in this area.
The author´s experience with housing allows the presentation 3 different typologies of building blocks
in the city of São Paulo, as to propose a discussion between them.
Key words: design process, collective housing, urban models
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O TODO E A PARTE – CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE HABITAÇÕES
COLETIVAS
Mario Biselli
2
Eunice Helena S. Abascal
3
A partir de uma compilação e da análise discursiva de alguns teóricos brasileiros, vemos
que o partido arquitetônico se define como a idéia inicial de um projeto, sendo sua formulação
uma conciliação entre a criação autoral e a racionalidade de uma lógica funcional, e também que,
o partido, sendo uma prefiguração do projeto, faz da projetação um processo que vai do todo em
direção à parte, o que, não difere muito neste último aspecto da metodologia proposta por Durand:
encaminhar o projeto do geral para o particular.
Neste artigo abordaremos o projeto de habitação coletiva, tema que se destaca por
representar aparentemente o oposto em termos de processo projetual, ou seja, a parte precede o
todo, o particular precede o geral, e em diversas escalas.
Em toda a experiência do autor deste artigo com a habitação coletiva, seja através de
clientes privados, do poder público, por concorrência ou concurso público, o tema apresenta as
mesmas problemáticas: a relação entre unidade habitacional e edifício, a relação entre edifício e
quadra urbana, a relação entre quadra urbana e cidade.
Na escala do edifício temos, por um lado, empreendimentos habitacionais promovidos por
incorporadores privados, os quais desenvolvem ideias muito precisas sobre tipo de planta (a que
chamam de “produto”) que querem construir a partir de suas pesquisas no mercado imobiliário.
2
Mario Biselli é arquiteto e urbanista formado em 1985 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, obtém título de
Mestre em 2000 e é doutorando pela mesma instituição. É sócio-diretor do escritório Biselii + Katchborian. E-mail:
[email protected].
3
Eunice Helena S. Abascal é Arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie,
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie
(PPGAU UPM). E-mail: [email protected].
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Por outro lado, temos os projetos de habitação promovidos pelo poder público, que estão
sujeitos a legislação específica contemplando dados de área por tipo, custo por unidade e
dispositivos legais relativos aos índices urbanísticos.
Em ambos os casos a informação fornecida ao projetista refere-se basicamente ao projeto
da unidade habitacional a partir da qual deverá desenvolver o projeto do edifício. Portanto, pensar
a unidade habitacional como primeiro passo é ao mesmo tempo recomendável – não se pode
pensar o conjunto arquitetônico sem uma idéia suficientemente desenvolvida da parte - e
procedimental, no que se refere à relação com o cliente, que, por assim dizer, não aprovará
nenhum edifício sem antes aprovar o apartamento.
Numa escala maior do mesmo problema – a parte e o todo - outros aspectos fundamentais
se apresentam à avaliação do arquiteto. Destaca-se nesta escala a importância que representam
a quadra urbana e a tipologia do bloco habitacional na construção da cidade, conforme a escala
do projeto, como definidor das partes que compõe o todo da cidade e, por conseguinte, do caráter
da relação entre os espaços privados e públicos, que encontra na habitação o seu campo mais
problemático e frágil. Em vista disto, projetar a quadra habitacional significa nada menos do que
pensar o próprio modelo urbano.
Desse modo, os projetos apresentados aqui pretendem também discutir o modelo urbano
da cidade de São Paulo consubstanciado em sua legislação, em cada caso delimitando problemas
imediatos de projeto conforme as condicionantes e oportunidades de cada circunstância.
A discussão do modelo urbano deve ter em conta o significado de público e privado, que
encontramos exemplarmente exposto por Herman Hertzberger:
Os conceitos de “público” e “privado” podem ser interpretados como a tradução
em termos espaciais de “coletivo” e “individual”.Num sentido mais absoluto,
podemos dizer: pública é uma área acessível a todos a qualquer momento; a
responsabilidade por sua manutenção é assumida coletivamente. Privada é uma
área cujo acesso é determinado por um pequeno grupo ou por uma pessoa, que
tem a responsabilidade de mantê-la. [...] Os conceitos de “público” e “privado”
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podem ser vistos e compreendidos em termos relativos como uma série de
qualidades espaciais que, diferindo gradualmente, referem-se ao acesso, à
responsabilidade, à relação entre propriedade privada e a supervisão de unidades
espaciais específicas.
4
Hertzberger cita diversos exemplos de como funcionam estas relações em diversas
cidades, destacando o papel da rua como espaço público por excelência, e de como os espaços
privados desenham mediações através de espaços semi públicos que favorecem esta relação
entre individual e coletivo.
A cidade de São Paulo adotou com o tempo uma legislação que privilegia a torre isolada
sobre “pilotis”, que em princípio significaria a democratização do espaço no nível do térreo, mas
em conseqüência do modo como foi implantada, a intenção por trás da lei resultou em seu
contrário.
Este fenômeno será demonstrado com o PROJETO 3, um projeto de edifício residencial no
bairro do Morumbi projetado para um empreendimento privado segundo esta legislação,
fundamentalmente para efeito de comparação, dado que se trata de um edifício privado e carente
de relevância pública em si mesmo.
O projeto 2, desenvolvido para o concurso HABITASAMPA, um importante concurso
público de arquitetura. Trata-se também de uma torre, mas responde à legislação específica do
centro de São Paulo (OPERAÇÃO URBANA CENTRO), o que permitiu avançar nos limites
urbanísticos e no desenho de espaços públicos e semi públicos amplamente desejáveis no
contexto da área central da cidade.
O Projeto 1, para Habitação de Interesse social em Heliópolis, por suas características
únicas de legislação e condicionantes orçamentários oriundos do Programa de Reurbanização de
Favelas da Secretaria de Habitação da Prefeitura do Município de São Paulo, permitiu o retorno a
um desenho tradicional de quadra, com os edifícios alinhados à rua e miolo de quadra como pátio
interno de uso coletivo acessível a partir da rua, porém protegido desta. Esta oportunidade foi um
4
HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 12 e 13.
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importante meio de dar expressão à crítica que este autor tem proferido em diversos artigos e
palestras a cerca do modelo urbano da cidade de São Paulo:
A cidade de SP sofreu outro enorme golpe com a descaracterização da RUA
enquanto tal, ou seja, como espaço público mais importante e simbólico. Este
golpe foi desferido pelos legisladores municipais, quando consolidaram as regras
para construção de edifícios na cidade a partir de 1972. Nesta ocasião, inspirados
e apaixonados como estavam pela cartilha dos CIAM’s e pela Ville Radieuse de Le
Corbusier, acharam que seria uma boa idéia inibir o uso misto e adotar franca e
indistintamente a torre isolada sobre pilotis como modelo para a cidade,
desconsiderando o fato de que, neste modelo, a manutenção do nível do solo
como espaço público é nada menos do que a condição básica. Como em São
Paulo a propriedade do solo permaneceu privada e nenhuma regra foi
estabelecida com relação ao uso do térreo, as novas construções a partir de então
começaram apresentar-se à cidade dotadas de extraordinários muros e guaritas,
produzindo um efeito nefasto de descontinuidade em nossas ruas. Onde antes as
construções alinhadas com o limite do lote junto à calçada da cidade tradicional
ofereciam permeabilidade urbana através de galerias e conexões, agora nos
deparamos com as fronteiras impenetráveis da absoluta privatização do espaço.
Numa perspectiva mais ampla, a crítica de Ermínia Maricato identifica as contradições de
um sofisticado e abundante aparato regulatório que normatiza a produção de espaço urbano no
Brasil, através de leis rigorosas de zoneamento, detalhados códigos de edificações e exigente
legislação de parcelamento do solo, convivendo, na verdade ignorando, a condição de ilegalidade
em que vive boa parte da população.
As recorrentes discussões técnicas detalhadas sobre posturas urbanísticas
ignoram esse fosso existente entre lei e gestão e ignoram também que a aplicação
da lei é instrumento de poder arbitrário. A leitura das justificativas de planos ou
projetos de leis urbanísticas, no Brasil, mostra o quão pode ser ridículo o rol de
boas intenções que as acompanham.
5
5
MARICATO, Ermínia. “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias” In: ARANTES, Otília; Vainer, Carlos;
MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p.
148.
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A continuação de seu argumento enfatiza na lógica da legislação a contradição
representada pelo fato de que sua implantação visa à proteção da propriedade privada e mais
nada além disso:
Ridículo sim, porém não inocente. Cumprem o papel do plano-discurso. Destacam
alguns aspectos para ocultar outros. (...) É mais freqüente parte do plano ser
cumprida ou então ele ser aplicado apenas a parte da cidade. Sua aplicação
segue a lógica da cidade restrita a alguns.
6
Recentemente os arquitetos, não os legisladores, são aqueles que têm tomado iniciativas
em seus próprios projetos visando à qualidade do espaço urbano. Há uma percepção recente que
identifica a mudança de paradigma, o qual aponta para a qualidade dos espaços públicos que,
além das ações do poder público, passa pela responsabilidade da arquitetura privada e das ações
dos arquitetos como agentes desta tensão, mediando interesses privados com o desejo profundo
de melhoria das cidades onde atuam. Apesar das raras oportunidades de uma ação de projeto
contundente para a melhoria urbana, os arquitetos têm encontrado meios de desenhar espaços
públicos interessantes.
No caso da habitação social a ação dos arquitetos através do projeto tem um potencial
ainda maior no que se refere ao desenho dos espaços públicos como parte da tarefa de projetar
edifícios habitacionais. Hector Vigliecca insiste em que o projeto é mais importante neste caso, do
que diagnósticos, diretrizes e legislações de que o tema é objeto:
É paradoxal como um país como o Brasil, com tantas urgências habitacionais,
possivelmente a maior aceleração na formação de territórios urbanos, tenha
poucos exemplos destacados sobre esta problemática.
O essencial é propor o entendimento de que a habitação de interesse social não é
um problema de quantidade, nem de custo, nem de tecnologia. O objetivo final é a
construção da cidade e, portanto, trata-se de um problema político e de projeto.
6
MARICATO, Ermínia. op. cit., p. 148.
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No Brasil se têm gastado dinheiro em excesso com diagnósticos nem sempre
necessários. As diretrizes, que são os capítulos de fechamento desses trabalhos,
acabam sendo irremediavelmente ineficazes como ponto de partida de um projeto
transformador.
O projeto não é a conseqüência de índices, nem, apenas uma observância às
legislações, nem o “espelho” de uma diretriz de diagnóstico. Muitas vezes chega a
ser o oposto dos resultados esperados, pois tenta dar um salto interpretativo que
não parte dos dados, mas de um questionamento deles.
7
A abordagem de Hector Viglecca é particularmente significativa em vista do trabalho em
reurbanização de favelas, que como veremos, representa atualmente a oportunidade para a
elaboração de uma nova cultura de projeto que contemple a favela em sua condição de
componente importante na constituição da cidade contemporânea8.
PROJETO 1: HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL – CONJUNTO HELIÓPOLIS GLEBA G
Intervenção realizada em Heliópolis, maior favela de São Paulo, faz parte do Programa de
Reurbanização de Favelas da Prefeitura do Município de São Paulo, através da Secretaria de
Habitação.Este novo programa apresenta uma notável mudança de paradigma no trato com a cidade
informal representada pelas favelas, até este ponto constando entre os principais problemas urbanos,
e por consequência, como uma fonte de problemas variados para a administração municipal.
Desde 2005 a prefeitura de São Paulo optou por assumir o risco de afirmar que os
assentamentos informais e favelas não são uma doença degenerativa da cidade
contemporânea, mas a conseqüência do excesso de velocidade dos processos de
migração frente à lenta gestão de sua política urbana. Assumiu o risco de afirmar
que as favelas são uma parte daquilo que constitui a realidade urbana da capital
paulista. Essa abordagem simples abriu uma nova perspectiva na administração
do crescimento de São Paulo, segundo a qual não se deve eliminar a cidade
informal, na esperança de fazê-la desaparecer, mas trabalhar para melhorá-la.
7
VIGLIECA, Héctor. “Áreas urbanas críticas”. In Monolito n°7 (2012). Habitação Social em São Paulo, p. 92.
8
BOERI, Stefano; BARONCELLI, Lorenza. “São Paulo Calling”. In Monolito n°7 (2012). Habitação Social em São
9
Paulo, p. 45.
9
Ibid., p. 44.
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A Secretaria de Obras da PMSP promoveu em 2012, como a curadoria de Stefano Boeri, o “São
Paulo Calling”, um conjunto de exposições e workshops itinerantes com foco nas favelas e nos
projetos organizados no âmbito de sua nova política de reurbanização. Segundo o curador, o
laboratório e a pesquisa para o “São Paulo Calling” começam a destacar grandes temas comuns aos
assentamentos informais em todo o mundo e podem ser resumidos em pontos de um “primeiro
esboço de um manifesto”, o qual procura redefinir o conceito de favela tanto para nortear a ação do
poder público como para fortalecer a noção de cidadania no todo da cidade.
Imagem 1. Conjunto Heliópolis Gleba G. Croquis Mario Biselli.
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No contexto desta nova visão de realidade, o autor colaborou com a Secretaria na elaboração
deste projeto em um sítio localizado na entrada da comunidade de Heliópolis, em uma posição de
conexão entre a cidade formal e a cidade informal, e neste aspecto particular se assenta a sua
relevância.
O sítio se localiza na confluência da Avenida Comandante Taylor com a Avenida das Juntas
Provisórias, em uma área de um antigo alojamento provisório, onde serão edificados 420 unidades
habitacionais de 50m2 cada, totalizando aproximadamente 31.000m2 de construção.
A habitação social está pensada claramente como construção da quadra urbana, como
construção da cidade, privilegiando os espaços públicos de interesse do morador, protegido da rua, e
a dotando de programa comercial e de serviços o nível térreo.
A relação espaço/cidade baseia-se no modelo da "quadra européia", com implantação sem
recuos e com pátio interno, que estabelece caráter articulador entre o tecido formal e informal da
cidade, acessado através dos pórticos, criando fluída conexão potencializada pelo desenho
paisagístico. Os desníveis naturais da geografia do lugar permitiram a construção até 8 pavimentos
sem o recurso a elevadores, com acessos em diversos níveis e em conformidade com a legislação de
subida máxima. Por este motivo o projeto demandou a construção de um conjunto de passarelaspontes de conexão entre blocos que permitiram o aproveitamento máximo dos coeficientes de
construção.
São 420 apartamentos que variam entre dois tipos, com 2 dormitórios, espaço integrado de
cozinha, estar e sacada. Os conjuntos contam também com unidades adaptadas aos portadores de
necessidades especiais, locados no pavimento térreo, com acesso direto pela rua.
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PROJETO 2: HABITASAMPA ASSEMBÉIA
A Sehab e a Cohab –SP, com a organização do IAB-SP, promoveram em 2003 um
concurso público nacional para dois projetos de habitação de interresse social no âmbito de seu
programa de Locação Social para a região central da cidade de São Paulo.
A localização central dos terrenos não contemplou apenas a meta comum do IAB
e da Prefeitura de revitalizar o Centro, mas foi além do atender trabalhadores,
informais ou não, que trabalham no Centro e ali vivem amontoados em tugúrios e
cortiços ou, no limite, moram na rua ou em albergues. Trabalhadores que, na
fímbria das atividades econômicas da metrópole, buscam seu sustento e
sobrevivência sem dispor de uma habitação digna e, freqüentemente, sequer de
um endereço.
10
Este projeto participou do concurso para o terreno da rua Assembléia, próximo à praça
João Mendes. O terreno pertence à Secretaria de Negócios Jurídicos, foi liberado para o concurso
apenas parte do terreno, desde que reservado o espaço para a construção futura do prédio desta
Secretaria e a manutenção do atual estacionamento e garagem.
10
Concurso HabitaSampa para projetos de habitação de interesse social na região central da cidade de São Paulo.
Prefeitura de São Paulo. 2004, p. 14.
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Imagem 2. Habitasampa Assembléia. Croquis Mario Biselli.
O edifício residencial se define por duas barras dispostas em "L", forma que responde à
geometria natural do terreno e que se torna ainda mais precisa com a delimitação da área para o
futuro edifício da SNJ. O conjunto arquitetônico procura uma inserção urbana típica da área
central, completando empenas "cegas" existentes, oferecendo permeabilidade urbana e
integrando-se aos espaços públicos no nível da rua, associando-se ou procurando composições
volumétricas com os gabaritos de altura existentes na quadra.
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PROJETO 3: EDIFÍCIO RESIDENCIAL NO BAIRRO DO MORUMBI
Imagem 3. Edifício Residencial no Morumbi. Croquis Mario Biselli.
Este é um edifício residencial promovido pela iniciativa de incorporadores privados, foi
realizado entre 1992 e 1997. Não foi objeto de concurso público; sua relevância se estabelece
apenas no contexto deste artigo no contraponto com os outros projetos, na medida em que serve
como ilustração da legislação da cidade de São Paulo para edifícios em altura numa região
estabelecida na lei de zoneamento à época (1992) como Z2.
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Para esta zona e outras onde a verticalização é prevista, que em seu conjunto abrangem
uma grande parte da cidade, a legislação fomenta claramente a torre isolada sobre pilotis, na
medida em que o coeficiente de aproveitamento aumenta na proporção inversa da taxa de
ocupação, e as áreas de uso comum do pavimento térreo não são consideradas computáveis.
As unidades residenciais foram projetadas em dois tipos, uma em planta única e uma tipo
“duplex”, de maneira que a torre conta com oito apartamentos no lado sul e dezesseis no lado
norte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este último exemplo, PROJETO 3, deve ser visto em comparação com os outros dois
exemplos, na medida em que, por força da legislação e dos aspectos de segurança exigidos por
condôminos, a torre se isola da cidade por meio de muros e grades em todo o perímetro do lote.
Esta é uma característica típica de grande parte dos edifícios em altura na cidade de São Paulo,
que, embora promova arquiteturas de grande qualidade, prejudica a relação entre público e
privado como um todo em seu espaço urbano.
Os modelos urbanos a que se referenciam os outros dois projetos, contemplam o térreo da
cidade como de interesse coletivo, provendo espaços de uso público e semi público, além da
necessária permeabilidade urbana.
Parece-nos, portanto, ser o modelo da torre isolada aquele cuja discussão se torna mais
urgente, em face da progressiva privatização dos espaços e da notória falta de espaços públicos
na cidade de São Paulo.
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Concurso HabitaSampa para projetos de habitação de interesse social na região central da
cidade de São Paulo. Prefeitura de São Paulo. 2004.
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LETCHWORTH: PERMANÊNCIA E ATUALIDADE
DOS APORTES DO GARDEN CITY MOVEMENT
RESUMO
A partir das propostas reunidas por Ebenezer Howard em seu livro Tomorrow: A peaceful path to real
reform, de 1898, e dos debates ensejados em torno do movimento que Howard capitaneou em prol da
realização de uma cidade-jardim exemplar próxima a Londres, estabeleceu-se a primeira experiência
concreta de criação de um novo núcleo urbano; que conciliasse excelência na qualidade de vida, imersão
da área urbanizada no verde, autonomia em termos de comércio, serviços, empregos e equipamentos,
facilidade de locomoção e profusão de espaços públicos, ajardinados, de convivência e de lazer. Esta
cidade, Letchworth Garden City, projetada pela sociedade entre Raymond Unwin e Barry Parker, os
principais profissionais envolvidos no movimento; e concretizada, a partir da colaboração de uma
associação de interessados, na primeira década do século XX, ainda mantém seu caráter original; e
continua, mais de cem anos depois, sendo uma referência obrigatória para os padrões de urbanização que
podem ser adotados em projetos de bairros e cidades novas. Este trabalho se propõe a avaliar, a partir de
uma ótica atual, as qualidades que lhe garantiram tal sucesso e permanência, a despeito das crises que o
empreendimento atravessou em alguns momentos.
Palavras-chave: Cidade-Jardim; Bairro-Jardim; Ebenezer Howard; Letchworth Garden City.
152
ABSTRACT
From the proposals compiled by Sir Ebenezer Howard on his book Tomorrow: A peaceful path to real
reform, circa 1898, and from the following debates around the movement that Howard initiated through a
role model Garden-City close to London, the first concrete experience of creating a new urban environment
had taken place; an environment which would conciliate an excellent quality of living, green-immersed areas,
autonomy for local commerce, services, jobs, equipments, transport facilities immersed in public green
spaces, gardened, for the community co-existence and leisure. This town, Letchworth Garden City, projected
by the society through Raymond Unwin and Barry Parker, the main players in this movement; and,
constructed through the collaboration of an association of stakeholders during the first half the twentieth
century, still keeps its original aspects; and still, one hundred years later, it is a mandatory reference for the
urbanization standards that can be adopted on neighborhood and town developments. This study evaluates,
from today’s point of view, the inherent qualities that have made this model to be so successful, despite the
crisis this development has been through during some historical moments.
Keywords: Garden-City; Garden-Neighborhood; Ebenezer Howard; Letchworth Garden City.
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LETCHWORTH: PERMANÊNCIA E ATUALIDADE
DOS APORTES DO GARDEN CITY MOVEMENT
Oswaldo Antônio Ferreira Costa 1
Candido Malta Campos2
INTRODUÇÃO
O presente artigo deriva de pesquisas realizadas na Inglaterra, motivadas pela
necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre projetos de urbanização planejados,
com características próprias que os configuram como um Bairro-Jardim, ou em proporções
maiores, como uma Cidade–Jardim, no sentido de balizar o estudo de realizações similares
no Brasil, objeto de nossa dissertação de mestrado.
Para entender o significado desta configuração, inicialmente deve-se reportar ao
passado e para fora do Brasil, mais precisamente para o final do século 19. Naquela época,
em muitas partes da Europa, era nítida a existência de grandes problemas ligados à
insalubridade das condições de vida da maior parte da população urbana, principalmente
devido ao fenômeno da superlotação das cidades industrializadas, agravado pela poluição
gerada nas indústrias, oficinas e pelas fumaças oriundas da queima de carvão,
principalmente para aquecimento das residências.
O êxodo rural era crescente e as cidades existentes não possuíam infraestruturas
suficientes para acomodar tanta gente com um mínimo de qualidade e dignidade.
1
Oswaldo Antônio Ferreira Costa, Eng. Civil pela UFMS (1986) e Arqt. e Urbanista (2008).
Atualmente cursando
mestrado na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Email: [email protected]
2
Prof. Dr. Candido Malta Campos, Arqt. e Urbanista (1987) e Doutor pela FAU / USP (1999). Atualmente é Professor
Adjunto do Programa de pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Email: [email protected]
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O impacto da urbanização acelerada, da congestão dos grandes centros, da
insalubridade e do recurso a soluções mais ou menos improvisadas de sub-habitação
mobilizou uma extensa gama de pensadores reformistas e de movimentos de reforma
social e urbana. Um deles adquiriu particular destaque por sua proposta ousada e
inovadora para enfrentamento dos problemas referenciados: em 1898, o inglês Ebenezer
Howard, um taquígrafo e reformador social, acreditou ter encontrado a solução para os
problemas do crescimento descontrolado das cidades e da migração das pessoas do
campo para as mesmas, em busca de moradias dignas e bons empregos com salários
compatíveis. Reuniu suas idéias em um pequeno livro Tomorrow: A peaceful path to real
reform, catalisando um movimento que logo ganhou corpo, apoios importantes; e que
acabou propiciando a construção de duas cidades-jardim na Inglaterra (Letchworth Garden
City em 1903 e Welwyn Garden City em 1920), e inspirando muitos desenvolvimentos
semelhantes em várias partes do mundo, resultando em padrões e soluções de
urbanização que podem ainda ser aproveitados na criação de cidades e bairros novos; não
tendo perdido sua utilidade e atualidade, mesmo mais de cem anos após sua primeira
aplicação.
Diante do exposto, a primeira parte deste artigo abordará aspectos fundamentais,
sobre as características físicas de uma hipotética cidade-jardim, propostos na obra citada
de Ebenezer Howard; e a segunda será dedicada a uma explanação e análise da primeira
cidade-jardim projetada e construída segundo a aplicação de muitos dos princípios
estabelecidos naquela obra.
O LIVRO TOMORROW: A PEACEFUL PATH TO REAL REFORM (1898)
Deve-se ressaltar que, em 1902, a nova edição do livro em referência, Tomorrow: A
peaceful path to real reform, foi publicada com um título diferente - Garden cities of to-morrow.
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Esta edição foi uma das principais fontes de extração de informações para a realização do
presente artigo.
Visando proporcionar uma melhor compreensão inicial deste livro, deve-se reportar aos
próprios relatos introdutórios de Ebenezer Howard (1902, p.45):
Cada cidade pode ser considerada como um imã, cada pessoa como uma agulha; portanto,
desta maneira, nada menos do que a descoberta de um método para construir imãs com
ainda mais poder que nossas cidades atualmente possuem pode ser eficiente para
redistribuir a população de uma maneira espontânea e saudável.
Há, na realidade, não apenas, como é frequentemente considerado, duas alternativas - a
vida na cidade e a vida no campo - mas uma terceira alternativa, na qual todas as
vantagens da vida na cidade mais enérgica e agitada, com toda a beleza e alegria do
campo, pode ser alcançada em combinação perfeita; e a certeza de ser possível existir
tal combinação será o imã que irá produzir o efeito para o qual todos nós estamos lutando
- o movimento espontâneo das pessoas de nossas cidades lotadas para o seio da nossa
terra-mãe, ao mesmo tempo a fonte de vida, felicidade, riqueza e de poder.
Howard (1902, pp.46-47) expôs este princípio de combinar todas as vantagens da cidade e
do campo, sem as desvantagens de cada um, através de seu famoso diagrama "Three Magnets"
(reproduzido na figura 1) segundo as seguintes afirmações:
A cidade e o país pode, portanto, ser considerados como dois ímãs, cada um se esforçando
para atrair as pessoas para si - uma rivalidade que uma nova forma de vida, aproveitando
as vantagens da natureza de ambos, se faz presente.
Isto pode ser ilustrado por um diagrama de "Os Três Ímãs", em que as principais vantagens
da cidade e do campo são estabelecidos com os seus inconvenientes e desvantagens
correspondentes, enquanto as vantagens da Cidade - Campo são vistas como sendo livres
das desvantagens de cada um dos prévios componentes.
Na sequência, o livro se desenvolve através de treze capítulos, porém apenas dois
(Capítulo 1 - The Town-Country Magnet e o Capítulo 12 - Social Cities) serão melhor enfatizados
no presente artigo, uma vez que descrevem a visão de Howard sobre as características físicas de
garden-city.
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No Capítulo 1 - The Town-Country Magnet (O imã Cidade - Campo) o leitor é convidado a
imaginar uma propriedade agrícola com uma área de 6.000 acres (aproximadamente 2.400
hectares), que foi comprada no mercado aberto.
Cidade
Fechando a natureza. Oportunidade social.
Isolamento de multidões. Locais de diversões.
Distância do trabalho. Salários elevados.
Altos aluguéis e preços. Chances de emprego.
Horas excessivas. Exército de desempregados.
Nevoeiros e secas. Drenagem cara.
Falta de ar. Céu escuro. Ruas bem iluminadas.
Favelas e palácios Gim. Edifícios palacianos /
suntuosos.
Campo
Falta de sociedade. Beleza da natureza.
Mãos sem trabalho. Terra ociosa.
Invasores cuidado. Wood, Prado, Floresta.
Longas horas, baixos salários. Ar fresco.
Rendas baixas.
Falta de drenagem. Abundância de água.
Falta de diversões. Luz do sol brilhante.
Nenhum espírito público. Necessidade de
reforma.
Habitações lotadas. Aldeias desertas.
Cidade - Campo
Beleza da natureza. Oportunidade social.
Campos e parques de fácil acesso.
Rendas baixas, altos salários.
Baixas taxas, muito a fazer.
Preços baixos, sem suor (trabalho).
Campo para a empresa, o fluxo de capital.
Ar puro e água, boa drenagem.
Lares luminosos e jardins, sem fumaça, sem
favelas.
Liberdade. Co-operação.
Figura 1: Diagrama 1. Fonte: HOWARD, Ebenezer. Garden cities of to-morrow (London, 1902. Reprinted,
edited with a Preface by F. J. Osborn and an Introductory Essay by Lewis Mumford. London: Faber and
Faber, 1946), p. 46.
O valor a ser pago nesta área seria obtido através de uma operação financeira, inclusive
com a aplicação de juros, definindo a terra como garantia e a aplicação das rendas fundiárias nas
infraestruturas urbanas, tais como sistemas viários, escolas, parques, etc..
O objetivo desta compra seria o de determinar o espaço físico para a criação de uma nova
cidade, denominada como garden-city, visando proporcionar no tocante:
- Aos empregos: regularidade com salários de maior poder aquisitivo e garantia de um ambiente
mais saudável para os trabalhadores;
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- Aos fabricantes e empreendedores, cooperativas, arquitetos, engenheiros, construtores e
mecânicos de todos os tipos, bem como para muitos envolvidos em várias profissões: pretensão
de se oferecer um meio de assegurar um novo e melhor emprego para aplicação de seus talentos
/ habilidades e capital;
- Aos agricultores presentes na propriedade, bem como para aqueles que podem migrar para lá:
abertura de um novo mercado para os seus produtos perto de suas produções;
- Aos verdadeiros trabalhadores, independentemente da sua classe: elevar o padrão de saúde e
conforto através da combinação saudável, natural e econômica entre a vida na cidade e no
campo.
Novamente através de diagramas (2 e 3), reproduzidos na figura 02, Ebenezer Howard
determina respectivamente que a parte urbana da garden-city deveria abranger uma área de
1.000 acres (404 hectares), ou uma sexta parte dos 6.000 acres previamente determinados; a ser
construída próxima da região central e podendo ser na forma circular, com uma distância de 1.240
jardas (1.133m) do centro para a periferia. A figura representaria uma das seis secções ou
divisões da cidade, com uma descrição física mais sugestiva que prescritiva.
Aspectos principais sugeridos por Howard com auxílio dos Diagramas 2 e 3:
- Presença de seis "Boulevards" magníficos - cada um com 120 pés (36,58m) de largura,
atravessando a cidade do centro para a circunferência, dividindo-a em seis partes iguais;
- O centro seria definido por um espaço circular contendo cerca de cinco acres e meio (2,23
hectares), com a finalidade de acomodar um lindo jardim, e, em torno deste, posicionados em
seus próprios terrenos amplos, estariam os maiores edifícios públicos - prefeitura, teatro / concerto
principal e sala de aula, teatro, biblioteca, museu, foto-galeria e hospital;
- Entre os prédios públicos, o "Palácio de Cristal" e os "Boulevards" estaria um parque público,
denominado "Central Park", com 145 acres (58,68 hectares), que inclui diversos tipos de
recreação e fácil acesso para todas as pessoas;
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Diagrama 03
Diagrama 02
Diagrama 05
Figura 02: Apresentação dos diagramas 2, 3 e 5 de Howard. Fonte: HOWARD, Ebenezer. Garden cities of
to-morrow (London, 1902. Reprinted, edited with a Preface by F. J. Osborn and an Introductory Essay by
Lewis Mumford. (London: Faber and Faber, 1946), pp. 52, 53 e 143.
- Execução perimetral ao longo de todo o "Central Park" (exceto onde é cortado por avenidas) de
uma grande arcada de vidro chamado "Palácio de Cristal", que se abriria para o parque, com as
seguintes características:
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 Em tempo de chuva seria um dos refúgios favoritos da população e seu
revestimento
brilhante sempre convidaria as pessoas que estivessem no "Central Park";
 Bens manufaturados na própria cidade poderiam ser expostos e comercializados;
 Boa parte do mesmo seria utilizado como um jardim de inverno;
 Sua forma circular propiciaria a proximidade entre os moradores da cidade, cravando uma
distância máxima de 600 jardas (548,64m) do morador mais distante.
- Alinhamento das avenidas com árvores, de maneira similar à de como seriam arborizadas todas
as vias da cidade;
- As quadras acomodariam os lotes e, estes as respectivas casas, fazendo frente para as várias
vias públicas, incluindo as avenidas. As edificações seriam construídas em seus próprios amplos
terrenos, destacando-se a convergência de todo o sistema para o centro da cidade;
- Estimativa de que a população desta pequena garden-city alcançaria cerca de 30.000 habitantes
na área urbana e cerca de 2.000 habitantes nas propriedades agrícolas, e que haveria na cidade
5.500 lotes para serem edificados com um tamanho médio de 20 pés (6,10m) por 130 pés
(39,62m), com o espaço mínimo alocado para o propósito de construção de 20 pés (6,10m) por
100 pés (30,48m);
- Existência de uma arquitetura muito variada, a ser obtida por meio do projeto das casas e de
seus respectivos agrupamentos, com a presença de alguns jardins comuns e cozinhas
cooperadas;
- Controle sobre as construções das casas e outras edificações pelas autoridades municipais;
- Existência de cinco avenidas, sempre radiais, destacando uma de grandes proporções - "Grand
Avenue", com largura de 420 pés (128m), formando um cinturão verde com três milhas (4.828m)
de comprimento, que dividiria a parte da cidade que se encontra fora do "Central Park" em dois
cintos, constituindo um parque adicional de 115 acres (46,54 hectares), com a característica de
proporcionar uma distância máxima de 240 jardas (219,46m) do residente mais afastado;
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- Nesta esplêndida avenida, seis locais segmentados, cada um com quatro acres (1,62 hectare),
seriam ocupados por escolas públicas e os seus parques e jardins circundantes, enquanto os
outros locais seriam reservados para acomodação de igrejas;
- No anel exterior da cidade estariam acomodadas as fábricas, armazéns, laticínios, mercados,
pátios de carvão, pátios de madeira, etc, e todos fariam frente para a estrada de ferro que
circunda toda a cidade e que tem ramais de ligação com a linha principal da estrada de ferro que
atravessa a propriedade, minimizando o transporte de mercadorias via caminhões dentro da
cidade.
No capítulo 12 - Social Cities (Cidades Sociais) Howard, diante da suposição de que a sua
Garden City cresceu e atingiu a população estimada preliminarmente de 32.000 habitantes, faz os
seguintes questionamentos sobre a maneira pela qual esta cidade deveria continuar crescendo:
- Como se faria para prover as necessidades de outras pessoas que serão atraídas pelas
inúmeras vantagens de se viver em uma garden-city?
- Deveria esta crescer sobre a zona de terrenos agrícolas, e, assim, destruir para sempre o seu
direito de ser chamada de garden-city?
Ebenezer Howard (1902, p.140) prontamente nega tais hipóteses e ressalta que isto seria
desastroso, uma vez que provocaria a rápida destruição da "beleza e salubridade da cidade",
porém neste caso, lembra que as terras em torno da cidade (agrícolas) pertencem ao povo, uma
vez que "não estão nas mãos de particulares", e reitera que a administração das mesmas "deve
ser administrada, não para atender os supostos interesses de poucos, mas para os verdadeiros
interesses de todo comunidade", e apresenta seu diagrama número 5, reproduzido na figura 02,
enfatizando as seguintes sugestões:
- Criação de uma nova cidade com as mesmas características de uma garden-city toda vez que
for atingida a população máxima previamente determinada;
- Criação de um sistema circular sobre o anel exterior do desenho de interligação entre as novas
cidades, por meio de uma estrada de ferro intermunicipal, estipulando um percurso máximo entre
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cidades mais distantes de 10 milhas (16 Km), que poderia ser realizado em 12 minutos.
Ressaltando ainda que o percurso entre as novas cidades deveria ser realizado empregando
bondes elétricos e veículos nas rodovias;
- Criação de um sistema de ferrovias pela qual cada cidade seria colocada em comunicação direta
com a Central City, estipulando que a distância de qualquer garden-city ao que o autor chama de
Central City seria de apenas três e um quarto de milha (5,23 km); esta distância poderia ser
coberta rapidamente em cinco minutos.
2 – LETCHWORTH, A PRIMEIRA GARDEN-CITY
Segundo Miller (2002), em primeiro de setembro de 1903 foi oficialmente aberta a empresa
inglesa First Garden City Ltd, com o objetivo inicial de desenvolver a primeira garden-city,
utilizando, primordialmente, os princípios estabelecidos por Howard (então diretor desta empresa),
em uma área previamente adquirida com cerca de 3.818 acres (1.545 hectares) de terras
agrícolas distribuídas nas três aldeias adjacentes, denominadas como Letchworth, Willian e
Norton (O nome Letchworth Garden City foi escolhido, pois a maior parte da cidade pertencia à
aldeia de Letchworth), distantes aproximadamente de 35 milhas (56 km) de Londres.
Posteriormente, segundo Purdom (1925), 730 acres (295 hectares) adicionais foram adquiridos
em complemento, totalizando portanto, 4.548 acres (1.840 hectares), dos quais 3.000 acres (1.214
hectares) eram agrícolas.
Antecedendo a elaboração de qualquer plano, layout ou projeto, Miller (2002) relata que
algumas premissas pontuais foram previamente definidas e/ou oficialmente autorizadas;
destacando-se a existência de uma liberação prévia para construção de uma estação ferroviária
provisória dentro da nova garden-city e a necessária compatibilização das vias (rodovias)
existentes com o novo projeto, uma vez que importantes rodovias cortavam a área adquirida.
Bonfato (2008, pp.38-39), lembra e reitera que:
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Ebenezer Howard jamais projetou ou recomendou um desenho urbano ideal para as suas
cidades, prevendo, nos seus diagramas, que o desenho deveria ser adaptado aos diversos
tipos de terreno, de modo a que cada um dos planejadores das cidades-jardins estivessem
livres para utilizar-se de sua criatividade na formatação final desse desenho.
A preocupação de Howard era a questão da sustentabilidade social das cidades. Pela
própria natureza e pela forma extremamente minuciosa de articulação da cidade, entendia
que a cidade - jardim nasceria a partir do sítio não edificado; o que pode nos conduzir a
uma interpretação errônea: entender o conceito de cidade nova como originária do conceito
de cidade-jardim. O contrário mostra ser mais verdadeiro.
Como os princípios de Howard já estavam estabelecidos no livro de sua autoria,
Tomorrow: A peaceful path to real reform, desde 1898, a cidade-jardim pretendida deveria
segui-los na medida do possível (MILLER, 2002). Através de um concurso público foram
escolhidos os arquitetos Barry Parker e Raymond Unwin para determinar o layout e as
características da nova cidade, almejando que ali se instalaria uma população socialmente mista,
cujo plano foi aprovado em 1904 e está reproduzido a seguir:
Figura 03.: Plano original de Letchworth Garden City - 1904: Fonte: MILLER, Mervyn. Letchworth: The First
Garden City. Chichester: Phillimore & Co, 2002 (2a ed.), p. 23.
A observação da figura 03 anteriormente reproduzida, aliada principalmente às
considerações constantes nas obras de Miller e Purdom já mencionadas, permite destacar a
presença das seguintes características na urbanização da primeira garden-city:
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- A cidade foi implantada de ambos os lados da estrada de ferro Great Northern Railway, ramal de
Cambridge (via de ligação à Londres), que dividia a propriedade na diagonal de sudoeste para
nordeste, segmentando-a em duas partes principais, denominadas como norte e sul (deve-se
ressaltar que neste caso, a ferrovia dividiu a propriedade, em vez de cercar, como Howard tinha
previsto em seu livro;
- Zonas residenciais (integradas com comércios e serviços) e industriais foram cuidadosamente
separadas;
- As zonas industriais ocuparam o lado leste da cidade, para que os ventos predominantes
levassem a fumaça para longe das habitações;
- As áreas institucionais destinadas para a acomodação dos edifícios públicos, em boa parte,
foram mantidas próximas da região central urbana.
Purdom (1925, Part II – Letchworth, the first garden city- Chapter I. Its establishment and growth)
ressaltou que:
A principal característica de Letchworth é o layout aberto das estradas e casas, para que
toda a cidade preserve algumas das características de um parque. Árvores são plantadas
em todas as vias, juntamente com os gramados que as acompanham, exceto nas avenidas
mais movimentadas e nas ruas residenciais mais estreitas. As árvores, arbustos e flores
nos jardins sempre dão à cidade uma aparência rural. As árvores de rua acrescentam muito
para a atratividade da cidade e, em geral elas foram bem escolhidas.
Ainda segundo Purdom (1925), dos 3.818 acres (1.545 hectares) inicialmente adquiridos,
1.250 acres (505 hectares) formaram a área da cidade (urbana), e o restante foi destinado ao
cinturão agrícola (posteriormente, mais 730 acres (295 hectares) foram comprados e anexados ao
projeto) e, em 1919 foi criado o distrito urbano de Letchworth, separando-o do distrito rural, que
determinou através de um conselho, o layout da Lei da Habitação datado do mesmo ano,
reproduzido a seguir (figura 04 - parte esquerda) e deu continuidade ao acompanhamento das
obras em função do manual de orientação e das normas de drenagem e construções formulados
após a elaboração do primeiro plano da cidade.
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Em novembro de 2012 estive em Letchworth, visitando as áreas que a compõem, incluindo
seus comércios, serviços, áreas institucionais (edifícios públicos, parques e jardins), a zona
industrial e o cinturão verde / agrícola. Ao contrapor os elementos observados aos princípios de
Howard expostos em seu livro, ficou evidenciado que muitos destes princípios foram utilizados na
medida do possível, devendo-se destacar, além da presença dos aspectos já apresentados no
tocante à figura 03 (anteriormente reproduzida), a incrementação dos mesmos pela análise do
Layout da Lei da Habitação de 1919, associados à visita em questão, conforme segue:
Figura 04 - Parte esquerda: Layout da Lei da Habitação de 1919. Fonte: PURDOM, Charles Benjamin. The
Building of Satellite Towns. J. M. Dent & Sons Ltd, 1925 (1a ed.): Part II - Letchworth, the first garden city Chapter I. Its Establishment and Growth. Visto em: http://cashewnut.me.uk/WGCbooks/web-WGC-books-19251.php#top . Parte direita: visita realizada a Letchworth em novembro de 2012.
- O projeto está acomodado sobre as curvas de nível, propiciando a acomodação direta sobre o
terreno natural, o que facilita o escoamento das águas pluviais e a mínima agressão ao relevo
natural;
- Observa-se grande quantidade de árvores delineando o alinhamento das ruas e avenidas e
também nos fundos de muitos terrenos / lotes;
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- Há a presença de ruas em cul-de-sac com praça central/jardim público;
- Nota-se a determinação da limitação da ocupação dos lotes pelas edificações;
- A maioria dos lotes são residenciais unifamiliares e boa parte são destinados para implantação
das edificações para os trabalhadores locais e, o recuo frontal e de fundo quase sempre são
respeitados, ou melhor, sempre acomodam jardins, porém os recuos laterais são liberados e a
presença de construções nos mesmos é notado com frequência (edificações geminadas);
- A presença de jardins elevados posicionados junto aos terrenos / lotes de maneira anexa, forma
espaços intermediários que podem ser privados, públicos, ou mesmo, semi-públicos;
- Existem muitos espaços de convivência, em lugares determinados, podendo estar ocupados por
um equipamento urbano, muitas vezes um playground, acomodado sobre um jardim arborizado,
posicionado junto ao fundo, ou mesmo ao lado, de alguns terrenos/lotes;
- O sistema viário é composto por uma hierarquização, entre vias locais, de distribuição e de
interligação externa.
Finalizando, Purdom (1925), destaca que em 1924 foram realizadas as peças gráficas
denominadas como mapas oficiais, ilustrados na figura 05 a seguir reproduzida, mostrando
respectivamente o estado de desenvolvimento de Letchworth Garden City até então, com o
cinturão agrícola devidamente reformulado, observando que o plano foi amplamente respeitado,
com pequenas exceções desprezíveis e destacando em escala conveniente a situação das áreas
comerciais e industriais.
Segundo Miller (2002), em 1946 a empresa First Garden City Ltd apresentou o plano de
expansão para Letchworth com previsão de ampliação da área urbana na parte sudeste,
juntamente com um cinturão industrial ligando Letchworth à cidade vizinha de Baldock.
Na visita que realizei, ficou evidente que esta expansão foi executada com sucesso, com
aplicação das mesmas características da Letchworth inicial, segundo os mesmos princípios
formulados por Howard e desenvolvidos por Unwin e Parker.
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Figura 5 - Parte esquerda: O Letchworth Town-Plan, mostrando o desenvolvimento até 1924, com destaque
para a presença do cinturão verde e da zona residencial. Parte direita superior: Zona comercial. Parte direita
inferior: Zona industrial. Fonte: PURDOM, Charles Benjamin. The Building of Satellite Towns. J. M. Dent &
Sons Ltd, 1925 (1a ed.): Part II - Letchworth, the first garden city - Chapter I. Its Establishment and Growth.
Visto em: http://cashewnut.me.uk/WGCbooks/web-WGC-books-1925-1.php#top
O caso de Letchworth Garden City demonstra que a consciência para a preservação das
áreas de interesse ecológico e também para a minimização da agressão ao meio ambiente pode
ser identificado e aprendido nessa realização mais que centenária.
Independentemente de modismos, idealizações bem concebidas podem resultar na
viabilização técnica e econômica de projetos e na implantação de empreendimentos urbanísticos
de qualidade, assegurando que o mesmo irá proporcionar a melhoria da qualidade de vida das
pessoas envolvidas direta e indiretamente naquela urbanização.
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A notoriedade que Letchworth mantém nas esferas acadêmica, técnica e cientifica do
urbanismo, não apenas como episódio histórico, mas servindo como parâmetro para estudos e
idealizações de novos projetos urbanos até os dias de hoje, denota a atualidade das questões e
princípios debatidos por Ebenezer Howard e das soluções projetuais lançadas para essas
questões por profissionais do gabarito de Raymond Unwin e Barry Parker.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOWARD, Ebenezer. Garden Cities of to-Morrow (London, 1902. Reprinted, edited with a
Preface by F. J. Osborn and an Introductory Essay by Lewis Mumford. (London: Faber and Faber,
[1946]).
PURDOM, Charles Benjamin. The building of satellite towns. J. M. Dent & Sons Ltd, 1925 (1a
ed.): Part II – “Letchworth, the first garden city” - Chapter I. “Its establishment and growth.” Visto
em: http://cashewnut.me.uk/WGCbooks/web-WGC-books-1925-1.php#top Acesso contínuo no ano de
2013.
BONFATO, Antônio Carlos. Ressonâncias do modelo cidade-jardim. São Paulo: E Senac,
2008.
MILLER, Mervyn. Letchworth: The first garden city. Chichester: Phillimore & Co, 2002 (2a ed.).
UNWIN, Raymond. Town planning in practice. London: Routledge, 1909.
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AS COMEMORAÇÕES DO IV CENTENÁRIO DA CIDADE DE SÃO PAULO E SEUS
REFLEXOS NO AMBIENTE URBANO E CULTURAL DA CIDADE.
RESUMO
O aniversário do IV Centenário da cidade foi a oportunidade encontrada pelos representantes do poder
econômico e político locais para reafirmar a imagem de São Paulo como a principal força propulsora do
Brasil rumo ao progresso.
Dentro deste contexto, para o calendário de festejos foram programados eventos de grande repercussão.
Dentre eles, e talvez o de maior repercussão dentro do calendário de comemorações, a II Bienal de Arte
Moderna de São Paulo que teve Sérgio Milliet como seu diretor artístico. A exposição teve projeção mundial
e trouxe obras de artistas expressivos no cenário mundial.
A II Bienal de Artes ocupou dois pavilhões do Parque do Ibirapuera, este, ainda em construção na época. A
Comissão de festejos do IV Centenário da cidade de São Paulo encomendou o projeto de um complexo de
edifícios a Oscar Niemeyer. A expectativa em torno dos edifícios foi mais um dos fatores que fizeram da II
Bienal, uma das mais importantes já ocorridas em São Paulo.
Palavras-chave: IV Centenário, Parque do Ibirapuera, II Bienal.
ABSTRACT
The anniversary of the IV centenary of the city was the opportunity found by the representatives of the local
economic and political power to reaffirm the image of São Paulo as the main driving force of Brazil towards
progress.
Amongst them, and perhaps the most publicized within the calendar of celebrations, the Second Biennial of
Modern Art of São Paulo and Sergio Milliet was the artistic director. The Biennial got worldwide, brought
significant works by artists on the world stage. The Second Biennial of Arts held two pavilions at Ibirapuera
Park, this, still under construction at the time. The Commission of the IV centenary celebrations of the city of
São Paulo request the design of a complex of buildings to Oscar Niemeyer. The expectation around the
buildings was another factor that made the II Biennial, one of the most important has occurred in São Paulo.
Key words: IV Centeray, Ibirapuera Park, II Biennial.
169
AS COMEMORAÇÕES DO IV CENTENÁRIO DA CIDADE DE SÃO PAULO E
SEUS REFLEXOS NO AMBIENTE URBANO E CULTURAL DA CIDADE.
Patricia Cecilia Gonsales1
Carlos Guilherme Mota2
INTRODUÇÃO
O aniversário do IV Centenário da cidade foi a oportunidade encontrada pelos
representantes do poder econômico e político locais para reafirmar a imagem de São Paulo
como a principal força propulsora do Brasil rumo ao progresso. A empreitada de colocar o
Brasil entre os países desenvolvidos passava pela necessidade de mostrar ao mundo a
força da indústria brasileira e o quanto o mercado brasileiro era promissor. São Paulo
abrigava o maior parque industrial do país, tinha a maior população e desde os tempos do
Ciclo do Café, se destacava no cenário nacional como uma potência econômica.
A comissão criada especialmente para coordenar as festividades na ocasião do IV
Centenário da cidade tinha a tarefa de exaltar a história da cidade, enaltecendo a figura do
1
Graduada em Turismo pelo Centro Universitário Ibero-Americano em 2002, pós-graduada em Planejamento e
Marketing de Produtos e Destinos Turísticos do Centro Universitário SENAC em 2004 e atualmente é mestranda em
Arquitetura e Urbanismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
2
E-mail: [email protected]
Possui Graduação em História pela Universidade de São Paulo (1963), Mestrado em História Moderna e
Contemporânea pela Universidade de São Paulo (1967) e Doutorado em História Moderna e Contemporânea pela
Universidade de São Paulo (1970). Atualmente é professor titular na Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor
emérito da FFLCH USP. É Presidente do Comitê Científico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ex-Diretor
(fundador) do Instituto de Estudos Avançados da USP, ex-Professor titular do IFCH da UNICAMP, um dos fundadores
do Memorial da América Latina, consultor da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,
assessoria do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e consultor da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo, membro do conselho editorial da Revista Minius (Universidade de Vigo) e da Revista
Estudos Avançados (USP), Revista Eletrônica Intellectus e da Revista Eletrônica Aedificandi. Tem experiência na área
de História, com ênfase em História da Cultura e das Ideologias, atuando principalmente nos seguintes temas:
arquitetura,
urbanismo,
Direito
e
mentalidades.
Medalha
da
Cidade
de
Paris
(1998).
E-mail:
[email protected]
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bandeirante como desbravador, dos jesuítas representando a colonização europeia e o
índio, elemento essencialmente brasileiro. A identidade do paulistano deveria revelar a
predestinação ao progresso.
Dentro deste contexto, para o calendário de festejos foram programados eventos de
grande repercussão. Dentre eles, e talvez o de maior repercussão dentro do calendário de
comemorações, a II Bienal de Arte Moderna de São Paulo que teve Sérgio Milliet como seu
diretor artístico. A Bienal ganhou projeção mundial, trouxe obras de artistas expressivos no
cenário mundial além de inovações na exposição das obras, distribuídas em salas
temáticas, organizadas de maneira didática e com monitores treinados para guiar os
visitantes prestando-lhes informações sobre as obras, artistas e sobre arte.
A II Bienal de Artes ocupou dois pavilhões do Parque do Ibirapuera, este, ainda em
construção na época. A Comissão de festejos do IV Centenário da cidade de São Paulo
encomendou o projeto de um complexo de edifícios a Oscar Niemeyer, a principal herança
do IV Centenário de São Paulo à cidade precisava ter a marca da arquitetura moderna de
Niemeyer. Esforços não foram poupados para que os principais edifícios fossem entregues
a tempo de sediarem a II Bienal e a expectativa em torno deles foi mais um dos fatores que
fizeram da II Bienal, uma das mais importantes já ocorridas em São Paulo.
O artigo tem o objetivo de analisar esse momento da história da cidade de São
Paulo, momento de especial euforia e também de contradições. O texto está distribuído em
três partes. A primeira trata da organização da Comissão do IV Centenário da Cidade de
São Paulo que coordenou as ações programadas para esse fim. Dentre as principais
atribuições, estudos históricos, a elaboração do calendário de festejos que deveria incluir
atividades culturais e econômicas. Ficou também sob a responsabilidade da comissão, a
viabilização e coordenação da construção do Parque do Ibirapuera e outras obras como a
restauração da Casa do Bandeirante e reforma do Teatro Municipal.
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A segunda parte do texto descreve a repercussão dos edifícios projetados por
Niemeyer no Parque do Ibirapuera como sede da II Bienal de Arte Moderna de São Paulo
um dos principais eventos que integraram o calendário de comemorações do IV Centenário
da cidade de São Paulo. Por fim, a última parte com algumas considerações finais
relacionadas aos assuntos expostos no texto.
1. O IV CENTENÁRIO DA CIDADE DE SÃO PAULO: A HERANÇA DA BRAVURA DOS
BANDEIRANTES E A PREDESTINAÇÃO DOS PAULISTANOS PARA O PROGRESSO.
“Em São Paulo também, nas tardes de outono e de inverno, a doçura do céu frio
convida ao descanso na praça ou à janela do apartamento que tão pouco tenha
ainda (graças a Deus) do insensato arranha-céu. Então a gente se agrada de
viver.”
Sérgio Milliet
3
Para que o objetivo de chamar a atenção do país e do mundo para São Paulo fosse
alcançado, era necessário mostrar que a população da cidade estava comprometida com este
propósito. No entanto, esta não era uma tarefa fácil. A cidade havia recebido grande quantidade
de migrantes e imigrantes, os primeiros vindos principalmente do campo e os últimos, de vários
países do mundo com a intenção de se estabelecerem e fazer fortuna na América, mas
conservando costumes e resistentes em abandonar cultura do país natal.
Diante deste cenário, era necessário unir as várias culturas que formavam a população da
cidade, conseguir a adesão de todas as camadas populares à ideia de que São Paulo era uma
terra predestinada ao progresso. A festa comemorativa, aliada a intensa propaganda veiculada na
época, buscava divulgar São Paulo como modelo para o Brasil (LOFEGO 2004). Lofego destaca
ainda as dimensões desta tarefa:
3
MILLIET, Sergio. Diário Crítico VIII. Ed. EDUSP, São Paulo, 1981, p.109.
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... o IV Centenário da Cidade de São Paulo revela-se um momento ímpar de sua
história, ao se constituir numa ocasião de grande mobilização social e decisivo na
construção e consolidação dos ícones de sua memória.
4
A organização para os festejos do IV Centenário iniciou os trabalhos em 1948. A criação
da Comissão de Festejos da Comemoração do IV Centenário da cidade de São Paulo foi
oficialmente criada na condição de Autarquia em 30 de maio de 1951 por meio da Lei 4.052. A
Comissão era composta por políticos, professores universitários e por homens ligados às
atividades econômicas. Aconteceram algumas alterações na composição da Comissão ao longo
dos anos até que as comemorações fossem concluídas. O presidente eleito para a Comissão foi
Francisco Matarazzo Sobrinho, Ciccillo permaneceu na presidência da Comissão desde a sua
criação até abril de 1954 quando divergências com o prefeito Jânio Quadros o fizeram pedir
demissão do cargo, o sucessor eleito foi o poeta Guilherme de Almeida.
Quanto à organização da Comissão, Monica Junqueira Camargo explica:
A comissão foi organizada inicialmente em seis subcomissões – Serviços de
Exposições Comerciais e Industriais; Congresso em geral; Comemorações
populares; Engenharia; Imprensa; e Comemorações culturais –, que foram sendo
renomeadas e reajustadas conforme o andamento dos trabalhos.
5
Na prática, os principais papéis desempenhados pela autarquia ao longo da sua existência
foram os de elaborar o plano geral das festividades; incentivar pesquisas acadêmicas sobre a
fundação de São Paulo; elaborar um plano de divulgação massivo sobre a história da cidade e
sobre o calendário das festividades; fazer um levantamento dos fundos necessários para a
realização dos festejos e para concretização dos projetos ligados às comemorações. Silvio Luis
Lofego analisa:
Tais orientações criam, portanto, dois núcleos que se constituirão nos pilares
fundamentais para o sucesso dos festejos. O primeiro seria a construção da
história de São Paulo, tanto nas reedições quanto em novas produções que
atendessem às expectativas da Comissão. O segundo seria a propaganda
4
5
LOEFEGO, Silvio Luiz, 2004 p. 33
CAMARGO, Monica Junqueira. 2005, p.53.
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ancorada nessa produção histórica, que por sua vez legitimaria todo o empenho
6
dispensado para a realização dos festejos .
O interesse da Comissão sobre pesquisas relacionadas à história da cidade foi tão
expressivo que se notou um aquecimento no mercado editorial na cidade. A utilização de
elementos históricos da formação da cidade como a figura do bandeirante, do índio e dos jesuítas
foi utilizada massivamente em propagandas, não só as promovidas pela Comissão, mas indústria
e comércio também se valeram da figura do bandeirante e do jesuíta para divulgar os seus
produtos ou serviços. A intenção era a de formatar uma identidade paulistana, composta por uma
população de tantas nacionalidades e culturas diferentes. Era necessário que os paulistanos de
todas as etnias e culturas se sentissem unidos por uma vocação de progresso e prosperidade.
Ao mesmo tempo em que a história de São Paulo era reeditada conforme as intenções dos
poderes políticos e econômicos havia também a preocupação em projetar a cidade para o futuro.
Para o ano de 1954 o objetivo era trazer para a cidade o maior número de eventos comerciais,
científicos e artísticos culturais que fosse possível. Para isso, foram abertos três escritórios de
representação da CIVCSP, um no Rio de Janeiro, um em Washington e outro em Paris 7 que
serviriam de apoio para contatos com instituições que organizavam e outras que participavam de
eventos comerciais e artístico-culturais pelo mundo.
Em relação aos interesses econômicos ligados às comemorações do IV Centenário, é
importante lembrar que o Brasil se projetava para um novo avanço no processo de
industrialização. O objetivo era desenvolver a indústria de base (energia, siderurgia, mecânica,
elétrica e eletrônica), área industrial inexpressiva no cenário nacional até então. Importante
lembrar também que por essa época o sistema de abastecimento de energia dava sinais de
sobrecarga. Em São Paulo, a falta de energia fazia parte do cotidiano de moradores, comerciantes
e indústrias. Melhorias na infraestrutura se faziam urgentes.
6
Op cit, LOFEGO p. 44.
7
Op cit, CAMARGO 2005, p. 53.
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Identificando esta e outras inúmeras carências estruturais que a cidade de São Paulo
demonstrava, a Equipe de Planejamento Urbano liderada por Eduardo Kneese de Mello e Ícaro de
Castro Mello elaborou um relatório com propostas de melhorias urbanas. Assim, o IV Centenário
da cidade ficaria marcado também por realizações importantes para o planejamento urbano.
Monica Junqueira Camargo comenta as principais propostas do grupo:
O relatório da Equipe de Planejamento, coordenada pelos arquitetos
Eduardo Kneese de Mello e Ícaro de Castro Mello, enfatizou a oportunidade
para se discutir princípios de planejamento urbano e para se propor um
plano diretor, sugerindo que as questões metropolitanas fossem da
8
competência estadual e as comemorativas, da competência municipal .
As propostas de melhoramentos urbanos da equipe de Kneese e de Mello não chegaram a
ser implantadas. O período entre o início do planejamento dos festejos, em 1948 até o aniversário
da cidade, em 1954 foi um período de instabilidades políticas no município. A troca sucessiva de
prefeitos na capital exigia da comissão grande esforço para evitar cortes no orçamento e
necessidade de revisões significativas em planos já elaborados. No geral, Francisco Matarazzo
Sobrinho teve êxito na tarefa. No entanto, quando Jânio Quadros assumiu a prefeitura da cidade
com um forte apelo popular ao corte de gastos públicos, as verbas para a realização das
festividades foi reduzida e alguns projetos foram cancelados.
Analisando os documentos relacionados à Comissão do IV Centenário pertencentes ao
acervo do Arquivo Histórico da Cidade de São Paulo, é possível verificar que houve a intenção de
realizar alguns melhoramentos urbanísticos como parte das comemorações pelo aniversário da
cidade. Em 14 de março de 1952, o secretário de obras do município, Dario de Castro Bueno
encaminha à presidência da comissão uma estimativa de custos para intervenções urbanas
sugeridas pela CIVCCSP. Neste documento Castro Bueno trata da viabilidade da construção de
ligações entre as rodovias Presidente Dutra e Anhanguera; ligação entre a Rodovia Anhanguera e
8
Op cit. CAMARGO, p.53
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Anchieta; ligação entre a Rodovia Anchieta e Rodovia Pres. Dutra; além da construção da Avenida
Anhangabaú, que melhoraria o acesso à região do Parque do Ibirapuera.
Em outro documento de 04 de junho de 1952, o Diretor do Serviço de Obras do Município,
Augusto Lindenberg posiciona o presidente da CIVCCSP sobre a viabilidade das obras propostas
pela Comissão. Afirma que a construção de um anel viário periférico, ligando as três rodovias
seria um projeto caro, o trecho teria aproximadamente 60 quilômetros de extensão exigindo
construção de passagens de nível para evitar o cruzamento com avenidas que cortassem o anel.
Além disso, não havia tempo para tal empreitada. O documento trata ainda de outra sugestão da
Comissão sobre melhorias no Horto Florestal e Parque do Jaraguá, áreas do Parque da
Cantareira. Neste ponto Lindenberg aponta a necessidade de melhorias nas vias de acesso,
compostas pela Rua Voluntários da Pátria e Dr. Zuquim, além da construção de estacionamentos
e infraestrutura para o Horto Florestal.
A possibilidade de realizar melhorias para a cidade e atender algumas das muitas
demandas da população poderia ser motivo de comemoração e satisfação para os paulistanos.
Mesmo que isso significasse uma programação de festejos mais modesta. No entanto, a
Comissão entendeu que a realização dos eventos comerciais e culturais artísticos teria maior
importância para o objetivo de criar a imagem de São Paulo como o modelo de desenvolvimento
econômico para o país.
Assim, como parte dos festejos programados, ocorreu uma exposição industrial que contou
com a presença de todos os Estados da Nação e de empresas de 27 países. Também ocorreram
outros eventos como Congresso Internacional do Folclore e também a Exposição da História de
São Paulo no Quadro da História do Brasil, organizada pelo historiador português Jaime Cortesão.
Uma das seções da exposição foi proposta por Mário Neme. Inicialmente Mário Neme sugeriu à
presidência da CVICCSP9 uma Exposição Iconográfica onde os objetos e fotos expostos seriam
9
Documento enviado por Mário Neme à presidência da CVICCSP – 18/09/1952 – Fonte: Arquivo do Município de São
Paulo
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doados pela população. Assim, como forma de incluir a população na organização dos festejos,
estes seriam convidados a doar objetos artesanais de uso doméstico ou pessoal, fotos antigas,
cartas familiares, correspondência social e todos os objetos que revelassem um estilo de vida ou
um fato social ultrapassado, ou que tivesse sido abandonado do uso. Logo após a exposição, os
objetos integrariam o acervo do Museu Paulista. Embora a exposição tenha sido aceita, foi
incorporada à exposição organizada por Cortesão que contava a história de São Paulo desde a
sua fundação até o final da primeira República.
Dentre outros eventos culturais, os de destaque foram a II Bienal de Artes de São Paulo; a
realização de dezessete concursos nas áreas de literatura, cinema, rádio, teatro, música,
fotografia e selo comemorativo além da criação do Ballet do IV Centenário10.
Monica Junqueira Camargo aponta ainda a restauração da Casa do Bandeirante, uma
residência rural do século XVII localizada na área do Butantã, como mais um reforço do caráter
simbólico das comemorações, enfatizando o mito construído em torno da figura do bandeirante.
Durante os trabalhos de restauração, a equipe liderada por Luís Saia encontrou reminiscências da
taipa de pilão, característica das construções rurais paulistas. O projeto de restauração de Luís
Saia devolveu as características mais próximas do que seria a construção original. Restaurada a
propriedade, contrariando o que havia sido proposto por Luiz Saia, foi reproduzido no seu interior
um ambiente doméstico, totalmente descaracterizado do estilo rude de vida que os bandeirantes e
da população da época nas terras da futura cidade de São Paulo. Segundo Monica Junqueira
Camargo,
Esse grande equívoco histórico circulou no imaginário paulistano por mais de duas
décadas e só foi reparado com a criação do Departamento de Patrimônio
Histórico, quando o cenário foi desfeito, o acervo recolhido, estudado e exposto
pelo valor intrínseco e a casa passou a ser um espaço museológico para mostras
11
diversas .
10
Op cit, CAMARGO, p.55
11
Op cit. CAMARGO, p. 55.
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Sílvio Luís Lofego aponta ainda a postura da Comissão do IV Centenário da Cidade de
São Paulo em relação aos movimentos artísticos populares:
Todo trabalho em relação á imagem de São Paulo parecia ser o de retratar os
valores da gente paulista – que pairam em figuras como o bandeirante e o índio –,
mas, ao mesmo tempo fora concursos com temáticas já definidas, não se observa
nenhum projeto de valorização do artista local. O papel de mecenas da Comissão
12
parece não valer à gente que ela diz exaltar .
Em outro momento, Lofego analisa:
As práticas e representações culturais, dirigidas pela Comissão do IV Centenário
tendiam a valorizar, na arte brasileira, somente aquilo que tivesse algum paralelo
com a Europa. As manifestações mais distantes dos grandes centros, de grande
apelo popular normalmente eram enquadradas como folclore, inclusive o samba,
13
conforme mostra a programação do I Festival Brasileiro de Folclore .
De fato, em alguns momentos é possível notar uma confusão por parte da Comissão sobre
o que seria ou não uma manifestação folclórica. O propósito de consolidar a imagem de São
Paulo sugeriu que a Comissão fizesse escolhas que melhor atendessem aos seus propósitos. O
próprio fato do presidente da Comissão ser um imigrante italiano que falava com um sotaque
italiano evidente, foi objeto de críticas na época.
Outro fato importante foi a criação de um corpo de Ballet especialmente para as
comemorações do IV Centenário da cidade. Nomeado como Ballet do IV Centenário a
apresentação justificou a solicitação de reforma do Teatro Municipal de São Paulo que há tempos
não passava por reparos. Entretanto, as reformas atrasaram e a entrega do teatro foi feita apenas
no ano de 1955, quando os festejos já haviam sido encerrados. O Ballet apresentou sua
coreografia parcialmente em caráter de improviso no Estádio do Pacaembu. A apresentação
completa só foi possível no Rio de Janeiro, em evento realizado no Teatro Municipal carioca.
Com uma programação tão agitada e propósitos tão ambiciosos, era necessário construir
um espaço de lazer e cultura que abrigasse parte dos eventos, mas também, que tivesse edifícios
12
Op cit. LOFEGO, p. 52
13
Op cit. LOFEGO, p. 60
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grandes e aptos a sediar os eventos e ao mesmo tempo, fizesse jus à fama da cidade de maior
centro industrial da América Latina.
O local escolhido para a construção do parque que abrigaria pavilhões e centros de cultura
foram os terrenos da Várzea do Ibirapuera. A ideia de construir um parque na região era antiga.
Em meados de 1926 o então prefeito Pires do Rio manifestava o interesse em construir um
parque nos moldes do Hyde Park londrino na cidade de São Paulo. No entanto, complicações
judiciais quanto à posse de terrenos na área produziram um embaraço judicial que levou anos até
que a prefeitura conseguisse reaver todos os terrenos que compõem o parque. Além disso, o solo
era alagadiço, pantanoso em alguns pontos, impondo dificuldades para a construção do parque.
As discussões sobre a construção do parque seguiram até que em 1936 ficou definido que
a entrada do Parque do Ibirapuera deveria ser pela Avenida Brasil, sendo que em frente à entrada
seria erguido o Monumento às Bandeiras. A escultura seria de formas geométricas medindo 50
metros de altura e 15 metros de largura em granito de autoria de Victor Brecheret cujo tema era a
bravura dos bandeirantes. No terreno do parque já havia o viveiro de plantas criado por
Manequinho Lopes14 na década de 30. Manequinho, um funcionário do alto escalão da prefeitura,
iniciou o plantio de Eucaliptos para drenar o solo encharcado e com o sucesso da iniciativa,
formou-se um viveiro de plantas que fornecia mudas à administração municipal e particulares
residentes na região. Com a inauguração do Parque do Ibirapuera, o viveiro foi transferido para
outra área da cidade e o espaço que ocupava tornou-se parte do parque.
Ainda nas imediações da região onde seria construído o Parque do Ibirapuera, a Comissão
do IV Centenário viabilizou a construção do Obelisco do Maosoléu da Revolução
Constitucionalista de 1932 com setenta metros de altura. A pedra fundamental do monumento foi
lançada em 1949, mas a conclusão ocorreu apenas em 1955 por falta de verbas. Importante
14
Manoel Lopes de Oliveira ocupava elevado cargo na prefeitura, para evitar que a área fosse tomada por favelas ou
caísse na mão de posseiros teve a iniciativa de drenar as terras e utilizá-la como viveiro de plantas até que o parque
fosse criado.
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lembrar que segundo Silvio Luiz Lofego, a construção do parque consumiu 80% do orçamento
destinado às comemorações do IV Centenário da cidade15.
Em 26 de dezembro de 1951 foi criada a lei nº 1475 que garantiria os recursos para a
construção do parque16 e os primeiros trabalhos de sondagem do terreno para levantamentos
necessários ao projeto foram realizados em 1952. Após discussões sobre a execução do projeto,
a Comissão do IV Centenário solicitou a colaboração de um grupo de arquitetos e engenheiros
liderados por Oscar Nyemeyer e composto pelos arquitetos Ulhôa Cavalcanti, Zenon Lotufo,
Eduardo Kneese de Melo, Octávio Augusto Teixeira Mendes e Ícaro de Castro Melo.
Para projetar o conjunto de edifícios do parque, a Comissão do IV Centenário convidou
Oscar Niemeyer e conhecendo suas realizações no Edifício do Ministério da Educação e no
Conjunto da Pampulha, os organizadores sabiam que o projeto teria características modernas e
atenderia aos propósitos pretendidos de monumentalidade e modernidade.
Monica Junqueira Camargo comenta sobre a fase de elaboração do projeto do parque:
No primeiro anteprojeto oficialmente encaminhado, o conjunto era constituído por
seis edifícios interligados por uma gigante marquise. (...) Essa estrutura básica
permaneceu, mas muitas alterações ocorreram: programáticas, de custo, revisão
do projeto. Entre o primeiro estudo e a obra executada, que também sofreu
modificações, a marquise foi o elemento mais forte de toda a composição e
17
continua sendo o grande destaque da crítica .
Rosa Artigas fala sobre o andamento do projeto:
Considerando suas dimensões, o Parque, seus edifícios e jardins de Burle Marx
foram construídos em tempo recorde. Dos sete prédios – entre pavilhões e centros
de cultura propostos – forma edificados o Pavilhão das Indústrias, o Pavilhão dos
Estados e o Pavilhão das Nações ligados por elegante marquise. Eram integrados
também ao espaço do Parque o Pavilhão da Agricultura (atual DETRAN) e o
18
Ginásio de Esportes, este último projeto de Ícaro de Castro Mello .
15
Op cit. LOFEGO, Silvio Luis. p.46.
16
TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. 1977, p.104.
17
Op Cit, CAMARGO, p.60
18
ARTIGAS, Rosa . Op. cit., p. 62
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O projeto paisagístico propunha adequar a paisagem ao conjunto edificado, intercalando
conjuntos densamente arborizados com áreas de gramado 19 . Além dos edifícios projetos por
Niemeyer e o Ginásio de Esportes projetados por Ícaro de Castro Mello, foram construídos
pavilhões temporários para abrigar eventos relacionados aos festejos assim como quiosques que
vendiam alimentos e bebidas aos visitantes. Essas construções foram demolidas ao término das
comemorações. Também foi construído no interior do parque um planetário, projeto dos arquitetos
Eduardo Corona, Roberto Tibau e Antonio Carlos Pitombo.
O Parque do Ibirapuera foi inaugurado em nove de agosto de 1954, como parte das
comemorações do IV Centenário e teve um forte significado para a história da cidade. O conjunto
de edifícios projetados por Oscar Niemeyer ficou pronto antes, em 1953, a tempo de serem
utilizados para a realização da II Bienal de Artes de São Paulo, aberta em dezembro de 1953.
2. A II BIENAL DE ARTE DE SÃO PAULO MARCOU O INÍCIO DO CALENDÁRIO DE
FESTEJOS DAS COMEMORAÇÕES DO IV CENTENÁRIO DA CIDADE.
“O que me comove na pintura moderna é a inquietação inteligente diante do mundo,
em contraste com a pacata satisfação das artes oficializadas. Ela está cheia de
incongruências, de malogros e de ideias, como nós mesmos e como a vida.”
Sérgio Milliet
20
A intensa propaganda em torno dos festejos do IV Centenário e toda a agitação causada
em torno do aniversário de fundação da cidade provocaram expectativas na sociedade paulistana
e também no cenário nacional. A inauguração da II Bienal de Artes de São Paulo no dia 12 de
dezembro de 1953 marcou o início dos festejos na cidade. As expectativas em relação à abertura
da exposição eram muitas, não só pelas obras expostas, pela didática adotada na organização da
exposição ou pelo início do calendário de festejos do aniversário da cidade. Havia também uma
19
Op. cit. CAMARGO, p. 60
20
MILLIET, Sérgio. Pintura Quase Sempre. Ed. da Livraria Globo, Porto Alegre, 1944, p.89.
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grande expectativa em relação aos edifícios projetados por Niemeyer e sua equipe no Parque do
Ibirapuera (ainda em construção na época). Os principais jornais do país descreviam em detalhes
a exposição sem descuidar de comentários sobre os edifícios. Eram os prenúncios da importância
da Bienal de Artes de São Paulo.
Ao ser nomeado para a diretoria artística da exposição em 1952, Sérgio Milliet segue para
a Itália onde iria representar o Brasil na Bienal de Veneza. Na ocasião, iniciou contatos com as
delegações e galerias de arte de outros países. Para tal tarefa, contou com a ajuda de Yolanda
Penteado que já havia auxiliado Lourival Gomes Machado na organização da I Bienal ocorrida em
1951. No trecho abaixo, retirado do catálogo geral da II Bienal, Sérgio Milliet explica:
Sugerimos que cada país, ao lado de seus jovens artistas enviasse a São Paulo
um conjunto significativo do movimento em que se havia relaçado particularmente
ou uma amostra da obra de seu artista de maior renome internacional. (...)
Cumpre ainda observar que em certames da natureza da Bienal, não se ofereceu
jamais essa oportunidade de se admirar uma série de obras suscetíveis de
exemplificar, quase didaticamente, a história do movimento moderno, desde o
início do nosso século pelo menos. (...) O público sem maiores dificuldades
encontrará no imenso mostruário da segunda Bienal exemplos perfeitos de todas
as tendências estéticas. (...) Uma cousa, porém, saltará aos olhos desde logo, a
predominância do espírito de liberdade. Ao lado das soluções abstratas e
concretistas, as soluções figurativistas. Ao lado do expressionismo que exprime
pela deformação, o cubismo que compraz na construção geométrica. Junto à
tentativa de pintar o sonho e revelar o mundo do inconsciente, a ambição de
descrever objetivamente o mundo da realidade. (...) Toda cultura de nossa época,
caótica, contraditória, atraente e hostil a um tempo, se espelha nesse arte
discutida e discutível, polêmica quase sempre, construtiva por vezes, mas viva,
presente, que não podemos mais ignorar. Uma arte que solicita permanentemente
de nós uma tomada de consciência, uma aceitação ou uma recusa. Que nunca
21
autoriza a assumir atitudes de confortável indiferença .
Ao finalizar a montagem da exposição, dois dias antes da inauguração oficial, a II Bienal foi
aberta exclusivamente à imprensa e aos dirigentes das delegações, artistas e críticos de arte. Nas
inúmeras matérias de jornais de todo o país, os primeiros comentários eram sempre relacionadas
21
MILLIET, Sérgio. Introdução. In: II Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo: catálogo geral.
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aos pavilhões projetados por Niemeyer. O paulista Diário de Notícias, assim como o jornal
carioca Jornal do Comércio iniciam a matéria ressaltando a beleza arquitetônica dos pavilhões
dos Estados, onde estavam concentradas as exposições nacionais e a exposição de arquitetura, e
o pavilhão das Nações, onde foi organizada a exposição das obras trazidas pelas delegações
internacionais compostas por 33 países:
A II Bienal está esplêndidamente instalada nos pavilhões das Nações e dos
Estados, ambos de grande beleza arquitetônica, dentro das normas da arquitetura
contemporânea brasileira, enquadrados dentro de suas principais diretrizes:
22
beleza plástica e funcionamento .
Rodolfo Paullicchini, crítico de arte e secretário geral da Bienal de Veneza, não
economizou elogios ao projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, embora tenha admitido que os
pavilhões fossem “um pouco incômodos” no aspecto museográfico23:
Sente-se que não nasceram para esse fim. Isso, entretanto, não impede que as
obras da Bienal estejam dignamente expostas. Penso que com algumas
adaptações, São Paulo terá uma sede mais funcional para suas manifestações de
24
arte. Para futuras bienais, portanto .
De fato, os pavilhões não haviam sido projetados para esse fim específico. O pavilhão das
Nações passou por pequenas adaptações para abrigar III Bienal e a partir da IV edição, as Bienais
passaram a ser organizadas no Pavilhão das Indústrias com instalações mais apropriadas para
esse fim. Os pavilhões tinham grande extensão, o das Nações, onde as delegações estrangeiras
expuseram suas obras, media 150 x 42 metros divididos em três pavimentos ligados por rampas,
escadas sinuosas e elevadores; o Pavilhão dos Estados, onde estavam expostas as obras
nacionais, com a mesma extensão, mas com a distribuição diferente do primeiro edifício. O jornal
O Estado de São Paulo, em sua coluna Artes Plásticas, afirmava a impossibilidade de elaborar
22
“Instalada a II Bienal de São Paulo” – Diário de Notícias, 11/12/1953 – Fonte: Acervo Histórico Wanda Svevo.
23
“A Bienal de Veneza na Bienal de São Paulo” – Correio da Manhã, 12/12/1953 – Acervo Wanda Svevo
24
Inbid.
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uma crítica consistente sobre o conteúdo da exposição dada a sua extensão. Conta o jornal que
pelos cálculos realizados, o visitante precisaria percorrer mais de sete quilômetros25 para cobrir
toda a extensão da exposição. Sendo assim, era necessário repetidas visitas e em cada uma
delas se dedicar a uma parte da exposição.
Outro destaque do evento foi uma inovação na organização da exposição das obras que
mais tarde seria reproduzida em exposições no exterior, como a própria Bienal de Veneza. Sérgio
Milliet e a equipe artística organizaram salas temáticas sobre os principais movimentos de arte
moderna tornando a exposição mais didática para a compreensão do grande público. Além disso,
estudantes de artes foram treinados para atuarem como monitores auxiliando os visitantes,
especialmente os leigos, a compreender melhor as obras expostas informando-lhes noções
básicas sobre arte e como cada obra estava contextualizada no momento em que foi concebida.
Assim, no Pavilhão das Nações, o ponto alto da exposição foi a sala temática contendo
uma retrospectiva do Cubismo, onde a representação francesa trazia 57 cubistas de seus mais
expressivos autores. Começava por seus fundadores, os inigualáveis parceiros Pablo Picasso e
Georges Braque e prosseguia com Juan Gris, André Lhote, Albert Gleizes, Fernand Léger, Sonia
e Robert Delaunay, além de pinturas de Marcel Duchamp, escultura de Costantin Brancusi e
peças de Jacques Lipchitz e Ossip Zadkine. As obras de Pablo Picasso tinham uma sala temática
exclusiva, onde estava exposta uma de suas obras mais famosas, a “Guernica”. Francisco
Alambert analisa a exposição da obra de Picasso na II Bienal:
Oficialmente a II Bienal comemoraria os 400 anos da cidade de São Paulo. Mas o
que se celebrava na ocasião era, sobretudo, a recente consolidação da
democracia, o desenvolvimentismo (o Brasil estava perto de se tornar o país de
maior crescimento no mundo) e o estabelecimento da arte moderna como parceria
desse salto para o futuro. O evento firmava a supremacia dos intelectuais e
artistas de esquerda que usavam a arte para refletir sobre a modernidade. Foi
26
nesse contexto que a “Guernica” chegou ao Parque do Ibirapuera .
25
Notas sobre a Bienal – O Estado de São Paulo, 12/12/1953 – Acervo Wanda Svevo.
26
ALAMBERT, Francisco. 2008, p. 63.
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Outra sala temática trazia exemplares significativos do Futurismo italiano nas 40 obras de
seus futuristas Umberto Boccioni, Carlo Carrá, Giacomo Bala, Luigi Russolo, Gino Severini, além
das 23 gravuras de Giorgio Morandi. A Alemanha expôs em uma sala temática dezenas de obras
de Paul Klee, considerado o mestre do abstracionismo. Da Grã-Bretanha, obras de Henry Moore.
Da Holanda foram trazidas obras Piet Mondrian. A Suíça trouxe obras de Ferdinand Holder; dos
Estados Unidos obras de Alexander Calder. A delegação mexicana tinha uma sala dedicada à
obra de Rufino Tamayo.
Além destes, outros estrangeiros expuseram obras na II Bienal brasileira: o norueguês
Edvard Munch; o belga James Ensor e do austríaco Oskar Kokoschka. A delegação argentina
incluía em sua representação artistas do Grupo Madí. Outros países como Indonésia, Japão,
Espanha, Israel, Iugoslávia, Egito, Finlândia, Portugal, Luxemburgo, Canadá, Bolívia, Cuba,
Dinamarca, Nicarágua, Paraguai, Peru, República Dominicana e Chile também trouxeram obras
de seus artistas.
O Pavilhão dos Estados abrigou exposição de obras nacionais. Neste pavilhão, haveria
somente duas salas temáticas, uma dedicada à retrospectiva de Eliseu Visconti e a outra
dedicada a uma exposição da Paisagem Brasileira. As obras nacionais foram escolhidas por meio
de concurso, o artista inscrevia suas obras para que fossem avaliadas por uma comissão
julgadora. Ao encerrar as inscrições havia 700 candidatos inscritos. Foram selecionadas
aproximadamente quatrocentas obras; mais de 2.500 obras foram eliminadas27. Tarsila do Amaral
e Di Cavalcante foram os artistas brasileiros de maior renome a exporem suas obras na II Bienal.
Assim, a delegação brasileira estava formada. O Jornal Diário de Notícias comenta sobre a
delegação brasileira:
A representação do Brasil ressente-se da ausência de Lasar Segall, Portinari,
Guignard, Pancetti, Clóvis Graciano, Santa Rosa, Iberê Camargo, Lívio Abramo,
Da Costa, Maria Leontina e outros artistas. Duas salas especiais fazem justiça a
27
ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Poliana. 2004, p. 55.
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Eliseu Visconti e apresentam algumas obras desconhecidas da Paisagem
28
Brasileira antes de 1900 .
O então diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo Wolfgong Pfeiffer e membro do
júri da II Bienal de Artes de São Paulo faz uma análise da produção artística brasileira daquele
momento:
Hoje, na época do modernismo, cuja tendência na Europa é universalista, em
oposição aberta à das escolas nacionais do passado, não se pensa mais em fazer
uma pintura brasileira. Algumas das novas tendências abstracionistas querem
mesmo ser tão avançadas como as correntes europeias saídas da Bauhaus e da
arte nacionalista de vanguarda.
Não há dúvida que a orientação atual contrastada com os pintores da primeira
fase do modernismo, que se preocupavam em fazer antes de tudo uma arte
brasileira. Queriam, de preferência, atingir o universo através do nacional,
29
segundo preconizava Mário de Andrade, teórico por excelência do modernismo .
Assim, segundo Wolfgong Pfeiffer, a preocupação de artistas brasileiras em seguir as
correntes artísticas europeias, sem buscar elementos nacionais que marcassem a obra, justifica o
fato de que Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti, reminiscentes da Semana de 22, tenham exposto
obras na delegação brasileira.
A Arquitetura também teve espaço de destaque na Bienal. Foram expostos dezenas de
projetos de arquitetura do mundo todo e uma mostra em homenagem ao arquiteto alemão Walter
Gropius, um dos pilares do pensamento moderno e criador da memorável Bauhaus. Salvador
Candia, Diretor-Secretário do Museu de Arte Moderna de São Paulo, destaca a importância a II
Exposição Internacional de Arquitetura:
A Segunda Bienal não poderia esquecer esse movimento – e monta a Exposição
Internacional de Arquitetura que apresenta as ideias novas, com trabalhos
procedentes de países de cinco continentes – e sente-se satisfeita em exibi-la
junto à pintura e escultura, como manifestações do mesmo espírito de cultura no
mundo moderno.
28
Op. cit, Diário de Notícias, 11/12/1953 – Acervo Wanda Sveva.
29
PFEIFFER, Wolfgong. 1954, p.8.
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É significativo que, dentro da exposição, a atração maior seja a obra de uma das
mais nobres figuras da arte contemporânea: Walter Gropius. Sua obra, à exemplo
do artista, de professor, de homem, sintetizam a renovação plástica, a integração
artística e o espírito de liberdade incondicional que anima o homem hoje. Sua vida
é testemunho de fé nesse homem. São Paulo orgulha-se em receber Walter
30
Gropius .
Além da obra de Walter Gropius, ganhador do Prêmio Internacional de Arquitetura da II
Bienal de São Paulo, expuseram seus trabalhos escolas de várias partes do mundo. Dentre elas,
Escolas de países como: Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Itália,
Japão, Portugal e Suíça, além da brasileira.
Em seu edital, a Revista Brasil Arquitetura Contemporânea de 1954 faz uma análise da
participação de arquitetos brasileiros, verificando que em face da projeção da arquitetura moderna
brasileira tinha no mundo, a delegação brasileira recebeu poucos prêmios31. O edital faz ainda um
apelo aos arquitetos:
Assim, poderíamos relacionar algumas obras que não tendo figurado nem I e nem
na II Bienal seriam, entretanto, dignas também de premiação. Por isso, a par do
esforço perseverante, contínuo, que fazem os nossos arquitetos para produzir o
melhor trabalho possível, cabe também – e é o que desejamos frisar – um
interesse maior pela apresentação desses trabalhos em mostras como a Bienal
32
.
Na ocasião da inauguração da II Bienal de Artes de São Paulo e II Exposição Internacional
de Arquitetura de São Paulo, estiveram presentes personalidades políticas. Representando a
Presidência da República, Antonio Balbino, Ministro da Educação, Governador do Estado de São
Paulo, Lucas Nogueira Garcez, o Ministro das Relações Exteriores, Vicente Rao, além do
Presidente da Comissão de Festejos do IV Centenário da Cidade de São Paulo, Francisco
Matarazzo Sobrinho e outros ministros, deputados, políticos, representantes de instituições
30
31
CANDIA, SALVADOR. Arquitetura. Catálogo de Exposição da II Bienal de São Paulo 1953 – 1954.
De doze categorias, os prêmios recebidos pela delegação brasileira na Exposição de Arquitetura de São Paulo foram:
categoria Hospitais – Instituto de Puericultura da Universidade Brasil; a menção honrosa na categoria de Habitações
Coletivas, dada ao Edifício Antonio Ceppas, prêmio jovem arquiteto brasileiro para a residência Lotta Macedo Soares.
Fonte Revista Brasil, Arquitetura Contemporânea, 1954, n. 4
32
Revista Arquitetura Contemporânea, 1954, n.4 s/p.
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públicas e privadas além de intelectuais, jornalistas e membros das sociedades paulistana e
carioca33.
O julgamento das obras ficou a cargo de julgadores estrangeiros; o britânico Herbert Read,
o norte-americano Johnson Sweeney, o francês Bernard Dorival, o italiano Rodolfo Palluccini, o
arquiteto suíço Max Bill, o belga Emile Langui, o argentino Jorge Romero Brest, o alemão
Eberhardt Hanfstaengel e Sandberg, da Holanda e Juan Ramón Masoliver. Já os julgadores
brasileiros eram Mário Pedrosa, Wolfgang Pfeiffer e Sérgio Milliet34.
O sucesso da exposição foi tão grande, que em 06 de fevereiro de 1954 os jornais
anunciavam a prorrogação do término da exposição para o final de fevereiro. Francisco Alambert
e Poliana Canhête falam sobre os resultados da II Bienal, ou a Bienal do IV Centenário:
... pela figura de Sérgio Milliet podemos entender que a II Bienal foi a consagração
de certa atitude surgida no Modernismo e que materializava na figura de seu
organizador. (...) De fato, o Museu emprestou quadros intelectuais fantásticos à
Bienal, o que em parte explica seu sucesso, talvez tanto ou mais do que as
manias e obsessões de Ciccillo ou de sua esposa. (...) Como que consagrando
essa geração de modernistas históricos, que com a Bienal e os museus de arte
moderna pareciam dar um passo adiante em seu projeto de esclarecimento e
transformação da arte e da cultura moderna no Brasil, Milliet entende que nessa
35
Bienal “predominava o espírito de liberdade .
Sérgio Milliet continuou como diretor artístico na III Bienal, ocorrida em 1955. A dificuldade
em produzir o mesmo impacto da anterior logo se fez notar, com vários entraves de ordem
econômica, estrutural e redução no espaço para a exposição de obras, a III Bienal de Arte não
produziu o mesmo efeito da anterior mas continuou com o propósito de colocar artistas brasileiros
em contato os principais movimentos artísticos mundiais e suas principais obras. A II Bienal,
33
Assim Foi a Inauguração da II Bienal de Arte Moderna . Folha da Noite, 14/12/1953 – Acervo Wanda Svevo.
34
A atribuição dos prêmios da II Bienal. O Estado de São Paulo, 11/12/1953 – Acervo Wanda Svevo.
A relação dos
artistas e arquitetos premiados no concurso está disponível no livro Bienal de São Paulo 50 anos. Fundação Bienal de
São Paulo, São Paulo, 2001, p. 84 – 85.
35
ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Poliana. 2004, p. 58 – 59.
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também conhecida como a Bienal do IV Centenário ou a Bienal da Guernica ainda é considerada
por muitos com a mais importante da série realizada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Incluir a II Bienal de Artes Modernas no calendário de festejos do IV Centenário da Cidade
de São Paulo atendia a alguns dos principais objetivos da Comissão de Festejos do IV Centenário
da cidade de São Paulo formado em 1948, utilizando a ocasião do aniversário da cidade para
projetar São Paulo como a força propulsora do desenvolvimento do país.
A inauguração da Bienal foi um grande acontecimento. De início, causou expectativas
porque ocorreria em dois dos pavilhões projetados por Niemeyer para compor o complexo de
edifícios projetados para sediar alguns dos principais eventos programados para os festejos do IV
Centenário. O Parque do Ibirapuera era o principal símbolo das comemorações que ocorreriam
pelos 400 anos da cidade.
Dentro deste contexto, II Bienal de Arte foi um evento de alcance mundial, que trouxe ao
Brasil a Guernica, uma das principais obras de Pablo Picasso com um dos principais destaques. A
exposição trouxe ainda inovações na organização da exposição das obras que seriam depois
adotadas em exposições de arte importantes pelo mundo. Se a intenção da Comissão de Festejos
do IV Centenário da Cidade de São Paulo era o de projetar São Paulo para o mundo, a II Bienal
de Arte, como primeiro evento de grande porte programado, foi um bom começo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALAMBERT, Francisco. “Guernica”, um milagre. Revista Historia da Biblioteca Nacional, mar.
2008, n. 30, p. 62 - 67.
ALAMBERT, Francisco; CANHÊTE, Poliana. Bienais de São Paulo. Ed. Boitempo, São Paulo,
2004, p.34 – 93.
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ARTIGAS, Rosa. São Paulo de Ciccillo Matarazzo. In _____ Bienal de São Paulo 50 anos.
Fundação Bienal de São Paulo, São Paulo, 2001, p. 40 – 68.
CAMARGO, Monica Junqueira. IV Centenário da cidade de São Paulo: um espetáculo do
progresso. Revista Desígnio n. 4, set 2005, p. 51 – 61.
CANDIA, SALVADOR. Arquitetura. Catálogo de Exposição da II Bienal de São Paulo 1953 –
1954. Disponível em: http://www.bienal.org.br/publicacao.php?i=1106301502574d636fa24c514e168e26c9242f8c6eae&n=name24c514&t=II Bienal do Museu de Arte Moderna de
São Paulo 1953. Acesso em 03 out. 2013.
FERNANDES, Fernanda. Bienal Ano a Ano. In _____ Bienal de São Paulo 50 anos. Fundação
Bienal de São Paulo, São Paulo, 2001, p. 80 - 101.
HORTA, Vera D’. MAM: Museu de Arte Moderna de São Paulo. Ed. DBA, São Paulo, 1994, p. 15
– 33.
LOFEGO, Silvio Luis. IV Centenário da Cidade de São Paulo. Uma Cidade entre o passado e o
futuro. Ed. Annablume, São Paulo, 2004.
MILLIET, Sérgio. Introdução. Catálogo de Exposição da II Bienal de São Paulo 1953 – 1954.
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São Paulo 1953. Acesso em 03 out. 2013.
PFEIFFER, Wolfgong. Monitores na Bienal e a educação artística do público. Revista
Arquitetura Contemporânea, 1954, n. 2-3 p.8 - 19.
TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. Ibirapuera. Coleção História dos Bairros de São
Paulo. Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo, 1977.
FONTES DOCUMENTAIS
Revista Brasil Arquitetura Contemporânea. São Paulo, n.2-3, jan 1954 p.2 - 9. – Acervo Sala
de Arte Sérgio Milliet.
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Revista Brasil Arquitetura Contemporânea. São Paulo, n.4, 1954 s/p. – Acervo Sala de Arte
Sérgio Milliet.
Assim foi a Inauguração da II Bienal de Arte Moderna . Folha da Noite, 14/12/1953 – Acervo
Wanda Svevo.
A atribuição dos prêmios da II Bienal. O Estado de São Paulo, 11/12/1953 – Acervo Wanda
Svevo.
Instalada a II Bienal de São Paulo – Diário de Notícias, 11/12/1953 – Fonte: Acervo Histórico
Wanda Svevo.
A Bienal de Veneza na Bienal de São Paulo – Correio da Manhã, 12/12/1953 – Acervo Wanda
Svevo
Notas sobre a Bienal – O Estado de São Paulo, 12/12/1953 – Acervo Wanda Svevo
Documento enviado por Mário Neme à presidência da CVICCSP – 18/09/1952 – Fonte:
Arquivo do Município de São Paulo.
Previsão de custo enviado por Dario de Castro Bueno à CVICCSP – 14/03/1952 – Fonte:
Arquivo do Município de São Paulo.
Relatório enviado por Augusto Lindenberg a presidência da CVICCSP – 04/09/1952 – Fonte:
Arquivo do Município de São Paulo.
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ANÁLISES DE FOTOGRAFIAS: A “CASA DE VIDRO”
RESUMO
A fotografia é hoje um dos principais veículos que possibilitam gerar informações. Existindo a pouco mais de
cem anos, tornou-se importante meio para a documentação, a divulgação e a análise não apenas da
arquitetura mas de abrangência ampla em inúmeras instâncias da realidade: tornou-se extremamente
popular pela facilidade de sua produção e manejo. Além de ser um produto singular, atua no processo
produtivo de outros meios de comunicação permitindo a reprodução de imagens em larga escala. O
conjunto de dados contido em uma imagem fotográfica atinge o observador de maneira que não há como se
esquivar de seu conteúdo; essa variedade de dados nela contida permite a olhares treinados a leitura
pormenorizada de seu teor e de sua intencionalidade. Dessa maneira, em um estudo de caso como o
nosso, permite que a fotografia sobre uma arquitetura possa ser observada por condicionantes do criador
do objeto fotografado – o arquiteto – do interpretante que seleciona um de seus aspectos – o fotógrafo – e
de um terceiro ator que também a interpreta – o observador. Este trabalho se atém a um estudo de caso
que objetiva abstrair algumas informações que possam ser geradas pela análise de algumas fotografias da
obra arquitetônica, bem como as intencionalidades contidas nas imagens. Robert Yin (Yin in FOQUÉ, 2010
p. 147) define o estudo de caso como uma estratégia compreensiva de características holísticas.
Complementa dizendo que ele nunca explica um fenômeno ou emite julgamentos, mas equipam o
pesquisador de “insights” sobre relações complexas relativas ao assunto tratado e interconexões relativas
aos seus elementos. Elegemos a “Casa de Vidro” de Lina Bo Bardi como objeto desta análise por se tratar
de uma obra emblemática da arquitetura moderna brasileira e que foi muito fotografada por diversos
fotógrafos, profissionais ou especializados.
Palavras-chave: Arquitetura, Fotografia de Arquitetura
ABSTRACT
Photography is today one of the main vehicles for generating information. There are just over a hundred
years, it has become important for the documentation, dissemination and analysis not only of architecture
but wide spanning in numerous instances of reality: has become extremely popular for ease of production
and management. In addition to being a natural product, acts in the production process of other means of
communication allowing the playback of images on a large scale. The data set contained in a photographic
image reaches the observer so that there is no way to dodge its contents; This variety of data contained
therein allows trained reading detailed looks of its content and its intentionality. In this way, in a case study
192
like ours, allows the photo on an architecture can be observed by constraints of the creator of the object
photographed – the architect – the selfsame thought may be that selects one of its aspects – the
photographer – and a third actor who also plays – the observer. This work focuses on a case study that aims
to abstract some information that may be generated by the analysis of some photographs of architectural
work, as well as the intentions contained in the images. Robert Yin (Yin in FOQUÉ, 2010 p. 147) sets the
case study as a comprehensive strategy of holistic characteristics. Complements saying he never explains a
phenomenon or issues judgments, but equip the researcher of "insights" on complex relationships
concerning the subject treated and interconnections relating to its elements. We elect the "Glass House" of
Lina Bo Bardi as object of this analysis because it is a work emblematic of the modern Brazilian architecture
and that was really photographed by several photographers, professional or specialized.
Key words: Architecture, Architectural Photography
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ANÁLISES DE FOTOGRAFIAS: A “CASA DE VIDRO”
Paulo Canguçu Fraga Burgo1
Carlos Egídio Alonso2
INTRODUÇÃO
“Uma pessoa que não entende de arquitetura não é capaz de fazer uma
boa foto.” (Marcel Gautherot3 - 1910-1996) (ESPADA, 2012, p.8)
A FOTOGRAFIA DA ARQUITETURA
“Fotografia é Arquitetura”
(Gautherot in ANGOTTI-SALGUEIRO, 2007, p. 253)
Está certo quem pensa o fato de que a fotografia e a arquitetura sempre andaram juntas.
Nos primórdios da fotografia, para a captura da imagem era conveniente que o artefato ficasse
imóvel por muito tempo. A causa dessa exigência se dava pela baixa sensibilidade dos primeiros
materiais fotossensíveis, o que obrigava a uma longa inércia (de vários minutos e até de horas) do
artefato disposto diante da objetiva, para que a imagem desejada impregnasse o substrato e
resultasse nítida, sem borrões.
Com esse caráter, para os primeiros fotógrafos as formas da arquitetura e da cidade se
tornaram modelos ideais, oferecendo, além da sonhada nitidez, características estéticas (como
forma, composição, luz, sombra, etc.) e de qualidades materiais (textura, cor, opacidades,
transparências, etc.) as quais possibilitavam a construção de uma imagem harmoniosa com
semelhança da coisa fotografada.
1
Aluno do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie em nível
de Doutorado.
2
.Professor orientador do trabalho de Doutorado pela Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
3
Marcel Gautherot antes de se dedicar à fotografia estudou quarto anos do curso de arquitetura da Escola Nacional
Superior de Artes Decorativas em Paris.
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Com a invenção do daguerreótipo e da calotipia e o consequente advento da fotografia
itinerante, as paisagens e a arquitetura de lugares distantes deixaram de ser imagens fugidias
guardadas na memória, de sonhos, ou representações pictóricas, para se concretizarem em
imagens muito mais evidentes e verossimilhantes da própria realidade. É a partir desta qualidade
de representação e de manuseio das imagens que a fotografia se transforma numa ferramenta
para o ensino da própria arquitetura enquanto elemento de demonstração de estilos arquitetônicos
e de qualidades formais até então só apresentadas ao observador que se deslocasse até o
espaço onde se localizava a obra.
Surgiram vários métodos que permitiram a compreensão da imagem fotográfica da
arquitetura, o entendimento sobre o relacionamento conceitual entre essas duas formas de
expressão. Deve-se levar em conta que esta imagem, por se tornar um amplo modelo de
transmissão visual do conhecimento, tem sua leitura também realizada por ferramentas de leitura
não tão específicas como a Gestalt e a própria semiótica Peirciana.
Segunda a análise proporcionada pela semiótica, a imagem fotográfica é um signo indicial
(uma marca indicadora) na medida em que proporciona a descoberta de “pistas e eventos” da
coisa visual registrada, mas não necessariamente elementos que sejam diretamente
experimentáveis pelo observador. São os “indicadores” existentes na imagem os quais,
identificados pelo observador, geram informações sobre a natureza do objeto (história, geografia,
geologia, antropologia, técnica), a impregnam de significações e a preenchem de conteúdo
(KOSSOY, 2009, p. 41).
Por sua vez, a Gestalt propõe um modelo de interpretação da arte e da forma traçando
uma série de quesitos visuais que as organizam e as relativizam para uma melhor compreensão
do artefato. Este modo de compreensão muito se adequou à compreensão do design e da
configuração arquitetônica por permitir uma desconstrução formal do objeto caracterizando em si
o ordenamento do conhecimento de seu projeto. Diz Gomes Filho que “não se pode ter
conhecimento do todo por meio de suas partes, pois o todo é invariavelmente maior que a soma
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de suas partes” (GOMES FILHO, 1998): podemos entender aqui que duas de suas partes, quando
conectadas, não resultam na “soma” de suas qualidades singulares porque geram um terceiro
elemento, uma estrutura, esta sim pertencente ao “todo”.
Além dessas duas ferramentas que podem ser utilizadas para a compreensão da imagem,
com seus conceitos e métodos, surgem outros modos de julgamento que permitem um
entendimento mais ágil quando aplicados à fotografia de arquitetura. Eric de Maré, arquiteto e
editor de fotografia, em seu livro Architectural Photography (1960) propõe classificar a imagem de
arquitetura em três categorias de estabelecidas:
1. o registro (ou levantamento), que fornece informação documentária e acurada – “progress
shots” – realizado durante a construção de um edifício; um canteiro de obras também entra
nesta categoria
2. a fotografia feita como fruto de criação de um trabalho de arte autônomo, independente
das tomadas documentárias;
3. a ilustração (uma foto ilustrativa ou um registro satisfatório que resulta de uma boa seleção
de pontos de vistas) impressa ou difundida (De Maré in ANGOTTI-SALGUEIRO, 2007,
p.253).
Ainda outra possibilidade de análise da imagem fotográfica de arquitetura é atualmente
proposta por Brooker e Northey (2008). Afirmam que “A fotografia arquitetônica, pela sua
natureza, dá prioridade às nossas reações sensuais, envolvendo na visão os nossos outros
sentidos”, e que a busca desse olhar leva a uma argumentação e mesmo à qualidade fetichista do
brilho da página pela qual somos apresentados ao significado. Classificam então as imagens de
fotografia em três categorias:
1. Realismo ingênuo – é a observação do edifício sem qualquer influência do objeto
arquitetônico, captando as possibilidades do edifício em si mesmo; é a imagem reduzida
enquanto relato social do ambiente e de suas condições no instante da imagem;
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2. Trofismo 4 - é a introdução junto ao objeto arquitetônico de uma pessoa ou autor que
demonstre o poder do autor (ou ator) por tê-lo feito ou estar lá – acaba por tornar a
imagem mais popular junto às imagens de turismo onde a pessoa posa junto ao objeto
para determinar sua sensação possessiva do estar naquele lugar; e
3. Fetichismo – é a fotografia que transmite a emoção (desejo, prazer, temor, etc.) ao
observador e, a partir dela, constrói o significado e a emoção do espaço – as imagens dos
professores e do ensino da arquitetura se enquadram nesta qualificação pois permitem ao
autor referendar e referenciar o conhecimento.
Esses modos de análises, propostos por De Maré e de Brooker e Northey, servem para
qualificar as imagens de uma forma generalizada e implicam em uma análise direta da intenção
de concepção da fotografia e servem de base para a construção de repertórios que possibilitem
outras análises.
A nosso ver, as análises realizadas quando utilizam as ferramentas da semiótica Peirciana
abrem caminho para a interpretação pessoal da imagem e permitem a discussão dos conceitos e
concepções emitidos quando o leitor os cruza com as informações geradas pelo seu próprio
repertório.
ESTUDO DE CASO - ”CASA DE VIDRO”
A descrição inicial que Lina Bo Bardi faz de sua casa, a pontua como a solução para um
problema de projeto onde se cria um ambiente fisicamente abrigado das intempéries
”participando, ao mesmo tempo, daquilo que há de poético e ético, mesmo numa tempestade”(...)
“procurando, portanto, situar a casa na natureza, participando dos perigos sem se preocupar com
as proteções usuais; a casa, de fato, não tem parapeitos“ (Bardi, 2009, p. 80).
4
Trata-se de licença poética do autor utilizando-se termos da Fisiologia e da Nutrição de relação
de poder de pessoa para com o objeto.
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Sua elevação frontal, orientada para sul-sudeste, permite que as luzes do sol da manhã
adentrem pelo grande painel de vidro e tragam luz e calor à grande sala que se projeta sobre a
paisagem. Lina afirmava que esta orientação solar permitiu a eliminação de venezianas ou de
quebra-sóis sendo “esses últimos não são aconselháveis no período de chuvas, pois somente o
sol evita o mofo” (Bardi, 2009, p. 81).
As Imagens 1 e 2 apresentam respectivamente as plantas do pavimento térreo e do
pavimento superior da “Casa de Vidro”: nelas podemos verificar sua orientação solar e a divisão
dos seus ambientes.
Figuras 1 e 2 – Plantas dos Pavimentos Térreo e Superior da “Casa de Vidro”. Fonte: Casasbrasileiras
(2012).
A intencionalidade de vitória da implantação sobre o aclive do terreno pode ser verificada no
corte longitudinal da casa onde se mostram claramente os níveis dos pavimentos térreo e superior
encaixados no corte efetuado no perfil do terreno (Figura 3).
Figura 3 – Corte Longitudinal da “Casa de Vidro”. Fonte: Casasbrasileiras (2012).
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À maneira de um ”retratista” que em sua imagem busca registrar as curvas singulares da
face de uma pessoa, o brilho dos seus olhos, a textura única de cada íris, similarmente ao se falar
de uma arquitetura em especial, a forma externa do edifício é sua característica mais popular – é
a face mais popular e exclusiva da própria obra. Falar da Casa de Vidro é lembrar
automaticamente da imagem de sua vista principal que se ascende perante a elevação do terreno.
Suas elevações frontal e lateral trazem à tona uma singularidade do plano transparente da
vedação, sustentado por finos pilotis metálicos que brotam do chão e contaminam a esquadria
que sustenta cada maciço das placas do vidro. Ainda que facilmente identificável, essa
configuração revela duas imagens as quais, apesar muito parecidas, não obliteram as
características de cada uma delas (Figuras 4 e 5).
Figuras 4 e 5 – Vistas frontais da casa de vidro respectivamente fotografadas por Fernando Albuquerque
(1951) e Chico Albuquerque(1952) Fontes (respectivamente): INSTITUTO LINA BO E PIETRO
MARIA BARDI (2012) E ALMEIDA (2008).
Na observação das imagens feitas em tempos diferentes pelos irmãos e sócios no estúdio de
fotografia, Fernando e Francisco Albuquerque algumas condições nos vêm à mente:
1. ambas as imagens apresentam uma clareza quanto ao entendimento da forma do objeto e
de seu entorno, porém a Figura 4 revela uma maior nitidez quanto a esses detalhes;
2. a integração do ambiente natural à casa contempla a intencionalidade do projeto e,
portanto, o ambiente construído com suas placas de vidro voltadas para a paisagem, e as
qualidades de suas formas físicas (e seus vazios – elevação por pilotis e vão do jardim de
inverno) demarcam a simbiose entre espaço construído e natural;
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3. poucas e sutis são os caracteres que as diferenciam: a gama de cor do segundo bloco da
casa (segundo bloco na elevação à direita) na Imagem 4 se apresenta em tom mais cinza
que na Figura 5 como se a alvenaria estivesse revestida apenas em reboco ; a presença
de cortinas que protege o interior da ação da luz direta do sol (na Imagem 5); o
posicionamento do mobiliário que é visto através das vidraças; e a inclinação das sombras
que indica um período diferente nas horas em que foram obtidas as imagens (mais cedo
na Figura 5 e mais tarde na Figura 4);
4. também poucos e sutis são os diferentes caracteres presentes nas duas imagens que
realçam o curto intervalo de tempo entre ambas: a forma da vegetação (na paisagem como
um todo e na minúcia de algumas ramagens), e as estruturas e acabamentos da edificação
recém construída (ainda sem possíveis marcas naturalmente causadas pelas ações
provocadas pelas chuvas, pelo sol, ou pelo envelhecimento do material); e
5. na Figura 5 nota-se que a distância entre o fotografo e o objeto é mais próxima que na
imagem 4, o que propicia diferentes ângulos de perspectivas; apesar de diferentes as
imagens aparentam ter sido obtidas a partir do mesmo eixo, sendo que o ângulo de visada
da câmera fotográfica aparenta ter sido postada mais abaixo (Figura 5) fato que realça e
reforça o efeito da perspectiva sobre a Imagem.
A união destes indicadores demonstra não se tratar de uma mera alteração feita em
laboratório mas de duas imagens singulares obtidas em um curto intervalo de tempo entre cada
uma delas: aqui se verifica que a fotografia é um processo de seleção, uma leitura singular
realizada pelo fotógrafo, porque evidencia ou minimiza aspectos do objeto fotografado. A
fotografia, enquanto signo, revela apenas uma face da coisa fotografada e não sua totalidade:
dessa maneira, analisar a fotografia de uma arquitetura significa a realização de uma leitura da
leitura já realizada por um fotógrafo. Como nos aponta Manfredo Massironi trata-se de uma “(...)
relação complexa e singular que liga quem percebe ao mundo percebido; e cujo sentido profundo
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está num fenomenismo que não tende à transcendência e ao absoluto” (MASSIRONI, 1982, p.
75).
Para a sequência deste estudo e aplicação dos conceitos da Gestalt foi escolhida a Imagem 4,
realizada por Fernando Albuquerque, por possuir maior nitidez e consequente clareza dos itens
que a compõem.
Para uma primeira análise foi realizado um desenho das principais características formais da
imagem, ou seja, uma depuração de elementos arquiteturais que nos configuram como os
principais. No desenho da Figura 6 foram separados por cor os elementos naturais (em verde) e
os elementos construídos (em preto).
Figura 6 – Seleção de elementos arquiteturais, através de desenho digital, a partir da imagem da “Casa de
Vidro”
A partir do desenho inicial pode-se criar uma série de outras ilustrações com configurações
que decompõe a imagem inicial para análises mais detalhadas. Como primeira intenção foi feita a
retirada dos elementos componentes da vegetação isolando-se os elementos da arquitetura e em
sequência uma simplificação das linhas gerais da residência (Figura 7). A continuidade do
processo de simplificação sintetiza finalmente as linhas principais da composição arquitetônica
determinadas pelos planos e volumes principais da edificação (Figura 8).
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Figura 7 e 8 – Simplificação das linhas do desenho e determinação das principais linhas da composição
arquitetônica da “Casa de vidro”
A determinação das linhas primordiais da composição arquitetônica encontra os motes
utilizados pela arquiteta para a concepção do projeto: a utilização de formas para propor a
recomposição de um novo equilíbrio natural na medida em que imperava, como características do
terreno, o aclive da paisagem. Essa recomposição se dá pelo lançamento de um grande platô que
se eleva desde o fundo do terreno. À maneira do que coloca Arnheim, trata-se de uma relação
parecida ao traçado das linhas primordiais de uma composição quando são determinadas as
linhas de força da uma imagem as quais comandam os demais conjuntos de linhas e que, em
nosso caso, podem apontar para os “pontos de fuga” da perspectiva da edificação (ARNHEIM
1998 p.417).
Figuras 9 e 10 – Determinação das linhas de força da composição e simplificação volumétrica de forças
visuais na imagem da “Casa de vidro”
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A Figura 9 apresenta as linhas de força da composição da “Casa de Vidro”: a linha preta
indica o eixo principal, uma continuidade de alinhamento do mais frontal dos pilotis com o canto
vivo da esquadria das vidraças; e o conjunto de linhas verdes e azuis indica as que tendem para
os pontos de fuga. É oportuno aqui lembrar que a “matemática” da perspectiva, aquele
conhecimento de regras gráficas que permitem o rebatimento cônico da terceira dimensão em um
plano, data de apenas uns seiscentos anos: a máquina fotográfica, com funcionamento de caráter
físico, realiza essa operação de maneira automática. Assim, a Perspectiva Cônica, enquanto dado
pertencente ao repertório contemporâneo, também participa agora enquanto elemento de
composição.
Aproveitando as características da dinâmica da obra arquitetônica a Figura 10 demonstra a
união das linhas de forças em um único plano. Esta união, determinada pelo eixo principal,
caracteriza a forma de uma seta: esta indicia o sentido de direção da imagem e as tendências das
forças de peso no sentido de equilíbrio (que visualmente “puxaria” o platô da residência no sentido
do solo). Tais aspectos também podem ser verificados na Figura 11.
Figura 11 – Determinação das linhas de força e simplificação volumétrica na imagem da “Casa de Vidro”
No ensejo da discussão sobre a determinação das forças compositivas, nota-se uma
tendência de prolongamento lateral da imagem onde as direções dos “pontos de fuga” permitem
obter dados e relações sobre a implantação do objeto arquitetônico em sua paisagem. Essa
tendência de continuidade lateral reforça o sentido de minimizar as forças verticais da imagem
indiciam o equilíbrio em seu sentido horizontal. Os dois pontos de fuga, o da esquerda mais
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distante do objeto que o da direita, caracterizam para o fotógrafo uma determinada visão
qualitativa dos princípios compositivos da arquitetura fotografada na medida em que, na fotografia
enquanto imagem grafada em um plano, a “deformação” da perspectiva da direita é menos
acentuada que a da esquerda. Também é oportuno ressaltar aqui que o ponto espacial a partir do
qual o objeto será fotografado é uma escolha do fotógrafo: trata-se, pois, de uma leitura singular
do objeto pois a tridimensionalidade será registrada através de um meio bidimensional que, por
sua vez, possui qualidades compositivas próprias: o signo plano (fotografia) trabalha com um
Campo Visual delimitado por suas bordas, enquanto que o volume (arquitetura) trabalha com um
Mundo Visual onde esses limites não existem.
Na Figura 12, é no sentido horizontal onde os elementos de simetrias e assimetrias melhor
aparecem e se desenvolvem na composição. Os conjuntos de pilotis (linhas representadas em
azul ciano – primeira fileira – e verde claro – segunda fileira) e esquadrias (representadas por
polígonos de cor alaranjada) presentes nas elevações frontal e nas laterais se desenvolvem do
eixo principal para os cantos da casa em uma relação geométrica de decréscimo na direção dos
pontos de fuga, até atingir seus limites.
Figura 12 – As qualidades visuais geométricas da gradativa diminuição dos elementos de mesmo tamanho
real quando registrados através de uma fotografia.
No caso da elevação lateral direita do volume superior da casa, a repetição de elementos
simétricos se repete e é qualificada por um jogo de cheios e vazios (representado por polígonos
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de cor púrpura) que se instala na segunda bateria das esquadrias do volume frontal, no vão que
separa os blocos dianteiro e traseiro e, finalmente, no volume do bloco posterior (Figura 12).
Esta relação matemática de decréscimo dos tamanhos dos elementos aponta a um fator
técnico de grande relevância para a pesquisa de uma fotografia de arquitetura, a objetiva utilizada
no equipamento do fotógrafo possui uma distância focal que a classifica como “Normal” pois
apresenta uma relação ótica de verdadeira grandeza entre os elementos, como também não
apresenta distorções nos elementos lineares da imagem. Quanto ao campo focal em relação à
profundidade, se trata também de um elemento de “seleção” por parte do fotógrafo e constitui um
elemento fundamental presente na composição fotográfica (o que não é verificado na percepção
tridimensional): a fotografia pode configurar com nitidez apenas um elemento do objeto
tridimensional, deixando os demais “borrados”, ou registrar todos os elementos com nitidez.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto a sua natureza peculiar de possibilidades, a fotografia permite um conjunto de
análises diferenciadas daqueles meios que são tipicamente usados nas ações projetuais, mas, de
maneira complementar a eles, se torna importante ferramenta para as reflexões, as análises e os
questionamentos presentes nos momentos de concepção da arquitetura e no desenvolvimento de
seu projeto.
A conjunção de adequados métodos de pesquisa sobre a elaboração de projetos
arquitetônicos, unidos às ferramentas de interpretações semióticas dos espaços tridimensionais e
bidimensionais, possibilita a revelação de reais conjuntos de condicionantes perceptivos, assim
como a utilização de conceitos de análise oferecidos pela Gestalt implica em melhores
possibilidades de avaliação do conjunto formal da concepção do projeto arquitetônico.
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http://arquiteturabrasileirav.blogspot.com.br/2008/11/lina-bo-bardi.html. acesso em 15/04/2012.
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POTSDAMER PLATZ COMO TERRITÓRIO HÍBRIDO
RESUMO
Apresenta-se o processo de conformação de uma região denominada Potsdamer Platz, localizada numa
área esvaziada de Berlim decorrente de severos bombardeios durante a Primeira Guerra Mundial e, na qual
se construiria posteriormente, o muro de divisão entre as porções oriental e ocidental da Alemanha (19611989). No início da década de 1990 se processam uma série de concursos para apresentação de propostas
de reurbanização para o local, do qual participam importantes arquitetos contemporâneos que aliados aos
interesses comerciais e políticos da Alemanha reunificada, dariam origem à um microcosmo de
conformação subjetiva de um culturalismo midiático voltado para o turismo, constituindo um território híbrido,
que segundo definição de F. Guattari (1985) pode ser definido como
reterritorialização capitalística,
conjugando dentro desses espaços uma imensa possibilidade de comunicação com uma solidão muito
acentuada.
Palavras-chave: Complexo cultural, espaço midiático, território híbrido, reunificação alemã, arquitetura
contemporânea.
ABSTRACT
It presents the process of forming a region called Potsdamer Platz, located in an area devoid of Berlin due to
severe bombing during World War I and in which would be built later, the dividing wall between the eastern
and western portions of Germany (1961-1989). In the early 1990s are processed a series of contests for
proposals for redevelopment of the site, which involve important contemporary architects who allied with the
commercial and political interests of the reunified Germany, would give rise to a microcosm forming opinion
of culturalism media geared for tourism, being a hybrid territory, which according to the definition of F.
Guattari (1985) can be defined as reterritorialization capitalistic, combining within these spaces an immense
possibility of communication with a very sharp loneliness.
Key words: Cultural complex, media space, hybrid territory, German reunification, contemporary
architecture.
208
POTSDAMER PLATZ COMO TERRITÓRIO HÍBRIDO
Paulo Eduardo Borzani Gonçalves1
Carlos Leite de Souza2
INTRODUÇÃO
Observando-se o contexto mundial, no que diz respeito às políticas urbanas até as
décadas finais do século XX e mais precisamente durante os anos 1980, percebe-se que
elas envolviam propostas que derivavam de legislações quase idênticas para qualquer
cidade. Em função do insucesso deste modelo instaurou-se o princípio de intervenções
locais, pontuais, geralmente envolvendo parcerias público-privadas, como é comum no
modelo
neoliberal
3
(PORTAS,
1996).
Trata-se
de
uma
tentativa
de
reconstruir,
principalmente nas áreas centrais, o desenho urbano tradicional, os locais de convivência,
os espaços públicos, desagregados pela política urbana intervencionista. A intenção é a de
reestruturar o contexto urbano, recuperando os lugares do passado e da memória, capazes
de sustentar a percepção e a visualização da ambiência urbana. Foi recorrente, nesta
política de intervenções pontuais, a criação de centros culturais.
1
Diretor da Faculdade e Coordenador da Pós Graduação - Lato Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Guarulhos - UnG. Docente da Graduação e Pós-graduação da Universidade do Oeste Paulista - UNOESTE. Doutorando
do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM, Mestre
em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade São Judas Tadeu - USJT e graduado em Arquitetura e Urbanismo pelo
Centro Universitário Belas Artes - SP. Titular da SAIS Consultoria - Soluções em Arquitetura Acessível, Inclusão Social
e Sustentabilidade. Universidade Guarulhos e Universidade do Oeste Paulista. [email protected]
2
Arquiteto e Urbanista com Mestrado e Doutorado (FAUUSP) e pós-doutorado pela CalPoly; Professor Adjunto da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. [email protected]
3
As políticas neoliberais perseguidas ao final dos anos 1970 e no começo dos 1980 por parte dos governos nacionais
dos países centrais constituem precisamente uma tentativa (crescentemente desesperada) de 'remercadorização’ de
suas economias. DEÁK, Csaba (2001) "Globalização ou crise global?" Anais, ENA-Anpur.
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209
O projeto para Potsdamer Platz, ao lado da reurbanização da Alexanderplatz e da
revitalização da Frieddrichstrasse constitui a parte mais relevante de um profundo
processo de transformação urbana ocorrido na cidade de Berlim e previa não somente a
reconstrução das áreas centrais esvaziadas, mas também a reurbanização das periferias e
novos projetos de expansão do território. Uma operação que contou com mais de trezentos
projetos, comandados pelo primeiro time da arquitetura mundial, movimentando cerca de
duzentos milhões de dólares fornecidos pelas mais poderosas corporações globais, cujo
objetivo era a conversão da capital alemã numa metrópole do terciário avançado.
A praça na qual se implantou o projeto de Potsdamer Platz compreende uma ampla
área que vai da Filarmônica e da Staatsbibliothek de Scharoun até a linha por onde passava
o muro divisor das Alemanhas, conformando um amplo espaço vazio, o qual passaria, a
partir da implementação das propostas, a constituir ponto fundamental de interesse na
dinâmica urbana da cidade reunificada, por ser, justamente, um dos lugares que marcaria,
não apenas no plano físico, mas de maneira significativa o plano simbólico, a religação
entre leste e oeste, como descreveu Andreas Huyssen por ocasião da queda do muro de
Berlim:
Durante uns dois anos, o centro de Berlim, portal entre as partes leste e
oeste da cidade, era um terreno baldio de dezessete acres que ia do Portão
de Bradenburgo a Potsdamer e a Leipziger Platz, um largo rasgão de sujeira,
mato e restos de pavimentação, sob um enorme céu que parecia maior ainda
dada a ausência de um horizonte de edifícios altos, tão característicos desta
cidade.(HUYSSEN, 1999, p.16)
4
4
Sobre o tema ver KOOLHAAS, Rem. Berlin: the Massacre of Ideas - An open letter to the jury of Potsdamer Platz.
Carta publicada no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, em 16/10/1991 e reproduzida em: VVAA. Politics-Poetics
Documenta X - The Book. Kassel: Cantz, 1997. Catálogo da Exposição.
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210
O caso de Potsdamer Platz foi alvo de intensas discussões. Vejamos inicialmente as
diferenças entre o projeto vencedor dos arquitetos Heinz Hilmer e Christoph Sattler (Figura
01) e o projeto de Oswald Mathias Ungers e Stefan Vieths que ficou com a segunda
colocação (Figura 01) no concurso promovido para a escolha do Projeto de Revitalização
da área. O primeiro, escolhido pelo júri, apresenta características formais da Berlim do
início do século XX, restaurando o traçado original das ruas no entorno da antiga
Potsdamer Platz, propondo a manutenção do gabarito de altura dos edifícios e a
distribuição de comércio no nível da calçada, com escritórios nos pavimentos
imediatamente superiores e apartamentos residenciais nos mais altos. O segundo colocado
apresenta a visão de Berlim como cidade global. Propõe uma dúzia de arranha-céus de
vidro que riscam a paisagem verticalmente em meio aos blocos tradicionais berlinenses –
que tentam manter o traçado original do arruamento local, mas que propositalmente, vez ou
outra, são interrompidos pela implantação diagonal e cortante das grandes torres
envidraçadas.
Figura 01 – Maquete da proposta vencedora do concurso para a Potsdamer Platz – H. Hilmer e C. Sattler e
do segundo lugar - . O.M. Ungers e S. Vieths.
Fonte: Ein Stück Grobstadt als Experiment Planungen am Potsdamer Platz in Berlin, 1994, p.73-75.
O projeto vencedor de Hilmer e Sattler teoricamente ilustra o grupo culturalista,
resgatando elementos históricos e padrões morfológicos tradicionais de outrora, próprios
do lugar da intervenção. O projeto de Ungers e Vieths, por sua vez, pode-se encaixar no
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grupo que pretendia uma imagem de cidade aparentemente nova e certamente diferente da
paisagem tradicional de Berlim. Embora formalmente as propostas fossem distintas, na
prática, ambas apresentavam semelhança em um aspecto importante e revelador do fazer
urbanístico contemporâneo, eram propostas cujos resultados instalavam a discussão da
cidade como imagem. A primeira, tradicional e teoricamente culturalista, é a edificação da
imagem ilustrativa do passado em uma metrópole do século passado. A segunda, chamada
de
progressista,
revela
seu
caráter
simpático
à
espetacularização
das
cidades
contemporâneas, construindo uma paisagem desvinculada do sítio de sua implantação.
Formalmente, as propostas guardam grandes diferenças. Rem Koolhaas, arquiteto
de importante produção, classificou o projeto vencedor como “massacre da imaginação
arquitetônica”, pois remete a uma imagem de Berlim de 70 anos atrás. Para ele, os dois
grupos realmente representavam, de um lado, uma perspectiva culturalista, de outro, uma
visão progressista.
O primeiro concurso para a definição do plano diretor da área, vencido pela equipe
Hilmer & Sattler de Munique gerou uma série de polêmicas fomentadas principalmente pelo
arquiteto Rem Koolhaas, o qual foi vetado pelo Departamento de Construções a participar
do júri dos demais concursos. O ataque de Koolhaas ao resultado homologado neste
concurso foi contra a política de reestruturação privilegiada na cidade, através da influente
atuação de Hans Stimmann, que o arquiteto caracterizou de “ingênua e limitada”. Ao
desclassificar projetos de extremo potencial urbano, como os de Hans Kollhoff e Daniel
Libeskind, em favor de projetos mais “típicos e normais”, Stimmann demonstrou sua
incapacidade, segundo Koolhaas, de dotar a cidade de uma arquitetura condizente o
importante momento em questão.
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BERLIM COMO CENTRO URBANO EM TRANSFORMAÇÃO
Berlim converteu-se na capital no exato momento em que política, artística e
ideologicamente estava menos apta para assumir esta responsabilidade. (...) Reflete a ideia de
uma cidade suburbana, antiquada, reacionária, não-realista, banal, provinciana, e acima de tudo,
amadora: um terrível desperdício de um potente empreendimento único na Europa do século XX.
O que deveria ser o auge está se tornado um anti-clímax.(KOOLHAAS, 1991)
O processo de reestruturação urbana de Berlim foi conduzido através de dois mecanismos
de concursos distintos, que por sua vez abriram espaço para polêmicas específicas. Os concursos
promovidos pelos investidores privados para a instalação da sede de suas empresas e demais
empreendimentos de caráter particular (hotéis, cinemas, torres de escritórios), e que estavam em
alguns casos acompanhados por representantes da administração pública (como foi o caso de
Potsdamer Platz) caracterizaram-se pelo extremo empenho em obter o máximo de retorno pelas
áreas, compradas a preços excessivamente altos. Desta forma, ainda que tentando respeitar os
planos aprovados em concursos, projetos inteiros eram refeitos em vista de um retorno financeiro
imediato, não obstante o prestígio do escritório de arquitetura que estava envolvido.
“Em Potsdamer Platz, os singulares espaços remanescentes da Segunda Guerra e da
Guerra Fria só restaram intactos nas sugestivas imagens e narrações visuais de Wim Wenders” 5.
(TAVARES, 2006)
Potsdamer Platz configura um caso em que a mutação foi negada nos seus edifícios e
espaços urbanos. O diagnóstico de Rem Koolhaas foi preciso a este respeito. Os mecanismos de
projeto, tomados quase todos em favor da história, deram margem a uma arquitetura de
5
Asas do Desejo, premiado filme de Wim Wenders, 1987, em que se vê Berlim, especificamente Potsdamer Platz, o
epicentro cosmopolita berlinense nas primeiras décadas do século XX. Dividida em duas pelo muro que separava leste
e oeste da cidade, reduzida a um imenso vazio urbano deixado pelos bombardeios da Segunda Guerra Mundial, vista
nos tempos da Guerra Fria, in: “Angels and the Modern City; Wim Wenders: Wings of Desire”, disponível em:
http://www.wim-wenders.com. Acesso: 23/04/2013.
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submissão. Uma arquitetura de resistência deveria assumir o forte potencial urbano e a energia
centrífuga das mutações. A mutação, tomada como problema contemporâneo para a arquitetura,
é um processo, no qual, distintas formas devem ser pensadas desde a sua ideia particular e
atípica de mudança. A adoção de morfologias abertas e interativas, e o entendimento dos
movimentos e das diversas forças que atuam na metrópole contemporânea são fatores que
podem levar a uma arquitetura em acordo com estes processos singulares. (TAVARES, 2006)
As ideias de arquitetura e do urbano sempre estiveram relacionadas à imposições de
ordem e de limites, e a criação de suas formas esteve constantemente relacionada a uma
identidade particular, ou a códigos de entendimento universais. Resulta bastante difícil à
apreensão destes espaços sob mecanismos convencionais de projeto. Apenas sob a ideia de
continuidade é que o potencial destes espaços pode ser tratado pela arquitetura das cidades
atuais, como descreve Solà-Morales:
Como a arquitetura pode atuar no terrain vague sem se tornar um agressivo
instrumento de poder e da razão abstrata? Indiscutivelmente, através da atenção à
continuidade: não a continuidade da cidade planejada e eficiente, mas a
continuidade dos fluxos, das energias, dos ritmos estabelecidos pela passagem do
tempo e pela perda de limites. (...) Devemos tratar a cidade residual com uma
cumplicidade contraditória que não destrua os elementos que mantém sua
continuidade no tempo e no espaço. (SOLÀ-MORALES, 1995, p. 119-20)
Tanto o conjunto da Potsdamer Platz, como a intervenção em Friedrichstrasse podem ser
entendidos como modelos de cidade ordenada, regulada, cujos espaços projetados negaram o
valor evocativo dos terrain vague. (SOLÀ-MORALES, 1995)
O que se reconhece em ambos é a permanência da oposição entre a reconstrução da
história e a projeção do futuro deslocada para a superfície da imagem. Se a imagem se impõe
como campo de articulação do discurso urbano contemporâneo por excelência, talvez através
dela enxerguemos com maior nitidez outras formas de “imaginar” o urbano e a sua importância
para as cidades contemporâneas nas quais a arquitetura é chamada a colaborar no sentido da
construção de uma imagem. E, em Potsdamer Platz não poderia ter sido diferente, tendo que
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responder às demandas de representação do Estado alemão reunificado e aos empreendedores
dos projetos das corporações multinacionais. Os projetos arquitetônicos apresentavam duas
variantes, a primeira seguindo os padrões morfológicos da Berlim tradicional e a segunda
buscando construir a imagem da identidade high tech de Berlin. Ambas trabalhando com o
objetivo de atender ao urbanismo-turístico, cujos programas definem megacomplexos de
entretenimento e consumo, se utilizando do apelo ideológico do mix cultural, traduzindo o caráter
episódico ou efêmero das atividades previstas para esses espaços, tais como espetáculos,
exposições, consumo noite e dia, gastronomia, imagens virtuais e todo o tipo de entretenimento,
dos quais a arquitetura não participa, senão como coadjuvante, propondo para extensas
aglomerações urbanas, apenas projetos pontuais, com diversas tipologias distribuídas em
variados programas e complexas edificações-espetáculo ocupando extensas glebas, sem,
entretanto, estabelecer relação com os hábitos e mapas mentais dos habitantes dos locais de sua
implantação, os quais se veem obrigados a se adaptarem às transformações derivadas de
projetos de revitalização e reurbanização provenientes de estratégias de intervenção distintas, do
ponto de vista conceitual, onde a cidade passa a ser configurada por um conjunto fragmentado de
grandes polos de atração. Novas atividades se apropriam de espaços que se tornam exclusivos,
públicos ou um mixer dos dois, contudo invariavelmente desestruturados, nos quais os habitantes
tradicionais não se integram mais. Esta substituição das memórias atingiu, no decorrer do século
XX,
uma expressão caracterizada por
duas estratégias complementares:
a primeira,
fundamentada na destruição radical das culturas históricas através das guerras totais; a segunda
pautada na recorrente colonização ou globalização industrial, mercantil e eletrônica dessas
culturas.
Definidos como edge-cities, por Otília Arantes (2012), que analisa as imagens estratégicas
de Barcelona e Berlim em seu novo livro, nesses espaços pode-se por vezes, morar, trabalhar e
divertir-se sem a necessidade de proceder a deslocamento dos centros urbanos, estabelecendo
nessas áreas, “ilhas de felicidade e fraternidade” como definem seus idealizadores, inovando na
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proposta de oferecer a possibilidade de uso público, para seus open spaces, na tentativa de
populariza-los, estimulando a gentreficação.
Berlin passou a conter edifícios dos mais renomados arquitetos de todo o mundo contando
com os altos edifícios-sede de empresas multinacionais, como a Daimler Chrysler (Figura 02), a
Deutsche Bahn Turm (Figura 03), Brown Bovery, (Figura 03) e o Complexo Sony Center (Figura
02) que passaram a se destacar agressivamente na paisagem histórica. Na não menos histórica
rua dos franceses, uma Galeria Lafayette (Figura 02), projetada por Jean Nouvel, tem implantada
em sua área interna uma enorme redoma de vidro e aço, numa alusão ao original francês, no qual
se encontra grande claraboia central como cobertura.
Figura 02 – Vistas: corporações Daimler Chrysler, Complexo Sony Center e Galeria Lafayette - Berlim.
Fonte: http://www.manager-magazin.de/fotostrecke/fotostrecke-27350-4.html
Figura 03 – Vista dos edifícios: Sede da Deutsche Bahn e Brown Bovery Co.
Fonte: http://www.cambridge2000.com/gallery/html/PA2628840e.html
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Figura 04 – Vista do histórico Reichstag – Sede do Parlamento Alemão. Incendiado durante bombardeio e
revitalizado posteriormente
Fonte: http://www.hardmob.com.br/cotidiano-cultura-politica/482165-hardemobe-imagens-historicassurpreendentes-marcantes-11.html
O histórico Reichstag inaugurado em 1894 foi severamente danificado, em 1933, por um
incêndio (Figura 04), supostamente provocado por um comunista holandês chamado Marinus van
der Lubbe e abrigou, a partir de sua reconstrução o centro do comando nazista, até a Segunda
Guerra Mundial, quando passa a enfrentar um período de abandono e degradação, tornando-se
foco, durante a implementação do projeto de reurbanização de Potsdamer Platz, de uma proposta
de revitalização de autoria de Sir Norman Foster, que propôs levantar, na área central do prédio,
uma cúpula em aço e vidro para recobrir o novo parlamento alemão (Figura 04). As relações
sociais urbanas foram substituídas por uma seleção de imagens da arquitetura cenográfica onde
os indivíduos são meros contempladores unidimensionais que, por força da propaganda da
renovação urbana apenas aparentam ser uma comunidade. Com algumas raras exceções, a
verdadeira troca de sociabilidade que existia nas antigas praças, nos mercados e até mesmo nas
ruas passa a ser apenas uma ilusão de encontros, como interpreta Gui Débord, que atribui ao
projeto urbano cenográfico uma aparência fictícia onde se destroem os limites entre o falso e o
verdadeiro. (DÉBORD, 1995)
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A REPERCURÇÃO DA CONSTRUÇÃO DO COPLEXO POTZDAMER PLATZ
A imprensa alemã se manifestou durante todo o processo de construção do novo
complexo econômico, turístico e cultural, no Die Zeit, por exemplo a manchete dizia: "Operação de
coração aberto" referindo-se aos novos ou já operantes projetos arquitetônicos implantados e
segue: “Projeto arquitetônico mais grandioso de Berlim sobe na área da Potsdamer Platz. Entre
os edifícios de Scharoun (a Staatsbibliothek eo Philarmonie) e Mies van der Rohe (a Neue
National Galerie), em direção a Berlim Mitte um enorme conglomerado de prédios está sendo
colocado. A nova ilha de arquitetura”. (http://www.ejornais.com.br/jornal_die_zeit_al.html)
Ainda seguindo a ótica de Arantes (2012), a urbanidade miniaturizada descrita remete,
imediatamente, a algumas cidades artificiais americanas, cujos exemplos máximos são as
Disney’s, que pareciam ser fenômenos tipicamente americanos, quando de suas inaugurações
respectivas e acabaram por tornarem-se ideal de cidades no mundo globalizado pós-moderno,
segundo alguns estudiosos da área. Posição compartilhada pelo crítico alemão Werner Sewing,
que se utilizou do mesmo conceito para caracterizar o pequeno mundo da Potsdamer Platz,
definindo-a como local de instalação da nova urbanidade, ideia defendida em seu artigo “Heart,
Artificial Heart, or Theme Park?” o qual traz em suas considerações finais a seguinte afirmação:
“Let’s ask Disney”6 .
Também corroborando com essa linha de abordagem, vale mencionar a referência, em
tom de elogio, feita a Walt Disney, por James Rouse7 , definindo-o como o primeiro “planejador
urbano” a extrair e isolar o desejo de segurança entranhado no vernacular e projetá-lo numa
paisagem coerente de poder “corporativo”, proposição compartilhada por Zukin (1993) ao
6
ARANTES, 2012, p. 113. In: nota de rodapé ( Em Der Potsdamer Platz, Urban Architecture for a new Berlim – Urbane
Architektur das neue Berlin, Berlim, ed. Jovis, 2000, p. 47-58)
7
Em conferência proferida pelo famoso empreendedor imobiliário responsável por Faneuil Hill, Inner Harbor e South
Street Sea Port, no ano de 1963 na Harvard University, referido por Sharon Zukin in: Landscapes of Power: from Detroit
to Disney World, University of California Press, 1993, p. 230-32).
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comprovar o embasamento da formulação conceitual de diversos shoppings malls americanos,
localizados em centros urbanos, na ideia de manipulação da memória e do consumo coletivos.
Esses “lugares” que misturam no mesmo espaço, a possibilidade de desenvolverem-se atividades
de múltiplas correntes, caracterizam novos enclaves urbanos, primeiro eram apenas shopping
centers, depois seus programas foram se tornando mais complexos no sentido de oferecer
entretenimento proveniente da diversidade de equipamentos culturais concomitantes, coexistindo
nos mesmos lugares em turnos, por vezes, alternados, como descreveu Otília Arantes:
[...] Tudo indica que a multiplicação dos parques temáticos pelo mundo todo
obedeceria a esta mesma lógica. E que os novos enclaves urbanos – no começo
eram apenas shopping malls, lugares resguardados de consumo -, estão se
tornando cada vez mais complexos, misturando no mesmo espaço toda sorte de
atividades, normais das vezes puxadas pelos equipamentos culturais, hoje
liderados pelas salas multiplex de cinema [...] (ARANTES, 2012, p. 114)
Mas os novos enclaves urbanos, não abarcam apenas atividades de consumo e
contemplação, configuram estruturas espaciais mais complexas, verdadeiramente híbridas, nas
quais se pode morar e trabalhar, como no Daimler City (Figura 05), divertir-se e conviver com o
público de frequentadores, na praça coberta do Sony Center, por exemplo (Figura 05), locais onde
descontração e segurança policiada convivem simultaneamente, configurando espaços 8
do
imaginário da cidade ideal, que é cofigurada pelo funny capitalismo, onde todos realizam suas
tarefas sorridentes, como partes integrantes de uma engrenagem, na qual o trabalho aparece
disfarçado de “animação”, tornando todos os atores envolvidos no processo, personagens de um
espetáculo multidimensional, característica fundamental e palavra de ordem para o sucesso das
indústrias do turismo e do entretenimento que motivam o projeto das novas urbanidades
contemporâneas.
8
Para Certeau, o lugar se caracterizaria por sua estabilidade enquanto o espaço pelas operações móveis através das
ações dos "sujeitos". (CERTEAU, 2008)
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Figura 05 – Vistas:Daimler City dos arquitetos Renzo Piano, Rafael Moneo and Arata Isozaki e praça
coberta do Complexo Sony Center de Helmut Jahn.
Fonte: http://www.agefotostock.com/en/Stock-Images/Rights-Managed/HMS-HEM222776
Tal fato nos leva a referir, mais uma vez Arantes (2012) ao sintetizar o pensamento de
Sharon Zukin a respeito da dimensão capitalista contemporânea do consumo visual:
[...] o consumo visual (ou cultural), é uma dimensão do capitalismo contemporâneo
altamente planejada (na qual seguramente permanecem resíduos fordistas como
quer o autor da tese da McDonaldização do mundo), seguindo estratégias que
induzem ao consumo “seletivo” do espaço e do tempo e geram os famigerados
processos
de
“requalificação”
urbana,
entendamos,
de
gentrificação
e
consequente segregação social. (ARANTES, 2012 p. 117, apud ZUKIN, 1993, p.
259)
Sob este ponto de vista, não foi aleatoriamente que se escolheu Potsdamer Platz para
investigar conceitos relacionados a configuração de espaços híbridos9 , visto que está área se
caracteriza como a constatação mais enfática e escancarada de um novo modelo urbano,
possivelmente, como ressalta Arantes (2012), fundamentado no conceito norte americano de
cidade como máquina empresarial de crescimento, a partir da implementação de grandes projetos
urbanos espetacularizados, que constituem matrizes ou modelos da inserção da esfera cultural na
reinvenção das cidades, colaborando para uma imagem econômica mais vendável e incentivadora
9
O híbrido mostra suas muitas facetas e sua própria personalidade. Como ele depende da natureza individual de seu
processo de criação, ele pode assumir múltiplas representações, representações, mesmo aparentemente contraditórias,
marco urbano, escultura, paisagem ou volume anônimo. PER, A. F.; MOZAS, J.; ARPA, J. Isso é híbrido, Uma análise
de edifícios de uso misto. Madri: 2011.
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do turismo, princípios assimilados, reinventados e largamente empregados por F. Mitterand10 , na
França, como uma máquina cultural de crescimento, por ter descoberto na “cultura” uma
possibilidade de crescimento em tempos de crise e desarticulação social. A nova articulação
francesa demonstrava claramente estar operando com conhecimento de causa no campo da
convergência entre eficiência econômica glamourizada e cultura como investimento de ponta,
determinando efetivamente, um híbrido, que viria a ser difundido pelo mundo, traduzido em
“parques malls” imbuídos de nobres intenções pedagógico-científico-culturais.
Berlin
parece-me
o
modelo
mais
atual
da
cidade-espetáculo.
Sua
descaracterização é tão intensa que os cenários de romances e filmes conhecidos
ambientados naquela cidade estão completamente transformados pelo “vazio
exaltado pela estética sublime dos arranha-céus que coroam os centros
financeiros das megalópoles tardo-industriais com seus ascéticos espaços digitais
e suas frias fachadas de vidro espelhado”. (SUBIRATS, 2002)
11
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi obedecendo ao novo princípio da Mischung (mistura), que se construiu com a intenção
de torna-la símbolo, uma microcidade síntese da nova Berlim unificada, entretanto sob o ponto de
vista arquitetônico-funcional e social totalmente reciclada, na tentativa do que Félix Guattari (1985)
definiria como reterritorialização capitalística, conjugando dentro desses espaços uma imensa
possibilidade de comunicação com uma solidão muito acentuada, afetando cada indivíduo de uma
10
Líder político francês, nasceu em 1916, em Jarnac, e morreu em 1996, em Paris. Em 1981, tornou-se o primeiro
socialista Presidente da República desde a fundação da Quinta República francesa em 1958. Ocupou o cargo durante
catorze anos. No plano das relações externas, cultivou um bom relacionamento com os Estados Unidos, ao mesmo
tempo que, aliando-se à Alemanha liderada por Helmut Kohl, fazia da França um dos países com maior
responsabilidade política no processo de criação da União Europeia. François Mitterrand. In Infopédia [Em linha]. Porto:
Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-06-15].
11
SUBIRATS, Eduardo. Viagem ao final do paraíso. Arquitetura e crise civilizacional. Texto Especial Arquitextos n. 139,
jul. 2002 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp139.asp>.
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forma diferenciada segundo seu nível social, não pelo território
12
mas pelo espaço
comunicacional, sendo repertoriado, exatamente pelo seu nível social e refletido de modo muito
preciso na configuração dos tipos de espaços sociais e econômicos que o afetam.
Vale esclarecer que Deleuze & Guattari indicaram que a formação subjetiva produzida por
um território específico pode se desterritorializar, se abrindo às linhas de fuga, ou seja, realizando
um movimento pelo qual se abandona o território e constrói-se um outro (reterritorialização). Em
outras palavras, a reterritorialização, se constitui numa tentativa de recomposição de um território
engajado em um processo desterritorizalizante. (ROLNIK & GUATTARI, 2005)
Com o intuito de concluir essa argumentação, se propõe uma reflexão a cerca de um
conceito proposto por Felix Guattari com a intenção de esclarecer a conformação dos novos
espaços contemporâneos, determinados não apenas por seus limites e características físicas,
mas principalmente pela subjetividade intrínseca a sua urbanidade, fator que os caracterizam
segundo o filósofo, como territórios híbridos, que existem e funcionam como uma espécie de
“ovo”, incluindo-se ai, os shopping centers, parques temáticos, malls e complexos culturais e
midiáticos, nos quais cada porção do espaço é pré-equipada, pré-codificada e seus percursos
possíveis teleguiados como circuitos a serem percorridos, buscando em síntese fabricar
empreendimentos repletos de subjetividade e caracterizados por variados elementos subliminares.
Como traço mais marcante dessa produção de subjetividade, está segundo o próprio Guattari, a
infantilização do usuário desses complexos, intrínseca à concepção de um pseudo espaço
maternal, proporcionando-lhes uma espécie de ambiente maternal separado da realidade caótica
contemporânea dos centros urbanos desenvolvidos, criando uma espécie de sentimento de
onipotência, a partir do qual se considera, que uma vez que se esteja dentro de uma dessas
bolhas, tudo pode acontecer, como se pode verificar nas palavras do pensador:
12
Os territórios estariam ligados a uma ordem de subjetivação individual e coletiva e o espaço estando ligado mais ás
relações funcionais de toda espécie. (GUATTARI, 1985)
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[...] o sentimento de onipotência que está ligado à dimensão da infantilização.
Quando se está nesse mundo é como se estivéssemos num mundo de conto de
fadas, com o cartão de crédito, tudo, de repente, se torna possível. Todas as
relações são feitas de maneira a dar uma espécie de ilusão, de conto de fadas, de
onipotência infantilizante. (GUATTARI, 1985, p. 118)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2012.
BRONSTEIN, L. A CRISE DO URBANISMO CONTEXTUALISTA, PROARQ – FAU UFRJ
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CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
DÉBORD, Gui. La sociedad del espectáculo. Buenos Aires, La Marca, 1995.
GUATTARI, F. Espaço e poder: A criação de territórios na cidade. Espaço e Debates, n. 16, ano
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GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 1993.
HUYSSEN, A. Os vazios de Berlim. In: Seduzidos pela memória. São Paulo, Editora 34, 1999.
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática,
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Revista Lotus, nº 80, ed. Eletcra.
PORTAS, Nuno. Urbanismo e sociedade: construindo o futuro. In: PINHEIRO &VASCONCELLOS.
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TAVARES, Paulo. Arquitetura e esquizofrenia ou “não encontro Potsdamer Platz”. Arquitextos,
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Vitruvius,
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<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.071/365>.ZUKIN, Sharon. Landscapes of
Power: from Detroit to Disney World. California: University of California Press, 1993.
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ELOGIO À INUTILIDADE:
RECONHECIMENTO E APROPRIAÇÃO DO INÚTIL NA METRÓPOLE
CONTEMPORÂNEA.
RESUMO
O texto apresentado foi produzido como proposta de pré-projeto de pesquisa de doutorado e submetido no
processo seletivo do programa de pós-graduação na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie
no segundo semestre de 2013. O texto traça, em linhas gerais, a continuidade da construção conceitual
iniciada na dissertação de mestrado, defendida na mesma instituição em 2008, intitulada Uma Odisséia
Paulistana: Uma documentação retroativa sobre o São Vito. O debate se estabelece a partir da
compreensão de possibilidades geradas assumindo o conceito de inutilidade dentro dos campos do
pensamento, avaliação, proposição e apropriação do espaço urbano contemporâneo. Uma apropriação
subjetiva de um corpo sensível escamoteado pelo utilitarismo hegemônico e objetivo.
Por isso, tendo o processo seletivo como meta, o texto está organizado e estruturado seguindo as
recomendações e instruções solicitadas no edital específico, não correspondendo, necessariamente, à
estrutura pretendida na produção final da tese, sendo apenas um meio reflexivo para a questão em si: um
Elogio à inutilidade. Inutilidade na arquitetura, na apropriação do espaço da cidade, do tempo da cidade,
inutilidade na Cidade.
Palavras-chave: Inutilidade; Metrópole; Subjetividade; Psicogeografia; Etnografia Urbana.
ABSTRACT
The article presented here was produced as a proposal to a doctoral research project and submitted in the
selection process of the post-graduate program in the Faculty of Architecture of the University Mackenzie in
the second half of 2013. The text outlines, in general terms, the continuity of conceptual construction started
on the master thesis, defended at the same institution in 2008, titled Uma Odisséia Paulistana: Uma
documentação retroativa sobre o São Vito. The debate is established based on the understanding of
possibilities generated assuming the concept of uselessness within the fields of thought, evaluation, proposal
225
and appropriation of contemporary urban space. A subjective appropriation of a sensitive body concealed by
objective and hegemonic utilitarianism.
Therefore, since the selection process as a goal, the text is organized and structured according to the
recommendations and instructions requested in specific call, not corresponding necessarily to the desired
structure in the end production of the thesis, is only a means for reflective question itself: A compliment to
Uselessness. Uselessness in architecture, in the appropriation of city space, in the time inside the.
Key words: Uselessness; Metropoli; Subjectivity; Psychogeography; Urban Etnography.
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ELOGIO À INUTILIDADE:
RECONHECIMENTO E APROPRIAÇÃO DO INÚTIL NA METRÓPOLE
CONTEMPORÂNEA.1
Ricardo Luis Silva
2
Maria Isabel Villac
3
Introdução
Inútil. Talvez uma sentença de morte em nossa sociedade capitalista. A Inutilidade é prima
da Preguiça. Pecado capital. A oposição ao trabalho. Por isso, a Preguiça é meia irmã do ócio. O
trabalho, o neg-ócio, contrapõe-se ao ócio. O trabalho e o suor engrandecem o homem,
minimizam sua culpa, seu pecado. O trabalho é o pagamento do pecado. O ócio é pecado, o mal
amado, o desprezado, o marginalizado em nossa sociedade industrial. Se o homem trabalha, ele
prospera, ele progride, ele evolui. Se ele não trabalha, é preguiçoso, é vadio, é inútil, atrapalha. A
sociedade aprendeu a transmitir essa depreciação aos seus objetos, suas arquiteturas, sua
cidade. Tudo a nossa volta deve servir para alguma coisa. O que não serve é descartado, deixado
de lado, marginalizado. Servir. Ser útil. A sociedade do espetáculo (DEBORD, 1997) exige
servidão. Funcionalidade.
Mas a sociedade está esquizofrênica (DELEUZE, 2004). A mesma sociedade que prima
pela utilidade, resiste em refugiar-se no desejo, na liberdade, no prazer. O estresse do trabalho é
compensado, ou reduzido, em mais atividades ou utilidades. O lazer é útil, funcional. Na
sociedade industrial produzimos inclusive no tempo livre (MARCUSE, 1979).
1
Pré-projeto de pesquisa apresentado como parte do processo de seleção para Doutorado no segundo semestre de
2013 no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
2
Professor/arquiteto, doutorando, Centro Universitário SENAC-SP e FAU/Mackenzie, [email protected]
3
Professora/arquiteta, doutora, FAU/Mackenzie, [email protected]
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E a possibilidade do ócio? Do não fazer nada? Do perder tempo?
Pois, para que percebamos o Espaço, é preciso Tempo. É preciso perder tempo para o
corpo assimilar o espaço. O Espaço por si só é racional e objetivo, ele é dimensional (NORBERGSCHULZ, 1980). Um dar-se tempo é tornar o espaço subjetivo e irracional. Só assim é possível
construirmos afetos e relações com o espaço. Humanizamos o Espaço com o Tempo. Mas a
sociedade industrial aprisionou essa liberdade. Deixamos de lado o tempo da contemplação
(KEHL, 2009) e da reflexão livre. Perder tempo hoje é anti produtivo, é anti funcional. Aprendemos
a nos relacionar com o outro, com as coisas e com os espaços, reduzindo ao máximo a variante
Tempo na equação da subjetividade. A fórmula ditada pela sociedade industrial é: quanto menos
Tempo melhor. Assim, perdemos aos poucos nossa subjetividade (SUBJEtividade – ser sujeito),
nossa relação afetiva com o Espaço. Assumimos a objetividade (OBJEtividade – ser objeto), a
racionalidade e a utilidade em todas as nossas ações. Mas a pergunta retorna, e a possibilidade
do inútil?
O homem pode buscar a liberdade, a possibilidade, a alternativa, a sublimação na
inutilidade. É na inutilidade que o homem pode encontrar seu desvio, sua rota de fuga. A
inutilidade permite a transformação do homem em sujeito (MARCUSE, 1979).
É o homem-criança que inutiliza um carrinho de brinquedo, desmontando-o para explorálo, amputando sua utilidade primeira. É o homem-criança que se delicia com uma garrafa plástica
cheia apenas de uma pequena pedra, deixando de lado seu chocalho colorido, tecnológico, multi
funcional e propagandeado. É o homem-criança que vê na nuvem um coelho alado, no sofá da
sala um castelo com seu rei. É o homem-criança que entra em êxtase ao trocar com o colega a
figurinha que faltava na sua coleção. É o homem-adolescente que explora o corpo, o sexo sem a
menor intenção utilitária da função primeira de procriação da espécie.
Onde estaríamos se a inutilidade não fizesse parte de nós?
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A inutilidade, ou a retirada inicial da utilidade de uma coisa, nos abre outras perspectivas,
outras possibilidades, outros olhares sobre aquela coisa, sobre o mundo, sobre nós mesmos.
Tornamo-nos sujeito. A possibilidade do inútil versus a determinação do útil. A inutilidade gera
possibilidades de movimento, a utilidade encerra o discurso. Por isso é preciso resgatar a
inutilidade. Elogiá-la. Tirá-la da marginalidade positivista e racionalista. É preciso, pelo menos,
assumirmos sua possível existência momentânea. A inutilidade está aí, no nosso cotidiano. Nas
nossas relações com os objetos, com nossos espaços. Está nas nossas arquiteturas-metrópoles.
Mesmo 80 anos após a publicação da Carta de Atenas, com suas proposições
funcionalistas para a formação das cidades modernas, e reconhecendo, empiricamente inclusive,
sua fragilidade e incapacidade de, exclusivamente, dar as respostas necessárias à vida nas
cidades, ainda analisamos, projetamos, construímos e vivenciamos nossas cidades a partir da
premissa do utilitarismo. A cidade ainda é vista como uma gigantesca máquina. Uma máquina
onde todas as pequenas engrenagens devem ser úteis para seu funcionamento geral. Onde
qualquer possibilidade de inutilidade deve ser amputada para manter a máquina em perfeito, e
inatingível, funcionamento. Se não serve, não é necessário, pode ser eliminado.
Infelizmente, essa lógica ultrapassa a fronteira do existente e alcança as mentes
propositivas da Metrópole. Evita-se ao máximo, mesmo contra os desejos mais latentes, a
possibilidade da inutilidade. Reduzida à todo instante com o rápido pensamento: Mas isso serve
para quê?. Tenta-se a todo instante buscar alguma utilidade positivista às ações e propostas
arquiteto-urbanas. E o outro? Porque não também a inutilidade?
Pensar, em todas as instâncias da arquitetura urbana, nesses dois elementos conceituais,
a utilidade e a inutilidade, não rigidamente opostas dicotomicamente, mas entrelaçadas.
Então, seria possível entender a arquitetura, a metrópole, a partir da sua inutilidade? Como
remover a carapuça do utilitarismo de nossas metrópoles? Como reconhecer a inutilidade dentro
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das cidades? Como apropriar-se do conceito de inutilidade? Como assumi-lo em nosso
pensar/vivenciar a arquitetura/metrópole?
Talvez pensar e compreender, estudar e projetar a arquitetura e a cidade com a
perspectiva do inútil. Assumir e assimilar o elogio à inutilidade:
Das descobertas utilitárias (uma genealogia) dos Iluministas protofuncionalistas,
Da antiarte dos Dadaístas,
Da subjetividade inconsciente dos Surrealistas,
Das Caixas-valises de Marcel Duchamp,
Do Colecionador e do Estrangeiro de Walter Benjamin,
Do Homem que joga de Johan Huizinga,
Da reação ao funcionalismo da Fenomenologia da Percepção,
Da Playtime do Meu Tio de Jacques Tati,
Do preferiria NÃO de Bartleby de Herman Melville,
Das Derivas e mapas psicogeográficos dos Internacional Situacionistas,
Das Babilônias, velhas e novas, de Constant Nieuwenhuys,
Das superestruturas pós-apocalípticas dos grupos utópicos nos anos 60,
Dos sólidos modernos desmanchando no ar de Marshall Berman,
Dos núcleos penetráveis Parangolés de Hélio Oiticica e colegas Neoconcretos,
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Das nesgas da cidade de Gordon Matta-Clark,
Da grossura lúdica e sensível de Lina Bo Bardi,
Da cidade genérica, delirante, descartável e gigantesca de Rem Koolhaas,
Do nomadismo urbano de limites difusos de Toyo Ito,
Da Diferença Rizomática dos Pós-estruturalistas franceses,
Da Cidade Errante e dos Entre-lugares de Marta Bogéa e Igor Guatelli,
Dos alegóricos roteiros turísticos para Buenos Aires de Jorge Macchi,
Dos ...
Discursos e diálogos sobre a inutilidade. Sobre suas possibilidades e ferramentas de apropriação.
Sobre uma outra lógica de compreensão e construção da Metrópole. Uma outra postura.
OBJETIVO GERAL
A meta que se pretende atingir com este trabalho, esta reunião de discursos e diálogos
sobre a inutilidade, é explicitar, reunir e reforçar a possibilidade de apropriar-se do conceito de
inutilidade na arquitetura como repertório possível para vivência e desenho do espaço urbano,
como poder revolucionário além da racionalidade utilitarista dominante. Com isso, auxiliar a
reflexão crítica sobre a produção e o enfrentamento da metrópole real contemporânea,
intensificando os subsídios teóricos que possam levar à autonomia, desenvolvimento, ou mesmo
formação do sujeito urbano contemporâneo, consciente e realmente livre com a vida na metrópole
do século XXI.
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OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Como elementos constitutivos dessa meta geral, se pretende:
- Encontrar e reconhecer dentro da história crítica da sociedade e da arquitetura, tentativas de
reflexão e, em alguns casos, o próprio conceito de inutilidade aplicado;
- Fornecer um ferramental teórico-prático para a apropriação dos elementos disponíveis no
território urbano dentro dos processos de reflexão e ação de projeto urbano-arquitetônicos
(reflexão teórica construída junto com a ação projetual). Contribuindo, assim, com a leitura crítica
da formação e desenvolvimento da cidade de São Paulo e intensificando o debate acadêmico e
sua produção, ao estabelecer um contato com o próprio ensino de arquitetura e suas discussões
conceituais;
OBJETO
O utilitarismo domina grande parte do território urbano global. O enfoque aqui poderia ser
dado em qualquer lugar habitado pelo homem. Mas como arquiteto, o objeto onde tais elogios à
inutilidade se concretizam é a Metrópole; com m maiúsculo por se tratar de uma generalidade, não
uma cidade em especial, mas qualquer uma inserida no sistema capitalista de trabalho e
consumo.
Mas para manter uma reflexão aprofundada sobre o que se pretende, é necessário realizar
uma escolha, um recorte. Retomar e ampliar o que foi pesquisado durante a dissertação de
Mestrado, onde se propôs realizar uma leitura da metrópole com ferramentas conceituais
alternativas, tendo como resultado uma documentação rizomática e aberta da cidade de São
Paulo.
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Uma escolha científica, mas ao mesmo tempo, afetiva. Pois fui afetado e invadido por ela.
O recorte-objeto escolhido neste momento é São Paulo XL (KOOLHAAS, 1995), a megacidade
brasileira, mais especificamente o seu centro expandido. Esta pequena porção do território
colossal da cidade delimitada pelo chamado “mini anel viário”, composto pelas marginais Tietê e
Pinheiros, mais as avenidas Salim Farah Maluf, Afonso d'Escragnolle Taunay, Bandeirantes,
Juntas Provisórias, Presidente Tancredo Neves, Luís Inácio de Anhaia Melo e o Complexo Viário
Maria Maluf.
Neste
território
extremamente
rico
em
situações
urbanas,
território
polifônico
(CANEVACCI, 2004), que se delimita por uma razão utilitarista (a operação horário de pico –
rodízio de automóveis conforme numeração da placa), serão reconhecidos espaços e situações
mencionados nos diversos elogios à inutilidade. A seleção será vasta: nesgas territoriais, viasmoradias,
arquiteturas abandonadas/ocupadas,
sinalizações
urbanas
e
humanas,
espaços
nômades,
paredes/empenas/corpos
habitantes
cegos,
marcos
nômades,
históricos
oficias/marginais/colaterais, vazios cheios e cheios vazios, sons e cheiros urbanos, planos
incompreensíveis de avenidas de circulação humana e mecânica, coletivos virtuais de
apropriações reais, etc.
Enfim, a inutilidade latente e a utilidade insistente neste pequeno território colossal
colocadas como personagens de um emaranhado diálogo entre os conceitos teóricos e possíveis
apropriações urbanas.
REFERENCIAL TEÓRICO
Este trabalho terá como base e acompanhamento teórico a construção de um cenário
conceitual, conectando e costurando diversos textos e autores que trataram, ou ainda tratam, da
formulação e/ou aplicação do conceito de inutilidade. A seguir estão colocados alguns deles:
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Para as descobertas utilitárias (uma genealogia), ver Os pioneiros do desenho moderno de
Nikolaus Pevsner;
Para a antiarte, ver Dadá: arte e antiarte de Hans Richter;
Para a subjetividade inconsciente, ver O Surrealismo organizado por Jacó Guinsburg;
Para as Caixas-valises, ver Apariencia desnuda: la obra de Marcel Duchamp de Octavio Paz;
Para o Colecionador e o Estrangeiro, ver Passagens de Walter Benjamin;
Para o Homem que joga, ver Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura de Johan
Huizinga;
Para a reação ao funcionalismo, ver Genius loci : towards a phenomenology of architecture
de Christian Norberg-Schulz;
Para a Playtime do Meu Tio, ver The Films of Jacques Tati de Michel Chion;
Para o preferiria NÃO de Bartleby, ver Crítica e Clínica de Gilles Deleuze;
Para as Derivas e mapas psicogeográficos, ver Apologia da Deriva: escritos situacionistas
sobre a cidade organizado por Paola Berenstein Jacques;
Para as Babilônias, velhas e novas, ver Constant’s New Babylon : the hyper-architecture of
desire de Mark Wigley;
Para as superestruturas pós apocalípticas, ver Future City: experiment and utopia in
architecture de Marie-Ange Brayer;
Para os sólidos modernos desmanchando no ar, ver Tudo que é sólido desmancha no ar: a
aventura da modernidade de Marshall Berman;
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Para os núcleos penetráveis Parangolés, ver A invenção de Hélio Oiticica de Celso Favaretto;
Para as nesgas da cidade, ver Gordon Matta-Clark: desfazer o espaço de Gabriela Rangel;
Para a grossura lúdica e sensível, ver Lina por escrito: textos escolhidos de Lina Bo Bardi
organizado por Marina Grinover e Silvana Rubino;
Para a cidade genérica, delirante, descartável e gigantesca, ver S, M, L, XL de Rem Koolhaas e
Bruce Mau;
Para o nomadismo urbano de limites difusos, ver Escritos de Toyo Ito;
Para a Diferença Rizomática, ver Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia vol. 01 de Gilles
Deleuze e Félix Guattari;
Para a Cidade Errante e os Entre-lugares, ver Cidade Errante: arquitetura em movimento de
Marta Bogéa e Arquitetura dos entre-lugares: sobre a importância do trabalho conceitual de
Igor Guatelli;
Para os alegóricos roteiros turísticos para Buenos Aires, ver Psychogeography de Merlin
Coverley;
Tal referencial teórico, agora um cenário conceitual, foi organizado a seguir em um
diagrama, uma espécie de linha do tempo. Entretanto, tal diagrama não foi organizado como seu
nome inicialmente sugere. A linha do tempo não é uma linha, e sim uma grelha onde as conexões
e sequências estão abertas para leituras diversas, não apenas cronológicas. Aqui fica clara a
percepção rizomática das construções teóricas a que se propõe. Por exemplo, é possível construir
uma linha conectável com Bartleby, de Herman Melville, Gilles Deleuze, Paola Berenstein Jacques
e Hélio Oiticica e uma outra linha com os Surrealistas, Johan Huizinga, os Situacionistas, Hélio
Oiticica e o Rizoma.
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Ao final da “grelha do tempo” consta uma breve descrição de cada referencial teórico, onde
se apresenta uma primeira leitura possível sobre o conceito de inutilidade.
Legenda da grelha do tempo:
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Número de catálogo
011 / 056 / 100
Para compreender a atual lógica utilitarista e territorializar os elogios à
inutilidade, vem bem a calhar a apropriação de uma genealogia das
descobertas e apologias feitas ao funcionalismo e o racionalismo
desde a Iluminação, passando pelas revoluções industriais e o
funcionalismo no desenho moderno.
003 / 035 / 064 / O Dadá não se estabeleceu como um movimento artístico, mas um
065 / 091
aglomerado de artistas que se propuseram a questionar, romper,
estraçalhar, desmembrar e provocar o então estado da arte e da
sociedade, inutilizando todos os paradigmas vigentes.
015 / 059 / 076 / “Entonces [los surrealistas parisinos] descubren en el andar un
096
componente onírico y surreal, y definen dicha experiencia como una
‘deambulación’, una especie de escritura automática en el espacio real
capaz de revelar las zonas inconscientes del espacio y las partes
oscuras de la ciudad.” (CARERI, 2003 pg. 22).
034 / 044 / 094 / “Una obra sin obras: [en la Caja Verde] no hay quadros sino el Gran
098
Vidrio, los ready-made, algunos gestos y un largo silencio.” (PAZ, 1995
pg. 16).
007 / 016 / 019 / “É isso que significa estar num local desconhecido, se mudar, se
033 / 038 / 060 / tornar um estranho [estrangeiro]: um jeito de fazer as coisas deixarem
075
de ser óbvias, de se tornar disponível para perceber o novo.”
(PEIXOTO, 1987 pg. 82).
026 / 037 / 057
Huizinga considera o jogo, a atividade lúdica e sem objetivos, como
elemento constituinte do homem urbano contemporâneo, gerando uma
outra categoria classificatória além do Homo Sapiens (que sabe) e do
Homo Fabers (que trabalha).
001 / 046
“Sendo totalidades qualitativas de natureza complexa, os lugares não
podem ser definidos por meio de conceitos analíticos, ‘científicos’. Por
uma questão de princípio, a ciência ‘abstrai’ o que é dado para chegar
a um conhecimento neutro e ‘objetivo’. No entanto, isso perde de vista
o mundo-da-vida cotidiana, que deveria ser a verdadeira preocupação
do homem em geral e dos planejadores e arquitetos em particular.”
(NORBERG-SCHULZ in NESBITT, 2006, pg. 445).
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028 / 030 / 049 / “[In Playtime] Our futurist world turns quickly into a hellish labyrinth
055 / 068 / 083
where Hulot, the sweet dreamer, can, unawares, sow total disruption!”
(TATI in CHION, 2006 pg. 20). Pequena sinopse de Playtime que pode
ser traduzida, considerando a proposta de provocadora do roteiro,
como: Em Playtime nossa cidade racional e mecanizada se transforma
rapidamente em um labirinto caótico onde Hulot, o doce sonhador,
pode, sem querer, semear a total desorganização.
077 / 090 / 097 / “Observou-se que a fórmula I would prefer not to não era uma
103 / 104
afirmação nem uma negação. Bartleby não recusa, mas tampouco
aceita, ele avança e retrocede.” (DELEUZE, 1997 pg. 82).
023 / 069 / 072 / “La ciudad descubierta por los vagabundeos de los artistas es una
078 / 082 / 101
ciudad líquida, un líquido amniótico donde se forman de un modo
espontáneo los espacios otros, un archipiélago urbano por el que
navegar caminando a la deriva: una ciudad en la cual los espacios del
estar son como las islas del inmenso océano formado por el espacio
del andar.” (CARERI, 2003 pg. 20).
012 / 020 / 036 / Projeto conceitual realizado nos anos 60, New Babylon de Constant
045 / 048 / 085 / Nieuwenhuys, integrante da Internacional Situacionista, reflete sobre a
095
hipermodernidade
e
a
fugacidade
encontrada
em
crescente
aceleração nas grandes cidades mundiais. O projeto baseia-se na
efemeridade dos acontecimentos e na criação de situações urbanas
em um território nômade e livre de nostalgias funcionalistas da cidade.
013 / 050 / 070 / Projetar o futuro = utopia. Na utopia e na experimentação dos grupos
088 / 093 / 102
arquitetônicos dos anos 60 e 70, o encarceramento da funcionalidade
e a abertura para a especulação, livre e inútil.
014 / 063 / 081
“Ser moderno é viver uma vida de paradoxos e contradições. É sentirse fortalecido pelas imensas organizações burocráticas que detêm o
poder de controlar e frequentemente destruir comunidades, valores,
vidas; e ainda sentir-se compelido a enfrentar essas forças, a lutar
para mudar.” (BERMAN, 1986 pg. 13).
022 / 027 / 041 / “O espectador torna-se assim participante e propositor: [...] ver, sentir,
051 / 053 / 089
pisar, roçar a cor; ‘organificar’ o espaço; corporificar a cor. Nas cabines
e labirintos [dos Penetráveis], faculta ao participante o exercício
pletórico do jogo.” (FAVARETTO, 1992 pg. 66).
010 / 042 / 054 / Em 1973, como integrante do grupo Anarchitecture, Gordon Matta
067
Clark desenvolve um projeto conceitual chamado Fake Estates (Falsas
propriedades) onde compra 15 propriedades urbanas em Nova York
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(14 no Queens e 1 em Staten Island) por valores entre U$ 25,00 e U$
75,00. Estes terrenos, com dimensões e proporções muito pequenas,
são sobras de um zoneamento racional e excêntrico, deixados de lado
ou abandonados pela sua inutilidade imobiliária.
004 / 008 / 043 / Lina Bo Bardi constrói uma arquitetura moderna brasileira altamente
073
referenciada na cultura popular, nos artefatos ordinários e em
momentos
cotidianos
banais,
inúteis.
Seus
desenhos,
e
consequentemente, seus espaços, são lúdicos e convidam o corpo a
contemplar, vivenciar, ficar um tempo.
006 / 029 / 066 / “The elevator – with its potential to establish mechanical rather than
079
architectural connections – and its family of related inventions render
null and void the classical repertoire of architecture. Issues of
composition, scale, proportion, detail are now moot. The ‘art’ of
architecture is useless in Bigness.” (KOOLHAAS, 1995 pg. 500).
018 / 031 / 052 / “El concepto de casa para ella [muchacha nómada] está desperdigado
071
por toda la ciudad y su vida pasa mientras utiliza los fragmentos de
espacio urbano [de Tokio] en forma de collage.” (ITO, 2000 pg. 62).
021 / 024 / 039 / “Ele [mapa] faz parte do rizoma. O mapa é aberto, é conectável em
058 / 061 / 062 / todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de
074 / 080 / 087 / receber modificações constantemente.
099 / 104
Ele
pode ser rasgado,
revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser
preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se
desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo
como uma ação política ou como uma meditação.” (DELEUZE e
GUATTARI, 2004 pg. 22).
009 / 025 / 040 / “Espaços
047 / 086 / 092
entre
formas,
ou
formas
espaciais
entre
coisas
utilitariamente definidas, constituem agora campos para ações
imprevistas, onde nem função nem forma são abandonadas, mas
enriquecidas.” (GUATELLI, 2012 pg. 113).
002 / 005 / 017 / Jorge Macchi utiliza a apropriação lúdica e aleatória do tecido urbano
032 / 084
da cidade de Buenos Aires, construindo um mapa psicogeográfico a
partir de um placa de vidro quebrado colocada sobre o mapa
geográfico da cidade e marcando pontos nestes percursos criados
levando em consideração situações urbanas banais, como uma
elegante composição de gomas de mascar amassadas no asfalto.
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MÉTODO
O método aqui utilizado será o rizomático (DELEUZE, 2004). Desde o processo de
pesquisa, as buscas referenciais, a organização bibliográfica, até a redação e estruturação do
texto, o método de intensas conexões e a assimilação da multiplicidade serão elementos
estruturadores da maneira de pesquisar e da organização do conhecimento construído. Para isso,
estabelecer, simultaneamente, uma caixa de ferramentas e um relicário. O que se propõe aqui é
condensar num mesmo volume, no espaço e no tempo, diversos discursos, independentes uns
dos outros mas conceitualmente conectados, como um rizoma, que tratem da inutilidade, de sua
proposição, reflexão, transformação e até mesmo de sua utilização, que tomaram corpo durante o
século XX. Num primeiro momento agrupá-los e conectá-los, como numa coleção (BENJAMIN,
2007). Uma coleção de discursos sobre o Inútil. Num segundo momento, num processo contínuo
de vivência e experimentação da Metrópole, resgatá-los, agrupados ou não, do relicário, do lugar
do extraordinário, para apropriar-se do espaço real da Metrópole, transformá-los, ou mesmo
restabelecê-los, em ferramentas de apropriação, máquinas de guerra (DELEUZE, 2004), objetos
ordinários abertos à toda prova. Este processo de resgate dos discursos e posterior demarcação
no território da Metrópole será continuamente construído e desconstruído pela percepção de um
Estrangeiro (PEIXOTO, 1987), desterritorializado e ao mesmo tempo desterritorializante
(GUATTARI, 1992).
Colocar-se como um estrangeiro para, com este relicário/caixa de ferramentas em mãos,
sair às ruas, andar, vivenciar o emaranhado urbano, a Metrópole. Registrá-la. Mapeá-la.
Documentá-la. Reterritorializar os discursos. Dissipar momentaneamente a névoa utilitarista
depositada sobre a Metrópole. Reconhecer as potências da inutilidade. Realçar a subjetividade
constitutiva da arquitetura urbana. Produzir inutilidade e compor uma nova coleção, uma coleção
de mapas. Não os tradicionais mapas cartesianos e métricos, mas sim mapas psicogeográficos
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(JACQUES, 2003). Mapas que se propõem a total inutilidade de localização geográfica precisa e
mecanizada. Mapas gerados pelo corpo, com o corpo. Percepções espaciais que vão além da
métrica apresentada. E nestes mapas psicogeográficos serão marcados e registrados os diversos
lugares (NORBERG-SCHULZ, 1980), e não lugares (AUGÉ, 2012), relacionados aos discursos e
apropriações da inutilidade, criando uma cartografia conceitual e imagética da inutilidade na
Metrópole. Uma cartografia do inútil, um elogio à inutilidade.
E como um colecionador, toda esta cartografia será organizada de uma forma aberta
(ECO, 2001), convidando o interlocutor a construir sua particular leitura, não estabelecendo uma
sequência pré-determinada por número de páginas, eliminando a noção de começo, meio e fim,
propondo apenas o meio (DELEUZE, 2004). Com isso, neste meio, os elementos colecionados
poderão ser agrupados e conectados de acordo com a interlocução gerada com o leitor, criando
múltiplas leituras e aprofundamentos do tema.
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OS LUGARES E AS ARQUITETURAS PARA A ARTE CONTEMPORÂNEA
NO SÉCULO XXI
RESUMO
A construção de museus de arte ao redor do mundo tornou-se um fenômeno sem precedentes nos últimos
anos. Os novos museus deixaram de ser apenas o local de exposição das obras de arte para se transformar
num “agente” cultural promotor dessas transformações. No plano urbano, a implantação de museus
“espetáculo” se tornou num grande modelo de revitalização de centros degradados ao redor do mundo, pois
ao mesmo tempo em que revitaliza a economia, aumenta a autoestima da população do local. Esse novo
modelo de elevação capital simbólico das cidades, que envolve conceitos chaves na cultura
contemporânea, como política, turismo, consumo, transformação e identidade anseiam por um olhar mais
crítico e aprofundado para entender sua lógica e estruturação.
Palavras chave: Arquitetura, Museus, Arte, Cultura Contemporânea, Revitalização centros urbanos
ABSTRACT
The construction of art museums around the world has become a phenomenon unprecedented in recent
years. The new museums stopped being just the local works of art exhibition to become an "agent" cultural
promoter of these transformations. In urban planning, deploying museums "spectacle" became a great model
for revitalizing degraded centers around the world, because at the same time revitalizing the economy,
increases self-esteem of the local population. This new model of high symbolic capital cities, involving key
concepts in contemporary culture, such as politics, tourism, consumption, transformation and identity yearn
for a more critical and in-depth to understand its logic and structure.
Keywords: Architecture, Museums, Art, Contemporary Culture, Revitalizing urban centers
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OS LUGARES E AS ARQUITETURAS PARA A ARTE CONTEMPORÂNEA
NO SÉCULO XXI
Silverio Syllas Saad
1
“A forma segue a ação” MVDRV
Nos últimos 30 anos, a construção de museus de arte ao redor do mundo tornou-se um
fenômeno sem precedentes. A construção desses novos museus do século XXI, como são
chamados, redesenham antigos centros urbanos e áreas degradadas, exercendo um papel
fundamental na construção de uma nova imagem para essas cidades. Esse novo modelo de
ocupação tornou-se um grande negócio para a administração pública, pois ao mesmo tempo em
que urbaniza áreas problemáticas e degradadas dos grandes centros urbanos, revitaliza a
economia local, inserindo a cidade na cobiçada rota do turismo internacional. O modelo que
parece perfeito a primeira vista, encontra no seu financiamento a grande questão a ser desvelada.
Vemos surgirem, de forma nunca totalmente esclarecida, parcerias entre os administradores
públicos e os agentes privados,(ver ARANTES, 1995) cujas consequências são inusitadas
mudanças da legislação de uso e ocupação do solo, patrocinadas por grandiosas operações
urbanas que acabam por fim, revitalizando somente áreas mais nobres da cidade ou aquelas com
maior potencial de multiplicação do capital privado.
Dentro de suas diretrizes básicas, esse
modelo prevê a construção de um grande equipamento cultural, como um museu, sala de
1 Arquiteto, formado na Puc-Campinas, e Filósofo formado na Puc São Paulo, com mestrado em Estética pela PUC –
SP, com doutorado em andamento no Mackenzie. Contato:[email protected]
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concertos, etc como edifício âncora do projeto, o que da um verniz cultural para o projeto como
um todo.
Nessas condições, a linguagem do projeto de arquitetura deve ser inovadora e impactante
com o objetivo de criar um novo marco para a região e ao mesmo tempo, a mais simbólica
possível interagindo com a imaginação dos usuários e dos moradores locais. Investe-se pesado
em alta tecnologia da construção, com materiais e técnicas de última geração, e projetos de
renomados escritórios internacionais de arquitetura, desejando a construção de um novo
referencial urbano.
Esse novo museu tem sua arquitetura e implantação estrategicamente planejadas,
tornando-se edifícios emblemáticos. Seu forte impacto visual torna-o rapidamente fenômeno de
popularidade, que se complementa com uma programada exposição mediática em vários níveis,
seja com exposições blockbusters de grandes pintores renascentistas ou impressionistas como
Picasso, Monet, Da Vinci, etc, que atraem grandes multidões, seja com uma eficiente estratégia
de assessoria de comunicação que atraem os grandes veículos de mídia em geral, em
reportagens com roteiros previamente estabelecidos. Essa estratégia atrai grandes patrocinadores
para as exposições que podem associar seu produto a esfera cultural do mundo dos museus.
Tornam-se assim, rapidamente, um modelo cobiçado pelos gestores ao redor do mundo.
A inserção da instituição do museu nessa lógica de marketing que prevê também a
valorização do caráter espetacular das exposições, algo próximo do entretenimento, é defendida
pelos seus gestores com o discurso da difusão ampliada e generalizada do conhecimento o que
torna discutível a qualidade da formação a que se propõe a instituição museu. “Essa
popularização pretendida, o esforço em reduzir o componente elitista do museu, seria
compensado por meio de artifícios, entre os quais sobressai a arquitetura, de tal modo, que, a par
das grandes exposições, em particular as temporárias, teríamos segundo Thomas Krens, além de
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um prédio de alto impacto, uma praça de alimentação e oportunamente um lugar para fazer
compras” ( FARIAS, 2009, pg. 31)
A onda atinge também os antigos museus, que não querendo ficar para trás, “atualizamse” passando por grandes ampliações e remodelações, atualizando seus espaços expositivos
além da inserção de novos equipamentos como bibliotecas, salas de projeção, ateliês,
restaurantes, livrarias e lojas.
Esse novo modelo de elevação capital simbólico das cidades, bem como da autoestima da
população local, que envolve conceitos chaves na cultura contemporânea, como política, turismo,
consumo, transformação e identidade se tornou uma questão chave para análise da cultura
contemporânea.
Por outro lado, esses novos museus tem em seu programa, a complexa tarefa de abrigar a
exposição de arte contemporânea. Após o impacto produzido pelas vanguardas do início do
século XX, com produções artísticas heterodoxas, o mundo da arte abriu-se a novas experiências
espaço-temporais que irão marcar profundamente a arte contemporânea. Diante desse panorama,
o programa do museu alterou-se completamente procurando dar conta da enorme complexidade
da produção artística contemporânea, seja nos temas, nos tamanhos, na intensidade ou na nova
leitura do espaço de exposições. O novo museu–especialmente o de arte- tem que responder a
essa produção com novos suportes o que torna a arquitetura um elemento fundamental nesse
processo.
A pesquisa sobre o tema de museus é extensa. Nos últimos anos a construção de museus
sobre os mais variados temas, ao redor do mundo, é uma realidade na cultura contemporânea.
Museus de história (pré-história, história local, história natural, etc), Arqueologia, Tecnologia,
Design, Moda, Museu-Empresa, Ciências, Literatura, Museu-Marítimo, Cultura e Direitos
Humanos e até mesmo museu do “esquecimento” (nota), entre outros, tem revelado a ampliação
do conceito de museu na sociedade atual.
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Essa ampliação é acompanhada da mudança de foco do seu antigo papel de “colecionador
e conservador” dos bens da memória, para o de um novo “agente cultural”, focado no público, e
atento às novas demandas da cultura contemporânea. Isso irá se revelar principalmente na busca
de uma nova lógica de expografia das obras, onde o visitante agora é estimulado a interagir com a
obra, seja fisicamente- podendo em muitos casos até entrar em seu interior- seja virtualmente por
meio de ferramentas tecnológicas inovadoras, e sempre com o objetivo de estimular o campo
sensorial do observador.
Esse novo papel do museu vem se transformando desde o surgimento dos primeiros
museus modernos no início do século XX. É difícil marcar o momento exato em que surgiu o
desenho do museu moderno. O inicio do século XX é marcado pela aparição de inúmeras
tipologias que foram consequências das profundas transformações sociais, econômicas e
tecnológicas da época. A fé no progresso técnico, as grandes descobertas do mundo das
máquinas, e a possibilidade de uma nova organização racional da sociedade fermentavam a
ambiciosa missão de criar uma nova linguagem arquitetônica que representasse o novo modo de
vida que surgia na cidade.
Essa nova linguagem moderna inspirada na nascente arte das vanguardas artísticas,
propunha um grau inédito de abstração com planos livres e transparentes, precisão, simplicidade,
e o anonimato com desaparecimento do ornamento. Acreditando também “na importância
fundamental de um novo entorno, inédito, livre de estruturas do passado ou de nostalgias do
ambiente decadente das cidades existentes (...) essa linguagem pretendia ser o grau zero, virgem
de significados” (WAISMANN, 2013, pg. 71)
A partir dos anos 1920 vemos surgirem muitos projetos “conceituais” de museus, nunca
construídos, que propõem a revisão dos preceitos construtivos da planta do museu “clássico” do
século XIX, onde fileiras de salas simétricas se estruturam perpendicularmente em torno de um
átrio central.
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Le Corbusier projeta dois museus que ficaram conhecidos por suas propostas ousadas de
concepção espacial. O primeiro deles o Mundaneum foi o monumental projeto para aquele que
seria o primeiro museu mundial que abrigaria toda a produção da história da humanidade. De
forma piramidal e com dimensões de 180m de altura por 100m de largura, o edifício inova ao
propor um novo eixo vertical de exposição onde o visitante a partir do topo da pirâmide desceria
em longas rampas contornando o prédio até o grande átrio central do edifício. Nesse hall,
totalmente escuro como nas pirâmides gregas, o visitante caminhando pela falta da “razão
iluminista” poderia enfim encontrar “os limites intermináveis do conhecimento” num grande
planetário, na praça em frente ao museu.(PERESSUT,1999,pg. 14)
Em 1930 Le Corbusier projeta o segundo museu com uma nova tipologia mais flexível,
onde módulos pré-moldados de 7 metros de comprimento se organizavam perpendicularmente
partir de um núcleo central fixo, podendo se estender indefinitivamente, ficando conhecido como
“Museu do Crescimento Ilimitado”. Seu espaço interno totalmente livre poderia se adequar a
qualquer exposição. Esse modelo do bloco sem janelas e sem fachada, foi defendido por Le
Corbusier como uma verdadeira “maquina de expor”: “O principio desse museu é uma ideia. Uma
ideia patenteável. O museu pode ser criado ao longo do tempo por iniciativas dos doadores que
sustentam sua criação: em troca eles podem dar seu nome às salas. No fim ele se tornará um
modelo para um museu em qualquer lugar do mundo”. (PERESSUT, 1999, pg. 16)
museecannibale.blogspot.com
Le Corbusier, Mundaneum (Museu Mundial), Seção e fachadas
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http://blog.sfmoma.org/2012/11/
Le Corbisier, Museu do Crescimento Ilimitado.
Em 1943, Mies van der Rohe recém-chegado aos EUA vindo da Europa, publica o projeto
conceitual do “Museu para Pequena Cidade” lançando suas ideias para arquitetura com seus
conceitos de espaços livres e flexíveis, panos de vidro e estrutura aparente. Retomando os
conceitos desenvolvidos no Pavilhão de Barcelona de 1929, Mies abusa do uso retilíneo de
formas simples e planas, com o espaço composto por uma grade regular de colunas de aço
aparentes e uma cobertura “solta” sobre o edifício. Seu interior era dividido por grandes painéis
estrategicamente colocados, que obrigavam os visitantes a “conquistar” seus espaços criando um
percurso expositivo.
http://blog.archpaper.com/wordpress
“Museu para Pequena Cidade” 1943 e “Pavilhão de Barcelona”, 1929 (Reconstruído em 1986) de
Mies Van der Rohe
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A partir da década de 1930, temos nos EUA e na Europa, os primeiros museus construídos
especialmente para abrigar a nascente arte moderna. Suas novas concepções arquitetônicas
darão um impulso decisivo a nova dinâmica da experiência sensorial dentro do museu. O museu
de Arte Moderna de Nova York, o primeiro do gênero na América, abriu em 1939, com projeto dos
arquitetos Philip Goodwin e Edward Durell. O edifício, como uma grande caixa quadrada de
concreto, inaugura a lógica do “cubo branco”, com seus espaços expositivos fechados, buscando
a valoração da obra exposta. O novo espaço redefine a posição do observador, sendo a obra
agora exposta em espaços previamente determinados, onde são estudados os possíveis ângulos
e perspectivas de visão do observador, e onde as grandes paredes brancas de fundo passam a
fazer parte da composição pictórica. O artista moderno incorpora do espaço do museu em suas
criações. O espaço do museu deixou de ser apenas o lugar da exposição das obras, para ser um
lugar que se integra com as obras expostas. Essa nova relação da obra com o observador cria
uma nova mística para a arte moderna, algo como “um pouco da santidade da igreja, da
formalidade do tribunal e da mística do laboratório de experimentos”. (O’DOHERTY, 2002, pg. 27)
http://www.archdaily.com
Moma de Nova York, de Philip Goodwin e Edward Durell, 1930, ampliado em 1984 por
Cesar Pelli e em 2004 por Yoshio Taniguchi
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Inaugurado em 1959, após 16 anos de construção, o Museu Guggenheim de Nova York,
com projeto de Frank Lloyd Wright, retoma a ideia de Le Corbusier de uma rampa-galeria em
forma espiral, aberta ao longo de um grande átrio central, agora iluminado por uma grande
claraboia. Contrastando com todo o perfil retilíneo e ortogonal da malha urbana do entorno o
museu de formas orgânicas logo se tornou um referencial na cidade. A liberdade do espaço
contínuo do museu permite ao visitante andar livremente pelas rampas observando o grande vão
do átrio central e perceber a interação das pessoas nos vários níveis da construção. A riqueza
dessa experiência acabou por atrair as pessoas que visitavam o museu apenas para conhecer
sua arquitetura independente das obras expostas, inaugurando a ideia do edifício monumento que
como uma obra de arte compete diretamente com os quadros expostos em seu interior.
http://www.archdaily.com
Museu Guggenheim de Nova York de Frank Lloyd Wright, 1959
Em 1977, a França inaugura no bairro do Beaubourg, um dos museus mais polêmicos da
história do país, o Centre George Pompidou. Encravado num dos bairros mais tradicionais de
Paris, seu polêmico projeto de arquitetos poucos conhecidos na época, Richard Rogers+ Renzo
Piano, propunha criar um grande museu em “movimento”. Uma enorme estrutura metálica que
expunha em sua fachada colorida todos os sistemas infra-estruturais da construção acaba por
soterrar centenas de prédios históricos do local em que foi implantado. Sua aparência high-tech
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provoca, procurando um novo tipo de relação com o entorno não mais aquele da mesma tradição
tipológica existente, mas um outro radicalmente diferente que possa, em contraponto, contaminar
o sitio abrindo novas perspectivas de experiências sensoriais. Seu espaço interior foi concebido
como um grande plano sem interrupções adotando a planta livre de Mies Van der Rowe, onde as
exposições possam associar grandes equipamentos tecnológicos as obras expostas, conforme
programa básico do museu. Sua grande praça plana e aberta sobre o qual esta implantado,
inaugurou um grande referencial urbano que convida a todos a olhar o museu e também a cidade
onde esta inserido. Passados 30 anos de sua construção o museu foi plenamente adotado pela
população jovem que o frequenta diariamente.
http://www.archdaily.com
Centre George Pompidou, 1977, Richard Rogers+ Renzo Piano
A beira do Rio Nervion, em Bilbao na Espanha, o museu Guggenheim Bilbao responde de
forma brilhante a enorme complexidade do programa colocado ao arquiteto Frank Ghery. A
grande região central da cidade calcinada pelas antigas metalúrgicas que se foram e a degradada
região do Porto da cidade deveriam ser revitalizadas à partir de um projeto que atraísse o capital
privado e ao mesmo tempo recuperasse a auto estima da população local. De forma cativante o
museu Guggenheim desponta “imerso” dentro do Rio Nervion, com suas formas orgânicas e
reluzentes, promovendo a reurbanização do seu entorno na cidade. Seus 11.000 metros de
construção e mais de 19 galerias compõe uma estimulante experiência espacial, que se inicia
antes da entrada, através de uma grande passarela que contorna o edifício. Dentro do museu, um
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grande átrio vertical convida a caminhada junto das passarelas internas que interligam as galerias
possibilitando a vista do conjunto interno e do sitio urbano onde esta inserido. Reproduz a ideia de
museu monumento que magnetiza e atrai pela sua forma e tornou-se rapidamente um ícone de
modelo de revitalização com viés turístico, sendo reproduzida como modelo a exaustão nos meios
de comunicação. Porém sempre é bom frisar, os grandiosos números do sucesso são sempre
fornecidos pela própria fundação mantenedora do museu. Apesar de forma orgânica exterior,
apresenta um conjunto de galerias tecnicamente bem projetadas, sendo seus espaços preparados
projetados para receber grandes objetos da arte contemporânea, como as esculturas de Richard
Serra.
http://www.archdaily.com
Museu Guggenheim de Bilbao, 1997, Frank Ghery
Por fim podemos concluir que a partir do Projeto Moderno a instituição museu alterou
gradativamente seu papel e seu significado junto à sociedade em geral. De antigo espaço
expositor o museu moderno passa a coadjuvante das transformações artísticas da nossa época.
Novas experiências espaciais foram criadas e usando sua carga de significação cultural, o museu
tornou-se um referencial em projetos de requalificação urbana ao redor do mundo tendo a ideia do
monumento escultural como elemento chave nesse processo. Se esse modelo foi experimentado
a exaustão, a crise da realidade atual, com o fechamento ou a transformação de muitos museus
em “edifícios fantasma”, mostra que somente o prédio monumental não é suficiente para construir
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um sentido na cultura contemporânea. É necessário um conjunto mais complexo de fatores que
envolvem um projeto curatorial de longo aliado à singularidade da cultura local e a construção de
um significado entre o edifício e a população local que possa ver no museu não somente um
monumento urbano, mas monumento pessoal.
BIBLIOGRAFIA
ARANTES, Otília. “O lugar da arquitetura depois dos modernos”. São Paulo: Edusp,1995
FARIAS, Agnaldo, “Museus antípodas, aqui e no Japão” em Arquitetura de Museus: textos e projetos. São
Paulo: FAUUSP, 2009,
PERESSUT, Luca Basso, “Musées Architectures 1990-2000” , Milão, Actes Sud/Motta,1999
O’DOHERTY, Brian. “No interior do cubo branco: a ideologia do espaço da arte”. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
WAISMAN, Marina, O Interior da História, São Paulo, Perspectiva, 2013
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SUSTENTABILIDADE, ÉTICA E ARQUITETURA:
DISCUTINDO A QUALIFICAÇÃO DO HABITAT URBANO
RESUMO
Este artigo pretende analisar a possibilidade de utilização de espaços de transição como ambientes
privilegiados de contato com um habitat urbano, qualificado por propostas projetuais de orientação
sustentável. Para tanto, busca compreender de que forma, no contexto da sociedade metropolitana do
século XXI, as noções de sustentabilidade aplicadas à arquitetura podem resgatar um sentido ético. Cabe
ressaltar que a definição daquilo que é sustentável será abordada a partir do pressuposto das diferentes
matrizes discursivas da sustentabilidade definidas por Acselrad (2001).
Palavras-chave: Arquitetura, ética, sustentabilidade
ABSTRACT
This paper intends to analyze the possibility of using transitional spaces as privileged ambiences to contact
an urban habitat, qualified for project proposals of sustainable guidance. For this purpose, seeks to
understand how, in the context of metropolitan society of XXI century, the notions of sustainability applied to
architecture can rescue an ethical sense. We point out that the definition of what is sustainable will be
addressed from the assumption of different discursive matrices of sustainability defined by Acselrad (2001).
Key words: Architecture, ethics, sustainability
260
SUSTENTABILIDADE, ÉTICA E ARQUITETURA:
DISCUTINDO A QUALIFICAÇÃO DO HABITAT URBANO
Andre Reis Balsini 1
Maria Isabel Villac 2
INTRODUÇÃO:
Neste início de século, vivenciamos uma espiral de crescimento e mudança nos
centros urbanos, em especial nos centros metropolitanos, que se encontram sob influência
mais direta da globalização. Conforme argumenta Hall, as identidades culturais vêm sendo
afetadas e transformadas por um “complexo de processos e forças de mudança” (HALL,
2011, p.67) em escala global. Nesta abordagem, a globalização mostra um acentuado
caráter de interconexão e relativização das distâncias; uma aceleração e “compressão do
espaço-tempo” (Ibid, 2011, p.69). As metrópoles globalizadas figuram como as maiores
consumidoras de recursos materiais e energéticos do planeta. Em que pese no momento a
percepção dos limites quanto à exploração dos recursos naturais e dos múltiplos impactos
causados pelas ações antrópicas, a questão da sustentabilidade assume importância
central na discussão do futuro das cidades.
As diferentes representações sobre o que seja a sustentabilidade urbana têm
apontado para a reprodução adaptativa das estruturas urbanas com foco
alternativamente colocado no reajustamento da base técnica das cidades,
nos princípios que fundam a existência cidadã das populações urbanas ou
na redefinição das bases de legitimidade das políticas urbanas. [...] A
representação que privilegia a leitura da cidade como matriz técnico-material
propõe a recomposição das cidades a partir de modelos de eficiência eco-
1
Andre R. Balsini: arquiteto e urbanista (USU-RJ, 1999); especialista em análise e avaliação ambiental (PUC-Rio,
2005); e mestrando em arquitetura e urbanismo pela FAU-UPM. E-mail: [email protected]
2
Prof. Dra. Maria Isabel Villac: arquiteta e urbanista (FAU-UPM-1977) e Doutora em teoria e historia da arquitetura –
(Universitat Politecnica de Catalunya - 2002). Professora da FAU-UPM. E-mail: [email protected]
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energética ou de equilíbrio metabólico aplicados à materialidade do urbano.
A redução da durabilidade da cidade à sua dimensão estritamente material
tende
a
descaracterizar
a
dimensão
política
do
espaço
urbano,
desconsiderando a complexidade da trama social responsável tanto pela
reprodução como pela inovação na temporalidade histórica das cidades.
(ACSELRAD, 2001, p. 50)
Assim posto, entendemos que, dados os desdobramentos sociais envolvidos na
construção de uma cidade sustentável, há que aplicar os seus princípios a partir de uma
perspectiva ética, sem a qual corre-se o risco de um certo relativismo quanto ao alcance
das propostas que se pretende implementar. Da mesma forma, observamos que nem
sempre o que se coloca como sustentável se traduz numa qualificação ambiental que seja
efetivamente percebida. No contexto das metrópoles massificadas, poluídas e inseguras, a
sustentabilidade não pode se limitar a um plano abstrato – simplesmente informada ou
mesmo pretensamente resumida a um greenwash superficial –, necessita ser vivenciada de
modo latente e inequívoco.
Atualmente, proposições orientadas à qualidade ambiental urbana configuram-se
como critérios relevantes para a definição de financiamentos em infraestrutura, por parte
de agências multilaterais de desenvolvimento, em que nota-se uma “preocupação
crescente com a temporalidade das cidades, com as ameaças à estabilidade das estruturas
urbanas ao longo do tempo, com o risco de que as cidades possam perder
substancialmente sua ‘sustentabilidade’.” (Ibid, 2001, p. 21). Neste sentido, não
necessariamente, as noções de sustentabilidade e de preservação ambiental se
contrapõem ao progresso econômico, mas podem, sim, agregar diferenciais competitivos
para as cidades que estão inseridas no cenário global.
Diversas
matrizes
discursivas
têm
sustentabilidade desde que o Relatório
sido
associadas
Brundtland
a
à
lançou
noção
no
de
debate
público internacional em 1987. Dentre elas, podem-se destacar a matriz da
eficiência, que pretende combater o desperdício da base material do
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desenvolvimento, estendendo a racionalidade econômica ao ‘espaço nãomercantil planetário’; da escala, que propugna um limite quantitativo ao
crescimento econômico e a pressão que ele exerce sobre os ‘recursos
ambientais’; da eqüidade, que articula analiticamente princípios de justiça e
ecologia; da auto-suficiência, que prega a desvinculação de economias
nacionais e sociedades tradicionais dos fluxos do mercado mundial como
estratégia
comunitária
apropriada
das
a
assegurar
condições
de
a
capacidade
reprodução
da
de
base
auto-regulação
material
do
desenvolvimento; da ética, que inscreve a apropriação social do mundo
material em um debate sobre valores de bem e de mal, evidenciando as
interações da base material do desenvolvimento com as condições de
continuidade da vida no planeta. (Ibid, 2001, p. 27)
Deste quadro, Acselrad identifica três principais matrizes discursivas para a
sustentabilidade urbana, no que pretende colaborar para a superação de uma “suposta
imprecisão do conceito de sustentabilidade” (Ibid, 2001, p. 28), que nada mais seria do que
a consequência de uma cacofonia entre os discursos proferidos por diferentes atores.
A primeira destas matrizes se reporta à representação técnico-material da cidade,
incorporando as questões da racionalidade eco-energética e do equilíbrio de um
metabolismo urbano. Sob este viés, geralmente situam-se os aspectos de sustentabilidade
considerados pela arquitetura, direcionados conforme as noções de economia, eficiência e
performance das edificações. A segunda matriz discursiva compreende a cidade como
espaço da qualidade de vida, em que a sustentabilidade deveria assumir um caráter
tangível. Nesta abordagem, estão em pauta as questões socioculturais; a necessidade da
preservação das identidades e do patrimônio; a necessidade da evolução do conceito de
cidadania em prol da sustentabilidade; e a emergência de posturas éticas comprometidas
com o legado às futuras gerações, conjuntamente à disseminação de um ascetismo social,
que se contrapõe a ideia de consumo e crescimento desenfreados. Por fim, a matriz que
discute a legitimidade das políticas urbanas, que deveriam necessariamente refletir as
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demandas de uma agenda sustentável por meio de modelos de eficiência e eqüidade.
(ACSELRAD, 2001)
Neste artigo, não pretendemos nos perguntar sobre o quanto uma arquitetura pode
ser sustentável, mas para quem ela pode ser, identificando nossa abordagem com a matriz
discursiva da qualidade de vida urbana e de uma ética sustentável. Assim, tratamos de
discutir a sustentabilidade como um aspecto dado da condição socioambiental. Nesta
ótica, sustentável é algo que se faz perceber favoravelmente no dia a dia, algo que gera
economia, reduz a poluição ambiental e preserva a natureza para que o contato com ela
seja mantido. Não se trata de uma sustentabilidade abstrata de amazônias longínquas ou
de produtos da construção certificados, não menos perturbadores do meio comum, mas de
uma sustentabilidade de caráter social, que esteja representada nas relações entre homem
e ambiente – sendo este último entendido como inseparável de qualquer tipo de relação
social que se dê, visto que é o próprio habitat do homem. A sustentabilidade do ambiente
urbano deveria ser aferida pela adequação a uma condição de qualidade ambiental para o
espaço público, palco de encontros e suporte ambiental das interações sociais.
CRISE AMBIENTAL E ARQUITETURA
Nossos sistemas atuais de planejamento criaram um mundo que cresce muito além
da capacidade do ambiente de sustentar a vida no futuro. (MCDONOUGH, 2008,
p.437)
A crise ambiental que vivenciamos na atualidade é decorrente dos efeitos não previstos da
Segunda Revolução Industrial. O crescimento exponencial da distribuição de bens e insumos,
juntamente à aceleração dos processos produtivos propiciados pela máquina, gerou, em
contrapartida, um igual crescimento em relação à exploração dos recursos naturais e uma igual
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aceleração no que se refere à devastação e poluição ambientais. Nos anos de 1970, com a
evidenciação dos sinais da crise, amplia-se a compreensão acerca da interdependência entre
humanidade e natureza, baseada na percepção acerca de um mundo que havia se tornado
“extremamente complexo, tanto em seu funcionamento como em nossa capacidade de perceber e
compreender tais complexidades. Nesse mundo complicado, os antigos modos de dominação
perderam a capacidade de controle.” (Ibid, 2008, p.437)
A arquitetura, ao longo do século XX, evolui a partir da industrialização e pré-fabricação
dos elementos construtivos, inicialmente sob a influência do pensamento modernista. A evolução
tecnológica tornou os edifícios grandes consumidores de energia, principalmente devido à difusão
dos sistemas de climatização, entre outros fatores. Estes mesmos sistemas influíram no
surgimento de soluções para ambientes internos desvinculados do meio externo e ainda de
edifícios fechados, que abriram mão de ventilar suas fachadas. Não havia uma percepção dos
inconvenientes destas soluções ou de seu custo ambiental, conforme exemplifica Mcdonough:
Usamos o vidro de modo contraditório. A expectativa de que o vidro nos pusesse
em contato com o ar livre foi completamente anulada pela construção de prédios
fechados. Provocamos estresse nas pessoas por que somos feitos para estar em
contato com o ar livre, mas, em vez disso, ficamos confinados. O problema da
qualidade do ar no interior dos edifícios está se tornando muito sério. As pessoas
estão se dando conta do horror que é ficar confinado em espaços fechados,
principalmente por causa da enorme quantidade de substâncias químicas usadas
atualmente na fabricação das coisas. (Ibid, 2008, p.430)
Uma primeira reação dos arquitetos se deu “com a primeira crise de energia, produzida
pelo grande aumento do preço do petróleo, em 1973, impulsionando o que foi chamado de
arquitetura solar.” (CORBELLA & YANNAS, 2009, p.19)
[A arquitetura solar] se preocupou fundamentalmente em incorporar a energia solar
aos edifícios para contribuir à sua calefação, poupando o consumo de energia
convencional. Pouco a pouco foi renascendo uma arquitetura preocupada na sua
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integração com o clima local, visando a habitação centrada sobre o conforto
ambiental do ser humano e sua repercussão no planeta, a Arquitetura Bioclimática.
(Ibid, 2009, p.19)
Dessa forma, os arquitetos voltam-se às questões do conforto passivo, da redução da
dependência de energia, e da construção vernacular de tradição regional; assuntos que haviam
tido sua importância reduzida com a industrialização.
Nos anos 80 veio o próximo grande choque: as mudanças climáticas. Foi quando
as taxas de redução da camada de ozônio e o aumento dos gases do efeito estufa
e as advertências mundiais tornaram-se aparentes. As previsões feitas pelo Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em 1990, surgiram do aumento
constante das temperaturas globais ao longo dos anos 90, a década mais quente
até então registrada. (ROAF et al, 2006, p.15)
Neste período, conceitos como interdependência e pegada ecológica3 começam a se
tornar familiares, e não seria mais possível ignorar as consequências dos processos industriais.
Está posto o cenário para difusão da arquitetura sustentável, comprometida, por princípio, com a
redução dos impactos dos processos construtivos em toda a sua amplitude.
Evidentemente que o papel do arquiteto na sociedade tem as suas limitações. Estamos
ainda iniciando o processo de incorporar os princípios da sustentabilidade às edificações e aos
processos construtivos. E para que este movimento seja de fato efetivo, cabe uma mudança da
cultura relacionada à construção, abrangendo as diversas instâncias sociais. Como ressalta Sue
Roaf: “deveria estar bem claro que edifícios são os poluentes mais nocivos, consumindo mais da
metade de toda a energia usada nos países desenvolvidos e produzindo mais da metade de todos
os gases que vêm modificando o clima.” (Ibid, 2006, p.11)
3
A expressão pegada ecológica é uma tradução do Inglês ecological footprint e refere-se, em termos de divulgação
ecológica, à quantidade de terra e água que seria necessária para sustentar as gerações atuais, tendo em conta todos
os recursos materiais e energéticos gastos por uma determinada população. Ver: http://www.myfootprint.org/.
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SOCIEDADE, CULTURA E TRANSFORMAÇÃO
Será possível aplicar os princípios da sustentabilidade por partes? Podemos ser
sustentáveis apenas quando vantajoso ou quando nos convém? De que forma a noção de
sustentabilidade se relaciona com os valores da sociedade urbana contemporânea?
Nos últimos anos, pensadores como Michel Foulcault, Jacques Derrida, Gilles
Deleuze, Stanley Fish e Richard Rorty desfraldaram a bandeira do individualismo
nietzschiano; na arquitetura, Peter Eisenman e Bernard Tschumi fizeram o mesmo.
A visão individualista de Nietzsche questiona vigorosamente os pressupostos
aristotélicos acerca do bem-estar do homem, da cidade, da natureza da vida moral,
do papel da razão, e a definição de Aristóteles sobre a autoridade. Não é no
contexto da vida comunitária, mas no da sua progressiva emancipação e em seu
desligamento interior de uma diversidade de papéis e compromissos comunais que
o individuo alcança uma condição de bem-estar. A cidade é, em essência, um
empreendimento econômico que propicia aos indivíduos os bens materiais e o
anonimato necessário à realização de seus planos pessoais. A vida moral é
entendida, sobretudo, em termos de regras que devem ser seguidas quando
convenientes, invocadas quando necessárias à proteção da pessoa e descartadas
quando entram em conflito com a busca de realização dos projetos particulares do
indivíduo. (BESS, 2008, p.407).
Conforme a descrição de Bess, o indivíduo contemporâneo resulta de uma construção
niilista, em que não há valores que se oponham à busca do bem-estar e satisfação pessoais.
Avaliamos que a sustentabilidade, entendida como princípio de caráter coletivo abrangente, para
ser efetiva, deve levar a uma superação do individualismo a partir da conscientização quanto às
consequências futuras da adoção de um padrão de vida (e consumo) insustentável. Não pode
haver uma verdadeira sustentabilidade ao sabor das conveniências. Todavia, uma postura social
egocêntrica pode assumir contornos ainda mais acentuados, segundo denuncia Lipovetsky:
Pela primeira vez, estamos em presença de uma sociedade que, longe de exaltar a
observância dos preceitos superiores, faz deles um uso eufêmico e lança-os ao
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descrédito, deprecia
o ideal da abnegação mediante o estímulo sistemático à
satisfação das aspirações imediatas, à paixão pelo ego, à felicidade intimista e
materialista. [...] E como a cultura do cotidiano não é mais embebida pelos
imperativos hiperbólicos do dever, mas sim pelo bem-estar e pela dinâmica dos
direitos subjetivos, deixamos de reconhecer a necessidade de uma dependência de
qualquer coisa que seja extrínseca a nós. (LIPOVETSKY, 2005, p. xxix)
Aqui, nos deparamos com o recurso ao cinismo, que descredencia qualquer ideia ou valor
que se interponha ao interesse imediato, ou que seja obstáculo ao consumo. Nesta esfera, a
urgência da sustentabilidade é negada por representar um dever e um compromisso para com o
futuro.
Quando relacionamos sustentabilidade e ética, não pretendemos situar está discussão
entre o bem e o mal, numa visão ingênua. Entendemos que se trata de uma necessidade
concreta; em que uma cultura que valorize a coletividade humana e reconheça a interdependência
entre o homem e o ambiente natural, deve ascender, de modo a assegurar um ambiente saudável
para as próximas gerações.
É preciso dar ouvidos às palavras do biólogo John Todd, quando ele diz que nós
temos de trabalhar com máquinas vivas e não com máquinas de morar. Devemos
prestar atenção às necessidades das pessoas, necessitamos de água limpa, de
materiais que não ofereçam perigo, e de durabilidade. (MCDONOUGH, 2008,
p.430)
De toda forma, mesmo compreendendo a complexidade envolvida numa transformação
cultural suficientemente abrangente para a consolidação de uma ética sustentável, já
identificamos um crescente movimento da sociedade neste sentido. Particularmente nas redes
sociais, o interesse e adesão aos temas propostos pela sustentabilidade podem ser constatados e
avaliados. Esta convergência ilustra o comentário de Rifkin:
[...] nossa noção emergente da consciência da biosfera coincide com descobertas
na biologia evolucionaria, na ciência neurocognitiva e no desenvolvimento infantil
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que revelam que as pessoas são biologicamente predispostas a serem solidárias –
que nossa natureza não é racional, isolada, aquisivista, agressiva e narcisista,
como muitos filósofos do Iluminismo sugeriram, mas sim afetuosa, altamente social,
cooperativa e interdependente. O Homo sapiens está cedendo espaço ao Homo
empathicus. Segundo os historiadores sociais, a empatia é a cola social que
permite que populações cada vez mais individualistas e diversas formem vínculos
de familiaridade por domínios mais amplos, de modo que a sociedade possa se
tornar mais coesa. Sentir empatia é tornar-se civilizado. (RIFKIN, 2012, p.255).
DIRETRIZES ÉTICAS PARA A ARQUITETURA SUSTENTÁVEL
O contexto que apresentamos demonstra que a crise ambiental torna necessária uma
mudança de paradigmas, no que se refere à cultura relacionada ao ambiente. Para alcançar este
objetivo, diversos autores têm destacado o papel da educação ambiental na formação de
gerações mais conscientes quanto aos impactos de seus hábitos e atitudes.
Novos modelos de ensino destinados a transformar a educação de uma forma
competitiva para uma experiência de aprendizagem colaborativa e solidária estão
surgindo à medida que escolas e faculdades tentam alcançar uma geração que
cresceu na internet e está habituada a interagir em redes sociais abertas onde a
informação é compartilhada em vez de ser guardada. O pressuposto tradicional de
que ‘conhecimento é poder’ a ser usado para ganho pessoal está sendo substituído
pela noção de que
o conhecimento é uma expressão das responsabilidades
compartilhadas para o bem-estar coletivo da humanidade e o planeta como um
todo” (Ibid, 2012, p.256).
Neste sentido, a conscientização ambiental por meio da educação teria por objetivo
superar a lógica individualista preponderante na sociedade contemporânea, cultivando “a ideia de
um eu autoconsciente, ecológico, estendido, que escolhe ativamente se reengajar na miríade de
relações interdependentes que compõe a biosfera.” (Ibid, 2012, p.261).
O que se pretende é que estes valores, decorrentes dos princípios da sustentabilidade,
passem a integrar uma multiplicidade de agendas profissionais, de modo que um amplo espectro
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de agentes sociais incorporem estes mesmos princípios em suas ações. O pressuposto de uma
ética profissional é comum às distintas disciplinas.
[...] a arquitetura teve, desde seus primórdios, uma função ética de ajudar a exprimir
e inclusive a instituir o ethos humano – o uso da palavra ‘edificar’ ainda alude a uma
relação entre o construir e a ética. A arquitetura do barroco talvez tenha sido a
última a preservar essa função ética, mas os últimos dois séculos abandonaram
essa preocupação. Só muito recentemente a gravidade desse abandono foi
reconhecida. (HARRIES, 2008, p.426).
Mas não foi, justamente, neste lapso temporal aludido por Harries, que se verificou, no
ideário moderno, uma série de proposições que pretendiam beneficiar toda a sociedade? Parece
contraditório, mas em nosso entendimento, o pensamento arquitetônico do século XX foi rico em
propostas de alcance social e ético.
[Segundo Harries,] entretanto, desde o Iluminismo temos dificuldades de levar a
sério a função ética da arquitetura. Essa dificuldade é uma consequência da ênfase
dada à razão e à objetividade. Afinal, não é verdade que o pensamento objetivo e
não a arquitetura é que deveria atribuir ao homem seu lugar? E não é da razão que
o arquiteto deveria receber suas tarefas? Conforme a razão triunfa na ciência e na
tecnologia, a arte se retira da totalidade da vida e afirma sua autonomia como arte
pela arte, ou se converte em mero entretenimento e decoração. Entre todas as
artes, a arquitetura é a única que não pode tomar parte nesse retraimento. O
mundo a obriga a pôr-se a serviço dele. (Ibid, 2008, p.426).
Esta dissociação entre praxis e ethos deve-se em muito ao alinhamento da ética com
valores seculares e dogmáticos de toda ordem, o que leva a uma falta de sentido e consonância
com o período moderno. Contudo, períodos de crise solicitam um retorno ao ethos, desta vez
orientado às necessidades da sociedade contemporânea. Isto se dá, por meio de uma construção
coletiva:
Éticas inteligentes e meticulosas, mais voltadas para o atendimento das
necessidades concretas do homem do que para a realização de desígnios
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abstratos; mais inovadoras do que meramente teóricas; mais abertas às mudanças
realistas do que a concepções dogmáticas; mais atentas a responsabilização
pessoal e menos ao indiciamento compulsório. (LIPOVETSKY, 2005, p. xxxiv)
Em nossa análise, os princípios da sustentabilidade contêm os ingredientes para a
renovação da agenda ética na arquitetura, em estreita sintonia com as demandas do novo século:
[...] existem determinadas leis fundamentais inerentes ao mundo da natureza que
podem ser usadas como modelos e mentores para os projetos do homem. O termo
ecologia provém das raízes gregas Oîkos e Logos, ‘casa’ e ‘discurso lógico’. Assim,
é conveniente, senão imperativo, que os arquitetos tratem da lógica de nossa casa
na Terra. (MCDONOUGH, 2008, p.431)
Durante a Eco-92, no Rio de Janeiro, o grupo William Mcdonough Architects apresentou ao
público os Princípios de Hannover, propondo um posicionamento ético para orientação dos
projetos de arquitetura contemporânea, em que, dentre os aspectos que destacamos, caberia:
Insistir no direito da humanidade e da natureza de coexistir em condições
sustentáveis [...]; reconhecer a interdependência entre os projetos humanos e o
mundo natural e sua dependência deste, com as mais amplas e diversas
implicações em todas as escalas. Estender a reflexão sobre os projetos humanos
ao reconhecimento dos seus efeitos mais distantes [...]; eliminar o conceito de
desperdício. Avaliar e otimizar o ciclo completo dos produtos e dos processos para
imitar os sistemas naturais, nos quais não há desperdício [...]; ater-se aos fluxos
naturais de energia. Os projetos humanos devem tirar suas forças criativas, como o
mundo vivo, do influxo perpétuo da energia solar [assim como das energias eólica e
geotérmica, entre outras tantas formas de energia limpa conhecidas]. Absorver
essa energia de maneira segura, eficiente e utilizá-la de modo responsável [...]; unir
requisitos de sustentabilidade no longo prazo com responsabilidade ética e
restabelecer a relação integral entre processos naturais e atividade humana.
(WILLIAN MCDONOUGH ARCHITECTS, 2008, p. 439-440)
Atualmente, a difusão da arquitetura sustentável em escala global se dá, sobretudo,
através dos processos de certificação promovidos por entidades de fomento, que visam atestar a
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sustentabilidade dos mais diversos empreendimentos. No contexto brasileiro, podemos destacar
as certificações LEED (Green Building Council Brasil), Processo AQUA (Fundação Vanzolini) e
Selo Casa Azul (Caixa Econômica Federal). A importância destas certificações está em
estabelecer novos parâmetros de qualidade para a construção civil, facilmente discerníveis para o
público e para o mercado. Trata-se de um avanço considerável neste campo cujo
desenvolvimento ainda se encontra em seu princípio. Todavia, ressaltamos que não se deve
perder de vista todo o esforço ainda por ser feito em prol de uma sustentabilidade efetiva. Uma
ética sustentável genuína está além das práticas de mercado de hoje, mais orientadas aos
diferenciais competitivos do marketing verde e cumpridoras apenas do estritamente necessário
para a obtenção das certificações.
Se nós vamos sobreviver aos desafios à nossa frente no séc. XXI com um mínimo
de normalidade preservada, teremos que efetuar mudanças radicais no que nós,
como indivíduos, esperamos das infraestruturas de nosso nichos ecológicos,
nossas casas e assentamentos e sociedades. Para isso, teremos que nos
comportar de modo bastante altruísta, não somente em relação as nossas próprias
famílias, amigos e vizinhos, mas também em relação à grande família de nossos
amigos seres humanos. (ROAF et al, 2006, p.21)
ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO E ARQUITETURA BIOFÍLICA4
Na experiência de uma verdade perceptiva, presumo que a concordância até aqui
sentida se manteria para uma observação mais detalhada; confio no mundo.
Perceber é envolver de um só golpe todo um futuro de experiências em um
presente que a rigor nunca o garante, é crer em um mundo. É essa abertura a um
mundo que torna possível a verdade perceptiva. (MERLEAU-PONTY, 2011, P.399)
4
A biofilia, segundo E.O. Wilson, seria um sentido inato aos seres humanos de se ligarem à natureza. O conceito é
desenvolvido no livro The Biophilia Hypothesis. Ver nas referências: Arousing biophilia: a conversation with
E.O.Wilson.
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Nos centros metropolitanos, a crise ambiental é vivenciada com a poluição, a supressão de
áreas verdes, a expropriação e privatização do espaço público e ainda pelo planejamento
orientado ao uso de veículos motorizados em detrimento dos pedestres, entre outros aspectos.
Concomitante à agressividade do meio urbano, observamos uma arquitetura que se fecha, se
isolando deste ambiente para fins de segurança e conforto. Nesse sentido, de que forma a
arquitetura sustentável poderia sanar os problemas de um ambiente urbano deteriorado? Do
nosso ponto de vista, a sustentabilidade só irá se afirmar enquanto cultura, quando efetivamente
percebida e vivenciada no cotidiano em termos qualitativos, independente de certificados, selos ou
quaisquer complementos informativos. Em outras palavras, a arquitetura sustentável deveria
subsidiar a qualidade ambiental do espaço público. Se temos, atualmente, edifícios certificados
que pouco se diferenciam de seus congêneres descompromissados com a sustentabilidade,
causando os mesmos impactos de vizinhança e necessitando de um aparato publicitário para
serem reconhecidos, isto nos leva a refletir sobre o quanto ainda estamos distantes de assumir
uma verdadeira cultura de sustentabilidade, que se reflita num habitat urbano qualificado.
Neste artigo, gostaríamos de agregar um novo conceito que começa a ser discutido, tendo
em perspectiva a proposição de um ambiente urbano saudável e orientado ao conforto humano.
Alguns autores já utilizam o termo arquitetura biofílica ou design biofílico, para se referir a um
desenho de projeto comprometido com a saúde e bem-estar humanos, e caracterizado pela
preocupação com a acessibilidade ao ambiente natural – ou com a integração de elementos da
natureza ao projeto. Um artigo apresentado por pesquisadores do Environmental Structure
Research Group (ESRG), por ocasião do Congresso Ibero-Americano de Habitação Social,
ocorrido em Florianópolis (2006), trouxe este conceito à discussão acadêmica, argumentando que
“as pessoas ficam psicologicamente doentes e hostis em ambientes onde a natureza não está
presente. A biofilia é inata em nossos genes. Os espaços urbanos devem ‘misturar-se com’ e não
‘substituir’ o habitat natural” (BRAIN et al, 2006, P.23). Sobre o conceito de biofilia, Rifkin
esclarece:
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E. O. Wilson, o famoso biólogo de Harvard, diz que um relacionamento íntimo com
a biosfera não é uma fantasia utópica, mas sim uma sensibilidade que faz parte de
nossa biologia, mas que se perdeu pelas eras da história da humanidade. Wilson
acredita que os seres humanos tem um impulso inato para se ligarem à natureza –
5
o que ele chama de biofilia . Por exemplo, ele cita estudos de diversas culturas que
revelam uma propensão humana a preferir horizontes abertos, gramados
exuberantes e campos cheios de árvores e arbustos. Wilson acredita que essa
identificação primal com nossa primeira fase como espécie continua presente no
nosso ser biológico como um tipo de memória genética de nossa ligação biofílica.
Em estudos recentes de pacientes hospitalizados, os pesquisadores descobriram
que quando podiam ver árvores pela janela, paisagens verdes abertas e arbustos,
os pacientes recuperam mais rapidamente a saúde do que aqueles que não tinham
tal exposição, sugerindo o valor restaurador da natureza. (RIFKIN, 2012, p.257)
No âmbito de nosso interesse de pesquisa, dentre as possibilidades projetuais que
potencialmente integrariam uma proposta de arquitetura biofílica, destacamos os espaços de
transição, em particular, como lugares privilegiados de contato com o meio externo. Por espaço
de transição, designamos aqueles ambientes que são gerados a partir de vazios ou saliências do
volume edificado, se interpondo entre o interno e o externo, entre o privado e o público. Estes
espaços, sendo de caráter intermediário, podem assumir características de locais semi-privados
ou semi-públicos. Num contexto em que há uma carência de projetos destinados ao espaço
público urbano, estes espaços são um recurso disponível para a criação de uma arquitetura de
signifição social e de relevância urbana. Por suas características de conforto passivo, agregam um
aspecto bioclimático à edificação, coerente com os princípios da sustentabilidade. Associados ao
projeto de paisagismo e preservação dos elementos naturais na paisagem urbana, formam, em
nossa concepção, um perfeito exemplo do que seria um projeto orientado à biofilia.
Exactly what is a bio-philic city, what are its key features and qualities? Perhaps the
simplest answer is that it is a city that puts nature first in its design, planning, and
5
Idem nota precedente.
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management; it recognizes the essential need for daily human contact with nature
as well as the many environmental and economic values provided by nature and
natural systems. (BEATLEY, 2011, P.45)
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Haja visto a multiplicidade das matrizes discursivas da sustentabilidade propostas por
Acselrad, e no contexto de uma sociedade predominantemente individualista conforme denunciam
Bess e Lipovetsky, “tudo somado, a melhor coisa que se pode dizer sobre ética e arquitetura é
que o interesse existe, mas não há clareza nem consenso acerca do assunto, dentro ou além das
práticas da arquitetura e do projeto urbano, ou da filosofia moral” (BESS, 2008, p.404). Esta
clareza e este consenso, entendemos que estão por ser construídos, e avaliamos que deverão
germinar a partir da evolução do debate sobre a sustentabilidade.
Mesmo a arquitetura sustentável, consideramos que ainda está longe de esgotar suas
possibilidades. Do nosso ponto de vista, há um comprometimento com uma cultura (de mercado)
não orientada aos princípios de sustentabilidade. O conceito básico de interdependência, até o
momento, não está proposto à cidade. Consideramos que a arquitetura direcionada por estes
princípios será verdadeiramente efetiva, no momento em que se traduzir em um espaço urbano
qualificado e saudável, sendo este claramente identificado e percebido como tal.
Mais do que nunca, cumpre rejeitar a ‘ética das certezas’ tanto quanto o
amoralismo da ‘mão invisível’, em favor de uma ética dialogada, com sentido de
responsabilidade, orientada no sentido da busca de uma medida justa entre eficácia
e eqüidade, lucros e dividendos dos assalariados, respeito ao indivíduo e ao bemestar coletivo, presente e futuro, liberdade e solidariedade. (LIPOVETSKY, 2005, p.
xxxv)
6
Tradução livre: “Exatamente o que é uma cidade biofílica, quais são as suas principais características e qualidades?
Talvez a resposta mais simples é que seja uma cidade que coloca a natureza em primeiro plano, em sua concepção,
planejamento e gestão, e que reconhece a necessidade essencial do contato humano diário com a natureza, bem como
os muitos valores ambientais e econômicos oferecidos pela natureza e pelos sistemas naturais".
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AS RECENTES TRANSFORMAÇÕES URBANAS NO ABC PAULISTA
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar as recentes transformações urbanas que estão ocorrendo no
ABC Paulista ao longo dos últimos quinze anos através do estudo de três casos: a transformação na área
da antiga Tecelagem Tognato em São Bernardo do Campo, o Espaço Cerâmica em São Caetano do Sul e o
projeto Cidade Pirelli em Santo André.
A comparação destes empreendimentos com outros exemplos internacionais mostra algumas diferenças
fundamentais que explicam o porquê destas intervenções permaneceram apenas no âmbito imobiliário e
não avançam para a categoria de Projetos Urbanos.
Além disso, os exemplos internacionais e as conclusões a que estudiosos e especialistas sobre o assunto
chegaram revelam a importância do papel dos governos na questão do Projeto Urbano.
Palavras-chave: Empreendimentos Imobiliários, Projetos Urbanos, ABC Paulista
ABSTRACT
This article aims to analyze the recent urban transformations that are occurring in the ABC Paulista over the
last fifteen years through the study of three cases: the transformation in the area of ancient Tecelagem
Tognato in São Bernardo do Campo, Espaço Cerâmica in São Caetano do Sul and CidadePirelli in Santo
André.
The comparison of these ventures with other international examples shows some fundamental differences
that explain why these interventions remained only within real estate and not advance to the category of
Urban Projects.
In addition, international examples and the conclusions that scholars and experts on the subject came reveal
the important role of governments on the issue of Urban Design.
Keywords: Real Estate Developments, Urban Projects, ABC Paulista.
278
AS RECENTES TRANSFORMAÇÕES URBANAS NO ABC PAULISTA
Cássia Calastri Nobre
1
Nadia Somekh
2
Em toda a Região Metropolitana de São Paulo é possível perceber grandes
transformações urbanas. São inúmeros empreendimentos imobiliários ocupando grandes
terrenos disponíveis em centralidades antes estritamente industriais.
Em especial, a Região do Grande ABC apresenta um número bastante elevado deste
tipo de empreendimento. A maior parte deles partindo de empresas privadas do setor
imobiliário e, em alguns casos, de grandes empresas que, ao reformularem sua linha de
produção abriram espaços em grandes terrenos.
Para analisar estas transformações, tomamos como exemplo os empreendimentos na área
da Antiga Tecelagem Tognato em São Bernardo do Campo, o Espaço Cerâmica em São
Caetano do Sul e o Cidade Pirelli em Santo André.
1. A ANTIGA TECELAGEM TOGNATO
A Tecelagem Tognato foi fundada no início do século XX pela família de imigrantes
italianos Tognato. Inicialmente a fábrica foi instalada em Santo André.
Mas o crescimento da fábrica e o grande consumo de água fizeram com que a tecelagem
mudasse para o bairro Baeta Neves, na Avenida Pereira Barreto, em São Bernardo do Campo,
ocupando uma área de 75 mil metros quadrados de um terreno de 220 mil metros quadrados no
1
Arquiteta e Urbanista, aluna de mestrado do Curso de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
[email protected]
2
Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie
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total, mas que dispunha de poços artesianos, fundamental para as atividades da tecelagem. A
mudança de toda a produção da Tognato foi concluída em 1952. (JESUS, 2009)
Na década de 1970 a fábrica chegou a ter 2700 funcionários. Mas com a modernização da
linha de produção, este número começou a decrescer no início da década de 1990, chegando a
apenas 300 funcionários em dez anos. É neste período que a tecelagem muda-se novamente
para um condomínio industrial na Rodovia Anchieta, reduzindo a sua área de produção de 75 mil
metros quadrados para dezoito mil metros quadrados.
O terreno de 220 mil metros quadrados na Avenida Pereira Barreto permaneceu
praticamente desativado entre os anos de 2000 e 2007.
A Tognato pretendia criar neste espaço um empreendimento imobiliário que seria chamado
“Cidade Tognato”, um condomínio multiuso composto por torres comerciais, empresariais,
residenciais e espaços de lazer.
O projeto foi aprovado na prefeitura, mas não atraiu investidores do segmento imobiliário.
Sem capital para colocar o projeto em prática, a Tognato entrou em declínio. As dívidas tributárias
com o município por falta de pagamento de IPTU pelo terreno da Avenida Pereira Barreto
acarretaram na falta de investimentos na própria produção da tecelagem, atrasando pagamentos
de funcionários, o aluguel do galpão da Rodovia Anchieta e levando a empresa à falência em
meados de 2006. A marca Tognato foi incorporada a outra empresa do ramo de exportação.
Uma parte do terreno, cerca de quarenta e quatro mil metros quadrados, foi entregue à
Prefeitura de São Bernardo do Campo como pagamento da dívida. Esta área abrigou um terminal
de ônibus.
Em 2007 houve um leilão desta área e as incorporadoras Cyrela e Abyara (mais tarde
PDG) adquiriram todo o terreno e iniciaram as demolições dos galpões da antiga tecelagem para
dar lugar a alguns condomínios, seguindo as mesmas diretrizes dos condomínios clube.
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O empreendimento mais significativo que se implantou no terreno da antiga tecelagem foi o
Domo da PDG, que se subdividiu em outros empreendimentos: Domo Life, Domo Home, Domo
Prime e Domo Business.
Ainda neste terreno estão em construção outros dois empreendimentos: o Auge Home
Resort da Cyrella e o Venturi Residencial também da PDG.
Estes empreendimentos, assim como outros condomínios clube, atraem um público
bastante específico. Os apartamentos ali comercializados possuem área privativa entre 120m² e
270m² e os preços destes apartamentos variam entre R$ 500.000,00 e R$ 1.200.000,00 reais3.
As incorporadoras adotaram este modelo como uma nova estratégia de valorização do
produto imobiliário, prometendo exclusividade e segurança.
Nesse sentido, as pessoas pagam o preço não apenas do metro quadrado privativo, mas
pagam ainda mais pela ideia da segurança dentro do condomínio, que terá à disposição todos os
elementos de lazer de que precisar, sem se submeter aos perigos da violência urbana fora dos
muros dos condomínios.
A imagem mais emblemática desse conceito é justamente o anúncio publicitário de um dos
empreendimentos que circulou em muitos jornais na época de seu lançamento. Trata-se de uma
redoma de vidro sobre o terreno e a frase “uma cidade dentro da cidade”.
3
Dados fornecidos pela PDG em seu site www.pdg.com.br
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Figura 1 - Divulgação do Domo Home no jornal Folha de S. Paulo de outubro de 2007.
Para as incorporadoras o condomínio clube é um grande negócio, pois é possível
aumentar consideravelmente as áreas comuns dos empreendimentos, reduzindo o percentual de
ocupação, como observado por pesquisadores sobre este tema na região do ABC:
Assim, muitos empreendimentos não atingem os coeficientes máximos permitidos
na zona onde se localizam, simplesmente porque seus agentes promotores
consideram que ter uma área de lazer ampla e exclusiva, com grandes áreas
verdes no entorno, agrega mais valor ao metro quadrado construído, aumentando
a rentabilidade do empreendimento para além do que se obteria com a ampliação
de sua massa edificada. Muitas vezes o incremento dos itens de lazer nestes
empreendimentos é assumido como dispositivo de compensação à redução das
áreas úteis das UHs, o que resultaria em um procedimento bem menos
dispendioso para o agente promotor. (SÍGOLO, 2011)
Cria-se uma valorização parcialmente descolada do processo produtivo, que tem no
marketing imobiliário um grande aliado, por contribuir tanto na elevação do preço do produto
imobiliário quanto na velocidade das vendas.
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Figura 2 - Área da Antiga Tecelagem Tognato. Imagens aéreas de 1958 e 2013 respectivamente.
Fonte: www.geoportal.com.br e https://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=il
Embora as taxas de ocupação não sejam tão altas devido às amplas dimensões dos
terrenos, a concentração de pessoas aumentará consideravelmente nesta região. Ainda não é
possível dimensionar os impactos, pois boa parte dos empreendimentos está em construção e
muitos dos imóveis entregues permanecem desocupados. Mas pode-se observar que pouco foi
feito na infraestrutura local. Apenas a Avenida Pereira Barreto foi duplicada neste trecho.
Este terreno fica numa região central, muito próxima ao Paço Municipal de São Bernardo
do Campo, área bastante conhecida pelos engarrafamentos nos horários de pico e grandes
enchentes nos períodos de chuva.
Mais uma vez observamos a falta de infraestrutura urbana e de transporte para equalizar
os impactos da implantação de um empreendimento de tamanha proporção.
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2. O ESPAÇO CERÂMICA
A Cerâmica São Caetano, que deu o nome ao bairro Cerâmica foi fundada em 1913 e
ocupava uma área de 360 mil metros quadrados. Os principais produtos eram os ladrilhos, telhas
e tijolos refratários.
O Bairro Cerâmica, no entorno da fábrica, desenvolveu-se ao longo do século passado em
função da empresa.
Em 1998 a área da cerâmica foi adquirida pelas empresas Sobloco e Magnesita. A fábrica
foi totalmente desativada em 2003.
Ao longo dos dez últimos anos foram feitas obras viárias para melhoria no entorno. A
Avenida Fernando Simonsen foi prolongada, a Rua Engenheiro Armando de Arruda Pereira e a
Avenida Guido Aliberti foram duplicadas e foi construída uma ligação entre a Guido Aliberti e a
Avenida do Estado. A prefeitura de São Caetano do Sul fez um convênio com o município de São
Paulo para fazer outra ligação, pela Via Anchieta.
Figura 3 - Imagens aéreas da Cerâmica São Caetano em 1958 e a mesma área em 2013. Fontes:
www.geoportal.com.br e https://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=il.
Esta área é frequentemente afetada por enchentes. Algumas medidas foram tomadas:
construção de uma galeria, de 2,00m x 3,00m, e de um piscinão que comporta 235 mil m³ de
água, através de convênio com o Governo do Estado.
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Estas obras de infraestrutura foram executadas pela Prefeitura de São Caetano, pelo
Governo do Estado de São Paulo, pela AES Eletropaulo, Departamento de Águas e Esgotos do
Estado (DAEE).
Com relação à implantação, o projeto prevê uma maior parte para o uso comercial, cerca
de 70% da área útil e 30% da área é destinada ao uso residencial.
A área comercial está voltada principalmente para a Avenida Guido Aliberti e a área
residencial está voltada para a Avenida Fernando Simonsen e R. Engenheiro Armando Arruda
Pereira.
Boa parte dos edifícios residenciais está em construção ou já foram lançados. São
apartamentos de alto padrão, entre 135 e 180m², com preços que variam entre R$ 934.000,00 e
R$ 1.500.000,00, segundo as imobiliárias locais. Os edifícios apresentam inúmeros itens de lazer
e serviços.
Os empreendimentos comerciais também estão sendo lançados aos poucos. O Park
Shopping foi o primeiro empreendimento entregue e está em funcionamento desde novembro de
2011. O último lançamento é o empreendimento SAO da Gafisa que conta com hotéis, salas
comerciais e várias lojas.
O projeto do Espaço Cerâmica recebeu muitas críticas por parte de associações de
moradores vizinhos ao empreendimento.
Os jornais locais noticiaram por várias vezes interrupções das obras devido à falta do
Estudo de Impactos Ambientais.
A preocupação da vizinhança com a implantação do projeto deve-se às recorrentes
enchentes no local. A Sobloco elevou a cota do seu terreno quando fez a infraestrutura enterrada.
Do ponto de vista urbanístico, a implantação do Espaço Cerâmica remete alguns
questionamentos.
Como já apresentado, os condomínios residenciais são de alto padrão, muito diferente do
padrão das casas do entorno.
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A implantação de condomínios multiuso vem sendo utilizado como resposta pelo mercado
imobiliário à ocupação dos vazios urbanos, os baldios da sociedade industrial.
De certa forma estes condomínios são bem aceitos porque trazem a promessa de retomar
o crescimento da região do ABC Paulista, gerar empregos, elevar o padrão das habitações e criar
um “marketing imobiliário” que ajuda a atrair mais investimentos para as cidades.
Trata-se de um caso a ser observado depois de sua implantação total. Como será
vivenciado? Quais hábitos serão criados a partir desta experiência? O entorno se modificará para
acompanhar o padrão estabelecido pelo empreendimento? A cidade permanecerá segregada
pelos muros que cercam o Espaço? Este será um modelo a ser adotado em outras cidades?
Estas são algumas questões que ainda não tem resposta. Mas este caso deverá ser observado
por muitos anos e servirá de parâmetro para outras intervenções urbanas.
3. O PROJETO CIDADE PIRELLI
Dos casos apresentados neste artigo, o Cidade Pirelli é o único que contou com uma lei de
Operação Urbana, dando ao empreendimento um caráter de projeto urbano.
A Pirelli em Santo André, a exemplo do que ocorria com várias indústrias da região
apresentava grande parte de seu terreno esvaziado por mudanças na sua linha de produção, pela
criação de outras unidades em municípios no interior do Estado de São Paulo ou em outras
regiões do país.
A empresa do grupo Pirelli em Milão responsável pela implantação do La Bicocca, a Milano
Centrale (mais tarde Pirelli &C. Real Estate) montou um escritório em Santo André para coordenar
o projeto que tinha como base os princípios adotados no projeto La Bicocca em Milão, sede da
empresa italiana4.
4
Em Milão, a Pirelli criou o La Bicocca, um grande projeto urbano que buscava trazer para a área industrial da empresa,
usos diversificados, como universidade, sedes de grandes empresas e residências. Resultado de um concurso, o La
Bicocca foi projetado por Vittorio Gregotti e revitalizou toda a área industrial obsoleta ao norte da cidade.
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O projeto Cidade Pirelli foi projetado por Edo Rocha e trazia uma proposta de vários
edifícios e trazia um caráter multiuso que ia de encontro com as diretrizes do Projeto do Eixo
Tamanduatehy5 para diversificar o uso da área industrial.
Após acordos e reuniões entre a empresa e a prefeitura do município, em 1998 foi criada
pelo então prefeito de Santo André, Celso Daniel, a Lei 7747 que:
“INSTITUI A OPERAÇÃO URBANA PIRELLI, DESAFETA ÁREA E TRANSFERE PARA
CATEGORIA DE BEM PÚBLICO DOMINIAL, AUTORIZA A PERMUTA DE ÁREAS PÚBLICAS,
ALTERA PARÂMETROS URBANÍSTICOS NAS ÁREAS QUE ESPECIFICA, CRIA O FUNDO DE
DESENVOLVIMENTO URBANO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”.
Nesta lei constava uma série de intervenções a serem executadas por empreendedores
privados em parceria com a Prefeitura Municipal de Santo André, com o objetivo de promover
transformações urbanísticas estruturais através da melhoria do sistema viário, da requalificação
urbana da área de que trata esta Lei, da valorização ambiental da região, e da implantação de
equipamentos para prover a cidade de infraestrutura necessária ao seu desenvolvimento
econômico.
A lei estabelecia que algumas ações que deveriam ser executadas com a participação dos
proprietários, incorporadores, compromissários compradores ou possuidores de imóveis
localizados na área objeto desta Operação, visando à melhoria e valorização ambiental do local,
mediante a execução das seguintes ações:
•
Reurbanização de parte da Avenida Giovanni Battista Pirelli com implantação
de praça urbanizada;
5
•
Execução de viaduto sobre a via férrea;
•
Alterações do sistema viário;
O Projeto do Eixo Tamanduatehy abrangia toda área ao longo da Avenida dos Estados em Santo André e deu origem
a um importante modelo de Operação Urbana criado em 1997, o qual empregava uma série de incentivos e benfeitorias,
inclusive políticas e de parcerias público-privadas para o desenvolvimento da área e a retomada do crescimento do
município.
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•
Construção de unidade escolar.
Quase todas estas ações foram executadas, inclusive as permutas que alteravam as áreas de
propriedade da Pirelli. Estas obras foram realizadas no período entre a implantação da Lei em
1998 a 2001.
Os incentivos ou benefícios previstos na lei eram:
“(...) mudança de zoneamento e alteração dos índices urbanísticos e fiscais, como
isenção de IPTU. Assim, além de área industrial, a área abrangida pela Operação
Urbana poderia abrigar, mediante outorga onerosa, os seguintes usos: residencial,
comércio diário e ocasional, prestação de serviços e estacionamento comercial.
Outro benefício proporcionado pela lei seria a alteração dos índices urbanísticos,
com normas especiais e mais vantajosas no que diz respeito à altura das
construções e índice de construção em relação ao total. Por fim, a lei criou o
Fundo de Desenvolvimento Urbano/ FDU e estabeleceu que os recursos
depositados na forma de outorga onerosa seriam creditados no mesmo, em conta
vinculada à Operação Urbana Pirelli. Chama atenção a composição do Conselho
Diretor que faria a gestão deste fundo: três membros ligados à administração
municipal: um representante da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e
Habitação, um membro da Secretaria de Serviços Municipais e um do Núcleo de
Planejamento Estratégico. Nenhum representante da sociedade civil, de
movimentos sociais, ou dos moradores envolvidos na operação. Os recursos
deveriam ser aplicados no pagamento de desapropriações, relacionadas à
implantação as obras, bem como em projetos e obras referentes a programas de
requalificação urbana desenvolvidos em outras áreas da cidade.
Já a lei 7748, também se refere à (OUP), mas trata da isenção de IPTU aos
proprietários de imóveis, situados no perímetro da OUP que, para realização da
operação: doassem imóvel; executassem obras e serviços e/ou fizessem doações
em dinheiro ao Fundo de Desenvolvimento Urbano. A lei apresenta a fórmula para
cálculo de isenção e os prazos para contagem de isenção. Segundo os
proponentes, ao final da operação viabilizar-se-ia a “Cidade Pirelli”. (SILACC,
2010).
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O Projeto Cidade Pirelli também era coordenado pela Pirelli &C. Real Estate que criou uma
filial brasileira em 1997 para coordenar o empreendimento no Brasil.
Diferente do projeto La Bicocca, não houve concurso para o projeto brasileiro. O master
plan desenvolvido para a fábrica de Santo André foi elaborado pelo escritório Edo Rocha.
O projeto buscava integrar-se a outros empreendimentos vizinhos, também inseridos no
Projeto Eixo Tamanduatehy, como o Global Shopping e os hipermercados Carrefour e Wal Mart.
Para tal, uma série de melhorias urbanas e interligações entre vias estavam prevista,
principalmente a interligação com a Avenida dos Estados.
Figura 4 - Localização dos empreendimentos. Fonte: Google Maps, 2013. Elaborado pela autora
Internamente, o Plano Diretor propunha múltiplos usos independentes, criando uma nova
centralidade com inovação tecnológica e segurança numa área de aproximadamente 250 mil m².
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Figura 5 - Implantação do Projeto Cidade Pirelli. Fonte: Escritório Edo Rocha. Material de Divulgação de
2000.
O projeto estava dividido em três fases e compreendiam:
•
Centro de negócios voltado para pequenas e médias salas comerciais, além de
grandes lajes corporativas;
•
Centro Comercial, com cinemas, lojas, alimentação e conveniência com
funcionamento 24 horas por dia, garantindo um fluxo de pessoas constante;
•
Hotel e Centro de Convenções com cerca de 200 quartos, salas de reunião e
convenção, auditório e amplo estacionamento;
•
Edifício Garagem para dar suporte a todas as atividades do empreendimento;
•
Espaço Multiuso para trazer à região grandes espetáculos e shows;
•
Edifícios Lowtech e Hightech que objetivavam atender às empresas que
precisavam unir sua área administrativa à produção e estocagem.
Assim como o La Bicocca, o escritório responsável pelo projeto atuava no projeto
urbanístico e dos edifícios.
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Havia uma grande preocupação com as circulações e com a implantação dos espaços
livres com a criação de praças.
Dos edifícios existentes previa-se manter apenas o edifício da Pirelli Cabos, hoje o edifício
da Prysmian, projetado por Rino Levi e uma antiga gráfica que seria restaurada e transformada
em praça.
Em 2010 a empresa Brookfiled São Paulo Empreendimentos Imobiliários S/A, divisão da
Brookfield Incorporações no estado de São Paulo, comprou parte do terreno destinado à Cidade
Pirelli. Esta área abrigava o antigo setor têxtil da Pirelli e já estava desativada. As demolições dos
galpões ocorreram em 2000, quando as obras de duplicação da Rua Giovanni Battista Pirelli
estavam em andamento.
Esta área, depois da demolição dos galpões, foi comercializada em 2001. A UniABC,
universidade local com sede na Avenida Industrial em Santo André pretendia implantar parte do
seu campus nesta região. Os jornais da época noticiaram que a operação custou cerca de sete
milhões de reais por uma área de aproximadamente 40 mil m².
Mais tarde a Pirelli recomprou a área e, finalmente a revendeu para a Brookfield.
O projeto desenvolvido para esta área é bastante parecido com os outros projetos que
estão em andamento no Grande ABC, principalmente com o projeto do Espaço Cerâmica.
O projeto recebeu o nome de Brookfield Century Plaza, está inserido numa área de pouco
mais de 26 mil m² e compreende:
•
Shopping Center de 360 lojas;
•
Torre de Escritórios com 30 andares e 506 salas;
•
Torre de Hotel do grupo Accor (Ibis e Novo Hotel) com 24 andares e 355 apartamentos,
além de salas de convenção, restaurantes e outros usos;
A área residencial do empreendimento recebeu o nome de Brookfield Century Plaza Living
para apartamentos menores de dois ou três dormitórios e plantas de 57m², 60m² ou 80m². O
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residencial com apartamentos maiores de três e quatro dormitórios com plantas entre 80m² e
107m² recebeu o nome de Brookfield Century Plaza Residence.
Embora o conceito dos dois projetos seja muito parecido com a implantação de diversos
usos para a região, a fim de proporcionar um fluxo continuo de pessoas que possam habitar e
utilizar este espaço de variadas formas, o projeto do Arq. Edo Rocha se insere na paisagem com
mais cuidado em relação ao entorno, com edifícios mais baixos, com no máximo onze andares.
Também a preocupação em criar espaços para setores industriais organizarem sua produção
modernizada e permanecerem na região mostra uma atenção maior à problemática do Grande
ABC que continua sendo a região mais industrializada do país.
4. O PAPEL DO PODER PÚBLICO NAS TRANSFORMAÇÕES
Estes três empreendimentos imobiliários partiram da iniciativa privada. Os casos da
Tecelagem Tognato e o Espaço Cerâmica ocupam áreas antes industriais e que foram adquiridas
por empresas do setor imobiliário para tornarem-se empreendimentos. O caso da Pirelli apresenta
uma dinâmica um pouco diferente, pois começou dentro da própria fábrica e contou com o apoio
da empresa imobiliária do grupo, seguindo a experiência da matriz italiana, o que gerou uma lei de
Operação Urbana. Mas que, por fim acabou resultando na aquisição de parte do terreno
disponível também por outra empresa do ramo imobiliário.
Nas três municipalidades o poder público manteve-se no papel de legislador, garantindo o
cumprimento das diretrizes físicas de ocupação dos terrenos e participou em pequena escala das
intervenções viárias e das poucas intervenções de infraestrutura. No caso da Pirelli, a prefeitura
de Santo André teve uma participação mais ativa devido à Operação Urbana, mas acabou por
executar uma importante contrapartida que deveria ter sido cumprida pela Pirelli de acordo com a
lei da Operação Urbana. Trata-se do viaduto Cassaquera, importante ligação entre as duas
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margens do Rio Tamanduatehy e da Avenida dos Estados, cuja obra custou cerca de trinta
milhões de reais6.
Intervenções desse tipo onde a participação dos governos locais é tímida e restrita
resultam em empreendimentos isolados, fechados com muros e grades. São ilhas no meio da
cidade onde antes ficavam terrenos vazios que prometem, através de um marketing eficiente,
comodismos e segurança. Mas apenas para quem pode pagar. O entorno continua esquecido,
perdido numa paisagem de contrastes.
Nestes casos citados ainda é cedo para chegar a alguma conclusão, mas que mudanças
ocorrerão no entorno a partir da implantação destes empreendimentos? Continuarão segregados,
numa paisagem desconexa? Ou as populações aos poucos mudarão devido a uma possível
valorização dos terrenos?
Para os especialistas o papel do Estado nas intervenções vai além das aprovações e
emissão de alvarás. Os projetos em grande escala são obras públicas pela natureza de sua
importância e seu impacto, embora isso não signifique que sejam de propriedade total do Estado.
Não obstante, a complexidade das redes de participantes envolvidos direta e indiretamente, a
variedade de interesses e inúmeras contradições inerentes aos grandes projetos fazem
necessário que o setor público assuma a liderança da gestão. A escala territorial destas
operações depende essencialmente do respaldo dos governos municipais. (LUNGO, 2005).
Nuno Portas faz uma importante análise sobre a ocupação destes terrenos vazios:
Esta dinâmica de transformação dos vazios em oportunidades tem, ou melhor,
pode ter, potencialidades positivas (de renovação funcional ou ambiental), mas
também pode ter efeitos perversos se essas potencialidades não forem orientadas
pelas autoridades como elementos estratégicos para a reestruturação do território
urbano ou metropolitano. Quer os proprietários privados quer o patrimônio público
procuram antes de tudo o “salto” do valor fundiário que, em geral, só certas
atividades ou tipos de edificação podem pagar ("shoppings" sim, parques urbanos
6
Valor noticiado nos jornais locais como o ABCD Maior na reportagem “Viaduto Cassaquera abre para desafogar o
trânsito”. Reportagem de Vanessa Celicani em 18/06/2008
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ou instalações universitárias não...) e, portanto, talvez só os grandes vazios
consigam fazer a perequação das rendas diferenciais no âmbito de uma única
operação e ao mesmo tempo dotar a área, onde se encontra o vazio, de
equipamentos alguns coletivos significativos ou áreas públicas mais generosas.
(PORTAS, 2000).
Infelizmente nos casos das transformações do ABC o que se observa é muito mais a
ocupação dos espaços com as atividades ditas rentáveis. Tanto o Espaço Cerâmica quanto o
Brookfield Century Plaza foram desenhados a partir de shoppings e o complexo Domo também se
instalou ao lado de um shopping que já existia no terreno vizinho.
Comparando os casos do ABC Paulista com o projeto La Bicocca da Pirelli em Milão,
alguns fatores foram fundamentais para que o projeto italiano fosse bem sucedido. Porém, o mais
importante destes fatores é a questão da gestão.
O projeto La Bicocca teve início nos anos de 1980 e até 2004 ainda estava sendo
implantado. Ou seja, o planejamento em longo prazo é essencial para que as transformações
sejam consolidadas, monitoradas e eventualmente corrigidas.
Neste caso do La Bicocca a parceria entre o município de Milão e a empresa Pirelli se
estabeleceu através de uma agência, como é comum acontecer em empreendimentos desse tipo
na Europa. A Agenzia Sviluppo Nord Milano (ASNM) teve o papel de articular os municípios
envolvidos nas transformações industriais na região, incluindo Sesto San Giovanni que teve 70%
de sua área industrial esvaziada.
Foi criada uma Zona Especial Bicocca para atender às exigências normativas.
A coordenação do empreendimento ficou a cargo da Pirelli, através da sua empresa Milano
Centrale Sp.A, que mais tarde recebeu o nome de Pirelli &C. Real Estate. Esta empresa tornou-se
uma das mais importantes incorporadoras da Europa devido ao sucesso do projeto La Bicocca,
segundo a empresa. Seu papel como coordenadora era decidir sobre os programas e atividades a
serem incorporadas, mas sempre remetendo à ASNM.
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A ASNM foi incorporada à Agência de Desenvolvimento Milano Metropolit em 2005. Desde
1996 ela desempenhava o papel de responsável pela reindustrialização e reconversão econômica
e social no norte de Milão após o fechamento de importantes fábricas na região.
A Agência de Desenvolvimento Milano Metropolit tem a função de dar continuidade a esse
papel desenvolvido pela ASNM garantindo a articulação regional. É uma sociedade formada por
capital privado e principalmente público. Tem como objetivo a promoção e o desenvolvimento
sustentável da área metropolitana de Milão através de ações de desenvolvimento territorial (ações
de marketing territorial e de comunicação); suporte a setores econômicos estratégicos (traçar
planos para apoiar negócios em diferentes setores importantes para a área e ações de
reindustrialização, micro e pequenas empresas); projetos de desenvolvimento urbano para dar
suporte às agências locais com seus planos de reconversão de instalações industriais
abandonadas a fim de garantir os objetivos e a qualidade das intervenções (MILANO
METROPOLI, 2011).
Neste sentido, as intervenções urbanas necessitam ser pensadas como parte de uma
cidade e, no caso do ABC Paulista, como parte da metrópole. É fundamental, portanto, que as
articulações e infraestruturas permitam que as intervenções sejam mais do que empreendimentos
imobiliários.
As
infraestruturas que
deverão
ser
construídas
ou
reformadas para estender
adequadamente os serviços urbanos básicos às áreas de urbanização precária, assim como
aquelas que serão constituídas para promover a articulação de diversos núcleos do território
metropolitano contemporâneo, deverão ser projetadas para, mais do que viabilizar um serviço
específico, modular espacialmente a urbanização, através da construção de estruturas perenes e
legíveis. Deverão ser projetadas visando construir e configurar lugares adequados à vida urbana e
imagens singulares e referenciais na paisagem, contribuindo, assim, para o surgimento de
identidades urbanas nas diversas escalas e, consequentemente, para a formação de uma relação
afetiva dos habitantes com as suas cidades. (BRAGA, 2006).
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Alguns destes empreendimentos como o Cidade Pirelli e o Espaço Cerâmica trazem o
discurso de criar uma nova centralidade, um novo polo, ou ainda um polo tecnológico. Mas a
questão da mobilidade e da integração desta nova centralidade com a cidade como um todo fica
em segundo plano.
A ideia de fazer cidade traz hoje uma questão chave que os grandes projetos urbanos
devem resolver: a dialética entre centralidade e mobilidade. Ou como otimizar os ativos da cidade
metropolitana mediante projetos reestruturadores (de reconversão) que possibilitam a reprodução
ampliada da cidade como capital fixo, capital humano e capital simbólico. Estes projetos físicos
são a materialização de processos e iniciativas de caráter econômico, social, cultural, político e de
imagem. O projeto físico é um compromisso entre autoridades políticas, dirigentes empresariais
profissionais, agentes culturais e representantes sociais. (BORJA, 1997).
Os empreendimentos adotados como casos neste artigo deixam clara a ausência de uma
articulação entre seu terreno e a cidade onde se insere. Isso os impedem de serem considerados
Projetos Urbanos, não passando de empreendimentos imobiliários.
Porém, ainda não é possível concluir uma análise mais ampla sobre estes
empreendimentos que é justamente no que se refere aos impactos que estes empreendimentos
têm para a cidade.
Onde antes existiam terrenos desocupados que contribuíam para uma paisagem típica de
baldio industrial, hoje existem grandes aglomerados que ainda estão em fase de implantação.
Que impactos estes empreendimentos trarão às suas cidades se não há articulação entre
os terrenos e o entorno? Só o ganho de capital fixo será suficiente para suprir as necessidades
causadas por esses impactos?
Através das caraterísticas em comum que estes empreendimentos trazem, fica claro que
as vantagens estão muito mais com as empresas do setor imobiliário do que com a cidade como
um todo.
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LISTA DE FIGURAS:
Figura 1 - Divulgação do Domo Home no jornal Folha de S. Paulo de outubro de 2007. ... 281
Figura 2 - Área da Antiga Tecelagem Tognato. Imagens aéreas de 1958 e 2013 respectivamente.
Fonte: www.geoportal.com.br e https://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=il.......... 282
Figura 3 - Imagens aéreas da Cerâmica São Caetano em 1958 e a mesma área em 2013. Fontes:
www.geoportal.com.br e https://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=il..................... 283
Figura 4 - Localização dos empreendimentos. Fonte: Google Maps, 2013. Elaborado pela autora
.......................................................................................................................................... 288
Figura 5 - Implantação do Projeto Cidade Pirelli. Fonte: Escritório Edo Rocha. Material de
Divulgação de 2000. .......................................................................................................... 289
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRAGA, Milton Liebentritt de Almeida. Infraestrutura e Projeto Urbano, Tese de Doutorado,
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Curso de Pós Graduação em
Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, 2006
BORJA, Jordi y CASTELLS, Manuel. Local y global. La gestión de las ciudades en la era de la
información. Madrid. Grupo Santillana de Ediciones, 1997.
JESUS, Leandra Brito. A Tecelagem Tognato e as Transformações do Espaço Industrial em São
Bernardo do Campo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Geografia.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência s Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo,
2009.
LUNGO, Mario. Grandes proyectos urbanos: Desafío para las ciudades latino-americanas (Land
Lines Article). Espanha, out 2002. Lincon Institute of Land Policy.
Disponível em:
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http://www.lincolninst.edu/pubs/946_Grandes-proyectos-urbanos--Desaf%C3%ADo-para-lasciudades-latinoamericanas.
LUNGO, Mario. Globalización, grandes proyectos y privatización de la gestión urbana. Mundo
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Universidad
Nacional
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Quilmes.
Quilmes,
2005.
Disponível
em:
http://www.mundourbano.unq.edu.ar/index.php/ano-2005/47-numero-25/177-2-globalizaciongrandes-proyectos-y-privatizacion-de-la-gestion-urbana.
LA BICCOCCA ABITATA, Quaderni della Biccocca (2000).
MONGIN, O. A Condição Urbana: a cidade na era da Globalização. São Paulo: Estação
Liberdade, 2009
PORTAS, Nuno. Do vazio ao cheio, In Caderno de Urbanismo n° 2, Vazios e o planejamento das
cidades, [s.l.]: SMU, 2000. Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/smu. Acesso em 01/10/2013.
SÍGOLO, Leticia Moreira. As Dinâmicas recentes do mercado formal de moradia no ABCD. XIV
Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro, 2011.
SILACC 2010 – Simpósio Ibero Americano Cidade e Cultura: Novas Territorialidades. Título:
Projetos urbanos: alianças e conflitos na reprodução da metrópole. Sessão Temática: STO2
Tensões, relações e liminaridades na cidade contemporânea.
SOMEKH, Nadia. Transformações urbanas contemporâneas. In Com Ciência Revista
Eletrônica de Jornalismo Científico. Brasília, 2010. Disponível em:
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=56&id=710. Acesso em 01/10/2013.
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INTERVENÇÕES URBANAS: MAIS PROCESSO, MENOS “DESIGN”
RESUMO:
As últimas três décadas produziram mais mudanças, em mais culturas, do que qualquer outro período na
história. O crescimento acelerado e a globalização redesenharam os mapas e estabeleceram novos
parâmetros, fazendo surgir novas condições espaciais, que requerem novas definições.
Hoje, se torna difícil representar as relações em teia de uma região, pois faltam instrumentos de
observação, percepção, leitura e representação da megacidade. Conforme demonstram alguns autores, há
também uma carência de terminologia, o que implica na necessidade de criação de um novo vocabulário e
repertório de conceitos e entendimentos.
Atualmente, outras são as questões colocadas pela realidade social e espacial nas complexas megacidades
do século 21, o que demanda a investigação de novas metodologias de intervenção. Mais processo, menos
“design” trata da abordagem de uma geração de arquitetos, que passou a apontar novas diretrizes
metodológicas projetuias baseadas na análise e na interpretação dos dados, ao invés da fixação na
elaboração objetual. - Palavras chave: megacidade; metodologias, diagramas urbanos.
ABSTRACT:
The past three decades have produced more changes, in more cultures, than any other time in history. The
rapid growth and globalization redesigned maps and set new parameters, giving rise to new spatial
conditions, which require new definitions.
Today, it is difficult to represent the web of relationship in a region, since instruments of observation,
perception, reading and representation of the megacity are missing. As demonstrated by some authors,
there is a lack of terminology, what implies the need to create a new vocabulary and repertoire of concepts
and understandings.
st
Currently, issues raised by the social and spatial reality of the complex megacities of the 21 century are
different, which requires research of new methods of investigation. More process, less design addresses the
approach of a generation of architects that have pointed to new methodological guidelines, based on the
analysis and interpretation of data, instead of the elaboration of the object. - Key words: megacity;
methodologies; urban diagrams.
299
INTERVENÇÕES URBANAS: MAIS PROCESSO, MENOS “DESIGN”
Daniela Getlinger
1
Carlos Leite de Souza
2
INTRUDUÇÃO
Como apreender as grandes áreas urbanas se as novas formas de espacialidade se
estendem indefinidamente, sem pontos de referência?
Como colocado por LEITE (2012), a imensidão da escala das cidades não permite
mais aos seus moradores percebê-la com um mínimo de clareza. Seus limites físicos não
compreendem mais todas as dinâmicas políticas, sociais, econômicas e culturais que
resultam na conformação urbana. Consequentemente, perde-se a noção de escala e a
capacidade de leitura do território. Já não há mais a possibilidade de se formar um mapa
mental da cidade contemporânea nos moldes daqueles conceituados por Kevin Lynch.
Figura 01: Diagrama dos limites de bairros conforme desenho de um morador de Brookline.
Diagramas como esse servem para analisar a área de acordo com a percepção dos moradores.
(Fonte: LYNCH, 1991).
1
Arquiteta e Urbanista; Mestre pela FAU Mackenzie; M.Arch. pela UCLA. Professora da FAU Mackenzie.
e-mail: [email protected]
2
Arquiteto e Urbanista; Mestre e Doutor pela FAU.USP. Pós-doutor pela CalPoly. Professor Adjunto na FAU.Mackenzie.
e-mail: [email protected]
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300
A configuração atual dos territórios nas metrópoles impede o mapeamento mental
das paisagens urbanas e a capacidade de evocar na imaginação uma localização correta
em relação ao resto do tecido urbano. (LYNCH, 1996).
Em vez da rígida implantação da cidade tradicional – dotada de um centro e entorno,
o espaço metropolitano das megacidades contemporâneas se apresenta como uma
coleção amorfa de partes justapostas, sem vínculos entre si. Uma colcha de retalhos,
heterogênea, em variação contínua; um espaço sem contorno nem limites, sem início, nem
fim, onde estamos sempre no meio. Onde o espaço era considerado permanente, parece
agora ser transitório, em processo de tornar-se. A mancha urbana da megacidade
contemporânea é plástica, informe, maleável (PEIXOTO, 2002), em processo contínuo de
transformação.
1. MAIS PROCESSO, MENOS “DESIGN”
Hoje, faltam instrumentos de observação e representação destas transformações
territoriais, que permitam a interpretação dessas inusitadas configurações urbanas, onde a
mudança e a transformação adquirem um novo significado e uma nova importância.
Segundo KOOLHAAS (2001, 2007), não apenas a representação da nova realidade das
metrópoles contemporâneas se torna difícil. O fato da condição urbana estar se transformando
numa velocidade sem precedentes, tem levado à necessidade da criação de um novo vocabulário
que possa nomear e interpretar suas mutações. Um repertório de conceitos e entendimentos que
possam lidar com as novas configurações de cidades à medida que estas emergem. Para o autor,
ideias e conceitos da arquitetura, anteriormente a linguagem oficial do espaço, já não parecem
capazes de descrever a proliferação das novas condições. O urbanismo, atualmente, carece de
uma terminologia adequada para descrever os fenômenos mais pertinentes e cruciais dentro do
seu campo. (KOOLHAAS, 2003).
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301
As dimensões a serem trabalhadas excluem, por definição, toda a estratégia que implica
unicamente em uma abordagem local; qualquer intervenção, se tomada isoladamente, tenderia a
se perder na extrema complexidade dessa trama urbana. Nas intervenções, disseminadas numa
área sem qualquer continuidade e articulação, o próprio recorte urbano proposto indica uma
tomada de posição.
As relações que as intervenções possam estabelecer - com o construído, com o ambiente
imediato urbano e com a região -, precisam necessariamente estar inseridas em processos
urbanísticos de caráter metropolitano e global. Assim, situações urbanas pontuais, os aspectos
particulares, precisam ser entendidas como elementos em uma configuração mais vasta e
complexa, para que possa emergir um modo de traçar novos territórios, onde apareçam múltiplas
reconfigurações. Uma estratégia baseada não no espaço e continuidade histórica, na
homogeneidade social e arquitetônica, mas na indeterminação e na dinâmica.
Torna-se necessário considerar a instabilidade de configurações urbanas em um processo
contínuo de rearticulação e desenvolver novos modos de produzir conhecimento a partir de
situações de instabilidade e nova escala territorial.
Conclui-se que atualmente, as metrópoles ou as cidades globais têm características tão
diferentes que a contribuição da arquitetura nesses aglomerados descentrados (porém altamente
interconectados), deve se dar de forma completamente nova, seja em relação aos parâmetros da
arquitetura clássica , seja quanto aos princípios e métodos defendidos pela arquitetura moderna
em relação a uma nova arquitetura e uma nova cidade.
Segundo PORTO FILHO (2006), uma nova geração de arquitetos, principalmente
holandeses, capitaneada por Koolhaas, explicitando as novas forças culturais e socioeconômicas
que forjavam o espaço econômico da metrópole globalizada, passou a apontar novas diretrizes
metodológicas projetuais.
A metodologia segundo a qual o arquiteto estabelece primeiramente um conceito para a
partir daí procurar um resultado capaz de estabelecer uma relação entre “forma” e “conteúdo” __________________________________________
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302
considerada alienada justamente porque não foi capaz de compreender nem de enfrentar as
novas “forças móveis” que caracterizam o cenário urbano atual -, é substituída por uma
abordagem baseada na análise e na interpretação dos dados de um amplo contexto
informacional, em vez de fixarem-se na elaboração do objetual.
Em muitos dos estudos e dos projetos do OMA e AMO nas últimas décadas, as estratégias
projetuais se baseiam na análise dos programas para elaborar os conceitos que dão origem aos
projetos e, numa operação inversa, pode-se observar também que a partir de uma renovação dos
termos, os conceitos são redefinidos e os programas reformulados. Como coloca Cortés (apud
KOOLHAAS, 2007), conceitos são traduzidos em logotipos ou símbolos gráficos, os quais, em
conjunto com termos recém forjados, transmitem de forma sintética a lógica que fundamenta o
projeto.
MONEO (2004) observa que Koolhaas sempre esteve interessado na análise de produção,
ou seja, muito mais do que dedicar-se ao projeto do objeto arquitetônico, concentra-se na
descoberta da estrutura latente do processo de projeto e na maneira de manipular esta estrutura.
Em seu trabalho, além de produzir soluções práticas para problemas de projeto, reformula os
conceitos do problema arquitetônico.
Esse tipo de abordagem – que valoriza os processos de análise de cada situação urbana apesar de por vezes mostrar-se difuso e fragmentário, acabou convertendo-se em um promissor
conjunto de alternativas para apreender e interpretar o espaço urbano das metrópoles
contemporâneas, onde se observam novas forças econômicas e tecnológicas, além de tensões
sociais.
Escritórios como o MVRDV, Maxwan, UNStudio e NL Arquitects, trabalham com este tipo
de abordagem metodológica, através da vasta exploração de diagramas e da experimentação
tipológica. Mas talvez ninguém tenha expressado tão diretamente uma concepção pragmática e
anti-objetual da arquitetura do que o UN Studio de Ben Van Berkel e Caroline Bos e o Neutelings
Riedijk Architects. (PORTO FILHO, 2006).
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2. DIAGRAMAS URBANOS
Para BERKEL e BOS (1999), o projeto consiste num “processo”, num “trabalho” em
movimento, e não numa atividade que parte de objetivos absolutamente claros para se chegar a
uma solução definitiva. O processo de projeto incorpora os atores circunstanciais, que são
considerados verdadeiros agente “criadores” do projeto. Este método, não adota uma construção
conceitual a priori nem os dados do sítio ou do programa do cliente como princípio para a
elaboração arquitetural (aspectos em contínua revisão no próprio processo projetual).
Segundo os autores, o diagrama é um “mapa” genérico, dinâmico e imprevisível, entendido
como uma ferramenta abstrata para compreender e condensar informações que não são
passíveis de tradução discursiva nem mesmo quantitativa. Eles acreditam que a essência da
técnica diagramática é a introdução no trabalho de qualidades que não são ditas; qualidades
desconectadas de um ideal ou de uma ideologia. Randômicas, intuitivas, subjetivas, não
relacionadas a uma lógica linear. (BERKEL e BOS, 1999).
O diagrama é, portanto, um instrumento de projeto que não consiste numa representação
estática de uma ideia, mas numa imagem abstrata anterior ao discurso que visa, sobretudo,
sintetizar certos dados que extrapolam qualquer definição formal: são os fluxos, eventos,
alterações e “funções” potenciais que não tinham sido ainda previstos no início do processo.
Através do uso de diagramas, o escritório procura retardar a conclusão de uma tipologia formal,
que só aparece a partir da “intersecção” de múltiplos diagramas. (BERKEL e BOS, 1999)
Figura 02: Diagrama da Möbius House, UN Studio. Diagramas contêm informações de muitos níveis. São
um conjunto de situações, técnicas, táticas e funcionamentos.
(Fonte:http://www.unstudio.com/media/essays/3761-diagrams).
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A prática projetual com base em modelos diagramáticos não é, de modo algum,
exclusividade do UN Studio. Ao contrário, a arquitetura holandesa têm se caracterizado pelo uso
dessa estratégia, junto à própria ênfase nos problemas de método. PORTO FILHO (2006) observa
que, para parte significativa dos escritórios de arquitetura holandeses contemporâneos,
“a validade arquitetônica não é dada pelo conteúdo simbólico nem pela qualidade estética
propriamente dita, mas, acima de tudo, pela “engenhosidade” de um arranjo que aceita sem
reservas as demandas de cada situação e é capaz de reproduzir no edifício a própria
complexidade urbana”. (PORTO FILHO, 2006, p. 8)
De forte apelo iconográfico, o trabalho de Neutelings Riedjik está também associado, do ponto
de vista metodológico, à ampla utilização de técnicas diagramáticas no processo de
desenvolvimento do projeto. A forma do edifício é resultado da análise e interpretação de todas
as condicionantes, formalizadas em volumetrias abstratas. O método projetual de Neutelings claro discípulo de Koolhaas -, afirma PORTO FILHO (2006), consiste em:
1.
Processar, dimensionar e combinar através de diagramas geométricos o programa e os
dados do projeto;
2. Manipular unidades diagramáticas com vistas a produzir uma escultura abstrata por meio
de possíveis vazios, recortes, variações de escala, etc.
3. Após a definição da geometria, a forma é envelopada com uma “roupa”, de cor e textura,
de acordo com as características do projeto, que confere ao edifício a imagem convidativa.
(NEUTELINGS,1999).
Também o grupo Arte/Cidade, para apreender os diversos modos de estruturação urbana da
área, recorre a procedimentos e técnicas – sobretudo diagramas e mapas compostos – que
permitam assimilar as múltiplas configurações espaciais possíveis resultantes da inserção de
São Paulo entre as cidades globais. Consideram que o diagrama é uma nova dimensão informal.
É um dispositivo mínimo para explicar um conceito, mas também para gerar conceitos – ou seja,
é também um instrumento do processo de design. São formulações visuais e verbais que
interpretam os aspectos envolvidos no projeto. Consistem na representação gráfica da
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informação (data), sem atentar à escala – trata os objetos pelas relações que exercem entre si,
pela composição de forças. Diagramas convertem informação em fenômeno, conceituando
através do uso de imagens, modelos e signos.
De acordo com PEIXOTO (2002), as conexões entre os lugares não se fazem mais segundo
um contínuo espacial. As relações entre os diferentes pontos no espaço descontínuo e ilimitado
das metrópoles se fazem por articulações entre o próximo e o distante, interfaces entre o que não
é contíguo, ignorando as medidas de distância próprias do espaço contínuo. Em vez da rígida
implantação da cidade tradicional, o espaço metropolitano é uma coleção de partes justapostas,
sem ligação entre si. O território é antes de tudo a distância crítica entre duas situações: as
relações de força, de atração e repulsão, que se estabelecem entre elas.
Como apreender o campo de forças que configura as diversas situações na área? Como
indicar os processos fluídos que conformam esses territórios não delimitados por limites ou
fronteiras? Qual o efeito que as intervenções propostas podem vir a ter nestes espaços
intersticiais e informes?
Segundo o grupo Arte Cidade, a resposta consiste em sistemas dinâmicos. A visualização
dos dados é o ponto de partida para a definição do conceito - a representação gráfica torna a
informação (data) material para modelos analíticos. Os mecanismos empregados para tanto são:
seleção, redução e simplificação.
Conclui-se que questões colocadas hoje pela realidade social e espacial nas complexas
megacidades do século 21, tais como quantidade, densidade, velocidade, e novas condições de
urbanidade, demandam a investigação de novas metodologias de intervenção.
Hoje, faltam instrumentos de observação e representação da metrópole e chega-se ao
entendimento, que novas condições espaciais requerem novas definições, novas terminologias e
novos conceitos. Atualmente já não é possível pensar em modelos únicos – ineficientes na
resposta às demandas de um mundo cada vez mais interconectado e eclético-, mas sim em
estratégias mais dinâmicas, em urbanismos e programas diversos. Sistemas espaciais complexos
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demandam estratégias com possibilidade de mudança; arquitetura heterogênea, pluralista, em
constante processo de transformação e formas fluídas, transformáveis.
Em alguns trabalhos, conceitos são traduzidos em logotipos ou símbolos gráficos, os quais,
em conjunto com termos recém forjados, transmitem a lógica que fundamenta o projeto. Novas
diretrizes projetuais desenvolvidas por uma geração de arquitetos, baseada na análise e na
interpretação de dados – valorização dos processos de análise de cada situação urbana – acabou
se convertendo em um conjunto de alternativas para apreender e interpretar o espaço urbano das
metrópoles contemporâneas.
O diagrama- entendido como ferramenta abstrata anterior ao discurso e que visa sintetizar
certos dados que extrapolam qualquer definição formal -, também utilizado por um grupo de
arquitetos como instrumento do processo do design, foi outro mecanismo projetual estudado.
Conclui-se que, na visão de alguns arquitetos, o diagrama é uma nova dimensão informal; um
dispositivo mínimo para explicar um conceito, mas também para gerar conceito.
4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERKEL, Ben van; BOS, Caroline. UN STUDIO. Move. Amsterdam: UN Studio Goose Press,
1999.
KOOLHAAS,R.;BOERI,S.;KWINTERS.;TAZI,N.;FABRICIUS,D.OBRIST,H;Mutations.Barcelona:
Actar, 2001.
KOOLHAAS. The New World 30 Spaces for the 21st Century. Wired 11.06, Jun 2003.
www.wired.com. Acessado em 10.08.2012.
KOOLHAAS, El Croquis 134/135. OMA / Rem Kolhaas (1996 –2007). Madrid, 2007.
LEITE, Carlos. Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes. Porto Alegre: Bookman /Grupo A
editorial, 2012.
LYNCH, Kevin. City Sense & City Design: Writings & Projects of Kevin Lynch. Cambridge: MIT
Press, 1991.
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MONEO, Rafael. Theoretical Anxiety and Design Strategies in the Work of Eight Contemporary
Architects. Barcelona: Actar, 2004
NEUTELINGS, W. (1992-1999) El Croquis 94. Madrid, 1999.
PEIXOTO, Nelson, Brissac. (Org) Transurbanas. Pontifica Universidade Católica de São Paulo:
São Paulo, 2002. Disponível em:
http://www.pucsp.br/artecidade/novo/pesquisa/transurbanas/transurbanas01.htm> Acessado em
20 out.2012.
PORTO FILHO, Gentil Alfredo Magalhães Duque. O diagrama e a matemática da arquitetura.
Unicamp, São Paulo, 2006. Disponível em:
http://www.fec.unicamp.br/~parc/vol1/n1/parc01porto.pdf. Acessado em 01.09.2012.
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MEGACIDADES CONTEMPORÂNEAS
RESUMO:
O maior crescimento populacional mundial atual ocorre nas megacidades dos países em desenvolvimento,
onde formas extremas de modernização convivem com condições urbanas informais de grande escala;
onde coexistem grande concentração de pobreza e problemas socioambientais, com altos níveis de
microdinâmicas sociais e econômicas, práticas criativas e senso de urbanidade.
Considerando-se que atualmente, aproximadamente 1/3 da população mundial vive em condições precárias
e que a população urbana pobre é a que mais cresce no mundo, é a partir do entendimento do território
informal como parte integrante da cidade, que deveriam ser investigadas estratégias contemporâneas de
intervenção na megacidade.
Palavras Chave: megacidade; território informal, metodologias projetuais.
ABSTRACT:
Nowadays, the biggest population growth occurs in megacities of the developing countries, where extreme
forms of modernization coexist with large scale informal urban conditions. In the informal territories of these
megacities, large concentration of poverty, social problems, along with social and economic dynamics,
creative initiatives and sense of urbanity is observed.
Considering that currently 1/3 of the world population lives in poor conditions (in slums and distant outskirts),
and that the urban poor is the fastest growing population group in the world, it is based on the understanding
of the informal territory as part of the city, that new strategies of intervention in the megacity shall be
investigated.
Key words: megacity, informal territory, design methodologies.
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MEGACIDADES CONTEMPORÂNEAS
Daniela Getlinger
1
Carlos Leite de Souza
2
INTRODUÇÃO
SOLÀ-MORALES (2002) coloca que pensar as cidades e a arquitetura é pensar no
que há, mas também propor novas maneiras de enfrentar o que está aparecendo. “Quando
analisamos o existente, estamos tentando entender quais são os mecanismos através dos
quais se está produzindo a arquitetura e a cidade contemporânea”. (SOLÀ-MORALES, 2002,
p. 32).
Globalmente todo o futuro crescimento da população mundial se dará nas cidades,
quase que exclusivamente na Ásia, África e América Latina. Já nas próximas duas décadas,
cidades de países em desenvolvimento concentrarão 80% da população mundial. É
exatamente devido à escala, ritmo e urgência dessa nova realidade urbana, que precisamos
voltar nossa atenção para pensar as cidades e não apenas construí-las. (BURDETT, 2011).
1
Arquiteta e Urbanista; Mestre pela FAU Mackenzie; M.Arch. pela UCLA. Professora da FAU.Mackenzie.
e-mail: [email protected].
2
Arquiteto e Urbanista; Mestre e Doutor pela FAU.USP. Pós-doutor pela CalPoly. Professor Adjunto na FAU.Mackenzie.
e-mail: [email protected]
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01. A EMERGÊNCIA DAS MEGACIDADES CONTEMPORÂNEAS
“Num planeta com grande quantidade de espaço […] nós
escolhemos as cidades”. (GLAESER, 2011, p.1)
Desde 2007 o mundo presencia uma realidade nova, historicamente radical. A população
mundial atingiu 3.3 bilhões de pessoas e pela primeira vez na história há mais gente morando nas
cidades do que no campo. Há 100 anos, apenas 10% da população era urbana. Atualmente, 53%
da população mundial vive em cidades e até 2050, seremos mais do que 75%, sendo que dois
terços estará vivendo em países em desenvolvimento. Ocupando 3% do território mundial,
cidades com mais de 10 milhões de habitantes já concentram 10% da população do planeta.
(LEITE, 2012; BURDETT e SUDJIC, 2011).
Desde a Grécia Antiga a população urbana tem se beneficiado da proximidade entre
pessoas, negócios, empresas, centros de ensino. Cidadãos alcançam seus objetivos e
reivindicações muito mais do que pessoas isoladas, observa GLAESER (2011), porque cidades
possibilitam a colaboração e a produção conjunta de conhecimento, que é a mais importante
criação da humanidade.
É nos centros urbanos, nos encontros nas praças e ruas lotadas das cidades, nos
corredores das empresas, nas salas de aula e nos centros acadêmicos onde temos a
oportunidade de discutir ideias, trabalhar juntos, trocar rapidamente informações; aprender com
outras pessoas, compartilhar e somar conhecimento. Nas grandes cidades torna-se mais fácil
observar, escutar e aprender, pois a densidade humana cria um fluxo constante de novas
informações a partir da observação do sucesso e do fracasso de outros. As cidades ampliam as
capacidades humanas porque o maior talento da nossa espécie é a habilidade de aprendermos
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uns com os outros, e isso se dá ainda mais profundamente quando estamos face a face.
(FLORIDA, 2008).
Consequentemente, os centros urbanos têm sido ao longo da história o local do
crescimento econômico e do desenvolvimento. As oportunidades oferecidas pelas cidades têm
sido responsáveis pelo fluxo migratório de pessoas do campo para as áreas urbanas, num
movimento contínuo e crescente. Contrariando todas as apostas do final do sec. 20, as cidades
não morreram, nem entraram em declínio. Pelo contrário: as pessoas nunca buscaram tanto se
aglomerar.
Como colocado por GLAESER (2011):
As cidades triunfaram. Nos países mais ricos do Ocidente, as cidades
sobreviveram ao fim da turbulenta era industrial e estão mais saudáveis,
ricas e atraentes do que nunca. Nos países mais pobres, as cidades estão
se expandindo enormemente, porque a densidade urbana é o caminho
mais claro da pobreza à prosperidade. (GLAESER, 2011, p.1).
LEITE (2012) observa que este processo migratório, que vem transformando as áreas
urbanas, fez emergir as megacidades do século 21: cidades com mais de 10 milhões de
habitantes, que já concentram 10% da população mundial e que têm profundo impacto na vida
dos cidadãos e no balanço ecológico do planeta.
Figuras 01 e 02 - Crescimento da população nas grandes metrópoles (em 1975 e 2025).Fonte: LEITE, 2012.
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Áreas urbanas concentram 80% da produção econômica mundial, consomem entre 60 e
80% da energia global e são responsáveis pela emissão de 75% do CO2. É justamente por esta
razão que as cidades e seu planejamento urbano são questões fundamentais da atualidade.
(BURDETT; SUDJIC,2011). Hoje, o maior artefato já criado pelo homem nos coloca questões
urgentes!
De acordo com os autores, não é a primeira vez que cidades atraem a atenção mundial.
Reformistas sociais na Europa e na América do Norte no final do século 19 e início do século 20
estavam preocupados com questões similares. Como consequência da Revolução Industrial, as
cidades foram inundadas por migrantes em busca de trabalho e oportunidades, mas num ritmo
consideravelmente mais lento e em menor escala do que a atual urbanização global.
Londres cresceu de 1 milhão de habitantes para tornar-se a primeira megacidade de 10
milhões de habitantes. “Foram necessários, no entanto, mais de 100 anos para que isto
acontecesse” (BURDETT; SUDJIC, 2011, p. 8). Em 1800, apenas 3% da população mundial vivia
em cidades. Em 1950, 83 cidades tinham mais de um milhão de habitantes, sendo que somente
Nova Iorque e Londres tinham pouco mais do que 8 milhões de habitantes. Em 2007, eram 468 as
metrópoles deste porte no mundo. Hoje existem, no total, 22 megalópoles. (KOOLHAAS, 2001).
Grandes cidades, portanto, não são um fenômeno novo; a diferença hoje não é a presença
de uma, ou algumas cidades líderes de seu tempo, mas a rápida emergência de um enorme
número de concentrações humanas por todo o mundo. Lagos, na Nigéria, Délhi, na Índia e Daca,
em Bangladesh, estão atualmente crescendo à exorbitante taxa de 300 mil pessoas por ano. A
população de Mumbai quadriplicou em 30 anos e deve ultrapassar a população de Tóquio e da
Cidade do México, tornando-se a maior cidade do mundo nas próximas décadas, com mais de 35
milhões de habitantes. (KOOLHAAS, 2001).
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Figura 03: Projeção de crescimento das megacidades (2015). Fonte: Urban Age School of Economics,2000.
Atualmente, velocidade e magnitude são completamente diferentes. Hoje, no lugar de
cidades programadas, temos cidades cuja dinâmica de crescimento é inédita e onde formas mais
extremas de modernização convivem com condições urbanas informais, transitórias, clandestinas.
Segundo BURDETT; SUDJIC (2011), as cidades nos países em desenvolvimento
prosseguem crescendo em função das altas taxas de natalidade e por atraírem migrantes à
medida que áreas rurais vão sendo transformadas em regiões urbanizadas. Cinco milhões de
pessoas por dia mudam-se para cidades nesses países em função da oferta de trabalho nos
centros urbanos.
A população pobre que migra para as cidades em busca de algo melhor não enriquece
rapidamente, porém os recém-chegados são geralmente mais pobres do que os que migraram há
mais tempo. Ou seja, as cidades não empobrecem as pessoas, elas atraem a população
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economicamente desfavorecida, que deixa a pobreza rural pela possibilidade de melhora do
padrão de vida nos grandes centros urbanos.
Embora a vida possa nos parecer quase impossível em algumas favelas do mundo, para
aqueles que ali residem, mesmo que as condições possam ser insalubres, o fato de estarem num
centro urbano lhes oferece vantagens que não existiam no lugar de origem. Lagos, na Nigéria, é
muitas vezes descrito como um lugar de privação extrema, mas a situação no restante do país é
ainda pior: 75% dos habitantes de Lagos têm acesso à água tratada, uma proporção que embora
baixa, é muito maior do que em qualquer outro lugar da Nigéria, onde a norma é menos do que
30%. Até mesmo as piores cidades do mundo – Kinshasa, Calcutá, Lagos – oferecem benefícios
para seus residentes, como acesso à tratamento de saúde, educação, transporte e acima de tudo,
oferta de emprego, muito mais dos que nas área rurais dos respectivos países.
Como colocado por GLAESER (2011), a densidade urbana fornece o caminho mais direto
da pobreza para a prosperidade.
Globalmente, todo o crescimento futuro da população ocorrerá nas grandes cidades
localizadas nos países em desenvolvimento, quase que exclusivamente na Ásia, África e América
Latina, onde se observa altos índices de urbanização, acompanhados de níveis elevados de
pobreza e falta de qualidade urbana. Já nas próximas duas décadas, cidades de países em
desenvolvimento - onde é grande a concentração de pobreza e graves os problemas
socioambientais - concentrarão 80% da população mundial.
As cidades-regiões mais extensas do mundo estão se formando rapidamente no sul da
Ásia e costa da China, e dentro de algumas décadas, deverão concentrar cerca de metade da
população urbana mundial. Nos próximos dez anos, 50 milhões de pessoas se mudarão para
alguma cidade no oeste do continente africano. (KOOLHAAS, 2001). Davis (2006) observa que
como resultado desse fluxo estarrecedor, em 2005, 166 cidades chinesas tinham população de
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mais de 1 milhão de habitantes. Das 33 megacidades estimadas para o ano 2015, 27 estarão
localizadas nos países menos desenvolvidos, incluindo 19 na Ásia.
Entre 1993 e 2002 a população urbana pobre cresceu 50 milhões, enquanto que na área
rural, caiu 150 milhões. Estimativas da ONU indicam que dois em cada três habitantes do planeta
estejam hoje vivendo em habitações precárias – favelas, cortiços, loteamentos clandestinos,
muitos localizados em áreas de risco e em periferias distantes dos centros urbanos. Até 2020 as
projeções da ONU apontam para um cenário de 100 milhões de pessoas morando em favelas nos
grandes centros urbanos. (BURDETT, SUDJIC 2011; KOOLHAAS 2001; LEITE, 2012, DAVIS,
2006).
Em Planeta Favela, DAVIS (2006) discorre sobre a realidade dos cenários de pobreza
onde vive grande parte dos habitantes das megacidades do século 21. Observa que desde 1970,
o crescimento das favelas em todo o hemisfério sul ultrapassou a urbanização propriamente dita,
e conclui que se a imagem da metrópole no século 20 era a dos arranha-céus e das
oportunidades de emprego, a imagem das megacidades contemporâneas é de periferias
empobrecidas e áreas favelizadas.
Considerando-se que população urbana pobre - moradora dos territórios informais - é a
que mais cresce no mundo, a uma taxa de 25% ao ano, a intervenção na escala da megacidade
se dará cada vez mais nos territórios informais das grandes cidades dos países em
desenvolvimento que, embora negligenciados há anos pelos governantes, alastram-se nas
cidades contemporâneas.
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2.0 MEGACIDADES COMPLEXAS. TERRITÓRIOS DINÂMICOS.
Embora estratégias de projeto urbano tenham sido pesquisadas e aplicadas desde a
década de 1960, através de pesquisadores pioneiros tal como LYNCH (1991), que dedicaram
grande parte de sua obra a analisar quais seriam as qualidades de um bom ambiente urbano e
propor o que deveriam ser os objetivos de um projeto de cidade com parâmetros de percepção do
usuário, dada à complexidade das megacidades contemporâneas, existe a demanda urgente na
construção de novos referenciais teóricos-projetuais de como intervir nestes territórios em
constante mutação.
Christian Werthmann, no artigo O Desafio (WERTHMANN, 2009), observa que o
urbanismo informal é o modo de desenvolvimento dominante nas cidades de maior crescimento
do mundo. Atualmente, mais de 30% da população urbana mundial vive em favelas e as projeções
indicam que a metade do nosso crescimento urbano futuro será informal, elevando os atuais um
bilhão de moradores de favela para dois bilhões até 2030. Com o mundo em uma grande
recessão, o urbanismo informal provavelmente irá se expandir ainda mais rápido do que o
previsto. Consequentemente, intervenções no território informal serão um grande desafio a ser
enfrentado.
Como colocado por FRANÇA (2010) é a partir do entendimento do território informal como
um fenômeno urbano que se configura no território, sendo, portanto parte integrante da cidade,
que novas estratégias de intervenção na escala da megacidade devem ser investigadas. Segundo
a autora, é necessário o reconhecimento da cidade informal, com seus códigos, sua lógica e suas
características de crescimento particulares, que não correspondem ao modelo idealizado pela
disciplina urbanística tradicional. De acordo com WERTHMANN (2009), a próxima geração de
arquitetos deverá ser treinada no sentido de volta-se à questão do modo de vida nos
assentamentos precários e de como a arquitetura poderia melhorá-la.
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Não seria este o verdadeiro território da inovação do urbanismo na cidade
contemporânea? Um novo urbanismo capaz de lidar com as novas condições de urbanidade: os
territórios informais das megacidades? Quais alternativas estão sendo desenvolvidas para
analisar as cidades informais atuais? Como encorajar a participação dos arquitetos no
desenvolvimento das favelas? Como construir pontes entre diversos grupos e diversos
interesses? Que arquiteturas - conceitos e projetos – têm investigado a questão de “como” intervir
nas megacidades? Que projetos de intervenção na escala da megacidade têm considerado a
cidade existente, sem negá-la? Particularmente nos territórios em ebulição, como poderiam ser
projetados espaços significativos para uma determinada realidade, mas que pudessem acomodar
mudanças contínuas, espontâneas?
Conclui-se que hoje outras são as questões colocadas pela realidade social e espacial das
megacidades. Os desafios são imensos e faltam instrumentos de observação, leitura e
representação da realidade socioespacial da megacidade contemporânea, onde convivem formas
extremas de modernização e novas condições urbanas. Os métodos tradicionais mostram-se
pouco eficientes nos territórios em processo de transformação contínua - como os territórios
informais -, o que leva à necessidade de criação de um novo repertório de conceitos e
entendimentos, novas abordagens e estratégias projetuais mais dinâmicas e flexíveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A CIDADE INFORMAL NO SÉCULO XXI. Catálogo da Exposição realizada no Museu da Casa
Brasileira. Coordenação – FRANÇA, E; BARDA, M. Brasil,2010.
BURDETT, R; SUDJIC, D. Living in the Endless City: The Urban Age Project by the London
School of Economics and Deutsche Bank's Alfred Herrhausen Society. Nova York: Phaidon Press
Ltd, 2011.
DAVIS, Mike. Planeta Favela. Boitempo Editorial, 2006.
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FLORIDA, Richard. Who´s Your City? How the Creative Economy is Making Where to Live the
Most Important Decision of Your Life. New York: Basic Books, 2008.
GLAESER, Edward. Triumph of the City: How Our Greatest Inventions Makes us Richer, Smarter,
Greener, Healthier and Happier. New York: The Penguin Press, 2011.
KOOLHAAS, R.; BOERI, S.; KWINTER S.; TAZI, N.; FABRICIUS, D.
OBRIST,H; Mutations. Barcelona: Actar, 2001.
LEITE, Carlos. Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes. Porto Alegre: Bookman/Grupo A
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LYNCH, Kevin. City Sense & City Design: Writings & Projects of Kevin Lynch. Cambridge: MIT
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SOLÀ-MORALES, I. Territórios. Barcelona: Gustavo Gilli, 2002.
WERTHMANN, C; Operações táticas na cidade informal: o caso do Cantinho do Céu. São Paulo.
Secretaria Municipal de Habitação – SEHAB, 2009.
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SÃO PAULO, 16 E 17 DE OUTUBRO DE 2013
PLANO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO DE SÃO PAULO E OS ASSENTAMENTOS
PRECÁRIOS: O CASO DA ZONA NORTE (2005 – 2012):
INSTRUMENTO DE INTERVENÇÃO NOS ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS?
RESUMO
Este artigo é resultado de um estudo sobre a Política Habitacional aplicada no Município de São Paulo no
período de 2005 a 2012 através de seu principal instrumento, o Plano Municipal de Habitação, tendo como
objetivo a análise dos preceitos metodológicos inovadores no planejamento em São Paulo, de
estabelecimento dos Perímetros de Ação Integrada presente no plano, que se baseia na Sub-bacia como
unidade de planejamento e gestão, bem como dos critérios utilizados para a priorização desses perímetros.
Realizando-se assim, um registro de um processo que pode tecnicamente auxiliar na tomada de decisão do
poder público na indicação da sua demanda prioritária. A análise situa-se no campo de estudos em políticas
públicas e do urbanismo contemporâneo, e é feita sob a luz dos pressupostos ambientais. A metodologia
aplicada tomou como base de análise a proposta do Plano Municipal de Habitação para a Zona Norte do
município de São Paulo, utilizando-se como estudo de caso 02 Perímetros de Ação Integrada, considerados
prioritários no planejamento e indicados para o Concurso de Projetos Renova SP (2011). Verificou-se
nesses 02 perímetros (Cabuçu de Baixo 05 e Cabuçu de Cima 08), a existência dos critérios estabelecidos
no Plano Municipal de Habitação tanto na definição dos Perímetros de Ação Integrada, quanto dos critérios
adotados na seleção dos mesmos para a indicação para projeto enquanto prioridade. Essa verificação se
deu através da construção de mapas que cruzaram as diversas informações, tendo como resultado a
construção de tabelas sínteses, que comprovam a existência dos critérios previstos no Plano.
Palavras Chave: Plano, planejamento, ação, integração.
ABSTRATCT
This article is the result of a study on housing policy applied in São Paulo in the period from 2005 to 2012
through its main instrument, the “Plano Municipal de Habitação” (Municipal Authority Housing Plan), aiming
to analyze the methodological precepts used in an all new approach to São Paulo’s urban planning, the
establishment of the “Perímetros de Ação Integrada” (Perimeters of Integrated Actions) in this plan , which is
based on Sub -basin as a unit for planning and management , as well as the criteria used for prioritizing
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these perimeters . A record of a process was made that can technically assist in decision making by public
authorities in an indication of their priority demand. The analysis was done observing the contemporary
public policies and urban planning for the city, and the environmental assumptions. The methodology was
based on the analysis of the proposed “Plano Municipal de Habitação” for the North Zone of São Paulo,
using as case study two “Perímetros de Ação Integrada”, those two were top priorities in the city’s urban
planning and were indicated for the Renova SP Architecture Competition in 2011. In these two perimeters
(Cabuçu de Baixo 5 e Cabuçu de Cima 8), there was a clear intention to use the criteria set out in the “Plano
Municipal de Habitação”, to defy the “Perímetros de Ação Integrada”, pointing those as priorities. This study
was made building maps that crossed a variety of information, resulting in the construction of tables
syntheses, attesting the existence of the criteria set out in the Plan.
Key Words: Plan, planning, action, integration.
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PLANO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO DE SÃO PAULO E OS ASSENTAMENTOS
PRECÁRIOS: O CASO DA ZONA NORTE (2005 – 2012):
INSTRUMENTO DE INTERVENÇÃO NOS ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS?
Elaine C. Costa
Angélica T Benatti Alvim
INTRODUÇÃO
“Ao longo da última década, o setor habitacional do município de São Paulo foi
crescentemente se estruturando e avançou em vários aspectos, como por exemplo, na
produção de um cadastro de todas as favelas e loteamentos irregulares, disponível online
www.habisp.inf.br (Habisp), na contratação de projetos específicos para a realização de
cada intervenção nos assentamentos precários e para a construção de conjuntos
habitacionais, e, especialmente, na elaboração de um Plano Municipal de Habitação, que
trata do tema no longo prazo, a partir de uma leitura da situação atual, contendo metas,
recursos etc....”(ROLNIK, 2013).
Pode-se dizer que é recente a retomada dos estudos e das práticas de planejamento
das ações em assentamentos precários no Brasil, principalmente em regiões complexas
como nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Surgiram com mais força a partir da
criação do Ministério das Cidades, da criação do SNHIS (lei 11.124/2005), da elaboração do
Plano Nacional de Habitação, dos Planos Estaduais de Habitação, e dos Planos Municipais
de Habitação, onde a partir de um planejamento macro, são construídas visões mais
abrangentes do território e criadas estratégias de ação integrada.
Nesse contexto foi construída pela Secretaria de Habitação do município de São
Paulo, a proposta do Plano Municipal de Habitação, que tinha por meta além do
equacionamento do déficit habitacional no tempo, promover a ação integrada nos
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assentamentos precários e a articulação dessa ação com os demais entes do poder
público.
Para gerar a intervenção em um determinado assentamento precário no âmbito de
um programa habitacional, a execução da ação não deve ser descolada de uma estratégia
mais geral de integração do conjunto dos assentamentos. Para incentivar a integração de
um assentamento, o município precisa estabelecer parâmetros urbanísticos específicos,
que garantam a melhora física do assentamento e a integração com outros programas
públicos. A tomada de decisão deve partir do conhecimento da dimensão do problema na
cidade, do conjunto de necessidades e das alternativas de intervenção (DENALDI, 2012).
Como forma de garantir o trabalho integrado, a estratégia do plano habitacional de
São Paulo foi a criação dos chamados Perímetros de Ação Integrada, tendo como base de
articulação a sub-bacia hidrográfica. O planejamento dos assentamentos em São Paulo
apresentou um grande déficit habitacional, cujo prazo para resolução dos mesmos foi
estabelecido em 16 anos. Num universo tão grande de necessidades foi preciso o
estabelecimento de critérios para a definição das prioridades, das emergências do
atendimento habitacional.
No Plano Municipal de Habitação, os aspectos relacionados à priorização dessas
ações envolvem questões de várias ordens, como o risco geotécnico, a precariedade do
assentamento e as vulnerabilidades de saúde e social. A prática no trabalho em São Paulo
observa outros aspectos além desses apontados no Plano Habitacional, que são bastante
relevantes na indicação das áreas prioritárias.
O objetivo desse artigo é avaliar, através de um caso concreto, como se deu a
programação no PMH das demandas habitacionais mais emergências, salientando os
critérios não explícitos no plano, mas que interferem diretamente na priorização do
atendimento.
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Para isso, a analise do Plano de ação local da Região Norte através dos seus 02
Perímetros de Ação Integrada (Cabuçu de Baixo 05 e Cabuçu de Cima 08), nos dá o
entendimento do percurso realizado até aqui, a fim de se evitar os erros cometidos no
passado pela falta de planejamento, e analisar a proposta integrada do Plano Municipal de
Habitação de São Paulo, a partir da utilização da sub-bacia hidrográfica e dos critérios de
priorização dos assentamentos precários aplicados no plano.
O PLANO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO DE SÃO PAULO (PMH)
Os Planos de habitação, Nacional e Estadual definem as diretrizes e o financiamento das
políticas habitacionais dos municípios, considerando as suas diferentes especificidades. Cabem
aos municípios, apresentar suas necessidades e traçar suas estratégias para equacionar suas
problemáticas habitacionais em conjunto aos demais entes públicos. (PNH – 2009).
O Plano Municipal de Habitação de São Paulo, alinhado ao que pede e propõe os Planos
Nacional e Estadual, apresentou sua proposta de planejamento habitacional, para o horizonte
temporal de 04 quadriênios, que compreende o período de 2009 a 2024. Considerando as
questões apresentadas nos planos de maior hierarquia, que indicam a região metropolitana de
São Paulo como área prioritária, dada a complexidade e amplitude dos seus problemas, ganhou
força à estratégia de planejamento para a resolução dos problemas habitacionais na cidade.
O Plano Municipal de Habitação, como forma de atender a necessidade habitacional,
apresenta como um dos critérios de sua metodologia a ação integrada no território, a partir da
criação de Perímetros de Ação Integrada formados com base na sub-bacia hidrográfica, para com
isso, buscar a integração com o poder público em todas as esferas de governo, especialmente
nas questões mais amplas.
Os Perímetros envolvem o conjunto das ações e os diferentes programas habitacionais
implementados pela Sehab (Secretaria de Habitação), e sua relação com outros programas de
outros setores da prefeitura, como os Parques da Secretaria do Verde e Meio Ambiente e os
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programas da Sabesp, para despoluição dos córregos e tratamento final no esgoto, drenagem
urbana entre outros.
É importante relacionar que a construção do PMH em São Paulo aconteceu no mesmo
momento em que estavam em desenvolvimento os Planos de Saneamento Básico e de Recursos
Hídricos nas três esferas, o que reforça ainda mais o papel das Bacias-Hidrográficas, como
oportunidade de alinhamento das ações, tanto no conhecimento dos problemas, quanto na
formulação de programas e formas de aplicação dos recursos financeiros, técnicos e humanos.
Observa-se que não está previsto no desenho dos PAIs do PMH, o desenho urbanístico
associado ao desenho gerado pela sub-bacia e pela micro bacia, que também tem grande
importância como referencia territorial para a elaboração de diagnósticos e projetos urbanísticos
que contemplem a totalidade dos agentes sociais envolvidos com as intervenções, conforme a
experiência no trabalho com os PAIs indicados para o Concurso Renova SP.
O PMH assume a divisão em regiões adotada pela Secretaria de Habitação do município,
sendo proposto o planejamento para as 06 regiões da cidade de acordo com suas especificidades
seguindo as diretrizes gerais do PMH. As 06 regiões são: Norte, Sul, Leste, Sudeste, Centro e
mais ao Sul, a Região mais expressiva de Mananciais.
O estudo da Região Norte como exemplo e registro do trabalho, se dá em função do
conhecimento técnico adquirido e das fontes de informação da região, e também, devido à
justificativa de que a Zona Norte foi a Região que mais indicou PAIs para o Concurso de projetos
Renova SP (08 dos 23 para todas as regiões), onde foram selecionados 07 dos 17 contratados.
A PROPOSTA DO PLANO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO DE SÃO PAULO PARA A REGIÃO
NORTE DA CIDADE.
A Região Norte da cidade de São Paulo compreende o território das 07 Subprefeituras que
estão ao Norte do Rio Tietê, dentro do Município de São Paulo. As 07 Subprefeituras são: Perus/
Anhanguera, Pirituba/ Jaraguá/ Parque São Domingos, Freguesia do Ó/ Brasilândia, Casa Verde/
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Cachoeirinha/ Santana/ Tucuruvi, Jaçanã/ Tremembé e Vila Maria/ Vila Guilherme/ Vila Medeiros,
onde vivem atualmente 2.214.654 milhões de habitantes em 679.559 mil domicílios (PMH: a
experiência de São Paulo/ 2012).
Desse total, os dados de cadastro da Sehab apontam que 21% vivem em assentamentos
precários, 145.965 mil domicílios, e desses domicílios, cerca de 15% (mais de 20 mil moradias),
têm previsão de realocação. (PMH: a experiência de São Paulo/ 2012).
Em seu território foram traçados 48 PAI’s e mais 153 áreas isoladas (assentamento que
está sozinho no território e que não tem relação com nenhum outro assentamento, e por esse
motivo não faz parte de um PAI), distribuídos em 11 sub-bacias hidrográficas situadas nessa
região (PMH: a experiência de São Paulo/ 2012), conforme mapa abaixo:
Mapa 1 – Sub-bacias Hidrográficas, Perímetros de Ação Integrada e Assentamentos Irregulares
Fonte: Sehab/ Habi Norte 2013 – Elaborado pela autora
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No mapa é possível observar os vários PAIs dentro das sub-bacias, na maioria localizados
nas áreas mais periféricas da Região, é possível observar também as áreas isoladas, que
predominantemente estão localizadas em áreas mais consolidadas e possuem menor escala.
Pode-se visualizar que alguns PAIs pertencem a mais de uma sub-bacia, o que reforça a
importância da situação fundiária do assentamento em relação as bacias e micro bacias
hidrográficas.
Existem sub-bacias que extrapolam o limite do município de São Paulo, o que reforça a
necessidade do diálogo com os municípios vizinhos no tratamento das questões macros, como é
o caso da divisa como o município de Guarulhos.
O custo previsto na elaboração do PMH para o total das intervenções necessárias para
resolver todas as necessidades habitacionais da Região Norte perfaz o valor de R$ 3,76 bilhões, e
as metas previstas de execução nos quatro quadriênios são de atendimento de 145.965 famílias e
a necessidade de 22.454 realocações (PMH: a experiência de São Paulo/ 2012).
Esses números não consideram a provisão de novas unidades para atendimento ao déficit
e ao crescimento demográfico projetado no PMH, que deve ficar a cargo da COHAB, da CDHU e
do Governo Federal.
A Região Norte apresenta dentre as suas Sub-bacias hidrográficas que possuem
assentamentos precários, 03 prioritárias, conforme mapa abaixo (destacadas em vermelho),a
partir da análise do número de moradias em assentamentos precários.
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Mapa 2 – Plano Municipal de Habitação - Sub-bacias Hidrográficas, Perímetros de Ação Integrada e
Assentamentos Irregulares – Bacias Prioritárias.
Fonte: Sehab/ Habi Norte 2013 – Elaborado pela autora
Essas 03 sub-bacias são Cabuçu de Baixo, Cabuçu de Cima e Ribeirão dos Perus,
respectivamente em ordem de prioridade, juntas elas possuem 89.241 famílias em assentamentos
precários, cerca de 61% dos 145.965 mil famílias em assentamentos de toda a Região Norte.
Na questão do risco, essas 03 sub-bacias juntas representam 6.606 mil domicílios em risco
R3 e R4 (Alto e Muito Alto), dos 7.748 mil domicílios de toda a Zona Norte (PMH SP 2012).
As quantificações apresentadas no Mapa - 2 mostram as 03 Sub-bacias prioritárias,
porém, é necessário estabelecer entre os PAIs contidos em cada Sub-bacia prioritária o mais
emergencial, com base nos critérios de priorização presentes no plano habitacional, o risco de
escorregamento e solapamento de margem existente de acordo com o seu grau emergencial
(Risco Alto e Muito Alto), grau de precariedade dos assentamentos contidos nos PAIs e
vulnerabilidade social e de saúde considerada nas regiões onde estão implantados os PAIs.
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Tabela 1 – Número de Domicílios em Risco Alto e Muito Alto (R3 e R4), nos Perímetros de Ação Integrada
da Região Norte.
Fonte: Sehab/ Habi Norte 2013 – Elaborado pela autora
A tabela - 1 aponta o número de domicílios em risco em cada PAI da Região Norte,
destacando 10 PAIs prioritários (com número de domicílios superior a 250 domicílios em risco Alto
e Muito Alto R3 e R4). Os 02 PAIs objeto de estudo estão entre os Perímetros prioritários (ambos
destacados na cor bege), contudo, ambos representam o PAI com maior e menor número de
domicílios em risco R3 e R4, porém ambos foram indicados como prioritários para intervenção, o
que aponta para a utilização de outros critérios, além dos previstos no PMH.
Os PAIs contemplados pelo concurso Renova São Paulo da Região Norte são: Cabuçu de
Baixo 04, Cabuçu de Baixo 05, Cabuçu de Baixo 12, Cabuçu de Cima 07, Cabuçu de Cima 08,
Cabuçu de Cima 10 e Jardim Japão 01. Dentre os selecionados, o único que não apresenta
situação de risco é o PAI Jardim Japão 01, este em especial foi selecionado exatamente por
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possuir uma questão diferenciada dos demais PAIs, não apresenta situação de risco, mas
apresenta uma grande problemática quanto a possibilidade de grande parte de seus
assentamentos estarem em área com suspeita de contaminação, implantada sobre o aterro do
antigo leito do rio Tietê. Por possuir um grave problema social, representado por dois conjuntos
habitacionais construídos pela municipalidade (antigo Cingapura) e pelo critério de se abranger o
atendimento distribuído na Regional Norte, considerando que os assentamentos do Pai Jardim
Japão 01 tiveram uma grande remoção de domicílios por parte do poder público, onde as áreas
encontram-se ociosas esperando por uma intervenção, correndo o risco de uma nova ocupação.
O PAI Ribeirão dos Perus 06, não teve ganhador , o que justifica um PAI com um alto número de
moradias em risco e não ter sido contemplada pelo concurso Renova São Paulo.
CONCURSO DE PROJETOS RENOVA SP
A Secretaria Municipal de habitação de São Paulo abriu em 2011 uma concorrência para
buscar melhores propostas de urbanização para os assentamentos contidos nos Perímetros de
Ação Integrada priorizados pelo Plano Municipal de Habitação. O concurso preconizou como
diretrizes norteadoras dos projetos, o conhecimento das necessidades das carências
habitacionais, bem como da especificidade de cada assentamento precário objeto do concurso.
(BARDA, 2011).
O Concurso também previu uma proposta urbanística para os PAIs, o exercício de projeto
de unidades habitacionais em diferentes tipos de terrenos e o respeito às preexistências
habitacionais.
Foram selecionados e indicados pela Secretaria de Habitação para projeto no Concurso
Renova SP 22 PAIs dos 248 que compõem o PMH de São Paulo. O resultado do Concurso
apontou um vencedor do Concurso para 17 dos 22 PAIs indicados. O vencedor foi
automaticamente contratado pela Sehab para elaborar os projetos para o Perímetro de Ação
Integrada que venceu.
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A Região Norte teve o maior número de PAIs selecionados para projetos pelo Concurso,
07 dos 17PAI’s.
Os 02 Perímetros de Ação Integrada selecionados para o Estudo de Caso, para que seja
realizada a análise dos preceitos metodológicos de estabelecimento dos Perímetros de Ação
Integrada presente no PMH e dos critérios para a priorização desses perímetros, são 02 PAIs da
Região Norte, Cabuçu de Baixo 05 e Cabuçu de Cima 08.
ESTUDOS DE CASO
Estudo de Caso 1:
Perímetro de Ação Integrada (PAI) Cabuçu de Baixo 05 (CdB 05).
Localizado no distrito da Brasilândia, pertencente à Subprefeitura de Freguesia do Ó/
Brasilândia, Região Norte da cidade de São Paulo. O PAI Cabuçu de Baixo 05 (CdB 5), está
contido na sub-bacia hidrográfica do Rio Cabuçu de Baixo, ao pé da Serra da Cantareira.
Dada sua localização, em área montanhosa e nas proximidades do córrego Bananal,
configura-se em uma das áreas mais frágeis e problemáticas da Região Norte.
O PAI CdB 5 é constituído por 19 assentamentos precários (favelas e loteamentos
irregulares), com aproximadamente 27.800 mil habitantes, residindo em 6.951 mil domicílios,
sendo que destes, conforme previsto no Plano Municipal, há a previsão para realocação de
aproximadamente 2.450 famílias.
Esse grande número de realocações, são necessárias devido ao alto grau de risco de
escorregamento e solapamento de margem em que se encontram muitas das moradias do
perímetro, e ao grande numero de famílias em áreas de proteção ambiental (ZEPAM, APP dos
córregos e nascentes), e a futura implantação do Rodoanel trecho Norte.
Segundo os critérios de priorização do PMH (incidência de alto grau de risco, falta de
infraestrutura e vulnerabilidade social), esse PAI foi considerado prioritário para intervenção
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imediata. A Secretaria de Habitação através do Concurso Renova São Paulo, contratou projetos
para o perímetro.
Estudo de Caso 2:
Perímetro de Ação Integrada (PAI), Cabuçu de Cima 08 (CdC 08).
Localizado no distrito do Tremembé, pertencente à Subprefeitura de Jaçanã/ Tremembé,
Região Norte da cidade de São Paulo. O Perímetro de Ação Integrada Cabuçu de Cima 08 está
contido na sub-bacia hidrográfica do Rio Cabuçu de Cima, próximo à divisa com o município de
Guarulhos.
O PAI CdC 08 é constituído por 15 assentamentos precários (favelas núcleos habitacionais
e loteamentos irregulares), com aproximadamente 28.550 mil habitantes, residindo em 7.136 mil
domicílios, sendo que destes, conforme previsto no Plano Municipal, há a previsão para
realocação de aproximadamente 760 famílias. Alguns desses assentamentos já receberam
intervenção da municipalidade, como a implantação de obras de infraestrutura básica.
Por se tratar de um perímetro bastante consolidado, e por não estar em área de
preservação ambiental, o seu número de realocações é menor se considerado ao PAI CdB 05.
Porém, os domicílios a serem realocados se encontram em área de altíssimo grau de risco, dada
a sua topografia acentuada, alvo de ações do Ministério Público contra o município e de grande
preocupação para a prefeitura.
Segundo os critérios de priorização do PMH (incidência de alto grau de risco, falta de
infraestrutura e vulnerabilidade social), esse PAI também foi considerado prioritário para
intervenção imediata.
Mesmo estando entre os 10 PAIs com maior número de domicílios em risco R3 e R4, o
Perímetro de Ação Integrada CdC 08 possui o menor número de domicílios nessas condições,
sendo assim, o que o faz prioritário dentre os demais dentro da lista dos 10 prioritários que
possuem maior número de domicílios em risco, são outros critérios além dos indicados no PMH,
são os critérios qualitativos, como por exemplo a incidência de deslizamentos nos períodos mais
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chuvosos, cujas denuncias foram feitas no Ministério público, que por sua vez obriga a ação
imediata do município.
A Secretaria de Habitação através do Concurso Renova São Paulo, contratou projetos
para esse perímetro.
ANÁLISE DOS CRITÉRIOS DE CONSTITUIÇÃO DOS PERÍMETROS DE AÇÃO INTEGRADA E
DE PRIORIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO NOS ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS, PRESENTE NA
PROPOSTA DO PLANO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO DE SÃO PAULO.
As relações entre as áreas de atuação e os planos, politicas, programas, projetos e ações
articuladas em seu interior, implicam múltiplas interferências e inúmeras interfaces. Seus efeitos
podem assumir características potencializadas em direção à obtenção de resultados globais
positivos ou assumir um caráter de externalidades ou interferências negativas, umas em relação
às outras, dificultando ou mesmo impedindo a consecução de objetivos almejados. (Alvim 2010).
A proposta de ação integrada prevista no Plano Municipal de Habitação, que tem como
base as premissas da atual Política Nacional de Habitação, visa o planejamento e o alinhamento
das ações do governo em todas as instâncias para a equação do déficit habitacional. Essas
articulações devem acontecer em várias frentes e não só na habitação, por isso também a
necessidade de que esse planejamento contemple a construção da cidade como um todo em
todas as suas questões sistêmicas e interdisciplinares. A proposta da criação dos PAIs, apoiada
na Sub-bacia como unidade de planejamento foi uma importante estratégia de interlocução entre
os vários atores, e mostra no projeto integrado um campo privilegiado de discussão.
Este artigo apresentou todos os critérios evidentes no PMH e os que não foram
explicitados, para a formação dos PAIs e dos critérios de priorização da seleção da demanda
habitacional, foi realizada uma análise mais profunda de alguns dos critérios presentes no Plano.
Esses critérios foram analisados com base na questão ambiental, reforçando o uso
inovador da Sub-bacia como cenário para essa discussão.
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A seguir estão listados em sequencia na tabela 2 respectivamente: os critérios para
definição dos PAIs, com destaque para a utilização da Sub-bacia. Os critérios de priorização da
intervenção pela Sehab, com importância também para a questão ambiental da ocupação das
áreas de risco, situadas em terrenos impróprios para Habitação que na maioria das vezes são
áreas ambientais protegidas, e onde encontram-se as áreas que concentram o maior número de
assentamentos com precariedade. Por fim, alguns critérios mais específicos, de presença
importante na construção do PMH e outros não tão explícitos no Plano, mas de grande
importância e que permeiam o trabalho, e nesse caso o destaque é para o critério de priorização
de atendimento dos assentamentos que estão nos programas de despoluição dos córrego da
Sabesp (Córrego Limpo e Coletor Tronco), cuja importância para além da questão ambiental, pois
envolve também a questão do recurso que é passado da Sabesp para o município de São Paulo.
Tabela 2 – Critérios para Definição dos Perímetros de Ação Integrada da Região Norte.
Fonte: Sehab/ Habi Norte 2013 – Elaborado pela autora
Tabela 2 – Critérios para definição dos Perímetros de Ação integrada.
Pode-se observar nos critérios para definição dos PAIs, 05 critérios utilizados e cruzados.
Observa-se que além do critério principal da utilização das sub-bacias hidrográficas existem
outras questões que são muito relevantes para a definição dos Perímetros e que garantam a
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eficácia da ação integrada no território. São eles: a relação física entre os assentamentos, a
questão fundiária, os prazos e os custos para a realização das intervenções e a questão
urbanística.
Nota-se que ambos os Estudos de Caso estão em Sub-bacias prioritárias de intervenção,
conforme informado também no Mapa 2, e atendem aos outros critérios também utilizados no
PMH, mas não com tanta ênfase como o critério da sub-bacia prioritária.
Tabela 3 – Critérios de Priorização dos Perímetros de Ação Integrada.
Fonte: Sehab/ Habi Norte 2013 – Elaborado pela autora
Tabela 3 – Critérios de priorização dos Perímetros de Ação integrada.
Na seleção dos critérios adotados para a priorização dos Perímetros de Ação Integrada,
foram utilizados como parâmetro para essa discussão os 02 Estudos de Caso da Região Norte no
Município, os PAIs Cabuçu de Baixo 05 e Cabuçu de Cima 08. Esses 02 perímetros além de
selecionados dada a sua indicação para projeto no Concurso de Projetos Renova SP, foram
escolhidos também para a análise dada as sua principal distinção entre eles, o grau de
consolidação dos 02 PAIs. O PAI Cabuçu de Baixo 05 está muito próximo a Serra da Cantareira e
é bem menos consolidado do que o PAI Cabuçu de Cima 08.
A tabela 2 mostra os 03 principais critérios de priorização dos PAIs, foram selecionadas as
questões do risco existente e da precariedade. Foi possível fazer uma analise quantitativa da
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questão do risco, com base nas informações do PMH SP, através dos dados fornecidos pela
Secretaria das Subprefeituras/ IPT 2010
A analise dos dados apontam para relevância da questão do risco Alto (R3) e Muito Alto
(R4), nas Sub-bacias onde estão situados os 02 PAIs, essa informação pode ser reforçada pelos
dados abaixo, que mostram que na Região Norte existem cerca de 7.748 domicílios em risco Alto
ou Muito Alto, onde desses, existem 10 PAIs com significativa presença de risco na Região, dos
48 PAIs existentes. Tomou-se como parâmetro os PAIs que possuem mais de 250 domicílios em
situação de Risco R3 e R4, o que pode ser verificado nos 02 Estudos de Caso.
Total de domicílios em Risco na Região Norte nos 48 PAIs existentes + as Áreas Isoladas
em R3 e R4 7.748 domicílios.
Os 10 PAIs com número significativo de domicílios em área de risco (Acima de 250
domicílios), em R3 e R4 5.971 domicílios.
Restando nos demais PAIs (38 PAIs) 1.777 domicílios.
Nas áreas isoladas em R3 e R4 694 domicílios.
Tabela 4 – Critérios considerados na Implantação do PMH e outras
Fonte: Sehab/ Habi Norte 2013 – Elaborado pela autora
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Tabela 4 – Critérios considerados na implantação do PMH e outras interferências.
Esses critérios representam as questões que não estão expressas no PMH, mas que
influenciam diretamente na seleção da demanda prioritária. São 08 critérios que são cruzados aos
critérios estabelecidos diretamente no PMH, esses critérios levam em consideração as seguintes
questões: Os assentamentos que já tiveram uma intervenção da municipalidade e precisam dar
continuidade a intervenção para não se perder os recursos empenhados. As obras públicas
previstas ou em andamento nas 03 esferas de governo, para se otimizar os recursos e os esforços
do poder público. Distribuição equiparada das intervenções e dos recursos nas 05 Regiões
administrativas. PAIs que possuem assentamentos com ação do Ministério Público, essas ações
podem levar a priorização imediata de um determinado assentamento. Atendimento das metas de
Governo, dado o comprometimento do poder público. Áreas que fazem parte do Programa de
despoluição dos rios e córregos da Sabesp, a analise dessa questão tem muita relevância,
considerando-se a parceria entre o governo do Estado e a Sabesp, em repasse de recursos
financeiros para o município para a priorização dos atendimentos que tem interface com as
necessárias obras de tratamento do esgoto que é lançado nos córregos.
.
A IMPORTÂNCIA DA ADOÇÃO DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS COMO UNIDADE DE
PLANEJAMENTO NA ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO DE SÃO
PAULO.
Os recursos hídricos tem sido alvo das atenções mundiais nos últimos anos, sendo o foco
de diversas discussões sobre a sua utilização e sobre qual seria a gestão mais adequada desses
recursos tão escassos. Esse sistema, mesmo sendo ele tão importante à vida, vem sofrendo
devido à urbanização acelerada (em muitos países por questões sociais), um processo acelerado
de deterioração. A deterioração de nossos recursos está intimamente ligada aos impactos
ambientais da ação do homem, principalmente, da ocupação do solo indevidamente, do uso
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indiscriminado da água e sua contaminação, do desmatamento das matas ciliares, e da
impermeabilização do solo.
Foi nesse contexto que se desenvolveram a maioria dos principais centros urbanos no
Brasil e no mundo. Em São Paulo isso não foi diferente, por questões óbvias de demanda e
produção de resíduos, as cidades foram crescendo e se instalando cada vez mais próximas dos
seus rios e córregos, exercendo uma forte pressão sobre esses sistemas, carregando desde a sua
origem, um enorme passivo ambiental, indo de contraponto a bacia hidrográfica e sua unidade
básica natural (SILVA, 2006).
Na cidade de São Paulo, essa pressão é resultado do grande déficit habitacional
acumulado até hoje, que historicamente, vem aumentando devido à falta de um planejamento que
considerasse à demanda futura por novas moradias, necessárias para atender às novas famílias
de baixa renda que se formariam.
Somado a tudo isso, como resultados de reivindicações históricas, vivemos um momento
em que são elaboradas políticas públicas e programas voltados para o planejamento integrado
dos diversos setores (público e privado), onde deverão ser articulados os diversos interesses,
esforços, recursos técnicos e financeiros, bem como as agendas. A criação do Ministério das
Cidades, a elaboração dos Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Habitação e dos Planos de
Saneamento e de Recursos Hídricos. SÃO PAULO (Município).
Diante desse quadro, mostra-se a preocupação com o meio ambiente e a importância das
bacias hidrográficas, com sua função importante como referencia para a formulação de políticas
públicas, na tomada de decisões, planejamento e gestão do território. Com isso, a preocupação
em conciliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental nas últimas décadas fizeram
crescer a demanda por projetos, planos e estratégias que integrem os diferentes agentes físicos,
econômicos e sociais que atuam no meio, em vista da intensa modificação e degradação
ambiental gerada pelo homem no atual momento.
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CONCLUSÃO:
Da análise de constituição dos PAIs e a utilização da Sub-bacia na gestão do território.
A utilização da água será sempre competitiva, e a forma de dar sustentabilidade e garantir
o equilíbrio a essa competição é a utilização das Bacias Hidrográficas através do exercício do
poder local dado aos municípios. Porem, levando sempre em consideração, que este recorte
geográfico por si só não seja o ideal para todos os agentes que participam do processo. A
vantagem da utilização da bacia permite o alinhamento nas esferas mais importantes, que são a
relação com a água e o meio ambiente, e da tomada de um caminho a ser seguido conjuntamente
no território, que contemple a maioria das necessidades. (MONICA PORTO, 2008).
Não será uma tarefa fácil à articulação dessas políticas, nem a formulação e a operação
de programas que englobem todos os objetivos, mas, podemos ter a tranquilidade de que essas
dificuldades podem e devem ser enfrentadas, pois existem mecanismos e instrumentos para isso.
O espaço de gestão da bacia é eficaz durante os períodos iniciais do processo, entretanto, à
medida que se tornam mais complexos, a eficácia vai depender muito da prática do planejamento
integrado.
Da análise dos critérios de priorização da intervenção nos assentamentos precários.
Como foi possível observar nas analises realizadas do ponto de vista da definição dos
Perímetros de Ação Integrada, para se garantir a efetiva ação com base nos pressupostos
ambientais, deve-se garantir também os aspectos urbanísticos, ainda que no momento de projeto.
Podemos observar que os custos e os prazos também são outros fatores preponderantes nessa
definição, não é interessante que uma intervenção iniciada não tenha a sua conclusão a curto
prazo, as consequências podem ser desastrosas ao meio físico e principalmente ao meio
ambiente.
Para os critérios que definem as prioridades de intervenção, o estudo mostrou que a
aplicação na prática dos itens básicos do PMH por si só não revelam as áreas mais emergentes,
um estudo não muito detalhado pode apresentar as prioridades apenas do ponto de vista
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quantitativo. Para se chegar a uma priorização mais condizente com a realidade, deve-se além de
utilizar os critérios básicos aplicar outros itens que de certa forma exprimem as questões da
analise qualitativa, como por exemplo, a existência de Ação do Ministério Público para
determinado assentamento, que impõe a intervenção imediata ao assentamento, com base nas
ocorrências e denuncias realizadas.
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PAISAGEM URBANA: LEITURAS POSSÌVEIS
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo promover uma reflexão sobre a possibilidade de leitura da paisagem
urbana, por meio da análise de alguns dos critérios utilizados nos métodos de interpretação visual de Lynch,
Cullen e Lamas.
A apropriação da cidade é também a assimilação visual e tudo quanto as respectivas associações possam
inferir àquele que a habita, aquele que a observa.
Nesta perspectiva, pretende-se refletir sobre os principais conceitos que estão na base dos teóricos acima
referenciados, e que resignificam a percepção da forma urbana, distinguindo a imagem da cidade, quer seja
a partir de elementos geométricos, compositivos ou critérios de legibilidade.
Palavras-chave: Percepção Visual, Paisagem Urbana, Cidade, Forma, Composição.
ABSTRACT
This article aims to promote a discussion about the possibility of reading the urban landscape through the
analysis of some of the criteria used in the methods of visual interpretation Lynch, Cullen and Lamas.
The appropriation of the city is also the visual assimilation and all the associations we can infer .
In this perspective, is important to reflect on the key concepts that underlie the theoretical referenced above,
and reframe the perception of urban form, distinguishing the city's image, either from geometrical elements,
compositional or legibility criteria.
Key words: Visual Perception, Townscape, City, Shape and Composition
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PAISAGEM URBANA: LEITURAS POSSÌVEIS
Elisabete Castanheira1
INTRODUÇÃO
A percepção visual é uma competência que pode ser adquirida e aperfeiçoada e em
cuja composição há misturas contínuas, trocas, associações e abstrações.
A apreensão do significado visual, mais do que um componente estético configurase como uma necessidade de ordenamento e orientação.
A complexidade que habita a metrópole e a profusão de informações nela contidas,
demandam uma compreensão apurada. Mais do que apenas visual, esta compreensão
necessita de todos os sentidos: há o som, a fumaça, o outdoor. Só esta percepção
abrangente é capaz de referenciar a cidade.
1
Mestranda, Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana
Mackenzie, [email protected].
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PAISAGEM URBANA
A qualidade de observador do morador de qualquer cidade se confunde com a sua
condição de parte integrante desse espetáculo, que é a própria cidade: Não somos meros
observadores desse espetáculo, mas parte dele; compartilhamos o mesmo palco com os outros
participantes (Lynch, 2011 p. 2).
Para o mesmo autor, a cidade é composta por elementos fixos e elementos móveis, as
pessoas. A percepção que cada indivíduo tem da cidade não é, na maioria das vezes abrangente,
mas, antes parcial, fragmentária, misturada com considerações de outra natureza. Quase todos os
sentidos estão em operação, e a imagem é uma combinação de todos eles. (Lynch, 2011 p. 2).
Lamas (2000) refere que é por intermédio da “figura”, ou através da mensagem figurativa, que a
arquitetura e a arte urbana se revelam.
Segundo Aumont (2004), a imagem sempre exerceu um papel narrativo, descritivo e
persuasivo na sociedade, mas, o uso dessas imagens não se dá de maneira natural; sua
produção é pensada, escolhas são realizadas, códigos são estabelecidos com seus símbolos,
signos e sinais, o que significa dizer que existe uma linguagem visual que deve ser aprendida para
que ocorra a comunicação e que é influenciada pelo nosso mundo interno, fruto da nossa
percepção do que é o mundo físico. Mas a linguagem visual, ou seja, a “linguagem que tem a
imagem como suporte”, ainda segundo Aumont (2004) não é só um sistema de signos que serve
de meio de comunicação entre indivíduos e pode ser percebido pelos sentidos; é também um
meio de aprender conceitos, de ampliar e de produzir conhecimento do mundo físico e cultural, e
um instrumento de formação de consciência.
A nossa relação com a imagem vem de há muito tempo. Do início de tudo. Desde os
apontamentos gráficos das cavernas de Lascaux até a possibilidade de, através da câmera do
nosso celular, captarmos - e imortalizarmos de forma fugaz - uma cena do quotidiano que seja
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digna de registro, há uma incomensurável trajetória, na tentativa de descrever o que seja esta
relação ou o seu processo.
A gênese da comunicação humana está centrada na imagem e até o advento da escrita,
foi por meio dela, que se operou a transmissão de mensagens, cujo conteúdo, serve hoje, como
referência do contexto histórico de então.
Segundo Dondis (2007), toda a imagem possui três níveis distintos de mensagem, que a
inteligência visual decodifica como: representacional - ou material, o simbólico – significante - e o
abstrato – a composição pura, e que são regidas pela postura e pelo significado pretendido,
criados por filtro pessoal, cultural.
Segundo Dondis (2007), “a força maior da linguagem visual está em seu caráter imediato,
em sua evidência espontânea”, pois, “a visão é veloz, de grande alcance, simultaneamente
analítica e sintética”.
Kepes (1969) já havia reforçado anteriormente a ideia de que “a linguagem visual é capaz
de difundir o conhecimento com mais eficácia que qualquer outro veículo de comunicação” e que
“a sua atuação é universal e internacional - ignora limites de idioma, de vocabulário ou gramática e pode ser percebida tanto pelo analfabeto como pelo homem culto.” (KEPPES, 1969 p. 23)
A DISTINÇÃO ENTRE OLHAR & VER
Dondis (2007) refere que, “a visão está ligada à sobrevivência como sua mais importante
função. Mas vemos o que precisamos ver em outro sentido, ou seja através da influência da
disposição mental, das preferências e do estado de espírito em que eventualmente nos
encontramos. Seja para compor, seja para ver, a informação contida nos dados visuais deve
emergir da rede de interpretações subjetivas e, ou ser por ela filtrada.” (DONDIS, 2007 p. 134)
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Embora ver seja uma qualidade da condição humana – em sua maioria, o seu alfabetismo
não é competência de todos, e adquiri-lo, pode ser um processo complexo na medida em que
envolve o letramento visual do emissor da mensagem e do receptor, em níveis de compreensão
diferentes: do quotidiano, do significado e da construção formal. Keppes (1969) reforça a idéia,
quando menciona que “perceber uma imagem implica a participação do espectador no processo
de organização” e que “a experiência de uma imagem é assim, um ato criador de integração.”
Durante o processo de alfabetização visual a que todos são submetidos, são adquridas
competências que permitem decodificar os componentes de um universo particular e restrito
inicialmente - “mundo conhecido”, mas que é parte integrante do mundo real.
Tanto na
alfabetização verbal quanto na escrita, a componente imagética é recurso imprescindível na
aquisição de repertório – memorização visual – que permitirá ao aprendiz por meio da
interpretação dos códigos de comunicação, ler e interpretar o respectivo conteúdo.
Olhar, dentro de condições fisiológicas ideais, é uma atividade inata – uma resposta à luz e cotidiana, que envolve transformações ópticas, químicas e nervosas (AUMONT, 2000, pgs. 1821).
Ver por outro lado, é um processo posterior, que envolve a conexão entre o estímulo
recebido, a informação armazenada e a motivação, pois, como refere Dondis (2007), “o ato de ver
é um processo de discernimento e julgamento.” Ver se distingue de olhar, na medida em que se
atribuem significados – são estabelecidas relações - ao conteúdo que se olha.
ALFABETISMO VISUAL
Para que haja o efetivo letramento visual, ou seja, a interpretação da imagem, é
fundamental que haja a compreensão do conteúdo e da forma à luz do contexto de sua produção,
pois como refere Dondis (2007), “a forma é afetada pelo conteúdo e o conteúdo é afetado pela
forma. A mensagem é emitida pelo criador e modificada pelo observador.” A compreensão do
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conteúdo e da forma, por seu turno, implica uma desconstrução da imagem onde os elementos
visuais e as técnicas de manipulação sejam estudadas e entendidas sob determinados objetivos.
E por fim, na interpretação da mensagem visual, deve haver a percepção - e integração - dos
diferentes níveis da mensagem visual, enfatizados por Kepes (1969): “para funcionar em toda a
sua profundidade o homem deve restabelecer a unidade de suas experiências de modo a que
possa registrar as dimensões sensorial, emocional e intelectual do presente em um todo
indivisível.” (KEPPES, 1969 p. 23)
Como refere Dondis (2007), “a visão é natural: criar e compreender mensagens visuais é
natural até certo ponto, mas a eficácia, em ambos os níveis, só pode ser alcançada através do
estudo”. Esta faculdade inata pode e deve ser desenvolvida com o objetivo de que se adquiram
competências avançadas na elaboração plástica da forma, por meio de técnicas de manipulação
dos elementos básicos que a constituem. De maneira resumida, pode-se dizer que é possível
adquirir o alfabetismo visual da forma que segue:
Onde:
Devemos buscar o alfabetismo visual em muitos lugares e de muitasmaneiras, nos
métodos de treinamento de artistas, na formação técnica de artesãos, na teoria
psicológica, na natureza e no funcionamento fisiológico do próprio organismo
humano. (DONDIS, 2007 p. 18)
Como:
“A sintaxe visual existe. Há linhas gerais para a criação de composições. Há
elementos básicos que podem ser aprendidos e compreendidos por todos os
estudiosos e interessados do meio de comunicação visual, sejam eles artistas ou
não, e que podem ser usados, em conjunto com técnicas manipulativas, para a
criação de mensagens visuais claras.” (DONDIS 2007, p. 18)
Porque:
Para que possa haver o entendimento da mensagem visual, que se dá em 3
níveis:
- representacional (o motivo)
- simbólico (significante)
- abstrato (elaboração/composição/forma)
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Ainda que não tão lógico quanto o sistema verbal, o sistema visual, apesar de sua
complexidade, tem maior alcance e velocidade na recepção da mensagem. Para concluir, Dondis
(2007) define o alfabetismo visual como:
algo além do simples enxergar, como algo além da simples criação de mensagens
visuais. O alfabetismo visual implica compreensão, e meios de ver e compartilhar
o significado até um determinado nível de universalidade e que a preocupação
última do alfabetismo visual é a forma inteira: o efeito cumulativo da combinação
de elementos selecionados, a manipulação das unidades básicas através de
técnicas e sua relação formal e compositiva com o significado pretendido.”
(DONDIS, 2007 p. 13)
O que é:
De acordo com a teoria de Howard Gardner (1995), aquilo a que denominamos talento ou
habilidade, nada mais é, do que uma das múltiplas inteligências do ser humano. Ainda segundo
Gardner (1995), a inteligência visual é somente uma das sete inteligências que possuímos e
envolve, segundo Dondis (2007), o desenvolvimento das competências “vinculadas a perceber,
compreender, contemplar, observar, descobrir, reconhecer, visualizar, examinar, ler, olhar”, ou
ainda, em termos objetivos, a distinção entre olhar e ver. Aqueles que apresentam inteligência
visual desenvolvida, via de regra possuem boa coordenação motora e orientação espacial;
percepção visual apurada da experiência cromática e tátil; a memória visual e a retenção de
detalhes é mais aprofundada; a capacidade de tridimensionalizar imagens percebidas de forma
bidimensional e ainda, a expressão de uma linguagem própria ao retrabalhar experiências visuais
vividas, são características deste tipo de inteligência.
De percepção e compreensão trata a inteligência visual, não se tratando em hipótese
alguma de intuição subjetiva ou capacidade aleatória, como refere (Dondis, 2007).
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COMPOSIÇÃO VISUAL
A estrutura visual é a essência da expressão plástica que contém a forma - técnica +
resultado da observação - e o seu conteúdo, o significado. Arnheim (1980) refere que a eficiência
da mensagem visual não depende apenas “do funcionamento da percepção, mas também da
qualidade das unidades visuais individuais e das estratégias de sua unificação em um todo final e
completo”. Para o efeito é necessário que as partes da composição, ou seja, os elementos visuais
básicos - ponto, linha etc. - que a compõem sejam manipulados por meio de técnicas visuais contraste, harmonia etc. - com o objetivo de encontrar a solução visual que permita a interação
dos três níveis.
Segundo Dondis (2007),
seja qual for a substância visual básica, a composição é de importância
fundamental em termos informacionais; é o meio interpretativo de controlar a
reinterpretação de uma mensagem visual por parte de quem a recebe pois a
mensagem e o significado, não se encontram na substância física, mas sim na
composição: a forma expressa o conteúdo. (DONDIS, 2007 p. 78)
É nesta etapa do processo criativo, que o emissor exerce a sua capacidade de elaborar e
expressar a mensagem visual. É aqui também, que as ”decisões compositivas determinam o
objetivo e o significado da manifestação visual e tem fortes implicações com relação ao que é
percebido pelo espectador”, como refere Dondis (2007).
Segundo Kepes (1969):
a experiência de uma imagem plástica constitui uma forma desenvolvida através
de um processo de organização. A imagem plástica tem todas as características
de um organismo vivo. Contém forças de interação que atuam em seus
respectivos campos e estão condicionadas por eles. (KEPPES, 1969 p.11)
Ainda segundo este autor, “se trata de um sistema que alcança sua unidade dinâmica
mediante diversos níveis de integração; mediante o equilíbrio, o ritmo e a harmonia.” As forças de
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interação presentes no fato visual, mencionadas por Kepes (1969), apresentam duas categorias:
forças físicas externas ou “agentes-luz que bombardeiam o olho e produzem alteração da retina” e
forças internas, ou em outras palavras, “a tendência dinâmica do indivíduo em restabelecer o
equilíbrio depois de cada perturbação procedente do exterior, mantendo assim seu sistema em
uma relativa estabilidade.”
Segundo Gomes Filho (2000), “os psicólogos da Gestalt precisaram certas constantes
nessas forças internas, quanto à maneira como se ordenam, ou se estruturam as formas
psicologicamente percebidas.” “Essas constantes das forças de organização são os que os
gestaltistas chamam de padrões, fatores, princípios básicos ou leis de organização da forma
perceptual. São essas forças ou esses princípios que explicam por que vemos as coisas de uma
determinada maneira e não de outra.”
A LEITURA DA PAISAGEM URBANA
Na visão de Lynch (2011) a cidade é um grande paradoxo: se por um lado é estática sob o
peso das construções, por outro é dinâmica, na medida em que o surgimento de detalhes é
incessante. É um objeto a ser percebido e quiça, desfrutado.
O método de leitura da paisagem urbana proposto por Lynch (2011) está assente
primordialmente na questão da Legibilidade, embora não seja o único atributo utilizado pelo autor,
pretende:
indicar a facilidade com que suas partes podem ser reconhecidas reconhecidas e
organizadas num modelo coerente. Assim como esta página impressa, desde que
legível, pode ser visualmente percebida como um modelo correlato de símbolos
identificáveis, uma cidade legível seria aquela, cujos bairros, marcos ou vias
fossem facilmente reconhecíveis e agrupados num modelo geral. (LYNCH, 2011 p.
3)
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A investigação do processo de percepção humana distingue os acontecimentos ocorridos
na visão e no cérebro e encontra aporte na teoria da Gestalt que aborda a estrutura do fato visual
e como se processa o input visual - aquilo que recebemos em termos de informação - e o output
visual - tudo o que processamos. Segundo Gomes Filho (2000), “todo o processo consciente, toda
forma psicologicamente percebida esta estreitamente relacionada às forças integradoras do
processo fisiológico cerebral. A hipótese da Gestalt, para explicar a origem dessas forças
integradoras, é atribuir ao sistema nervoso central um dinamismo autorregulador que, à procura
de sua própria estabilidade, tende a organizar as formas em todos coerentes unificados.” Esta
necessidade fisiológica de busca da harmonia em todo o fato visual, o princípio conhecido como
pregnância da forma é a base da Teoria da Gestalt e contém vários outros princípios - princípio da
boa continuidade, semelhança, proximidade, fechamento e etc. Como refere Gomes Filho (2000),
“segundo esse princípio, as forças de organização da forma tendem a se dirigir tanto quanto o
permitem as condições dadas no sentido da clareza, da unidade, do equilíbrio, da boa Gestalt.”
Lynch (2011) elenca uma série de outras qualidades que a cidade apresenta:
Estruturar e identificar o ambiente é uma capacidade vital entre todos os animais
que se locomovem. Muitos tipos de indicadores são usados: as sensações visuais
de cor, de forma, movimento ou polarização da luz, além de outros sentidos como
o olfato, a audição o tato, a cinestesia, o sentido da gravidade e, talvez, dos
campos elétricos ou magnéticos. (LYNCH, 2011 p. 4)
Para Cullen (2004), o conjunto formado pelas edificações de uma cidade exerce sobre os
seus habitantes um impacto completamente diferente daquele exercido por uma construção
isolada. O sistema de leitura da cidade deste autor, assenta em 3 aspectos: a Ótica, o Local e o
Conteúdo.
O primeiro aspecto, o Ótico, ao qual Cullen (2004) se refere, trabalha com percurso,
enquadramento e elementos descobertos, e é denominado pelo autor de Visão Serial. Poder ser
assim explicado: na medida em que há o deslocamento, o enquadramento visualizado se altera.
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Figura 1, 2 e 3 – Representação Gráfica da Visão Serial – Arte: Autora
Segundo Cullen (2044), os elementos descobertos seriam uma “sucessão de surpresas ou
revelações súbitas”, com as quais o observador se depara, a medida em que o deslocamento
acontece e o enquadramento da paisagem vai sendo alterado. Novos elementos vão configurando
este enquadramento. Entra aqui os conceito de imagem existente e imagem emergente.
O segundo aspecto que compõem o sistema de leitura da paisagem urbana de Cullen
(2004) é o Local e as reações que podem daí advir. Este conceito estabelece relações de
posicionamento: fora e dentro, aqui e ali, entre outros. Mas, mais do que isso, há um pensar sobre
a sensação vivenciada, por exemplo, em um espaço aberto e fechado. Como o próprio autor
refere:
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Este segundo ponto diz respeito às nossas reações perante a nossa posição no
espaço. É fácil de exemplificar: quando entramos numa sala pensamos “Estou cá
fora”, depois “Estou a entrar ali para dentro” e finalmente, “Estou aqui dentro”. Este
tipo de percepção integra-se numa ordem de experiências ligadas às sensações
provocadas por espaços abertos e espaços fechados que nas suas manifestações
mórbidas são a agorafobia e a claustrofobia. (CULLEN, 2004 p. 11)
Ainda inserido neste aspecto, Cullen (2004) faz referência ao fato que:
Uma vez que o nosso corpo tem o hábito de se relacionar continuamente com o
meio-ambiente, o sentido de localização não pode ser ignorado e entra,
forçosamente em linha de conta na planificação do ambiente. (CULLEN, 2004 p.
13)
Lynch (2011) em seu sistema de leitura da paisagem urbana também trabalha com a
questão da localização. O conceito base, a Legibilidade, contempla 3 aspectos: a Identidade, a
Estrutura e o Significado. Sobre estes dois últimos, o autor refere que:
Estruturar e identificar o ambiente é uma capacidade vital entre todos os animais
que se locomovem. Muitos tipos de indicadores são usados: as sensações visuais
de cor, a forma, movimento ou polarização da luz, além de outros sentidos como
olfato, a audição, o tato, a cinestesia, o sentido da gravidade e, talvez, dos
campos elétricos ou magnéticos. Essas técnicas de orientação, desde o voo polar
de uma andorinha-do-mar até o caminho percorrido por um molusco sobre a
microtopografia de uma rocha, são descritas e tem a sua importância enfatizada
numa vasta literatura. Os psicólogos também tem estudado essa capacidade no
homem, ainda que apenas do modo vago ou em condições limitadas de
laboratório. Apesar de alguns problemas ainda por decifrar, hoje parece
improvável que exista qualquer “instinto” místico associado à descoberta de
caminhos. Pelo contrário, há um uso e uma organização consistentes de
indicadores sensoriais inequívocos a partir do ambiente externo. Essa organização
é fundamental para a eficiência e para a própria sobrevivência da vida em livre
movimento. (LYNCH, 2011 p. 4)
A esta capacidade adquirida, de orientação no espaço urbano, Lynch (2011) atribui o nome
de Imagibilidade.
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Lamas (2000) também referencia a relevância do Sistema de Orientação para o
conhecimento da cidade, embora a seu ver, seja uma questão “esquecida” por tratadistas e
geógrafos urbanos. Acrescenta ainda:
Respeita, em primeiro lugar, ao equilíbrio vertical e também a noções de
acima/abaixo, esquerda/direita, horizontal/vertical, alto/baixo, longe/perto, etc., que
permitem ao homem orientar-se na cidade. Será como um “sexto sentido”, e numa
cidade dependerá fundamentalmente dos sistemas de referência: marcos ou
monumentos, zonas ou bairros, traçados, nós. (LAMAS, 2000 p. 58)
O aspecto da localização, ao qual Cullem (2004), Lynch (2011) e Lamas se referem, está
relacionado com o conceito das Múltiplas Inteligências de Gardner (1995) e com a questão do
equilíbrio, tratada por Dondis (2007).
Para Gardner (1995), o autor da teoria das inteligências múltiplas, o ser humano não
possui uma única inteligência, mas sim, um conjunto de “sete inteligências cujas características
são determinantes na atuação em um campo de atividade específico”. Posteriormente, foi
acrescentada a oitava inteligência. São elas: a inteligência lógico-matemática, a naturalista, a
verbal-linguística, a interpessoal, a intrapessoal, a musical e a visual-espacial, que trata da
coordenação motora e da percepção do corpo no espaço.
Dondis (2007) por sua vez, trata da questão do equilíbrio no homem, em sua faceta física e
psicológica e de que maneira está relacionado com o espaço físico, fazendo referência ao fato de
que:
O equilíbrio é tão fundamental na natureza quanto no homem. É o estado oposto
ao colapso, a referência visual mais forte e firme do homem, em sua base
consciente e inconsciente para fazer avaliações visuais. (DONDIS, 2007 p. 32)
Para esta autora, a relação primária do homem com o meio ambiente é o “constructo
horizontal-vertical”:
Na expressão ou interpretação visual, o processo de estabilização impõem a todas
as coisas vistas e planejadas um “eixo” vertical, com um referente horizontal
secundário, os quais determinam, em conjunto, os fatores estruturais que medem
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o equilíbrio. Esse eixo visual também é chamado de eixo sentido, que melhor
expressa a presença invisível mas preponderante do eixo no ato de ver. Trata-se
de uma constante inconsciente. (DONDIS, 2007 p. 33)
O terceiro aspecto do sistema de leitura da paisagem urbana de Cullen (2004) é o
Conteúdo, que contempla aspectos constitutivos, como por exemplo: a “cor, textura, escala, o seu
estilo, a sua natureza, a sua personalidade e tudo o que a individualiza.
Lamas (2000) trabalha a leitura da paisagem urbana a partir do conceito de Arquitetura da
Cidade, que contempla a sua conexão com o desenho: linha, espaços, volumes, geometrias,
planos e cores: a tridimensionalização da forma, a partir dos elementos básicos que a constituem.
Dentro deste conceito-base estão contemplados os seguintes aspectos: Quantitativos, Funcionais,
Qualitativos e Figurativos. Segundo este autor:
Aspectos Quantitativos: Todos os aspectos da realidade urbana que podem ser
quantificáveis e que se referem a uma organização quantitativa: densidades,
superfícies, fluxos, coeficientes volumétricos, dimensões perfis, etc. Todos esses
dados quantificáveis são utilizados para controlar aspectos físicos da cidade.
Aspectos Funcionais: Relacionam-se com as atividades humanas (habitar, instruir,
tratar, comerciar, trabalhar, etc) e também com o uso de uma área, espaço ou
edifício (residencial, escolar, comercial, sanitário, industrial, etc), ou seja, ao tipo
de uso do solo. Uso a que é destinado e uso que dele se faz.
Aspectos Qualitativos: Referem-se ao tratamento dos espaços, ao “conforto” e à
“comodidade” do utilizador. Nos edifícios, poderão ser a insonorização, o
isolamento térmico, a correta insolação, etc., - e, no meio urbano poderão ser
características como o estado dos pavimentos, a adaptação ao clima (insolação,
abrigo dos ventos e das chuvas), a acessibilidade, etc. Os aspectos qualitativos
podem também ser quantificáveis através de parâmetros (os decibéis que medem
a intensidade de conforto sonoro, o lux, como medida de conforto da iluminação,
etc.) . (LAMAS, 2000 p. 44)
De forma resumida é possível dizer que os aspectos Quantitativos são todos aqueles
atributos passíveis de serem mensurados. Os aspectos Funcionais reportam à questões práticas
enquanto atividades desenvolvidas: equipamentos de lazer, cultural, entre outros. Os Qualitativos
contemplam atributos de conforto: acústicos, térmicos, entre outros.
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Os aspectos Figurativos, Lamas (2000) relaciona “essencialmente com a comunicação
estética” e acrescenta:
Entendo por “aspectos Figurativos” os aspectos da forma que são comunicáveis
através dos sentidos. E “figura”, ao poder de comunicação estética da forma, ou
seja, ao modo como se organizam as diferentes partes que constituem a forma,
com objetivos de comunicação. (LAMAS, 2000 p. 56)
Este núcleo do sistema de leitura de Lamas (2000), prende-se à visão pessoal que se tem
sobre determinado local ou objeto, podendo ser determinados por associações estabelecidas por
diversas motivações. Lamas (2000) recorre a Aristóteles para pontuar que tudo passa pelos
sentidos e refere:
O homem urbano está sujeito a sons, cheiros, calor, luz, estímulos visuais,
climáticos, e outros, que atuam sobre os seus sistemas perceptivos, através dos
quais passam para mensagens organizadas e tratadas pelo cérebro, produzindo o
conhecimento do meio urbano. Não é objetivo aqui desenvolver a teoria da
informação, nem discutir as ações entre o transmissor (meio urbano) e o receptor
(o homem), através das mensagens. Basta registrar a importância dos sentidos e
da cultura na leitura da cidade. Resumindo, direi que os valores estéticos só são
comunicáveis através dos sentidos e que, apesar de as características da forma
não se resumitem aos aspectos sensoriais (portanto perceptíveis), estes são
determinantes na sua compreensão. Um breve enunciado dos sistemas sensoriais
permitirá clarificá-los. (LAMAS, 2000 p. 58)
Próximo ao aspecto Figurativo de Lamas (2000) está aquilo que Cullen (2004) denomina
como fator indispensável à percepção da paisagem, dentro do seu conceito de Legibilidade: o
Contraste. Para este autor, é esta propriedade que atribui qualidade a percepção da paisagem.
Sem este, a paisagem é um conjunto amorfo.
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CONSIDERAÇÕES
A percepção pode ser desenvolvida. O processo que culmina com a conquista desta
capacidade trata de questões visuais, obviamente, mas trata também de um exercício contínuo na
construção do olhar. É um diálogo constante. No caso específico da leitura da paisagem urbana, a
cidade é causa ao mesmo tempo em que é consequência – é causa quando passa a ser objeto de
informação visual percebido, e consequência, pois, do interesse surge a descoberta daquilo que
ate então estava invisível. Esta interação altera a todos os intervenientes do processo: emissores
e receptores.
A consolidação da identidade, da territorialidade e tantos outros significados resultam da
pluralidade de leituras possíveis da paisagem urbana.
A presente reflexão propõe uma leitura transversal sobre três dos principais teóricos da
matéria Leitura da Paisagem Urbana – Lynch, Cullen e Lamas -, aproximando os seus referenciais
e articulando pontos de convergência. A esta articulação estrutural são associados conceitos de
teóricos que tratam da Percepção: Kepes, Dondis, Arnhein e Gomes. O objetivo centra-se na
possibilidade de apreender o que pode resultar do cruzamento de informações, contidas neste
grid. A presente leitura teve como escopo os conceitos principais, para que em uma eventual
continuidade, seja possível obter alguns dos desdobramentos disponíveis.
A leitura do espaço urbano como fonte de informação e conexões culturais, expõem, relata
e discute, pois como refere Canevacci (2000), a “cidade em geral e a comunicação urbana em
particular comparam-se a um coro que canta com uma multiplicidade de vozes autônomas que se
cruzam, relacionam-se, sobrepõem-se umas às outras, isolam-se ou se contrastam; também
designa uma determinada escolha metodológica de dar voz a muitas vozes, experimentando
assim um enfoque polifônico com o qual se pode representar o mesmo objeto – justamente a
comunicação urbana. A polifonia está no objeto e no método.”
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUMONT, J. A Imagem. São Paulo: Editora Papirus, 2004.
ARNHEIM, R. Arte e Percepção Visual. São Paulo: EDUSP, 1980.
CANEVACCI, M. A Cidade Polifônica, São Paulo: Estúdio Nobel, 2000.
_____________ Antropologia da Comunicação Visual. São Paulo: DP & A, 2001.
CULLEN, G. Paisagem Urbana. Lisboa: Editora Edições 70, 2004.
DONDIS, A. D. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007.
FILHO, J. G. Gestalt do Objeto. São Paulo: Editora Escrituras, 2000.
FRANCO, M. A. R. Desenho Ambiental – Uma introdução à Arquitetura da Paisagem com o
Paradigma Ecológico. São Paulo: Editora Annablume/FAPESP, 1997.
KEPES, G. El Lenguaje de la Visión. Buenos Aires: Ediciones Infinito, 1969.
LAMAS, J. M. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian –
Fundação para Ciência e Tecnologia, 2000.
LYNCH, K. A Imagem da Cidade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.
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VILA FERROVIÁRIA DE PARANAPIACABA – POLÍTICAS URBANAS E
DESENVOLVIMENTO
RESUMO
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba juntamente com seu entorno registram o descompasso e a ruptura
entre o novo e o antigo. Exemplo de momento histórico da modernidade, hoje transforma seus espaços na
tentativa de sobreviver, através da transformação de seus espaços, pela mudança de uso e implementação
do turismo. Desta forma, este artigo visa discutir a implantação dos planos e políticas urbanas providos pela
Prefeitura Municipal de Santo André para revitalização, conservação e desenvolvimento socioeconomico da
Vila de Paranapiacaba.
Palavras-chave: Vila de Paranapiacaba, planos urbanísticos, políticas urbanas.
ABSTRACT
The Paranapiacaba's Railway Village along with your surroundings records the imbalance between old and
new. Example of historical moment of modernity, transforms their spaces in an attempt to survive, by land
use change and implementation of tourism. Thus, this paper discusses the implementation of urban plans
and policies provided by the Municipality of Santo André for revitalization, conservation and socioeconomic
development of Paranapiacaba's Village.
Key words: Paranapiacaba's Village, Urban plan, urban policy.
361
VILA FERROVIÁRIA DE PARANAPIACABA – POLÍTICAS URBANAS E
DESENVOLVIMENTO
Fernanda Figueiredo D’Agostini1
Eunice Helena Sguizzardi Abascal 2
A VILA
A implantação da primeira ferrovia no Brasil ocorreu por meio de uma lei geral, em 1935,
assinada pelo senador Diogo Antônio Feijó, então regente do país, que autorizava a concessão de
privilégios às empresas interessadas em construir estradas de ferro, estabelecendo a isenção de
impostos na importação de máquinas, direito de desapropriação dos lotes necessários, permissão
de uso de madeira e minério encontrados na área, além de privilégio de quarenta anos de
exploração do trecho e concessão da linha por oitenta anos. (CYRINO, 2010)
Na província de São Paulo somente em 1855, com o decreto imperial que autorizava tanto
o governo imperial quanto o provincial a conceder privilégios que se fizessem necessários para a
construção de linhas férreas que pudessem vencer as barreiras da Serra do Mar, ligando a cidade
de Santos à Vila de Rio Claro, com garantia de juros imperial de cinco por cento e a provincial de
dois por cento. Finalmente em 1856 a concessão para a transposição da Serra do Mar, ligando o
Porto de Santos as regiões agrícolas no interior de São Paulo e dada ao Visconde de Mauá e ao
Marquês de Monte Alegre.
A malha ferroviária paulista teve sua implantação caracterizada pela falta de planejamento
e entrosamento, além da ausência de uniformidade de critérios técnicos, como por exemplo, os
traçados que nem sempre levaram em conta as condições geográficas dos sítios, obedecendo, na
1
Arquiteta e urbanista, mestranda pelo Programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, e-mail: [email protected].
2
Arquiteta e urbanista, coordenadora e professora do Programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, e-mail: [email protected]
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maioria das vezes, os interesses políticos e das companhias que obtivessem a concessão, que
incluía terrenos e operação. Desta forma, pequenos ramais de bitolas estreitas (distâncias entre
os trilhos), estradas batizadas de “catacafé” por Odilon Nogueira de Matos, multiplicavam-se de
acordo com os interesses dos produtores, muitas vezes tendo como destino principal as suas
fazendas. (MAZZOCO; SANTOS, 2005)
No estado de São Paulo destacou-se a ferrovia que faz a ligação do interior do estado com
o litoral, hoje conhecida como Santos-Jundiaí, inaugurada em 1867, possui 139 km, utilizando-se
de 13 túneis e 17 pontes para vencer os 796 metros de altitude que separam o Porto de Santos do
Planalto Paulista. A transposição da Serra do Mar trouxe grande avanço econômico e tecnológico
ao Brasil, mas principalmente ao estado de São Paulo. Para empreender a construção, Barão de
Mauá, obteve em Londres o capital necessário com garantia de 7% de juros sobre o capital que
fosse gasto na construção da estrada, até o máximo de dois milhões de libras somados ainda ao
valor levantado para cobrir os juros durante a construção – sendo que 5% seriam pagos pelo
Governo Imperial e 2% pela Província de São Paulo, além de noventa anos de privilégio de
concessão. Foi, ainda, outorgado à companhia o privilégio de zona na extensão de cinco léguas
para cada lado da estrada, além da isenção dos direitos de importação para os materiais, dos
direitos de desapropriação dos terrenos necessários para a construção, da exploração de minas
encontradas na zona de privilégio e, por fim, obtenção de terras devolutas nos termos mas
favoráveis permitidos por lei. (MAZZOCO; SANTOS, 2005)
Na sua construção foram empregados mais de cinco mil funcionários, desta forma, para
atender tal demanda foi implantada no último ponto de planalto e de menor inclinação a Vila de
Paranapiacaba que é uma amostra da tecnologia inglesa trazida para o Brasil, que possibilitou a
implantação de um sistema de linha férrea que iria constituir um importante canal de entrada e
saída de produtos, ligando o interior ao porto de Santos.
A Vila de Paranapiacaba destaca-se pela ocupação bastante diferente do legado da
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colonização portuguesa que não se preocupava em organizar as cidades e, sobretudo legislar, a
vila planejada marca a presença inglesa através da implantação padronizada das casas de
madeira em conjuntos geminados com recuos que possibilitam jardins, ainda incomuns no início
do século. A hierarquia social da SPR era definida por várias características das construções:
tamanho do lote e da casa, tipo da edificação, definiam as categorias dos funcionários.
Estas construções eram destinadas, principalmente, aos funcionários de mais alto escalão
que vinham da Europa e, por este motivo, buscavam reproduzir os hábitos tradicionais de seus
países de origem, diferenciando-se das cidades brasileiras que ainda eram calcadas nos padrões
coloniais e dependentes da mão de obra escrava. Desta forma, é possível afirmar que a
organização da vila auxiliava na manutenção da ordem e disciplina dos brasileiros, distanciandoos dos velhos hábitos rurais e incutindo-lhes novas referências culturais da nova era industrial.
(FINGER, 2009)
Os novos padrões de higiene, saúde e economia, dentre outros, modificaram o cotidiano
das famílias que passaram a viver nas vilas, propiciando as novas gerações serem educadas nas
escolas implantadas pelas empresas para controlar a formação dos jovens para que crescessem
aptos ao trabalho, sendo inclusive direcionados a isso.
Localizada no extremo sul do Município de Santo André, no ponto mais alto da Serra do
Mar, a Vila de Paranapiacaba conserva um significativo acervo tecnológico ligado à ferrovia e
testemunhos de um modelo arquitetônico e urbanístico bastante avançado para a época de sua
implantação. Construída na segunda metade do século XIX, a vila ferroviária nasceu e se
desenvolveu a partir de 1860 com a implantação da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, a primeira
ferrovia paulista, construída pela companhia inglesa SPR - São Paulo Railway, para escoar a
produção cafeeira do Estado de São Paulo ao mercado internacional.
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A TRAJETÓRIA
A Vila de Paranapiacaba manteve-se por todo século XX com o caráter de vila ferroviária
diferenciando-se dos demais núcleos que se desenvolveram junto às estações ferroviárias da
Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, devido a sua população ter apresentado rápida expansão
urbana no início do século, sendo, em 1907 a vila da Estação Alto da Serra, elevada a Sede do
Distrito de Paz de Paranapiacaba, segundo distrito do então município de São Bernardo, com
aproximadamente dois mil habitantes, porém não houve aumento populacional significativo desde
então.
Após passar por noventa anos sob a concessão da empresa inglesa SPR – São Paulo
Railway, a Vila de Paranapiacaba atravessa por décadas de transições e adequações
administrativas que acarretaram em um processo contínuo de degradação do patrimônio e
decrescimento socioeconomico da vila resultando no escoamento populacional. Esse processo
desencadeou-se em 1946 com a incorporação da ferrovia e todo seu acervo ao Governo Federal
que, em 1957, transfere a administração para a Rede Ferroviária Federal S/A sendo administrada
de maneira centralizada junto com as demais ferrovias do país, em sua maioria deficitárias
ocasionando o início do processo de degradação, este agrava-se pela política governamental
incentivadora do transporte rodoviário e da indústria automobilística.
No entanto, a maior evasão populacional dá-se na década de 1970, após a substituição do
sistema funicular pelo sistema de cremalheira – aderência no trecho de serra, que por possuir
uma operacionalidade muito mais simples, dispensa um grande número de operários, alguns
relatos indicam que nesta época muitos imóveis da vila foram invadidos por pessoas de baixa
renda que buscavam ali uma forma de moradia gratuita. Outro fator que atraiu muitas pessoas de
classe baixa para a vila é a questão do não pagamento do fornecimento de água, ressaltando que
até hoje, muitos moradores ainda não pagam pelo fornecimento de água em suas residências.
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Em 30 de setembro de 1987 a Vila Ferroviária de Paranapiacaba é tombada pelo
CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico
do Estado de São Paulo - como bem cultural de interesse histórico, arquitetônico-urbanístico,
ambiental e tecnológico através da Resolução da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo
nº 37 incluindo: Vila Velha, Vila Martim Smith, Parte Alta, Conjunto Ferroviário (edifícios e
equipamentos férreos existentes) e área natural do entorno (importante parcela da Serra do Mar e
seus ecossistemas). Foram apresentados vários projetos e planos de revitalização, porém a
situação se manteve quase inalterada após seu reconhecimento.
Nos anos 90, com a falta de recursos e a política de privatização da Rede Ferroviária
Federal que levaram a sua liquidação, que culminou, novamente, na ocupação irregular dos
imóveis tombados em um processo de invasão dos imóveis desocupados agravando o processo
de degradação do patrimônio, neste momento a Vila de Paranapiacaba é comprada pela
Prefeitura Municipal de Santo André. Posteriormente a sua compra, a Vila de Paranapiacaba, é
tombada pelo órgão de defesa nacional – IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) em 2002 e no ano seguinte o município reconhece o patrimônio com o tombamento pelo
Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e
Paisagístico de Santo André – COMDEPHAAPASA.
Entre 2003 e 2007 foi considerada pela World Monuments Fund3 um dos cem patrimônios
mais importantes do mundo em risco. Em 2008 Paranapiacaba tornou-se o primeiro patrimônio
cultural paulista e também o primeiro patrimônio industrial ferroviário brasileiro a compor a lista
indicativa do IPHAN ao título de Patrimônio da Humanidade da UNESCO, porém a sua
candidatura foi retirada, em 2010, pela então Administração Municipal, devido a falta de
investimentos para a recuperação da Vila.
3
WMF – World Monuments Fund é uma fundação independente com sede em Nova York que atua em todo o mundo,
preservando patrimônios históricos e culturais através de parcerias com governos e iniciativas privadas.
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O atual Sistema Paranapiacaba, constituído pelos equipamentos ferroviários, funiculares,
vila operária e entorno ainda sofre séria e contínua descaracterização, em razão do abandono
ocorrido. A vila apresenta um panorama de falta de investimentos, além de uma grande deficiência
de equipamentos urbanos para atendimento da demanda turística. Após sua compra pela
Prefeitura Municipal de Santo André, em 2002, foi implantado o Programa de Gestão do
Desenvolvimento Local Sustentável de Paranapiacaba, intensificando-se o processo de
recuperação desse patrimônio, compreendido e gerido, desde então, como paisagem cultural.
O patrimônio compreendido como “paisagem cultural” sistematiza a abordagem à
preservação de porções do território,
sítios,
cidades ou paisagens,
considerando a
multidisciplinariedade do patrimônio e pressupondo a integração de vários aspectos antes
enfocados isoladamente em conceitos como patrimônio cultural, natural, imaterial, patrimônio
ambiental urbano. Costura conceitos de memória e história aos conceitos da geografia,
antropologia e urbanismo e pressupõe a ação integrada do planejamento urbano e gestão
territorial com as políticas culturais, ambientais, econômicas e sociais.
O conceito de paisagem cultural utilizado pelo Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO
desde 1992 e sistematizado pela Recomendação R(95) do Conselho da Europa em 1995, amplia
significativamente o conceito de patrimônio na medida em que reúne, articula e integra conceitos e
objetos de diversos campos disciplinares e por isso torna bastante complexa a gestão do
patrimônio, requerendo a revisão, adaptação e a reformulação das políticas de preservação
vigentes, como desenvolvido em Paranapiacaba nesse período.
Com isso, foram executadas várias ações pontuais de preservação e restauro em toda a
Vila, como é o caso da Casa Fox que pertenceu aos dois mais importantes engenheiros da época.
Estes edifícios fazem parte do conjunto de casas selecionadas em lei como imóveis
representativos de cada tipologia arquitetônica e designados como “Exemplares de Tipologias
Residenciais”. O objetivo foi destacar o valor documental e cognitivo do projeto ou construção
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original, sem que fossem modificados, permitindo assim que nos demais imóveis de uso
residencial e comercial fossem realizadas intervenções sem a descaracterização conforme
normas do tombamento.
Estes edifícios, também, foram destinados à visitação pública e, por isso, passaram a
abrigar os espaços expositivos que compõe o roteiro do “Circuito Museológico”. Baseado na
concepção de “Museu a Céu Aberto”, a história da Vila é exposta na casa de tipologia C,
conhecida como “Castelinho”. O patrimônio natural é exposto no Centro de Visitantes do Parque,
um exemplar de Casa de Engenheiro. O patrimônio humano está na Casa da Memória, um
exemplar da casa Tipo A (para famílias pequenas de operários). O patrimônio arquitetônicourbanístico está no CDARQ – Centro de Documentação de Arquitetura e Urbanismo, em um
conjunto de casas Tipo E (para operários menos graduados).
Após um longo período de degradação devido aos avanços das locomotivas e linhas
férreas, assim como, da construção das rodovias – outro meio de transpor a serra – causou um
grande impacto socioeconômico que levou seus moradores a buscarem outras fontes de renda e
automaticamente mudarem para os centros urbanos maiores, provocando o esvaziamento da
população ferroviária residente na Vila de Paranapiacaba o que proporcionou um agravamento da
degradação do patrimônio arquitetônico e da conservação da área natural. Neste cenário a Vila é
reconhecida como patrimônio histórico e cultural, sendo tombada nas três instâncias: municipal,
estadual e federal, mas sofre com a invasão de vários imóveis e da área natural no entorno da
Vila, descaracterizando ainda mais o patrimônio em questão.
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OS PLANOS
Inicia-se em 1999, com a solicitação da Secretaria do Desenvolvimento Urbano e
Habitação da Prefeitura Municipal de Santo André ao Laboratório de Urbanismo da Metrópole
(LUME), pertencente ao Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) a elaboração do
“Plano de Desenvolvimento Sustentável da Vila de Paranapiacaba” que visou à caracterização da
vila e a definição do potencial físico e natural.
“A prefeitura buscava a elaboração de cenários alternativos, visando estabelecer
um programa de ações que levasse ao desenvolvimento social e econômico da
vila e de sua comunidade de moradores, respeitando sua singularidade. Utilizando
o conceito de “desenvolvimento sustentável”, a prefeitura buscava indicar uma
recuperação física e econômica para a vila a ser encarada de forma ampla, isto é,
articulando a gestão do poder público na condução do processo, com a
participação da iniciativa privada, para o alcance das diretrizes estabelecidas pela
prefeitura de Santo André.” (LUME, 1999)
Foi a partir deste ano, 1999, que a Prefeitura Municipal de Santo André intensificou sua
preocupação com o patrimônio e passa a adotar gestões para adquirir a parte da Vila de
Paranapiacaba de propriedade da Rede Ferroviária Federal SA, sua aquisição acontece somente
em 2002 com a compra por dois milhões e meio de reais. Ao assumir, a Prefeitura Municipal de
Santo André, implanta uma série de políticas e projetos públicos para reestabelecimento de um
poder central articulador e a formação heterogênea da população, com o objetivo de buscar a
preservação da qualidade dos mananciais e do patrimônio histórico, artístico e cultural da Vila de
Paranapiacaba.
Neste processo, em 2001, foi criada a Subprefeitura de Paranapiacaba e Parque
Andreense, que viabilizou a implantação de uma gestão municipal descentralizada com o intuito
de articular as políticas de desenvolvimento urbano, econômico e social, focando a preservação
do patrimônio, além de promover a participação comunitária.
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Para tanto, dentro desta política de desenvolvimento estratégico do município de Santo
André, foi apresentado o Plano Patrimônio de Paranapiacaba, como documento prévio necessário
para a inclusão da vila no cenário turístico nacional.
“O Plano Patrimônio de Paranapiacaba formula a estratégia de futuro, a partir da
análise dos recursos existentes e propõe estratégica a curto, médio e longo prazo
e as ações, considerando a importância do Patrimônio Ferroviário, Arquitetônico,
Ambiental, Cultural e Social representados na Vila de Paranapiacaba.” (PMSA,
2001 apud MORETTO, 2005)
O Plano Patrimônio nasceu da necessidade de mudança de alguns paradigmas e que as
ações deveriam ter como referência o desenvolvimento local, a sustentabilidade e a participação
comunitária. Com isso, adotou-se como conceito de desenvolvimento:
“a promoção da melhoria qualitativa das condições de vida da população de um
local específico, associada à idéia de transformação das estruturas produtivas
para torná-las mais eficientes e, dessa forma, mais apropriadas à geração de
riqueza” (Barbieri, 2000 apud MORETTO, 2005).
Já para desenvolvimento sustentável foi adotada a definição dada pela Comissão
Brundtland: “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades”.
(PMSA, 2001)
Em 2001 o Plano Patrimônio foi estruturado em três etapas: implantação, qualificação e
formalização dos empreendimentos e empreendedores. Porém, somente em 2003, o plano é
sistematizado e elaborado um diagnóstico dos atrativos turísticos e dos produtos potenciais, foi
criada a logomarca turística de Paranapiacaba e diversos programas de incentivo à fixação dos
moradores e à inserção da população local ao programa de turismo, tais como, o programa
Portas Abertas, Fog & Fogão, Bed and Breakfast e o Atelier-Residência.
Ainda em 2003, foi criado o Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba que
tornou-se o principal produto ecoturístico, oferecendo vários atrativos, entre eles trilhas e
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arborismo.
Em continuidade ao Plano Patrimônio no intervalo de 2005 a 2008 foi desenvolvida a
segunda etapa com a criação do Programa de Qualificação dos Serviços Turísticos e a
Certificação 5º Patamar, oferecendo aos empreendedores e moradores um conjunto de cursos
abordando os temas de educação ambiental, educação patrimonial e educação para o turismo e
empreendedorismo.
Com a preocupação de preservar o patrimônio, em dezembro de 2007 a Prefeitura
Municipal de Santo André, aprovou a Lei Municipal 9.018 denominada ZEIPP – Zona Especial de
Interesse do Patrimônio de Paranapiacaba que articula diretrizes de preservação do patrimônio
cultural com o desenvolvimento urbano, econômico e social.
A ZEIPP setorizou a Vila de Paranapiacaba em quatro núcleos de planejamento urbano:
Parte Alta, Parte Baixa, Ferrovia e Rabique e estabelece um zoneamento criando áreas de
prioridade residencial e áreas em que a atividade comercial e turística são prioritárias, com o
intuito de diminuir os conflitos de vizinhança, também fixou o estoque habitacional dos imóveis
públicos da Parte Baixa em cinquenta por cento. Além disso, foram criados novos parâmetros de
urbanísticos para ocupação dos lotes, taxa de permeabilidade, níveis de incomodidade por
emissão sonora e diretrizes de incentivo para a preservação das edificações.
Esta lei preocupou-se, ainda, em determinar a elaboração e implantação de planos e
projetos específicos, tais como: o Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável, Plano de
Melhoria do Saneamento Ambiental, Projeto de Energia Elétrica e Iluminação Pública e Programa
de Prevenção e Combate a Incêndio.
A ZEIPP estabeleceu, ainda, que o Plano de Melhoria do Saneamento Ambiental deve
contar com no mínimo coleta e tratamento de esgoto, drenagem urbana, abastecimento de água e
coleta, reciclagem e disposição final dos resíduos sólidos.
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Em atendimento a ZEIPP, em 2007, o Plano Patrimônio foi revisado com base em suas
diretrizes, gerando o Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável – PDTUR, que reavalia os
atrativos e segmentos turísticos a serem priorizados na Vila de Paranapiacaba, assim como
propõe um plano de infraestrutura turística articulado às diretrizes urbanas de preservação
estabelecidas na lei, um plano de comunicação e um plano operacional. (FIGUEIREDO, 2011)
Neste momento, a participação dos moradores junto às decisões da administração
municipal tornou-se fundamental na gestão adotada, para tanto foram criados órgãos de
representação como o Conselho de Representantes, Câmaras Técnicas e comissões, além do
Conselho do Orçamento Participativo.
As políticas de desenvolvimento social e econômico focou ações de qualificação
profissional para os moradores da Vila, o desenvolvimento de pequenos empreendimentos e a
organização da comunidade em associações, cooperativas ou grupos informais. Enquanto a
gestão de patrimônio organizou e regulamentou o uso e ocupação dos imóveis, que foi possível
com a aprovação da ZEIPP.
Com a aprovação da lei da ZEIPP foi possível iniciar a implementação da terceira e última
etapa do plano de turismo que compreendia a formalização e regularização dos empreendimentos
turísticos, objetivando à adequação destes às normas legais vigentes como, por exemplo, dos
empreendimentos às normas legais existentes, como, por exemplo, a adequação às exigências da
vigilância sanitária, ao código de obras municipal e à legislação exigida para o funcionamento de
empreendimentos comerciais e prestação de serviços, além da formalização do trabalhador.
(FIGUEIREDO, 2011)
O último passo foi a adequação da infraestrutura existente considerando as necessidades
atuais e as limitações devido ao tombo para a não descaracterização do conjunto.
Em 2013, o Governo Federal promoveu o Programa de Aceleração do Crescimento __________________________________________
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Cidades Históricas (PAC) que teve como finalidade atender cidades com sítios ou conjuntos
urbanos tombados em nível federal, que tenham elaborado Plano de Ação junto ao IPHAN em
atendimento à Chamada Pública nº12 (DOU, 25/05/09). Desta forma, os critérios de seleção para
atendimento foram:
“a) As cidades declaradas Patrimônio da Humanidade, integrantes da Lista do
Patrimônio Mundial, organizada pela Unesco – Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura;
b) As cidades detentoras dos maiores conjuntos urbanos em situação de risco ao
patrimônio cultural edificado; e
c) As cidades detentoras de conjuntos urbanos que constituam marcos no
processo de ocupação do território nacional.” (IPHAN, 2013)
A Vila de Paranapiacaba em atendimento as exigências acima descritas apresentou seu
Plano de Ação através da Secretaria de Gestão de Recursos Naturais de Paranapiacaba e Parque
Andreense. Este foi estruturado em quatro eixos estratégicos de ação para restauro e
preservação:
•
Restauro dos imóveis representativos do modo de vida inglês e do patrimônio
ferroviário: galpão ferroviário, garagem das locomotivas, oficina de manutenção,
almoxarifado da antiga São Paulo Railway, sede a Associação Recreativa Lyra da
Serra (cinema), campo de futebol, reconstrução do imóvel incendiado na região do
Hospital Velho e a reforma da fachada prédio da atual biblioteca, instalada em uma
casa de engenheiro reconstruída após incêndio;
•
Requalificação dos espaços públicos, com a recuperação e adaptação das estruturas
de drenagem e esgoto, baseado no projeto original de 1906, do engenheiro inglês
William Sheldon, calçamento da Rua Schnoor com faixa de acessibilidade, conforme
estudo já realizado e aprovado pelos órgãos de defesa do patrimônio, entre outras;
•
Restauro do conjunto edificado da Vila Martin Smith, casas de madeira e alvenaria em
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situação de risco;
•
Elaboração de dossiê para solicitação do registro de Paranapiacaba como patrimônio
da humanidade junto à UNESCO – retomada da candidatura.
Da proposta inicial da Prefeitura Municipal de Santo André, foi aprovado pela Governo
Federal e disponibilizado uma receita para restauração dos itens: restauro dos imóveis
representativos e restauro do conjunto edificado da Vila Martin Smith, desta forma a PMSA fica
responsável em apresentar aos órgãos de preservação municipal, estadual e federal projetos
executivos de restauro dos objetos em questão para aprovação e posterior execução. Até a data
deste artigo não foram finalizados os projetos para aprovação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Paranapiacaba é exemplar das dinâmicas e manifestações dialéticas da história como
comentadas anteriormente. A Vila Ferroviária de Paranapiacaba juntamente com seu entorno
registram o descompasso e a ruptura entre o novo e o antigo, exemplo de momento histórico da
modernidade, hoje transforma seus espaços na tentativa de sobrevivência, como por exemplo, as
pequenas casas dos operários que funcionam como restaurantes para atender a demanda
turística, caminho este escolhido pela atual administração pra proporcionar desenvolvimento
socioeconômico a Vila.
Esta mesma Vila, ao longo de sua história mostrou, nas suas três faces de seu território,
seja pela democracia sociocultural do convívio de grupos de pessoas tão distintos, como por
exemplo, em termos de origem social, situação financeira, cultura ou mesmo língua usufruindo
dos mesmos espaços públicos e equipamentos urbanos; seja pela convivência pacífica dos
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imigrantes e brasileiros católicos e ingleses em mesmo território. Ou ainda pelo aspecto formal da
rigidez da urbanização inglesa contrária a "liberdade" da ocupação espontânea portuguesa.
O ambiente urbano da vila é demarcado, ainda, pela permeabilidade visual e a estética da
higienização – provinda da necessidade de manutenção constante devido a localização isolada
das aglomerações urbanas. Seu traçado foi projetado a partir da priorização das habitações
devidamente hierarquizadas e articuladas ao centro de trabalho por um sistema de circulação bem
definido. Suprindo as necessidades dos moradores, complementou-se esta estrutura com os
equipamentos urbanos institucionais e de lazer ao centro ou ao lado do território oposto a área de
trabalho.
A Vila de Paranapiacaba passou seus primeiros noventa anos como uma vila operária sob
a administração dos ingleses através da SPR, após a saída dos ingleses passou por um longo
período de transições administrativas até ser adquirida pela Prefeitura do Município de Santo
André, que através da implantação de políticas públicas de gestão do território cria uma nova
vocação econômica para a região: turismo histórico e ecológico e, por consequência, sua cadeia
de prestação de serviços.
Neste cenário a Administração Municipal, através de uma proposta de revitalização da Vila
de Paranapiacaba, atraiu investimentos de empresas privadas para o patrocínio do restauro e
melhorias necessárias para o cumprimento da redestinação econômica focada ao turismo, entre
as empresas é relevante o patrocínio da Petrobrás que viabilizou o restauro do Clube União Lyra
Serrano e a sinalização e instalação do circuito de arborismo no Parque Municipal Nascentes de
Paranapiacaba e o da WMF – World Monument Found que proporcionou o restauro dos imóveis
Casa do Engenheiro (conhecido como Castelinho) e a Casa Fox. Com isso a prefeitura atraiu,
também diversos empreendedores que instalaram seus negócios na Vila o que contribuiu para a
recuperação dos imóveis. (MORETTO, 2005)
Desta maneira, a preocupação maior está em conjugar a política de preservação ao
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processo dinâmico de desenvolvimento das cidades, o que implica necessariamente em não
impedir a mudança, mas em direcioná-la e, portanto, trabalhar na perspectiva do desenvolvimento
e preservação sustentáveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CYRINO, Fábio. Café, ferro e argila: a história da implantação da The San Paulo (Brazilian)
Railway Company Ltd através da análise de sua arquitetura. São Paulo: Landmark, 2004
FINGER, Anna Eliza. Vilas Ferroviárias no Brasil. Os casos de Paranapiacaba em São Paulo e da
Vila Belga no Rio Grande Grande do Sul. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo).
Universidade de Brasília, Brasília, 2009
MAZZOCO, Maria Inês Dias; SANTOS, Cecília Rodrigues Dos. De Santos a Jundiaí: nos trilhos do
café com a São Paulo Railway. São Paulo: Magma Editora Cultural, 2005
MEYER, Regina M. P. (coord.). Plano de Desenvolvimento Sustentável da Vila de Paranapiacaba.
São Paulo: LUME USP, 1999.
MORETTO Neto, Marco. Protagonismo comunitário em Paranapiacaba: o impacto das ações
governamentais no desenvolvimento socioeconômico e comunitário de Paranapiacaba, no período
de 2001 a 2004. Dissertação (Mestrado em Administração). IMES, São Caetano do Sul, 2005
PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTO ANDRÉ, Memorial da ZEIPP - Zona Especial de Interesse
do Patrimônio de Paranapiacaba. Santo André. Prefeitura de Santo André, 2005
______, Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável de Paranapiacaba. Santo André.
Prefeitura de Santo André, 2008
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TERRITÓRIOS HÍBRIDOS
REFLEXÕES SOBRE O CONTEMPORÂNEO
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo entender a cidade e os seus espaços de intersecção entre o público e
privado no contemporâneo.
Partido do entendimento da fluidez da era contemporânea e ausência de bordas disciplinares rígidas, a
análise crítica toma de empréstimo o registro da cidade contemporânea através artes plásticas, com intuito
de ampliar a percepção, receber estímulos de reflexão e contaminar a disciplina da Arquitetura e Urbanismo
com percepções provindas de outras áreas.
O artigo vai analisar duas produções da arte contemporânea recentes: o vídeo da música ‘Queremos paz’
do grupo de Tango eletrônico Gotan Project e os projetos fotográficos de Michael Wolf.
Palavras-chave: Cidade contemporânea, Território Híbrido, Arte Contemporânea, Gotan Project, Michael
Wolf,
ABSTRACT
This paper aims to understand the city and its spaces of intersection between public and private in
contemporary.From the understanding of the fluidity of the contemporary era, and the absence of rigid
disciplinary borders. The critical analysis borrows the record of the contemporary city through arts, aiming to
broaden the perception, receive stimuli for reflection and contaminate Architecture and Urbanism area with
insights coming from other areas.
The paper will examine two recent productions of contemporary art: the music video ‘Queremos paz’ of the
Gotan Project group and photographic projects of Michael Wolf.
Key words: Contemporary City, Hybrid Territory, Contemporary art, Gotan Project, Michael Wolf,
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TERRITÓRIOS HÍBRIDOS
REFLEXÕES SOBRE O CONTEMPORÂNEO
Janaína Stédile1
INTRODUÇÃO
Tradicionalmente na disciplina de Arquitetura entendemos o público e privado, em
oposição e como duas zonas bem demarcadas. Quando se olha as construções e os
assentamentos humanos vernaculares, bem como os espaços projetados bem sucedidos
se percebe que estes conceitos não são rigidamente demarcados e que dependem das
suas interelações com o entorno e de usos temporais. Vamos nomear estes espaços como
territórios híbridos.
O território híbrido prescinde da análise dos objetos em essências, mas das
relações entre eles, é neste momento de diálogo que o hibrido acontece. Quando se
estabelece que o evento esteja no diálogo, o objeto único flexibiliza seu espaço mono para
o acontecimento da(s) relação(s) produzindo adequação e coexistência. Portanto o híbrido
é algo e ao mesmo tempo e /ou potencialmente outro algo.
O estudo desses espaços ambíguos podem nos ajudar a responder a questão
central: Como a arquitetura, uma disciplina sólida e auto- referenciada vai responder as
questões contemporâneas fluídas e liquidas?
Em
geral,
os levantamentos arquitetônicos tradicionais dos territórios se
concentram em produzir mapas que registram números. Por exemplo, podemos produzir
um mapa que graficamente nos diz o tipo de construção em terminado território (quantas
1
Arquiteta, Universidade Presbiteriana Mackenzie,
R. da Consolação, 930 - Consolação São Paulo - SP, 01302-907
(11) 2114-8000. [email protected]
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casas, quantos edifícios comerciais, industriais, etc.). Porém, no geral, estes levantamentos
se esquecem de agregar o valor qualitativo de uso. No sentindo de registrar o uso diário e
cotidiano dos espaços e a percepção da população com relação a eles.
Partindo do princípio que vamos nos debruçar em espaços de flexibilidade e
ambigüidade, o registro da arte contemporânea no ambiente urbano, nos dá possibilidade
de um mapeamento qualitativo sem bordas. O intuito destes tipos de registro não é
mesurar algo, mas mostrar uma possibilidade de percepção.
Segundo Koolhaas “O papel do Arquiteto na modernidade é produzir metáforas
capazes de ordenar e interpretar a realidade metropolitana convertendo-a em conhecimento
social.” (Koolhaas, 2010 p.36)
No passo anterior de produzir metáforas, vamos nos utilizar delas para o
entendimento da realidade urbana contemporânea.
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GOTAN PROJECT E O TANGO ELETRÔNICO
Gotan Project é um projeto artístico de três músicos: Philippe Cohen Solal (francês),
Eduardo Makaroff (argentino) e Christoph H. Müller (suíço); que se propõe a fazer tango
eletrônico.
O vídeo a ser analisado é abertura do documentário do concerto intitulado La Revancha
del
tango,
executado em Buenos Ayres. Tanto os discos do projeto quanto os vídeos são
produzidos pelo selo independente ¡Ya Basta!.
O vídeo começa com imagens difusas que se mantem alguns segundos em tela. Não
percebe-se ainda do que se trata. Ao poucos começamos ouvir sirenes, buzinas, na sequencia se
ouve em primeiro plano: apitos e tambores ritmados: sinais de uma manifestação política de rua
tipicamente latino-americana.
Logo ouvimos uma mulher clamando em espanhol portenho: “Não fure a fila companheira,
por favor!”
Somam-se aos sinais uma gaita de tango. E tão logo, um discurso que dá o nome à
canção: Queremos paz.
Fig 1. (Stédile, J. a partir de fonte: https://www.youtube.com/watch?v=1ODkkp49EgU)
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O discurso é contaminado pelo desenvolvimento da música. Escutam-se apenas
fragmentos do discurso: uma hora colocado em destaque, outra hora mesclado com a música e
muitas vezes sobrepujado por ela até desaparecer. Sua presença, mesmo quando ausente nos dá
o tempo.
As imagens ficam mais fluídas, se percorre uma grande via expressa, que nos leva a
cidade, campo e cenário dos acontecimentos. Vê-se o caminho percorrido através das lentes que
são as janelas do automóvel e na velocidade que pertence ao mesmo. A janela filtra, interfere,
mostra pingos da chuva (figura 1-A) e mareiam a visão (figura 1_B). Não podemos dizer com
certeza em que ponto do percurso se está. A lente do automóvel mescla informações e as
transforma bem como a velocidade nos enviam informações rápidas e vagas.
Entramos na cidade, uma placa nos diz Buenos Ayres (Figura 1-C). A cidade aparece
recortada pela luz (figura 1-D e 1-E). Não importa mais o traçado que induz a perspectiva
Hausmaniana, os pontos focais da cidade são o quê iluminamos. Agora agregamos o espaço em
que o tempo se desdobra. “Uma característica da vida moderna e de seu moderno entorno se
impõe, no entanto, talvez como a “diferença que faz a diferença”; como atributo é a relação
cambiante entre espaço e tempo.” (Bauman, 2001, p.15)
AMÉRICA DO SUL, ARGENTINA, BUENOS AYRES. DÉCADA 00.
As imagens da cidade se mesclam com as da cultura do tango, o vintage em preto e
branco o romântico e particular, a cultura local. Em uma terceira fase do desenvolvimento somamse a essas imagens numa escala maior os músicos tocando. Mais um passo e entende-se que
são quatro sobreposições de imagens: o vídeo é o registro do concerto, agora se vê o público em
um primeiro plano assistindo os músicos que tocam em tempo real, projetados no telão que exibe
a sobreposição de imagens da cidade. (figura 1-F).
As falas e os discursos dos Argentinos sempre estão lá ao fundo: ausentes e presentes.
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MICHAEL WOLF_ LIFE IN CITIES.
Michael Wolf é um fotógrafo alemão, criado nos estados unidos e Canadá, voltou à
Alemanha para estudar fotografia com Otto Steinert e passou grande parte da sua carreira na
Ásia, em especial em Hong Kong. Um dos seus principais trabalhos é tem uma série de temas
fotográficos reunidos em um projeto maior chamado Life in cities (vida na cidade).
Escolhemos para análise os seguintes temas fotográficos: Architecture of density
(Arquiteura da densidade), 100x100, Tokyo compression (Compreensão toquiana), The box men
of Shinjuku station ( Os homens caixa da estação Shinjuku), Transparent city (Cidade da
transparência) e Lost laundry (Roupas lavadas perdidas).
O trabalho de Wolf nos traz esse registro da realidade, quase como fotojornalismo. Seus
registros de determinadas condições metropolitanas são numerosos, não atoa. São registros não
de eventos, mas de situações repetitivas, que se consolidam como práticas urbanas. No seu site
ele organiza as fotos por temáticas e de maneira individual, mas também forma painéis colocando
as fotos lado a lado, como pode ser visto nas figuras 2 à 4 . Demonstrando claramente a
regularidade e constância das situações.
A maior parte das suas fotografias demonstra o ser humano se relacionando com o
espaço. Porém não é o espaço e o tempo construído por ou para essas pessoas, são os dois
elementos conjugados impostos a elas. “(...) Ordenamento do espaço segundo as exigências do
modo de produção (capitalista), ou seja, da reprodução das relações de produção.” (Lefebvre,
2008 p. 21).
Ou seja, o modo de produção determina o espaço e o tempo urbano, impondo condições e
situações às pessoas prescindindo de flexibilidade e adequação.
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ARCHITECTURE OF DENSITY (ARQUITETURA DA DENSIDADE)
O grande tema dessa série de fotografias são as habitações populares chinesas. Enormes
e altos edifícios, repetitivos e pobres na solução construtiva e urbana. O autor dirige o olhar e
expõe a sensação do local ao recortar a imagem de maneira em que não se vê nem o térreo nem
o topo do edifício, dando uma sensação sufocante do que seria viver nestes lugares. Ao mesmo,
deslocando as edificações de qualquer referência ao local, clima, ou cultura. Não se sabe
novamente, como no início do vídeo do Gotan Project onde se está, apenas considera-se o
ambiente urbano, como nota-se na figura 2.
A Arquitetura da densidade é quase uma caricatura dos ambientes urbanos no século XXI,
se não fosse verdadeiro, real e uma produção que se desenvolve em progressão geométrica. Tão
comum, como viver nas cidades.
Fig. 2 Fonte: http://photomichaelwolf.com/ acessado em 17.06.2013
100 X100
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As imagens que nos deparamos em Architecture of density nos levam a imaginar como
vivem as pessoas que habitam esses edifícios? Quase que imediatamente nossa curiosidade nos
leva a percorrer a segunda série de imagens: 100X100.
100X100 é o registro de minúsculas unidades habitacionais em Hong Kong e como as
pessoas se apropriam desse espaço. Os apartamentos, além muito pequenos, não têm nenhuma
variação de desenho, ou elemento arquitetônico que agregue valor. É de fato o mínimo do
mínimo.
A flexibilidade está dada apenas pelo quadrado em branco sem divisórias que possibilita
os moradores a ocupar de maneira mais personalizada estes espaços tão estéreis.
Na maneira em que a população organiza seus parcos mobiliários em espaço tão módico,
demonstra uma grande criatividade organizativa, flexível e poli funcional, como podemos ver na
figura 3.
A potencialidade de criar um espaço multifuncional na escala da habitação é castrada pela
precariedade da mesma.
Fig. 3. Fonte: http://photomichaelwolf.com/ acessado em 17.06.2013
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TOKYO COMPRESSION (COMPRESSÃO TÓQUIANA)
Tokyo Compression é uma série realizada no metro de Tóquio. A fama da cidade e do país
de espaços mínimos por conta de sua situação territorial reduzida, nos leva quase ao pensamento
equivocado de que supostamente deveria ser assim. Entretanto este conjunto de imagens poderia
ser feito no metro de São Paulo, ou quaisquer outras grandes metrópoles. O que está posto aqui é
uma condição perversa que envolve novamente a relação entre tempo e espaço.
“O tempo adquire história uma vez que a velocidade do movimento através
do espaço (diferente do espaço eminentemente inflexível, que não pode ser
esticado e que não encolhe) se torna uma questão de engenho, da
imaginação e da capacidade humana.” (Bauman,2001,p.16)
A cidade contemporânea tem como grande mote a questão dos transportes, ou seja, do
deslocamento já que a cidade é organizada através do pensamento produtivo fordista, da linha de
produção. A cidade é setorizada por zoneamentos em função da atividade, e este contexto
pressupõe, por tanto, o deslocamento no território para desenvolver atividades diferentes.
Nas figura 4 observamos não só as pessoas espremidas num espaço exíguo, mas
dormindo, cansadas e completamente anestesiadas. Não é só uma questão de transporte público
de qualidade. É a imposição dos deslocamentos, quase como instrumento ideológico de
alienação. Alienação com relação à vida cotidiana, o espaço e o próprio tempo.
“A produção do espaço tende hoje a dominar a prática, sem alcançar tal
propósito, dada as relações de produção. Elas correspondem às forças
produtivas. Ela supõe o emprego de forças produtivas e das técnicas
existentes
(...)
portadores
inevitavelmente
de
ideologias
e
de
representações, sobretudo de representações espaciais.“ (Lefebvre, 2008
p. 139)
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Fig. 4. Fonte: http://photomichaelwolf.com/ acessado em 17.06.2013
O deslocamento nas grandes cidades é o tempo perdidos entre dois territórios. Se
houvesse flexibilidade no tempo de produção, teríamos a possibilidade de ganho de qualidade de
vida espacial, de maneira que os deslocamentos aconteceriam como uma escolha e não como
uma imposição.
Mas que isso o locais poderiam ser ocupados não em função do tempo (cidade-dormitório,
o tempo de dormir, centros empresariais/o tempo do trabalho), mas em função de uma escolha de
“habitar” ou experimentar determinar local.
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“ O que nos leva ao ‘fim da história’, da ‘pós-modernidade’, da ‘segunda
modernidade’ e da sobremodernidade, ou a articular a intuição de uma
mudança radical no arranjo do convívio humano e nas condições sociais
sob as quais a política- vida é hoje levada, é o fato de que o longo esforço
para acelerar a velocidade do movimento chegou a seu ‘limite natural’. O
poder pode se mover com a velocidade do sinal eletrônico- e assim o
tempo requerido para o movimento de seus ingredientes essências reduziu
à instantaneidade. Em termos práticos, o poder se tornou verdadeiramente
extraterritorial, não mais limitado, nem mesmo desacelerado, pela
resistência do espaço. (...)”.(Bauman,2001 p.18)
THE BOX MEN OF SHINJUKU STATION (OS HOMENS CAIXAS DA ESTAÇÃO SHINJUKU)
Essa é uma série de fotografia que registra a população de rua de Tóquio que dorme
dentro da estação em caixas de papelão, como demonstra a figura 5-A. Talvez essa seja a série
mais jornalística, Wolf não recorta as imagens, não enquadra na mesma posição. São registros
simples de uma situação urbana vulgar: as pessoas sem moradia dormindo no espaço público.
Se pensarmos que a criatividade humana poderia resolver esta questão também de
maneira muito simples e com pouco recurso, se atravessássemos o mar da solução estática e
imóvel (a casa própria), e pudessem propor habitações (abrigos) de caráter temporário que
pudesse incorporar a situação provavelmente transitória dessas pessoas.
“Alivia muito a tarefa de o arquiteto pensar nesse pequeno grupo de
edifícios como, antes de mais nada, uma acomodação permanente de
atividades provisórias. Não precisamos mais andar em busca de um rígida
coincidência entre forma e programa (...)” (Koolhaas, 1995,p102)
Poderíamos dar um passo adiante na mesma direção da reflexão de Koolhaas
desconectando soluções fixas e estáveis para problemas urbanos.
Não atoa que elas simbolicamente se abrigam na estação, espaço de trânsito.
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Fig. 5. (Stédile, J. a partir de fonte: http://photomichaelwolf.com)
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TRANSPARENT CITY (CIDADE TRANSPARENTE)
Wolf se desloca e aterrissa em Chicago para registrar outra situação da cidade
contemporânea a vida na caixa de vidro de ambiente controlado.
O título diz mais a respeito de como ele produziu a série, menos do que ela em si significa.
A cidade não é realmente transparente, é espelhada. Porém, existe o lapso, entradas, vãos em
que se pode ver um pouco da vida alheia, como demonstra na linha b da figura 5.
Vendo as fotos identificamos os apartamentos e escritórios como ilhas isoladas com
controle ambiental. Se as janelas são espelhadas de fora os prédios se refletem, por dentro o ar e
a luz são artificiais, porque a construção não permite a interação com que é natural.
É o solo criado e ausência do direito ao térreo, a luz natural, as intempéries. Não é só mais
a questão do direito à cidade e o usufruto de suas beneficies, é o direito ao natural.
Estes espaços fotografados são células, como as habitações chinesas, mas desta vez
mono funcionais em edificações isoladas multifuncionais, repetitivas e desconectadas do território.
Aqui os edifícios, são como monumentos do sucesso moto-contínuo do capitalismo. Não
são angustiantes como as habitações chinesas, apesar de suas dimensões serem bem parecidas.
São belos, passíveis de apreciação, permite o reflexo de outros monumentos e a interação com a
luz. É a cidade narcísica que se admira dos seus feitos, mas que outra vez coloca o ser humano
apenas como um dado, uma engrenagem.
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LOST LAUNDRY (ROUPAS LAVADAS PERDIDAS)
Essa temática me pareceu a mais curiosa de todas. As demais ilustram temáticas bem
conhecidas daqueles que discutem a arquitetura e urbanismo: os problemas da Habitação popular
(falta de qualidade em Architecture of density e déficit no caso de os The box men of Shijuru
Station); o deslocamento transporte (Tokio compression), ou a ausência do comunitário e do
ambiente natural (Transparente City).
Essa série chamada atenção para uma camada não-observada da cidade: o quase térreo.
O território das marquises e fiações. Os não-lugares urbanos desprendidos do térreo. Não são
lugares de abandonos, são lugares que passaram a existir com o desenvolvimento das cidades,
mas que ninguém os percebem, não-lugares de nascença, são nati-mortos. (fig. 5 linha c)
A atenção levada a estes locais foi dada por uma simples consequência da vida urbana.
Como as pessoas não têm mais direito ao solo e ao ambiente natural, uma das atividades
doméstica fortemente ligada a estes dois elementos é a secagem da roupa lavada que passa ser
feito por máquinas ou em pequenos varais na janela. Só que a janela dos famosos varais italianos
está muito perto do solo, em Hong Kong não. As roupas caem, mas não conseguem atingir o solo
para mais tarde serem recuperadas, elas ficam aprisionadas neste não-lugar.
Como as demais séries, este não é o registro de um evento. São milhares de fotos de
roupas perdidas, sem dono, irrecuperáveis. Formando um cenário bizarro e chamando a atenção
para um espaço órfão.
Talvez chegue um dia em que elas sejam tantas que demandem que chamem a atenção
de outrem que não o fotográfo ou formem algo mais inusitado ainda uma cobertura urbana de
roupas, como o Balão de roupas do Barão de Münchhausen que escapa de maneira fantástica do
inimigo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O território híbrido é ausência ou fraqueza de bordas. Podendo ser estas disciplinares,
físicas ou de olhares. Portanto ele pressupõe flexibilidade, adequação e coexistência.
Em geral, o território híbrido na metrópole é produto de lapsos e falhas do sistema, que
possibilita a atuação e interação das pessoas com o ambiente construído desregrado ou sem
controle rígido.
Nas cidades menores ou meio rurais, ele aparece espontaneamente, como lacuna. É um
espaço que permite o preenchimento e o esvaziamento eventual. É uma coisa em um
determinado tempo e potencialmente outra que pode ser dar conjuntamente ou em outro
momento. Permitem a coexistência de duas ou mais funções e principalmente favorecem ou
incentivam a coexistência entre pessoas.
Logo, entende-se que as futuras boas intervenções urbanas deveriam agregar o valor
dúbio, flexível e coexistente. Assim, estaríamos mais próximos de proposições mais humanas, a
quem em princípio as cidades e os elementos construídos devem servir.
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REFERÊNCIAS
Bauman, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
Choi,Esther; Trotter, Marrikka (ed).Architecture at the edge of everything else. Massachusetts:
Work Books e MIT Press, 2010.
Harvey, David. Rebel Cities. From the right to the city to the Urban Revolution. London:
Verso, 2012.
Hertzberger, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Lefebvre, Henri. Espaço e Política. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
Koolhaas, Kem; Mau,Bruce. S, M, L, Xl-Oma. Amsterdam: 010 Publishers, 1995.
Koolhaas, Kem. Nova York Delirante. São Paulo: Cosac Naif, 2010.
Noesbitt, Kate. Uma nova agenda para a Arquitetura. Antologia teórica (1965-1995). São
Paulo: Cosac Naify, 2008.
Žižek, Slavoj. O ano em que sonhamos perigosamente. São Paulo: Boitempo, 2012.
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ATUAÇÃO DO SEGMENTO HABITACIONAL DO SETOR IMOBILIÁRIO NA
MACROMETRÓPOLE PAULISTA
RESUMO
Sem a pretensão de esgotar o assunto, nosso objetivo foi de promover uma breve reflexão sobre a Cidade
Dispersa por meio da atuação do Segmento Habitacional do Setor Imobiliário. Preliminarmente, partimos do
principio de que a cidade deve ser vista como um produto do mercado para podermos entender a valoração
do solo urbano e da sua ocupação. Por seu dinamismo econômico, pelo vigor da sua expansão urbana, ao
mesmo tempo em que é um território virtual do planejamento estadual, escolhemos a Macrometrópole
Paulista para ser o nosso referencial. Este trabalho busca desvendar os critérios e consequências da
utilização de velhos instrumentos de parcelamento do solo, sedimentados em uma cultura especulativa
gerada, tanto por investimentos públicos, quanto pelo capital imobiliário. Estas duas velhas forças são as
responsáveis pelas cidades em que vivemos atualmente e que reproduzem continuamente um modelo que
não favorece a qualidade de vida de seus habitantes. Por fim, através das informações obtidas junto ao
Graprohab, órgão do governo do Estado que concentra o licenciamento de todos os empreendimentos
habitacionais, públicos e privados, foi possível demonstrar a tendência de verticalização nas cidades mais
dinâmicas e prósperas como fator determinante para a segregação sócio espacial do solo urbano. Palavras-Chave: Macrometrópole; Cidade Dispersa; Habitação; Mercado.
ABSTRACT
Without pretending to exhaust the subject our goal was to promote a brief reflection on the Scattered City
trough the actions of the residential real state actors. We started from the principle that the city should be
seen as a product of the market: so that we can understand the valuation of urban areas and the logic of
land occupation. The Paulista Macrometropole was chosen largely because it’s dynamism and very large
urban area. It is also a strong political target for urban regulations and incentives. This paper seeks to
unravel criteria and consequences of use of old instruments of land division, associated to a speculative
culture created by public and private investments. These two ancient forces are responsible for the cities in
393
which we live and reproduce continuously a model that does not help the quality of life of its inhabitants.
Finally, using the information obtained from GRAPROHAB, the government agency that oversees licensing
for all housing developments, public and private it was possible to demonstrate the trend of vertical
integration in the most dynamic and prosperous cities as factor for the socio-spatial segregation in urban
areas.
Keywords: Megalopolis; Scattered City; Housing; Market
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ATUAÇÃO DO SEGMENTO HABITACIONAL DO SETOR IMOBILIÁRIO NA
MACROMETRÓPOLE PAULISTA
Lacir Ferreira Baldusco1
José Geraldo Simões Júnior 2
SUMÁRIO
1 - INTRODUÇÃO
2 – METRÓPOLE
3 – DA METRÓPOLE À MACROMETRÓPOLE
4 – SÃO PAULO E A DESCONCENTRAÇÃO ECONÔMICA
5 - A MACROMETRÓPOLE PAULISTA
6 - O SEGMENTO HABITACIONAL NA MACROMETRÓPOLE
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
1
Arquiteto, Mestre, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua da Consolação, 930 - Consolação, São Paulo - SP,
01302-907 – E-Mail: [email protected] Telefone: (11) 2114-8792 / Fax: (11) 2114-8435
2
, Arquiteto e Urbanista, Profº. Doutor, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua da Consolação, 930 - Consolação,
São Paulo - SP, 01302-907 – E-Mail: [email protected] Telefone: (11) 2114-8792 / Fax: (11) 2114-8435
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1 - INTRODUÇÃO
Sem a pretensão de esgotar o assunto, este artigo tem por objetivo
explicitar os
métodos e os instrumentos utilizados pelo Segmento Habitacional do Setor Imobiliário na
ocupação das área urbanas e periurbanas, na Macrometrópole Paulista.
Os dados aqui apresentados traçam o panorama da dispersão urbana na
Macrometrópole, por ocasião do processo de verticalização dos municípios centrais, mais
especificamente, nas zonas urbanas consolidadas, e pelo espraiamento nas franjas dos
seus territórios por meio dos empreendimentos imobiliários horizontais, ou seja, através da
implantação de loteamentos e conjuntos habitacionais.
Esse processo se configura devido a essa dispersão urbana estar sedimentada em
outra base territorial, a metropolitana, e pelo fato de promover o esgarçamento do tecido
urbano,
acentuando
as
desigualdades
por
meio
da
ilusão
de
que
os
novos
empreendimentos representam um novo conceito de morar e viver.
O conceito pelo qual se produz e se difunde as ideias que visam ocultar os reais
processos de produção do espaço urbano desigual, vende a imagem do novo, do
ineditismo na forma de morar e viver, quando, de fato, expressa as velhas formas de
apropriação do solo urbano.
Para tanto, buscamos, como fonte de informações, o Graprohab3 - Grupo de Análise
e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo, colegiado criado em 1991,
composto por membros de diversos órgãos do Governo do Estado com o objetivo de
centralizar e agilizar os processos de licenciamento dos empreendimentos habitacionais,
públicos e privados, no Estado de São Paulo.
Sua atuação foi regulamentada através do decreto nº. 52.053, de 13 de agosto de
2007. Dentre outros aspectos, o decreto estabeleceu prazos para manifestação dos órgãos
na análise dos projetos, bem como prazos para os interessados atenderem às exigências
3
Graprohab - Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo.
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feitas pelo colegiado e definiu quais empreendimentos deverão ser analisados por seus
membros.
Concentra,
em
seus
arquivos,
todas
as
informações
referentes
aos
empreendimentos habitacionais, públicos e privados do Estado de São Paulo, licenciados
desde sua criação.
As informações coletadas junto ao Graprohab foram classificadas em duas categorias:
condomínios e loteamentos.
1) Condomínios são edificações ou conjuntos de edificações de um ou mais
pavimentos (horizontal ou vertical), construídos sob a forma de unidades isoladas
ou
não,
constituindo-se,
empreendimentos
privados,
cada
com
unidade,
sistema
por
propriedade
viário
próprio
e
autônoma.
áreas
São
comuns
pertencentes apenas aos proprietários dos imóveis, mantidos pela cobrança das
taxas condominiais, sem interferência do poder público.
2) Loteamento é a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura
de novas vias de circulação e logradouros públicos.
No âmbito territorial, fizemos duas abordagens:

No Estado de São Paulo, de forma abrangente e ampla, de maneira
quantitativa, com tabelas comparativas e comentários.

Na Macrometrópole, de forma mais detalhada, com dados quantitativos e
qualitativos, apresentados em tabelas e mapas por município, por região
metropolitana e por aglomerados urbanos e regionais, que configuram este
segmento territorial.
As informações obtidas possibilitaram conhecer o comportamento dos agentes
incorporadores, público e privado, na área de condomínios, conjuntos habitacionais e
loteamentos do Estado de São Paulo, em especial da Macrometrópole Paulista.
Essas informações espacializadas em mapas específicos possibilitaram detectar as
tendências da expansão urbana nas diversas regiões que compõem o território da
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Macrometrópole, ou seja, dos 173 municípios articulados que, juntos, concentram 27% do
PIB nacional.
Portanto, as informações disponibilizadas são estratégicas para entender o
processo de expansão urbana na Macrometrópole, bem como a sua tendência e seus
desdobramentos.
Os dados levantados junto ao Graprohab e consolidados em tabelas e mapas
cobrem o período de janeiro de 2007 a dezembro 2012.
As informações fornecidas pelo Graprohab cobrem todos os municípios do Estado.
Chegam a detalhes como o tipo de empreendimento; o número de unidades ou lotes; áreas
do terreno e área construída, quando for o caso; data do licenciamento; identificação do
proprietário; localização e região administrativa. Por outro lado, a falta de instrumentos
para saber se os empreendimentos licenciados foram ou não implantados de fato, nos faz
trabalhar com as tendências do segmento habitacional do mercado imobiliário no recorte
territorial, objeto deste trabalho.
Para melhor entender o processo, foi necessário buscar, no Graprohab, conceitos e
informações complementares sobre a formação e o desenvolvimento urbano e econômico
da Macrometrópole Paulista. Essas informações demonstram os reais motivos da expansão
do segmento habitacional rumo aos municípios que compõem este território e traçam um
panorama das condicionantes físicas, legais e econômicas que levaram esta parcela do
Estado de São Paulo a ser um dos principais, se não o principal, eixo de desenvolvimento
do Brasil e da América do Sul.
Para tanto, abordaremos, de maneira preliminar, o tema da Macrometrópole Paulista
em seus mais diversos aspectos e, de maneira mais detalhada e específica, a expansão e o
modus operandi do Segmento Habitacional do Mercado Imobiliário.
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2 - METRÓPOLE
Entende-se por metrópole os novos tipos e arranjos de cidades formadas a partir do
desenvolvimento urbano industrial, especialmente a partir da década de 50, que encontrou, nos
processos de aglomeração urbana, as condições historicamente necessárias para o crescimento
econômico capitalista do período pós 2º Guerra Mundial. Caracterizadas como polos de
aglomeração populacional e de atividades econômicas, as metrópoles compõem um conjunto de
cidades, cujos limites nem sempre são claramente visíveis e cujos territórios são fragmentados,
não necessariamente contíguos, que têm formas variadas e irregulares que, tanto podem ser
mono, como policêntricas, chegando a abrigar, de centenas a milhões de habitantes.
Via de regra, esse processo intensivo de conurbação, ou seja, a unificação da malha
urbana de duas ou mais cidades, é característico das metrópoles e ocorre nos processos de
expansão urbana para fora dos limites da cidade, espraiando-se e absorvendo aglomerados rurais
e outras cidades.
Esse grupo de municípios que formam uma Região Metropolitana mantém uma relação
altamente complexa entre si, com autoridades das três esferas de governo. Supera a tradicional
concepção de que a evolução urbana compreende um único município e reforça a ideia de que
uma mancha urbana contínua pode corresponder a diversos municípios.
O desenvolvimento desses novos arranjos de cidade abre um grande leque de problemas,
tais como o caos e a precariedade dos serviços urbanos, a poluição, a ocupação de áreas
inadequadas, a falta de áreas livres e verdes com reflexo na qualidade de vida da população,
além das deseconomias regionais com os impactos econômicos, sociais e ambientais
decorrentes. Entre os problemas que se expressam nas metrópoles, pode-se apontar como sendo
um dos mais graves a inaptidão das estruturas políticas e administrativas para fazer frente ao
equacionamento do porte e da complexidade das questões que o poder público deve enfrentar
nessa nova realidade.
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399
Esse modelo incha as cidades, combinando o adensamento vertical das áreas centrais
com a extensão ilimitada da periferia. Paradigma do modelo emergente da primeira metade do
século XX, é resultante da visão expansionista e rodoviarista que continua a se reproduzir como
modelo de evolução urbana nas cidades brasileiras4.
Na visão de Nestor Goulart5, esta situação se caracteriza, basicamente, pelas condições
de alta mobilidade oferecidas à população, que propiciam permanente dispersão e evolução da
urbanização, das pessoas e das atividades exercidas. Grande parte das pessoas desenvolve suas
vidas em dois ou três municípios, de tal forma que o município central torna-se a referência
financeira, de serviços, de comércio especializado, ou seja, o centro das decisões. Diariamente,
de lá saem e para lá chegam os que trabalham, os que estudam, os que tratam de negócios.
Essas dinâmicas, processos e modelos, sustentam e expressam velhas formas do uso e
ocupação do solo urbano, que não se restringem mais aos espaços municipais, embora tenha
sido neles que primeiramente ocorreram, com níveis de complexidade mais acentuados.
Para Nestor Goulart, o esgarçamento do tecido urbano tem que ser entendido por meio de
duas escalas distintas e interligadas. A primeira, no âmbito metropolitano que, de maneira
crescente, vem acontecendo entre regiões, aglomerados e metrópoles. A segunda, na escala
intramunicipal, nos bairros, vilas, distritos, onde se definem as relações entre o público e o
privado.
Essas relações se materializam na cidade através de um modelo sedimentado na cultura
especulativa do mercado imobiliário, apoiado na homogeneização da legislação de uso e
ocupação do solo e pela discricionariedade dos investimentos públicos.
Em outras palavras, é através do binômio investimento público/capital imobiliário que se
estabelece a hierarquização socioeconômica do espaço urbano construído.
4
CAMPOS Neto, Candido Malta. Os Rumos da Cidade: Urbanismo e Modernização em São Paulo, Senac, 2002, São
Paulo, Introdução.
5
REIS, Nestor Goulart, Notas Sobre Urbanização Dispersa e Novas Formas de Tecido Urbano, Via das Artes, 2006
São Paulo, Pag. 12.
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Segundo Flavio Villaça:
A terra urbana parece ter essa maravilhosa propriedade de, permanentemente,
conferir rendimentos a seu dono, mesmo quando nenhuma atividade produtiva
·
seja exercida sobre ela (VILLAÇA, 2012, P.32)
.
Na mesma linha de raciocínio, Flavio Villaça parte do pressuposto de que o valor do solo
urbano é um valor produzido e não um valor oriundo de atributos naturais. Ele se configura por
dois tipos de atividades, o de uso e consumo próprio para viver e morar, e o de troca ou produção,
para atividades econômicas, destinado à utilização comercial, industrial e de negócios6.
O valor do solo urbano é produzido por meio de sua localização. E a sua localização é que
determina a qualidade, o status e o privilégio de ter ou estar num determinado local. O seu valor é
determinado em função das condicionantes externas oferecidas pelos elementos da cidade, como
infraestrutura, acessibilidade, meios de transportes, segurança, entre outros.
Portanto, a distribuição desigual dessas condicionantes urbanas que determinam o valor
do solo, estabelece a hierarquização socioeconômica do espaço e sua segregação, não se
limitando apenas às áreas destinadas ao segmento habitacional, mas a todos os outros que no
seu conjunto compõem as cidades.
Por outro lado, a necessidade contínua de oferta de áreas de menor valor para atender as
demandas da população excluída das áreas centrais de maior valor, expande horizontalmente a
periferia, espraia a cidade, afasta a maior parte da população dos postos de trabalho. Daí decorre
a grande disputa social em torno da produção do espaço urbano.
Este modelo clássico de apropriação do solo urbano, fartamente reproduzido nas grandes
cidades brasileiras, estabelece um crescimento descontínuo no território e se manifesta de
maneira dispersa nas cidades.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, por sua vez, atribuiu aos Estados a
competência de instituir as Regiões Metropolitanas através de lei complementar para integrar a
6
Lojkine. Jean, O Estado Capitalista e a Questão Urbana, Editor Martins Fontes, 981, São Paulo. p163
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organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, não
trazendo a definição de Região Metropolitana e das funções públicas de interesse comum.
A Constituição do Estado de São Paulo, de 1989, em seu Artigo 153, § 1º, considera
Região Metropolitana o agrupamento de municípios limítrofes que assuma destacada expressão
nacional, em razão de elevada densidade demográfica, significativa conurbação e de funções
urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração socioeconômica,
exigindo planejamento integrado e ação conjunta permanente dos entes públicos nela atuantes.
Seguindo a orientação desta Constituição, a Lei Estadual Complementar nº 760, de
01.08.94, estabelece as diretrizes para a organização regional do Estado de São Paulo, e
estabelece, em seu artigo 7º, inciso II, os campos funcionais que poderão ser considerados de
interesse comum das entidades regionais, incluindo as regiões metropolitanas, conforme segue:
I - planejamento e uso de solo;
II - transporte e sistema viário regional;
III - habitação;
IV - saneamento básico;
V - meio ambiente;
VI - desenvolvimento econômico; e
VII - atendimento social.
Em não havendo critérios técnicos, ambientais e/ou de caráter político-institucional para a
definição dos perímetros da metrópole, pode-se dizer que a delimitação da região metropolitana
possui uma grande dose de arbitrariedade, não se constituindo em uma organização políticoadministrativa autônoma, como são os municípios, os Estados, o Distrito Federal e a União,
podendo envolver áreas com atividades rurais e urbanas, e expressando os interesses
econômicos e sociais de seus moradores.
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Tanto na Constituição Federal como na Estadual, a questão metropolitana foi tratada sem
a devida importância. De fato, o que temos é um território virtual, planejamento sem instrumentos
para ações macro de ordenamento desses territórios.
3 – DA METRÓPOLE À MACROMETRÓPOLE
São Paulo é a metrópole que demonstra mais claramente o alto grau de diversidade,
especialização e integração socioeconômica, exigindo um planejamento integrado e ação conjunta
dos entes públicos nela atuantes. O seu dinamismo econômico e seus vínculos regionais são
reafirmados através dos fluxos econômicos, de pessoas e de serviços, estendidos sobre um
território cada vez mais amplo que, ao mesmo tempo é relativizado, uma vez que crescem os
vínculos com mercados cada vez mais distantes.
Na prática, foram as crises internacionais que alavancaram o desenvolvimento industrial
no Brasil. Nesse sentido, podemos citar a Primeira Guerra Mundial: a crise de 29, que se prolonga
no sentido de dificultar o processo exportador de produtos agrícolas, e importador de produtos
industriais; e, ainda, o período da Segunda Guerra Mundial que, sucessivamente, estimula a
incipiente substituição de importações de produtos, cuja escassez e o custo de transporte, face ao
seu valor por peso, tornava antieconômica sua importação.
Portanto, São Paulo tem como matriz o resultado histórico de sua localização geográfica
aliada à sua condição topográfica no planalto paulista e ao seu desenvolvimento econômico,
sustentado, inicialmente, pela produção cafeeira e, posteriormente, a partir de 1929, pela
expansão da indústria nacional. Até a década de 70, São Paulo crescia a taxas acima da média
nacional, concentrando parte expressiva do PIB brasileiro. Por outro lado, esse crescimento traz
consigo toda uma faixa envoltória num raio de até 200 quilômetros da capital, hoje conhecida
como Macrometrópole Paulista, classificação urbana de caráter intermediário entre Metrópole e
Megalópole, que se forma quando uma Metrópole se une a outra, ou a outras grandes cidades,
através da conurbação, criando um imenso conglomerado de manchas urbanas.
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Esse processo de intensa urbanização e industrialização, que marcou o período de 1930 a
19807 com fortes intervenções estatais na vida econômica e política, foi estancado a partir da
década de 80, época absorvida pelo fim do desenvolvimento e pela mudança do perfil das
metrópoles, com o agravamento das desigualdades sociais provocadas em decorrência do
surgimento de um novo arranjo internacional.
Juntamente com outras nações pobres, o Brasil passa a exportar capital para os países
ricos, em função das altas taxas de juros internacionais incidentes na dívida externa. Isso, somado
ao acentuado desenvolvimento tecnológico, consolidou a queda dos empregos industriais, em
contraponto ao aumento dos empregos gerados pelo setor de serviços. A produção, no Brasil,
passa de um modelo, caracteristicamente, mecânico para um, predominantemente, tecnológico.
As transformações no perfil do emprego ocorrem, observando-se uma forte queda dos
empregos na indústria, em favor de uma ascensão significativa do setor terciário. Estabelece um
novo modelo econômico "pós-industrial", que Manuel Castells chega a denominar de "sociedade
informacional", em contraste à sociedade industrial do período fordista. Castells descreve o pósindustrialismo como uma economia de serviços, com três características principais:
1) A produtividade e o crescimento nascem da criação do saber, estendida a todas as áreas da
atividade econômica pelo tratamento da informação;
2) A atividade econômica se desloca da produção de bens para a produção de serviços. A morte
do emprego agrícola é seguida do declínio irreversível dos empregos industriais, em favor dos
serviços que acabarão assegurando a maior parte dos empregos;
3) A nova economia aumenta a importância das profissões de forte conteúdo de informação e de
saber. As profissões de gestão, liberais e tecnológicas se multiplicam mais rapidamente que as
outras, constituindo o núcleo da nova estrutura social. O fator locacional perde importância nesse
novo modelo produtivo.
7
MEYER, Regina Maria Prosperi & GROSTEIN, Marta Dora, São Paulo Metrópole, São Paulo: Edusp. 2004. p. 48.
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Nesse ponto, não há diferenças significativas com a teoria da reestruturação industrial
apresentada por David Harvey8, já que ambas designam alguns rearranjos do capitalismo mundial
a partir da década de 80 e da revolução da informática. Por outro lado, o desenvolvimento da
tecnologia da informação ou, segundo Castells9, o “capitalismo informacional”, que possibilitou a
globalização da economia, criando redes de comunicação entre cidades, as chamadas cidades
globais, modificaram a relação do homem com seu meio físico; as fábricas, as indústrias, os
escritórios estão sendo substituídos por sistemas flexíveis ligados à informação.
Em razão desse processo, as metrópoles contemporâneas, gradativamente, estão
retomando às funções que eram atribuídas às cidades até o século XIX, ou seja, o lócus das
decisões políticas, financeiras, administrativas, dos serviços e do comércio. Essas transformações
impostas pela mudança do perfil do capital produtivo significam que as grandes cidades estão
passando por um processo de transformação. As fábricas não encontram mais, nas grandes
cidades, seu campo privilegiado de produção, em razão das dificuldades de locomoção, dos
congestionamentos e da violência.
As relações de distância não são mais medidas fisicamente, o fator preponderante é o
tempo. Em outras palavras, a questão espacial e a localização não são mais fundamentais. O que
importa é o acesso à tecnologia com mão de obra intelectual e o novo conceito de distância é
medido pela rapidez e não mais pelo fator físico. Essa nova fase do capitalismo tem a hegemonia
do capital financeiro, desterritorializado sobre o capital produtivo, como afirma Octávio Ianni10.
4 – SÃO PAULO E A DESCONCENTRAÇÃO ECONÔMICA
São Paulo é o nosso maior exemplo. Com mais de 20 milhões de habitantes, tem sido o
epicentro de profundas transformações. A partir dos anos 80, passa por um processo de
espraiamento da indústria de transformação rumo a cidades do interior. O processo de
8
9
HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992, pp. 207-218.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede, op.cit., p. 56.
10
IANNI, Octávio. A sociedade global. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, pp. 89-106.
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concentração industrial dá lugar a um processo de dispersão da atividade para fora da região
original.
Procuram municípios na faixa envoltória da região metropolitana de São Paulo, de fácil
acesso, com boa infraestrutura, mão de obra mais barata, melhor qualidade de vida, apoio dos
governos locais, ou seja, menos impostos, cessão de áreas bem localizadas. Em outras palavras,
o objetivo é estar próximo à região metropolitana, gozar de suas vantagens com custos menores e
sem os seus transtornos.
MAPA 1 – Desconcentração da Economia Paulista - 2010
Fonte: IBGE - Produto Interno Bruto dos Municípios 2002
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MAPA 2 - Hierarquia dos Centros Urbanos e Eixos Indutores no Estado de São Paulo
Fonte: IPEA – Elaboração Graprohab 2009
A partir do início da operação conjunta dos trechos Oeste e Sul do Rodoanel, observamos
que os empreendedores privados têm se dirigido, preferencialmente, para glebas situadas junto às
rodovias troncais, localizadas próximo o suficiente dos trevos de interligação ao Rodoanel.
Entretanto, essa movimentação do setor tem se organizado segundo a lógica do mercado, uma
vez que o setor público não dispõe de iniciativas específicas que conduzam o mercado de glebas
disponíveis para estes.
5 - A MACROMETRÓPOLE PAULISTA:
O processo de desconcentração industrial ocorrido em São Paulo e o seu espraiamento
por um raio de até 200 quilômetros da metrópole mexem com a economia urbana, desconfiguram
a lógica da cidade industrial da forma que conhecemos e forjam a Macrometrópole Paulista.
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Segundo dados levantados por Meyer & Grostein11, a diminuição de 14% na participação
das fábricas da cidade de São Paulo no montante das indústrias da região metropolitana e de todo
o Estado de São Paulo, passando de 36%, em 1980, para 22%, em 1990, não pode ser entendida
como:
(...) uma transição de uma metrópole industrial para uma megacidade de serviços,
já que a cidade de São Paulo ainda concentra um terço do valor agregado da
produção industrial paulista. Por outro lado, a perda real de participação da capital
na atividade industrial tem-se dado em favor de outros municípios da região
metropolitana e também do interior, numa distância não maior do que 200 km de
São Paulo. É justamente nesse raio que se concentra o mais avançado polo
produtivo de pesquisa e tecnologia do país, distribuído pelos núcleos
metropolitanos de Campinas e São José dos Campos, que abriga centros
universitários e tecnológicos de formação de mão-de-obra qualificada, refinaria de
petróleo e amplos setores de produção industrial. (MEYER, 2004, p.48)
Na mesma linha de raciocínio Carlos Américo Pacheco afirma que:
a formação da Macrometrópole é resultado de políticas adotadas a partir da
década de 1980 que levou a uma desconcentração industrial da Cidade de São
Paulo
e
sua
consequente
condensação
em
cidades
próximas
a
metrópole.(PACHECO, 1998, p. 21)
11
MEYER, Regina Maria Prosperi & GROSTEIN, Marta Dora, São Paulo Metrópole, São Paulo: Edusp. 2004. p. 48.
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MAPA 3 - Macrometrópole Paulista – Atribuições
Fonte: Emplasa, 2012
Aparentemente contraditória, essa desconcentração industrial reforça o caráter catalisador
da Região Metropolitana de São Paulo. Não deixa de ser uma região industrial, cuja base
industrial torna-se moderna, associada à prestação de serviços e à tecnologia de ponta.
Consolida sua posição de ser o principal centro financeiro do país, concentra a sede dos
grandes bancos, dos principais grupos empresarias nacionais e estrangeiros, conglomerados
financeiros, como a Bolsa de Valores e Futuros de São Paulo que é a quinta do mundo e a
segunda das Américas. Em 2007, o setor terciário representava 56,4% do PIB estadual.
Juntamente com seu entorno, constitui-se na única Macrometrópole brasileira e a
única do Hemisfério Sul. Essa parcela do território paulista é a concentração mais visível e
regionalizada de parte expressiva da riqueza e da pobreza do Estado de São Paulo e do
Brasil.
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Seu dinamismo econômico coloca esse recorte do território como o mais rico do país e um
dos mais ricos do mundo. Concentra 82%12 do PIB estadual e 27%13 do nacional. Com 897,414
bilhões de reais, seu PIB é equivalente ao PIB da Suíça, a 18ª economia mundial.
A Macrometrópole paulista é composta pelas regiões metropolitanas de São Paulo, da
Baixada Santista, de Campinas, do Vale do Paraíba e do Litoral Norte; mais as aglomerações
urbanas de Jundiaí, Piracicaba e Sorocaba e as microrregiões de São Roque e Bragança,
somando 30,5 milhões de habitantes. Ou seja, de cada 10 brasileiros, 1,6 mora na
Macrometrópole paulista. Abriga 74%15 da população do Estado e 16%16 do total da população
brasileira em apenas 0,59%17 do território nacional. Sua população cresce a taxas superiores às
do Estado de São Paulo. Em média, o Brasil cresce 1,17% ao ano, o Estado de São Paulo cresce
1,10% e a Macrometrópole paulista cresce 1,17% ao ano. Municípios como Campinas cresce
1,83%, Jundiaí 1,90% e Sorocaba 1,71% ao ano. Por outro lado, a cidade de São Paulo cresce
menos de 1% ao ano. De fato, este crescimento está sedimentado pela migração da população
acompanhando a expansão do emprego na região, que por sua vez, é acompanhado pelos
investimentos do mercado imobiliário. Em 2011, 64%18 do investimento do mercado imobiliário
para fins habitacionais, no Estado, foram direcionados para esta região.
De 2007 a 2011, 57% dos investimentos do mercado imobiliário de todo o Estado de São
Paulo foram para os municípios que constituem a Macrometrópole.
Foram produzidos, pelo mercado imobiliário, 891.839 unidades, habitação ou lotes.
Destes, 439.871 foram na forma de condomínios e 451.968 em loteamentos.
12
Disponível em <www.emplasa.sp.gov.br> Acesso em 10/2012.
13
14
15
16
17
18
Ibid.
Ibid.
Ibid.
Ibid.
Ibid.
Graprohab. Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo.
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Das 891.839 unidades ou lotes produzidos entre 2007 e 2011 no Estado de São Paulo,
498.688 estão na Macrometrópole e, desses, 320.268 são na forma de condomínios. Como
veremos adiante, a maioria foi implantada na região metropolitana de São Paulo.
Preliminarmente, os números apresentados demonstram a hegemonia do capital
imobiliário na forma de condomínios, modelo fartamente difundido, sobretudo nas áreas urbanas
consolidadas, em muitos casos, em lotes que, anteriormente, serviam para habitações
unifamiliares e que, hoje, são utilizados como edifícios multifamiliares. Onde havia apenas uma
família, hoje são centenas morando sob condições urbanas inadequadas para um adensamento
desse porte.
Os dados do Graprohab nos mostram a falta de investimento em habitação de interesse
social. Do total produzido, apenas 5,9% são conjuntos habitacionais, ou seja, foram produzidas
apenas 51.643 unidades no Estado. Dessas, apenas 13.566, ou 1.5% do total produzido no
Estado, estão na Macrometrópole.
Segundo dados do CDHU19, dos 13.546.131 domicílios do Estado, 9,06 milhões estão na
Macrometrópole. Destes, 887 mil são moradias inadequadas, o que representa 9,7% do total de
moradias da região, e 76% do total das moradias inadequadas do Estado de São Paulo.
A produção das habitações de interesse social, até então sob responsabilidade integral do poder
público, nos mostra as limitações dos investimentos, mas também nos revela as limitações dos
instrumentos para implementação de uma política habitacional mais agressiva.
6 - O SEGMENTO HABITACIONAL NA MACROMETRÓPOLE
Segundo dados do Graprohab, no período de 2007 a 2011, no Estado de São Paulo, foram
aprovados 1.453 condomínios. Destes, 1.145 estão inseridos no território da Macrometrópole, ou
seja, 79% de todos os empreendimentos na forma de condomínios licenciados no Estado estão
sediados na Macrometrópole.
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CDHU - Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo
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Dos 173 municípios que compõem a Macrometrópole, 130 foram beneficiados com um ou
mais empreendimentos. Por outro lado, constatamos que, nos 472 municípios restantes fora da
Macrometrópole, foram licenciados 308 empreendimentos, apenas 21% do total de condomínios
licenciados no Estado.
Do total de empreendimentos licenciados, 272 encontram-se em municípios menores que
100 mil habitantes, que representam 67% dos municípios da Macrometrópole. Destes, 69% são
condomínios horizontais, o que reforça o caráter dormitório dessas cidades.
Do total dos empreendimentos licenciados na Macrometrópole, 56% são condomínios
verticais. Se excluirmos a cidade de São Paulo, notamos uma ligeira predominância de
empreendimentos horizontais, ou seja, 52% destes empreendimentos são loteamentos e/ou
conjuntos habitacionais.
Entretanto,
desde
2009,
o
número
de
condomínios
verticais
licenciados
na
Macrometrópole supera o número de empreendimentos horizontais. Excluindo a capital,
percebemos que os empreendimentos verticais superam os horizontais só a partir de 2010
(gráfico 1).
Entendemos que a tendência mais vigorosa do processo de verticalização a partir de 2010,
nas maiores cidades da Macrometrópole, se configura por meio de dois fatores: a economia e a
legislação que, na sua essência, são complementares, como vemos:
Primeiro, em razão do aquecimento da economia brasileira, com taxas de crescimento
médio em torno de 4%, com fontes de financiamento específico para o setor, com os índices de
desemprego em queda e o aumento do poder aquisitivo da população. Em segundo lugar, pela
atuação do poder público no atendimento à obrigação legal de elaborar ou atualizar a legislação
do uso e ocupação do solo, por meio dos Planos Diretores Municipais.
Essas condicionantes sustentaram os investimentos do setor imobiliário do segmento
habitacional rumo às regiões que prosperaram e prosperam em razão da geração de novos
empregos.
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GRÁFICO 1 - Evolução Anual do Número de Empreendimentos Licenciados
(São Paulo - excluído) - Fonte: GRAPROHAB – 2012
GRÁFICO 2 - Evolução Anual do Número de Empreendimentos Licenciados nos Municípios da
Macrometrópole com menos de 100 mil hab. - Fonte: GRAPROHAB - 2012
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Em se tratando de municípios de menos de 100 mil habitantes, vemos uma predominância
de empreendimentos horizontais (gráfico 2). Neste recorte, os empreendimentos verticais
representam apenas 14% do total de empreendimentos licenciados.
Ao abrirmos as informações por regiões que compõem a Macrometrópole, demonstramos
que a Região Metropolitana de São Paulo possui uma brutal concentração do número de
empreendimentos condominiais licenciados. São 644 condomínios que correspondem a 37% do
número total de empreendimentos.
Por número de unidades, a concentração é ainda maior. São 143.572 unidades, de um
total de 239.103. Ou seja, representa 60% de toda a produção de unidades habitacionais na
Macrometrópole.
Por outro lado, quando falamos em loteamentos, a situação se inverte. De um total de 552
loteamentos produzidos na Macrometrópole, 69 estão na Região Metropolitana de São Paulo, ou
seja 12,5%.
Por número de unidades, a situação também se inverte. São apenas 27.832 unidades
produzidas na Região Metropolitana de São Paulo, de um total de 167.990 da Macrometrópole, o
que representa 16% da produção total.
Face ao exposto, pode-se afirmar que os dados apresentados demonstram, em primeira
instância, a falta de áreas extensivas na Região Metropolitana de São Paulo, em especial na
capital, para a implantação de novos loteamentos. Primeiro, em razão das restrições ambientais,
que criam obstáculos para o uso habitacional em 54% do seu território. Por fim, pelo valor do solo
urbano que, sedimentado na cultura especulativa e na legislação, permite ao empreendedor
utilizar índices urbanísticos mais generosos, aumentando a rentabilidade dos seus investimentos
por meio da produção de número maior de unidades habitacionais por área.
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GRÁFICO 3 - Tendência da Verticalização na Macrometrópole
Fonte – GRAPROHAB. 2012
Também analisamos o processo de verticalização através do agrupamento das
informações referentes às Regiões Metropolitanas dos aglomerados urbanos e regionais que
compõem a Macrometrópole.
Ao excluirmos a Região Metropolitana de São Paulo, notamos um certo equilíbrio no
número de condomínios e loteamentos licenciados, porém, com tendência de aumento do número
de empreendimentos verticais, no caso dos condomínios.
Essa tendência se acentua por ocasião dos investimentos do mercado imobiliário nas três
regiões metropolitanas: Campinas, Baixada Santista e a do Vale do Paraíba. São áreas de
predominância dos empreendimentos verticais. São regiões que se destacam por seu dinamismo
econômico. Por outro lado, nos municípios satélites de menor dinamismo econômico, a
predominância dos empreendimentos licenciados continua a ser horizontal.
A despeito das tendências e da desconcentração econômica da capital, São Paulo
continua a ter um peso desproporcional em relação ao restante da Macrometrópole.
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Os dados apresentados também nos direcionam ao entendimento de que os municípios
satélites das outras regiões metropolitanas e aglomerados urbanos estão se transformando em
cidades dormitório, assim como ocorreu nas últimas décadas na região metropolitana de São
Paulo.
TABELA 1 - Fonte: Graprohab - 2012
Obs.: Dispensa de Análise.
Os empreendimentos não enquadrados nos critérios de análise, portanto dispensados de
análise de aprovação pelos membros do colegiado, nos termos do artigo 5º do Decreto Estadual
nº 52.053/07, que regulamenta o funcionamento do GRAPROHAB, são apreciados pelo Grupo
Técnico da Secretaria Executiva do próprio órgão.
Os dados apresentados nos levam a duas questões muito importantes:
A) Primeiro, a expansão do modelo de condomínios fechados, regulamentados pela Lei
Federal nº 4.591 de 1964, que tem se tornado o principal instrumento de expansão do segmento
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habitacional do setor imobiliário nos municípios com maior dinamismo econômico. Basicamente,
este modelo segue a lógica do aproveitamento máximo das áreas disponíveis, sobretudo os
condomínios verticais nas zonas urbanas consolidadas, portanto, nas áreas mais valorizadas da
cidade.
São empreendimentos direcionados à classe média, expõem a face visível do processo de
fragmentação urbana que secciona a cidade e interrompe seu traçado viário. Acompanham a
criação dos novos empregos, gerados pela desconcentração industrial em marcha na
Macrometrópole.
Municípios como Jundiaí, Campinas, Sorocaba, São José dos Campos e Piracicaba,
tornaram-se reprodutores do padrão urbano que conhecemos na cidade de São Paulo.
Os condomínios horizontais, em menor número, seguem a lógica dos subúrbios
americanos. Nas franjas das cidades de baixa densidade, edificações residenciais isoladas,
dependentes do automóvel, buscam criar novas centralidades. Cercados com muros, seccionam a
cidade, interrompem o sistema viário, segundo Tereza Caldeira:
a vida cotidiana na cidade de muros reforça exatamente os valores opostos:
incivilidade, intolerância e discriminação, é a negação da cidade’. (CALDEIRA,
2002, p. 211 a 342)
Importante salientar que estamos diante de um processo de mudança dos moldes
tradicionais de parcelamento de solo.
A figura do loteamento como conhecemos através da lei do parcelamento do solo urbano,
Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, segundo a qual o loteamento é a subdivisão de gleba
em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros
públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação de vias existentes, para o modelo de
condomínio que, conforme estabelece a legislação, são edificações ou conjunto de edificações, de
um ou mais pavimentos (horizontal ou vertical), construídos sob a forma de unidades isoladas
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entre si, destinadas a fins residenciais, e constituindo-se, cada unidade, por propriedade
autônoma.
A diferença fundamental entre um e o outro é que, na figura do loteamento, o
parcelamento do solo é extensivo, o que obriga o empreendedor a implantar e doar ao município
toda infraestrutura urbana, bem como o seu sistema viário e áreas instrucionais para a construção
de equipamentos públicos.
O condomínio se caracteriza por ser um parcelamento de solo feito através da área
edificada. Tanto o condomínio horizontal, como o vertical, não têm a obrigatoriedade da cessão de
área pública ao município, seus índices de aproveitamento são melhores, conseguem construir
mais unidades habitacionais por área de terreno do que os loteamentos, por consequência
possibilitam maior lucratividade ao empreendedor.
Essa diferença, aliada ao custo da terra, ou mesmo a sua falta nas grandes cidades,
explica o abandono da figura do loteamento e a migração para o modelo condominial. Evidente
que esta dinâmica se apoia na legislação permissiva e obsoleta, onde o planejamento é entendido
a partir do lote e de índices de aproveitamento.
B) A segunda questão a ser tratada diz respeito ao tradicional modelo de parcelamento do
solo, o loteamento, instrumento fartamente utilizado na expansão das cidades.
O loteamento da forma que conhecemos, continua sendo o principal instrumento de parcelamento
do solo urbano nos municípios menores, com áreas disponíveis e pouco valorizadas, sobretudo
nas cidades do interior, fora dos limites da Macrometrópole.
Esses loteamentos, na sua grande maioria, são destinados às camadas mais pobres da
população. Por outro lado, a passividade da legislação municipal e o oportunismo do mercado
criaram a figura do loteamento fechado.
Sem amparo legal na legislação federal e estadual, são empreendimentos destinados às
classes econômicas mais abastadas. Distorceu o instrumento criado e regulamentado para que a
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expansão urbana ocorresse sem interrupções, obedecendo as diretrizes do crescimento e do
desenvolvimento das cidades.
Assim como os condomínios horizontais, seccionam a cidade, interrompem o sistema
viário e vedam o livre acesso ao seu interior. São intervenções que, no caso dos chamados
loteamentos fechados, ocorrem em áreas públicas, ou seja, vedam o acesso às praças, às áreas
institucionais, ao sistema de lazer e ao viário que, no processo de licenciamento, foi doado ao
poder público municipal.
Essas áreas destinadas à construção de equipamentos públicos ou a integrar o sistema
viário existente, de certa forma perdem a sua finalidade, são privatizadas parcialmente na medida
em que sua utilização fica restrita aos moradores do referido loteamento. Por outro lado, continua
a ser o poder público que atua na prestação dos serviços de manutenção do empreendimento,
tais como a coleta do lixo, a limpeza e a iluminação pública, o tapa buraco, o recapeamento,
enfim, o poder público é quem paga a conta.
A utilização distorcida do loteamento fechado, onde o patrimônio público é utilizado com
fins privados, tornou-se objeto de desejo da classe média por meio da atuação do mercado
imobiliário que vende uma nova forma de viver e morar, independentemente da sua localização.
Passa a imagem da tranquilidade dos loteamentos fechados como se fossem condomínios.
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS:
As alterações manifestas na Macrometrópole não representam ruptura na organização
sócio espacial
do seu território, ao contrario, consolidam
tendências expressas
desde os
primórdios da sua formação, sobressaindo-se o contínuo processo de esgarçamento do tecido
urbano por meio da hierarquização do território estabelecido através do binômio investimento
público/capital imobiliário.
Para Cristian Topalov:
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(...) é um organismo espacial do sistema produtivo e da circulação de consumo.
Em outras palavras, são os objetos físicos de incorporação do solo por agentes
imobiliários. (Topalov, 1988,pp5-30)
Complexo, esse território de 49.927,83 km2 concentra o maior sistema urbano brasileiro.
Articulados em rede, com relações econômicas e sociais muito definidas, interligados pelos
principais eixos rodoviários do Estado, continuam se expandindo.
Há seis anos, era composta por 104 municípios. Em 2010, passou a ter 153. Hoje, são
17320 municípios. Sua infraestrutura, dentre outras atividades, é composta por três aeroportos:
Cumbica, Congonhas e Viracopos; dois dos principais portos brasileiros, Santos e São Sebastião;
duas principais universidades brasileiras, USP e Unicamp; das 10 melhores estradas nacionais, as
10 estão na Macrometrópole.
Por sua vez, não temos tradição nem instrumentos de gestão metropolitana, muito menos
para uma gestão supra metropolitana. De fato, a Macrometrópole, a priori, nos parece ser uma
ficção, fonte de levantamento de dados e realidade que impressiona pelo seu gigantismo, mas
sem consequência prática na condução de uma política de desenvolvimento urbano e não urbano
de caráter regional.
A dinâmica reproduzida na escala da Macrometrópole, envolvendo mais de uma região
metropolitana com aglomerados urbanos e regionais envolvidos, estabelece uma nova relação
entre área urbana e rural.
As áreas rurais ficam encravadas entre grandes extensões de áreas urbanas, passando a
ter uma relação periférica com estas áreas e se enquadrando no conceito de áreas periurbanas,
ou seja, áreas que se localizam para além dos subúrbios de uma cidade. Corresponde a um
espaço onde as atividades rurais e urbanas se misturam, passam a ter funções urbanas, estando
fora das zonas urbanas.
20
Disponível em <www.emplasa.sp.gov.br> Acesso em 10/2012.
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De maneira figurada, o professor Nestor Goulart apresenta a hierarquização do solo
urbano sob forma de círculos concêntricos, com os mais ricos no centro e os mais pobres na
periferia. De maneira simplificada, a Macrometrópole é a junção de vários círculos concêntricos,
com áreas rurais entremeadas entre eles.
Para Villaça21, essa imagem traduz o esgarçamento do tecido urbano e o processo de
segregação espacial.
Portanto, se não bastassem as ilhas de riqueza localizadas na melhor parcela da cidade,
com alto valor agregado destinadas às camadas da população de maior poder aquisitivo, o
espraiamento da periferia ultrapassa os limites territoriais do município, invade o território vizinho,
sujeitando o trabalhador a longos deslocamentos na cidade ou mesmo entre municípios.
Esse modelo de expansão urbana e da disfunção sócio espacial entre trabalho e moradia
se apoia em dois instrumentos de parcelamento do solo, o loteamento e o condomínio.
O loteamento, instrumento de expansão horizontal, destinado a segmentos da sociedade
com menor poder aquisitivo, implantado em larga escala nas franjas da cidade e dos munícipios
menores configurando-os a um perfil de dormitório.
como os limites municipais não constituem barreiras para a reprodução do
chamado padrão periférico de urbanização, é justamente este padrão que gera, na
maior parte das vezes, uma indesejável complementaridade intermunicipal, com a
criação dos municípios-dormitórios.(MEYER, 2004, p.48)
Os condomínios destinados à classe média, localizados nas áreas urbanas consolidadas,
apóiam-se em dois pilares. O primeiro, na escassez de áreas na porção consolidada das cidades
e o segundo, na necessidade de otimização das áreas mais valorizadas, ou seja, para produzir o
maior número de unidades habitacionais possíveis naquele imóvel.
Os dados do Graprohab demonstram que os municípios centrais, com maior dinamismo
econômico, são os municípios em processo de adensamento por meio da expansão dos
21
VILLAÇA, Flavio, Reflexão Sobre as cidades Brasileiras, Studio Nobel Ltda., 2009, São Paulo.
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condomínios verticais.
Forma mais visível da segregação moderna distinguindo-se
das
tradicionais formas de segregação, por classe e por bairro.
Impulsionado pelo desenvolvimento econômico, o segmento continua a produzir o modelo
que levou a cidade de São Paulo ao caos que conhecemos. Em outras palavras, continuamos a
reproduzir manifestações espaciais de uma sociedade desigual, economicamente segregada e
fisicamente fragmentada e dispersa, agora, no âmbito macro das metrópoles. São velhos modelos
para novas cidades.
MAPA 4 Espacialização da Predominância de Empreendimentos Verticais e Horizontais e o Sistema Viário Estrutural
da Macrometrópole - Fonte: Graprohab
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ILUSTRAÇÕES
MAPAS
1 - Desconcentração da Economia Paulista - 2010
2 - Hierarquia dos Centros Urbanos e Eixos Indutores – 2009
3 - Macrometrópole Paulista – 2012
4 - Espacialização da Predominância de Empreendimentos Verticais e Horizontais e o Sistema
Viário Estrutural da Macrometrópole
TABELA
1 - Protocolo e Dispensa de Análise Graprohab 2007-2011
GRÁFICOS
1 - Evolução Anual do Número de Empreendimentos Licenciados na Macrometrópole 2012
2 - Evolução Anual do Número de Empreendimentos Licenciados nos Municípios da
Macrometrópole com menos de 100 mil hab.
3 - Tendência da Verticalização por Região da Macrometrópole
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CALDEIRA, Tereza. Cidade de Muros, Edusp / 34, 2002 – São Paulo.
CAMPOS Filho, Cândido Malta. Cidades Brasileiras: seu controle ou o caos, Nobel, 1989, São
Paulo.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede, Paz e Terra, 1999, São Paulo.
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna, Loyola, 1992, São Paulo.
IANNI, Otávio. A Sociedade Global, São Paulo, Paz e Terra, 1994, São Paulo.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico, 1950, 1960 1970, 1980,
1991 e 2000.
LANGENBUCH, Juergen Richard, A Estruturação da Grande São Paulo: estudo de geografia
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MEYER, Regina Maria Prosperi. e SILVA, M.C. da, (Coord.) São Paulo Metrópole Terciária, entre
a Modernização Pós Industrial e a Herança Social e Territorial da Industrialização SP: CEBRAP,
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, dez. 1998.
PACHECO. Carlos Américo. Fragmentação da Nação. Campinas, Instituto de Economia da
Unicamp, 1998.
REIS, Nestor Goulart, Notas Sobre Urbanização Dispersa e Novas Formas de Tecido Urbano, Via
das Artes, 2006 São Paulo.
TOPALOV, Christian. Fazer a história da Pesquisa, Urbana: a Experiência Francesa desde 1965,
in Espaço & Debate, Ano Vlll, Vol. 1 n023, 1988, São Paulo.
VILLAÇA, Flavio, Espaço Intra-Urbano no Brasil, Studio Nobel Ltda., 2001 São Paulo.
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PARA UMA APROXIMAÇÃO DE ESTUDOS COMPARATIVOS:
AS CIDADES DE BRIGGS, ROMERO E MORSE
RESUMO
O presente ensaio apresenta algumas questões referentes a estudos comparativos. Enquanto essa é uma
técnica amplamente utilizada em estudos sociológicos, no campo da história ela ainda não é tão explorada.
Tendo essa questão em mente, este ensaio apresenta três livros com estudos em que bases comparativas
são utilizadas: Victorian Cities, de Asa Briggs; América Latina: as cidades e as ideias, de José Luis Romero;
e O espelho de Próspero, de Richard M. Morse. Assim, pretende-se identificar algumas premissas que
possam nortear os estudos comparativos sobre história urbana.
Palavras-chave:
Estudos comparativos; história urbana; Richard M. Morse; Asa Briggs; José Luis Romero
ABSTRACT
This essay presents some issues concerning comparative studies. While this is a method widely used in
sociological studies, in the field of history it is not yet as exploited. Bearing this question in mind, this essay
presents three books with researches on which comparative basis are used: Victorian Cities, by Asa Briggs;
América Latina: as cidades e as ideias, by José Luis Romero; and O espelho de Próspero, by Richard M.
Morse. Therefore, it is intended to identify some characteristics that may guide comparative studies on urban
history.
Key words
Comparative studies; urban history; Richard M. Morse; Asa Briggs; José Luis Romero
425
PARA UMA APROXIMAÇÃO DE ESTUDOS COMPARATIVOS:
AS CIDADES DE BRIGGS, ROMERO E MORSE
Mariana de Souza Rolim1
Carlos Guilherme Mota2
Bases comparativas estão presentes no cotidiano de todos. Em expressões populares,
comentários rotineiros ou em complexas análises políticas, elementos de comparação são
utilizados de forma intuitiva indiscriminadamente.
Nas ciências sociais, em especial na Sociologia, a comparação como instrumento
metodológico é amplamente difundida e utilizada. Nomes como os sociólogos Durkheim, Comte e
Weber apresentam alternativas estruturadas de abordagem comparativa. A sociologia utiliza a
comparação como instrumento de explicação e generalização, considerando “a impossibilidade de
aplicar o método experimental às ciências sociais, reproduzindo, em nível de laboratório, os
fenômenos estudados.” (SCHNEIDER, 1998, p. 1)
A análise comparativa é uma ferramenta bem consolidada na sociologia. Também em
estudos históricos, essa é uma abordagem considerada válida. O historiador francês Marc Bloch
considera a comparação em dois momentos: um analógico, em que são observadas as
similaridades entre os objetos de estudo, e um contrastivo, onde se observa as diferenças entre
eles. Já para a historiadora Natalie Zemon Davis é possível considerar três tipos de estudos
comparativos. Um, quando se considera grupos diferentes em uma mesma sociedade, por
exemplo, judeus e cristãos em Nova York. Outro, comparar sociedades separadas espacialmente,
mas não temporalmente, com um estudo sobre o Japão e a França no século XVIII. Por fim, pode-
1
Arquiteta e urbanista, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, doutoranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie; [email protected]
2
Historiador, Professor Emérito da FFLCH-USP e Professor de História da Cultura na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie; [email protected]
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se considerar sociedades totalmente diversas que se encontram, como a relação entre jesuítas
franceses com ameríndios no século XVII em Quebec (PALLARES-BURKE, 2000).
Não obstante a validade desse processo, os próprios historiadores o utilizam pouco. Na
opinião do historiador inglês Peter Burke, isso ocorre muito mais pelas dificuldades de se obter
dados - visto que a comparação exige pesquisa vasta para ser efetivamente válida - do que pela
falta de eficiência da técnica (PALLARES-BURKE, 2000).
E quando se pensa em estudar as cidades? Até que ponto é possível considerar essa
ferramenta quando se fala em realidades que parecem tão distantes como o extremo leste da
cidade de São Paulo e a City londrina?
Tendo essa questão em mente, este ensaio apresenta três experiências de estudos em
que bases comparativas são utilizadas: o estudo sobre as cidades vitorianas de Asa Briggs, sobre
as ideias nas cidades latino-americanas de José Luis Romero e a oposição Anglo-América e
Ibero-América de Richard M. Morse. Ressalta-se que o objetivo aqui não é o de apresentar uma
resenha dos livros selecionados, mas sim lançar um olhar sobre eles extraindo o componente
comparativo de cada um.
AS CIDADES VITORIANAS
O livro Victorian Cities, de Asa Briggs, foi publicado originalmente em 1963. É o livro do
meio de uma trilogia que justifica a fama de Briggs como o maior especialista vivo no estudo sobre
a Inglaterra vitoriana. Às cidades, juntam-se as pessoas e as coisas – em Victorian People (1954)
e Victorian Things (1988) –, buscando uma visão o mais ampla possível da sociedade vitoriana.
Asa Briggs nasceu em 1921, no norte da Inglaterra (Yorkshire) e estudou História na
Universidade de Cambridge. Tanto o local de nascimento quanto o ambiente acadêmico em que
se formou deixaram Briggs fascinado pela Revolução Industrial, que teve grande impacto
justamente no desenvolvimento no norte do país. Com essa inquietação em mente, Briggs passa
a trabalhar com história social, em oposição à história econômica então mais corrente entre seus
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contemporâneos. Os estudos em história urbana e cultura material de Briggs foram pioneiros, e
continuam como referências importantes, não só para os interessados no período vitoriano. Com
Victorian Cities (sem tradução para o português) Briggs desenvolveu “uma notável abordagem
comparativa, algo inusitado para a época. Sua discussão sobre Melbourne, na Austrália vitoriana,
em contraste com a artesanal Birmingham e a moderna Manchester – típica cidade da Revolução
Industrial – não foi até hoje superada” (PALLARES-BURKE, 2000, p. 58). A atuação do professor
também é referência no campo da história dos modernos meios de comunicação, interesse que
surgiu muito por conta de sua visão da imprensa como uma importante fonte de pesquisa
histórica. Por fim, não é possível deixar de mencionar sua atuação política, onde continua atuando
no campo da educação e cujo reconhecimento é confirmado com o título de Lorde, em 1976. Lord
Briggs propôs grandes inovações no campo educacional, em especial introduzindo uma
abordagem interdisciplinar nos estudos de humanidades.
Essa abordagem, que combina história com antropologia e economia, por exemplo, é
bastante enfatizada em seu Victorian Cities. A introdução do livro é particularmente importante
aqui, pois apresenta sua posição quanto a algumas das ferramentas disponíveis para trabalhar
com história urbana, bem como critérios para análises comparativas. Essas questões serão
retomadas adiante. Por ora, é necessário ressaltar que o livro não pretende se ocupar de toda a
era vitoriana, mas olha para um período específico, que Briggs descreve como a época que fica
entre a chegada do trem e a chegada do automóvel – aproximadamente entre 1840 e 1890.
O livro continua com o capítulo “City and society: Victorian attitudes”. Briggs ressalta a
visão da época sobre as cidades - lembrando que o período vitoriano é conhecido como uma
época de florescimento e surgimento de inúmeras delas. Aqui é exposto o dualismo vigente então:
parte dessa sociedade via com preocupação o crescimento e adensamento dessas cidades, que
colocariam em risco valores de cunho religioso e político. Outra parcela da população encarava
esse crescimento como uma promessa de uma vida urbana baseada em conceitos de liberdade.
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A partir deste ponto, Briggs passa a analisar seis cidades representativas do período
vitoriano, seja por sua importância na história nacional, seja por apresentar aspectos bem
específicos da vida urbana vitoriana. Pelo próprio subtítulo dos capítulos, Briggs já apresenta a
forma de abordagem de cada uma dessas cidades. Ele começa com Manchester (“symbol of a
new age”). Seguindo para Leeds (“a study in civic pride”); Birmingham (“the making of a civic
gospel”); Middlesbrough (“the growth of a new community”); viaja até a Austrália, com Melbourne
(“a Victorian community overseas”); e volta à Europa com Londres (“the world city”).
Não cabe aqui apresentar em detalhes as análise de cada um dos casos, mas alguns
pontos devem ser registrados. No caso de Manchester em 1840, ela aparece como a “shock city”,
ou o centro do problema, como seriam Chicago em 1890 e Los Angeles em 1930. Ela é o exemplo
de como os problemas urbanos que surgiram com a Revolução Industrial foram tratados no
período. Nas palavras de Briggs (1990, p. 96), “Manchester forced to the surface problems of
class, of the relationships between rich and poor”. Em Leeds, é abordada em detalhes a
construção da nova sede da prefeitura, como uma metáfora para mostrar a forma como os
vitorianos se relacionavam com as cidades, e como se inseriam inclusive fisicamente.
Middlesbrough surge como o exemplo da cidade moderna vitoriana. Aqui, Briggs mostra como
elas eram estruturadas tal como as novas cidades do Império Britânico, muitas das quais tinham
características genuinamente vitorianas. Assim, abre caminho para comparações com a América
(que são pontuadas em vários momentos no livro) e com a Austrália, representada com
Melbourne e com a ideia da personalidade da cidade – uma abordagem bastante inovadora à
época. Por fim, Londres, reaparece no cenário nacional mais próximo dos anos 1900, com uma
questão que se aplica a diversas metrópoles: até que ponto as grandes cidades apresentam uma
cultura genuinamente própria ou elas não passariam de uma série de partes distintas?
Depois dessa viagem, Briggs encerra com um epílogo, sobre cidades antigas e novas. E
aborda a questão das cidades americanas, reconhecendo que elas são um importante
contraponto às cidades inglesas do século XIX.
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Agora, retomando algumas questões apresentadas na introdução. Inicialmente, Briggs reforça a
necessidade de um estudo interdisciplinar na abordagem sobre cidades. “Just because cities, like
people, are of various ages and are alike in some respects and different in others, their proper
understanding requires a partnership” (BRIGGS, 1990, p. 49). Alerta também para a necessidade
de revalidação dos estudos já realizados – muitas vezes como uma forma de glorificação de uma
passado mais desejado do que real – e dos dados registrados à época, como os encontrados em
artigos de jornais.
Quanto à justificativa para um estudo comparativo, Briggs afirma que trabalhou com a
intenção de lançar luz a alguns temas que são de interesse para vários tipos de especialistas, que
abordam a cidade por diferentes ângulos. E cita Birmingham como exemplo: o interesse por essa
cidade estava no que era único nela. E isso só poderia ser identificado a partir da sua comparação
com as outras. Seu livro é essencialmente sobre história inglesa, mas há referências cruzadas
relevantes para a Europa e, acima de tudo, para a América. “As history itself becomes more
comparative, we will find it easier to range more freely over both space and time, asking more
searching questions and seeking more comprehensive answers”. (Ibidem, p. 55)
As seis cidades emergem diferentes no trato: ora com uma abordagem cronológica, ora
com foco em um evento singular. No entanto, é possível identificar uma unidade básica, como se
as cidades fossem vistas do alto, buscando uma visão não da verdadeira cidade, mas um olhar
organizado e estruturador sobre elas. E é isso que Briggs busca como elemento de comparação:
os pontos de organização da sociedade vitoriana em diferentes aspectos. E a identificação de
quais são esses pontos é uma das etapas cruciais da pesquisa.
AS CIDADES LATINO-AMERICANAS
Enquanto Briggs utiliza como fio condutor uma época, um período político, José Luis
Romero, ao lançar seu olhar mais ao sul, se vale de uma unidade que é incerta para os próprios
locais: a ideia de um espírito latino-americano. O livro América Latina: as cidades e as ideias teve
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sua primeira publicação em 1976, em espanhol, e traz uma interpretação das cidades latinoamericanas desde o período colonial, considerando as influências europeias, passa pelo momento
em que a América começaria a andar por si, até a época em que a pesquisa foi realizada.
Em Buenos Aires, Argentina, 1909, nasce o historiador José Luis Romero, filho de
imigrantes espanhóis. No início da carreira, volta-se aos estudos de história antiga e medieval. No
entanto, é na Europa, em viagem de 1935, que entra em contato com o tema da cultura ocidental,
que seria seu objeto de estudo até o fim da vida – Romero faleceu em 1977. A visão de história de
Romero era bastante peculiar: ele dava grande importância à coleta de dados minuciosa, com
trabalhos exaustivos em arquivos. Ao mesmo tempo, entendia que toda a sua vivência – social,
familiar, acadêmica – colaborava para uma análise histórica melhor. Com esta perspectiva em
mente, Romero foi uma pessoa bastante sociável, conversando sobre quaisquer assuntos, com
quaisquer pessoas. Os mais diversos estilos literários eram seus companheiros. E viajava muito.
Sempre catalogando as cidades por onde passava. Foi um militante ativo na política argentina,
com uma atuação importante na Universidade de Buenos Aires. De sua vasta produção, podemos
citar Breve historia de la Argentina e El pensamiento político latinoamericano.
Romero terminou a primeira versão de América Latina em 1974, tendo sido publicado dois
anos mais tarde, na Argentina, e logo em seguida, no mesmo ano, uma segunda edição no
México. Naquele momento, o livro não teve grande repercussão, talvez pela ausência de um
formalismo rigorosamente acadêmico, talvez pela ditadura argentina que se instalava.
Em que pese o clima opressivo, meu pai aguardou com grande expectativa ambas
as publicações: achava que, no duro ciclo que se iniciava, sua palavra e sua
presença podiam ajudar a salvar alguma coisa do muito que começava a ser
destruído. (ROMERO, 2004, p. 25)
O fato é que, aos poucos, o livro foi se tornando conhecido através de professores que
recomendavam sua leitura em sala de aula – como Richard M. Morse, Jorge Enrique Hardoy,
Leopoldo Zea, entre outros –, e assim conseguiu traduções na Itália, Estados Unidos e, por fim, no
Brasil. Hoje, é uma referência primordial para a história da América Latina.
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A edição brasileira de América Latina conta com dois textos de apresentação que
acrescentam muito à sua leitura. O texto “Cidades como ideias”, do professor Afonso Carlos
Marques do Santos, reúne diversas análises sobre o trabalho de Romero. Uma delas é a do
historiador francês Jacques Le Goff, com texto que apresenta a edição argentina, de 2003, do livro
Crisis y orden en el mundo feudoburgués, de Romero. Nessa Presentación, Le Goff situa o
trabalho de Romero como um pioneiro da história das representações e do imaginário, e pioneiro
também no uso do termo “espírito”, anunciando o de “mentalidade”. O segundo, é o prefácio de
autoria de Luis Alberto Romero, historiador e filho de José Luis, responsável pela recente
compilação de toda a obra do pai. Aqui é apresentada a trajetória de José Luis, culminando com o
livro América Latina. Luis Alberto diz que
Em cada um dos capítulos percorrem-se sistematicamente as áreas principais da
vida histórica: a organização econômica, a sociedade, o governo e a política, as
formas de vida, as mentalidades e as ideologias. Em cada caso, entretanto, a
ordem é diferente, segundo o jogo das relações e as prioridades, pois o que o
preocupava não era a taxonomia mas, sim, a articulação em um conjunto cujo
desenho total nunca se perde de vista. (Ibidem, p. 39)
Quanto ao livro em si, o texto é bastante fluido, sem notas de rodapé, mas com breves
notas ao final de alguns capítulos que trazem o contexto devido às diferentes realidades latinoamericanas. Em sua estrutura, a obra apresenta uma periodização considerando as ideias que
percorreram a formação e consolidação das cidades latino-americanas.
Romero começa com a América Latina na expansão europeia. Partindo depois para: o
ciclo das fundações; as cidades fidalgas das Índias; as cidades criollas; as cidades patrícias; as
cidades burguesas; e termina com as cidades massificadas. Parte da complexidade do livro é
contextualizar, em cada um dos ciclos definidos, diferentes cidades latino-americanas, trazendo
ao mesmo tempo a ideia de unidade e de suas especificidades. Romero fala de cidades como
Santiago do Chile, Lima, Rio de Janeiro, Buenos Aires, São Paulo, Bogotá, Cidade do México,
Cuzco, Quito, Santo Domingo, Havana, Valparaíso, Recife, Acapulco, Cartagena... Esta é uma
diferença importante em relação ao estudo sobre as cidades vitorianas: como o período estudado
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por Romero tem dimensão temporal muito mais ampla que a de Briggs, não seria válido utilizar
algumas cidades pontuais, visto que a dinâmica histórica vai alterando a importância de cada uma
delas. Assim, em cada uma das fases que Romero apresenta, uma ou outra cidade ganha maior
destaque.
No longo período abordado, é possível ver uma trajetória que surge de uma origem
comum, na Europa, e que vai se moldando a diferentes realidades em terras americanas. Romero
mostra que essa origem não foi tão uniforme assim, elencando as diferenças entre os processos
de colonização espanhol e português, e relacionando-os com o binômio campo/cidade. Essa
dicotomia estaria na base das mudanças das ideias e dos estilos de vida das sociedades
estudadas. Nas palavras de Romero:
Uma indagação minuciosa acerca da formação das sociedades urbanas e de suas
mudanças, e das culturas urbanas – diversas dentro de cada período em cada
cidade e diversas dentro dela, segundo os grupos sociais em épocas de intensa
transformação –, levou aos resultados que expõe este livro. No fundo, quer
pontuar como funciona o desenvolvimento heterônomo das cidades com seu
desenvolvimento autônomo, entendendo que nesse jogo não se elaboram apenas
as culturas e subculturas urbanas, como também as relações entre o mundo rural
e o mundo urbano. É neste último que as ideologias adquirem mais vigor e
enfrentam mais claramente o seu desafio – um jogo dialético – com as estruturas
reais. (Ibidem, p. 51)
Retomando as questões de comparação na introdução, é apresentada a dificuldade de um
estudo que chega a parecer caótico, tamanha as diversidades que surgem a partir do momento
em que o processo histórico latino-americano se inicia. Se está claro que as cidades
desempenham um papel que pode oferecer a chave para desatar este nó, a questão que se
coloca é quais constantes devem ser analisadas para se chegar a uma análise possível. Romero
apresenta, então, a ideia de ideologias específicas, em oposição a uma ideologia genérica da
colonização. Ou seja, enquanto as cidades foram formadas com uma função específica, após
algumas gerações, cada sociedade urbana assume sua peculiaridade, para além das funções
básicas de uma cidade. E são essas peculiaridades que devem ser procuradas.
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AS CIDADES AMERICANAS?
Briggs e Romero procuraram uma perspectiva de buscar similaridades entre as cidades
estudadas nas suas peculiaridades, de tal forma que é possível usar as expressões cidades
vitorianas e cidades latino-americanas tendo um mínimo de unidade por trás delas. Agora, é
possível fazer o mesmo quando se fala em cidades americanas? O livro O Espelho de Próspero:
cultura e ideias nas Américas traz a discussão sobre as realidades anglo-americana e iberoamericana, na busca de criar um diálogo a partir de suas diferenças.
Richard McGee Morse nasceu em Nova Jersey, Estados Unidos da América, em 1922.
Aos 25 anos desembarca em São Paulo, com quem teria uma relação intensa. No período em que
esteve na cidade, teve um contato bastante próximo com os intelectuais brasileiros, como Antônio
Candido, Florestan Fernandes, Sergio Buarque de Holanda e Luis Saia. Dessa convivência, e de
seu encantamento com a pauliceia, nasceu a publicação Formação Histórica de São Paulo, de
1970, que apresentava uma periodização para a cidade que continua como uma importante
referência. A partir da publicação de Formação, Morse passa a dar aulas nas Universidades de
Princeton, Columbia, Yale e Stanford, atuando também como professor visitante no Instituto de
Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) no final da década de 1980. Entre
diversos artigos sobre questões latino-americanas, Morse publica, em 1990, A volta de
McLuhanaíma: cinco estudos solenes e uma brincadeira séria, com alguns de seus ensaios sobre
questões do continente americano, passeando pelos Estados Unidos, Caribe, América espanhola
e São Paulo. Richard M. Morse faleceu em 2001, aos 79 anos, no Haiti.
O espelho de Próspero teve sua primeira publicação em 1982, em espanhol. A versão
brasileira, de 1988, contou com apresentação do sociólogo e crítico literário Antônio Candido, o
que mostra a projeção que Morse teve no cenário intelectual brasileiro. Candido aponta que Morse
avança das cidades para um uma reflexão em torno de civilizações. Sob essa perspectiva, os
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fatos perdem relevância e o destaque vai para os pensadores (historiadores, poetas, romancistas,
filósofos, etc.).
Morse estruturou seu livro em três partes – Pré-história; História; e À sombra do porvir –
com a intenção de “aguçar a consciência de grandes premissas culturais” (MORSE, 1988, p. 15).
Para abordar a pré-história americana, Morse se concentra entre os séculos XII e XVII, onde
retoma algumas questões já levantadas por Romero, relativas à colonização da América. No
entanto, Morse insere junto aos portugueses e espanhóis, os ingleses. Avançando, o capítulo
sobre a História é fortemente marcado por uma oposição entre o Norte e o Sul e se inicia no
contexto da Ilustração. Apresentando as culturas políticas em ambos os lados, Morse aborda
questões de liberalismo e democracia, como continuidades ou contrapontos às ideias
colonizadoras originais. No caso da Anglo-América, cuja colonização não cumpria nenhuma
missão civilizadora, sua sociedade foi fundada a partir de três ideias: “a ideia de vocação, a ideia
de pacto e a ideia da Igreja e do Estado como esferas separadas” (Ibidem, p.71). Já a IberoAmérica se via em um mundo diferente, em que Espanha e Portugal vão deixando de ter um papel
propositivo. Ademais, os processos de independência acentuariam a inadequação entre as
tradições políticas e a organização social.
O “porvir” traz algumas considerações acerca do que foi apresentado, em uma perspectiva
comparativa entre as duas Américas. Assim, Morse afirma que
A diferença básica é que sob a ética ibero-católica, mesmo em versões
modernizadas, as pessoas percebem os sistemas de poder como exteriores a elas
e manipuláveis mediante votos e promessas particulares, ainda que sem garantias
de êxitos. [...] Os anglo-americanos nem mesmo falam do ‘Estado’, mas apenas
do ‘governo’ ou da ‘administração’, como se fosse algo ‘deles’ – do povo, pelo
povo e para o povo, segundo o ideal hoje irônico de Lincoln. (Ibidem, p. 147)
O espelho de Próspero teve grande repercussão em seu lançamento nas terras mais ao
sul. Primeiro foi publicado em espanhol, depois em português, mas não chegou a ser publicado
em sua terra natal, já apontando a natureza da crítica que consta da obra. No Brasil, a troca de
artigos entre Morse (1989) e Simon Schwartzman (1988 e 1989) mostram posições bastante
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diversas e enérgicas quanto a seu conteúdo. Aliás, e sem entrar no mérito da questão, este é um
debate que vale a pena ser lido, mesmo que somente pelo exemplo de uma boa argumentação.
Schwartzman, seu crítico mais aguerrido, reconhece que Morse se olhou no espelho da América
Ibérica, mas nele “a América Latina está desfocada porque ela se contempla no espelho da
próspera América inglesa e, na busca inútil da imitação do outro, perde sua própria essência”
(SCHWARTZMAN, 1988, p. 1). Ou seja, para ele, o olhar estrangeiro de Morse pode provocar
distorções graves de interpretação. Outra crítica, mais suave, foi feita por Florestan Fernandes,
que reconhece o caráter inovador da pesquisa que Morse desenvolve, porém entende que ele
deixa passar a oportunidade de fazer uma história efetivamente crítica. Assim como o olhar
estrangeiro que Schartzman questiona, Fernandes entende que Morse teve dificuldade em “sair
de sua pele” (FERNANDES, 1995, p. 117), quando negligencia a influência de um sentido
imperialista dos Estados Unidos sobre as colônias espanholas e portuguesas. Em países como o
Brasil,
Havia uma larga faixa de situações e processos históricos determinados “a partir
de dentro”. Entretanto, em seus aspectos mais incisivos, do período colonial até
hoje, o mais importante era determinado “a partir de fora”, mediante influências
que não podiam ser reduzidas, desviadas dos seus cursos ou anuladas. (Ibidem,
p. 118)
Nesse cenário, é possível falar em cidades americanas, sem um adjetivo em frente? No
prefácio ao livro, Morse (1998, p. 13) estabelece as bases para sua comparação: “embora as
Américas do Norte e do Sul se alimentem de fontes da civilização ocidental que são familiares a
ambas, seus legados específicos correspondem a um anverso e um reverso”. Ou seja, o propósito
de seu estudo foi justamente abordar essas diferenças, para estabelecer um diálogo entre dois
lados antagônicos.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Em uma perspectiva de estudos comparativos, alguns pontos devem ser lembrados, sem,
no entanto, o propósito de impor amarras conceituais.
Primeiro, os três autores apresentam uma visão histórica que se preocupa menos com o
que efetivamente foi, e mais com o que é. Nas palavras de Briggs (1990, p. 11), “there is far more
about the new than the old”. Essa visão é particularmente interessante aos estudos comparativos,
visto que se lançam bases que permitem entender não apenas uma determinada situação, mas
um processo histórico.
Enquanto Briggs determina exatamente quais cidades estudar, Romero menciona ora
uma, ora outra, de acordo com o tema que está sendo abordado. Esses dois estudos podem ser
classificados efetivamente como história urbana – apesar de terem um alcance que vai muito
além. Já Morse estrutura seu livro com a comparação entre pensadores, e não de cidades
propriamente ditas. Ele as menciona, mas não se fixa nelas: seu maior interesse são as ideias que
circulam pelas Américas, que ocasionalmente são apreendidas através das cidades. Outra
diferença de abordagem é que, enquanto Briggs se ocupa de um período bastante específico,
Romero e Morse buscam a visão da longa duração, com uma perspectiva de civilizações. E é
justamente essa diferença que estabelece a diferenciação na escolha do objeto a ser estudado.
Com Romero e Morse surge também uma diferença entre os conceitos “latino-americano”
e “ibero-americano”. Com o uso da Ibero-América, Morse pretende quebrar uma visão que tem
origem com Napoleão, e que implicaria em uma suposta unidade latina, abarcando não só
Espanha e Portugal, mas também França e Itália. Ainda, quando se fala em Ibero-América a
questão geográfica se altera. Ora, Los Angeles e San Francisco não devem ser consideradas
cidades ibero-americanas? Dessa forma, um conceito até então geográfico adquire uma
perspectiva civilizatória. Ainda nesse tema: Romero traça com bastante clareza as diferenças
entre as colonizações portuguesas e espanholas, considerando inclusive o período em que
Portugal esteve unificado à Espanha, e as considera como abordagens colonizadoras diversas.
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Não se poderia então falar em uma América espanhola, uma América portuguesa e uma AngloAmérica?
Voltando às similaridades, surge a questão da diversidade de fontes históricas. Os três
historiadores não trabalham somente com as fontes oficiais – Briggs, aliás, registra isso de forma
bastante enfática, em uma clara oposição ao que era feito na Inglaterra então. Na busca pela
personalidade, espírito ou temperamento da cidade, Briggs, Romero e Morse se valem da
imprensa, da literatura e de outras especialidades dentro do vasto campo das ciências humanas
que tem como objeto o urbano.
Então, uma alternativa a se considerar para um início de estudos comparativos: a definição
não das coisas a serem comparadas, mas das características que formam o sistema a ser
analisado. E assim definir se as melhores bases para se obter uma análise sólida será pela via do
antagonismo ou da similaridade. Outra, em especial quando se fala de sociedades mais diversas,
como foi o caso de Romero e Morse, buscar e valorizar as análises feitas por pesquisadores
locais. Vale ressaltar que o olhar estrangeiro é extremamente válido – e o estudo do holandês
Huizinga sobre os Estados Unidos3 é um dos bons exemplos disso – porém, o risco de se obter
análises superficiais é muito grande. E a superficialidade e uma visão unilateral são os principais
riscos quando se trabalha em comparação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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intelectual. Revista Iberoamericana de Bibliografía, Washington, n. 2, p. 409-436, 1998.
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3
HUIZINGA, Johan. El concepto de la Historia y otros ensayos. Mexico: Fondo de Cultura Economica, 1946. Espiritu
Norteamericano, p. 407-431.
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FERNANDES, Florestan. A contestação necessária: retratos intelectuais de inconformistas e
revolucionários. São Paulo: Ática, 1995.
MORSE, Richard M. O espelho de Próspero: cultura e ideias nas Américas. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
______________. A miopia de Schwartzman. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 24, p.
166-178, Jul. 1989.
MOTA, Carlos Guilherme. Da cidade ibero-americana: temas, problemas, historiografia. PósRevista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, São
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PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. As muitas faces da história: nove entrevistas. São
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RIMMER, Gordon. Review of Victorian Cities. Social and Economic Studies, Kingston, v. 13, n.
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SCHNEIDER, Sergio; SCHIMITT, Cláudia Job. O uso do método comparativo nas Ciências
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SCHWARTZMAN, Simon. O espelho de Morse. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 22, p.
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______________. O gato de Cortázar. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 25, p. 191-203,
Out. 1989.
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HIGH LINE
O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA CONSTRUÇÃO DO
ESPAÇO PÚBLICO
RESUMO
O High Line foi o segundo destino turístico da cidade de Nova Iorque em 2012 atraindo 4,4 milhões de
1
visitantes . Criado a partir da uma antiga linha férrea desativada, o parque é um exemplo de duas dinâmicas
que estão moldando a identidade das cidades contemporâneas. De um lado a dinâmica da transformação
econômica, em que as atividades industriais dão lugar à economia baseada em serviços, abrindo caminho
para a ressignificação de antigas unidades fabris. De outro lado, a atuação da sociedade civil aglutinada em
torno da construção do ambiente urbano, que vai além das preocupações com segurança ou valorização de
uma área.
Num momento em que, no Brasil, se discute a participação popular em ações de transformações e uso das
cidades, esse artigo pretende levantar considerações sobre quais foram os fatores determinantes para que
se levasse adiante o projeto de criação de um espaço público que celebra a diversidade, e como isso se
insere no contexto contemporâneo de transformações urbanas.
Palavras-chave: High Line; Espaço Público; Participação da Sociedade; Plano Diretor; Parques
ABSTRACT
The High Line was the second most visited touristic site in New York in 2012 and attracted more than 4.4
million visitors[1]. Created from an old, unused railroad track, the park is an example of two dynamics that
have been shaping the identity of contemporary cities. On the one hand the dynamics of economic
transformation, in which industrial activities give place to the service-based economy, allowing old
manufacturing units to be resignified. On the other, the expression of the civil society gathered around the
building of the urban environment that goes beyond concerns on the safety or appreciation of a given area.
In a moment in which, in Brazil, the involvement of the population in acts of transformation and use of the
cities is discussed, this article intends to raise questions about what were the decisive factors that enabled
the project that created a public space that celebrates diversity to be carried on and how it fits in the
contemporary context of urban transformation.
Key words: High Line; Public Space; Social Involvement; Master Plan, Parks
1
Friends of the High Line: http://www.thehighline.org/blog/2012/12/27/2012-at-the-high-line-in-photos
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HIGH LINE
O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA CONSTRUÇÃO DO
ESPAÇO PÚBLICO
Mauro Calliari2
Roberta Laredo3
Valter Caldana4
Nadia Somekh5
1. HISTÓRICO
A área oeste da ilha de Manhattan concentrava, no início do século XIX, um grande
número de plantas fabris e armazéns atacadistas. Para servir a essas operações, em 1847, foi
iniciada a operação de trens, no nível da rua.
Devido ao aumento de acidentes nos trilhos do trem, em 1927, a cidade autoriza o ente
administrativo da ferrovia a construir uma linha elevada para escoar as mercadorias. A construção
desta linha e do pátio dos trens (terminal St. John’s Park), com capacidade para 190 vagões,
durou entre 1931 e 1933. Em 1934, foi inaugurada, e veio a ser chamada nos anos posteriores de
High Line.
2
Administrador de Empresas pela FGV-SP; Mestrando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie, SP. e-mail: [email protected].
3
Engenheira Civil pela PUCCAMP. Mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie,
SP. e-mail: [email protected].
4
Professor Doutor pela FAU-USP, Professor Visitante do UIP, Paris e Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Presbiteriana Mackenzie. e-mail: [email protected].
5
Professora Doutora pela FAU-USP, presidente do CONPRESP, Diretora do Patrimônio Histórico da SMC PMSP,
Professora convidada na Universidade de Cergy Pontoise e Professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. e-mail: [email protected].
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Feita em aço, a estrutura suspensa (a uma altura aproximada de 9 metros), corta a ilha no
sentido norte-sul e depois muda de direção para o oeste até o Rio Hudson, num trecho original de
quase três milhas, que depois veio a ser cortado para pouco mais de uma milha e meia
(aproximadamente 2,4 quilômetros).
Traçado atual
Trecho Demolido
Figura 1.1: Mapa de Manhattan.
Fonte: Google Earth. Acesso em 05/10/2013. Modificado pelo autor
Até o início da década de 1960, a linha funcionou em larga escala, desde Spring Street até
a até o terminal St. John’s, na rua 34. A partir daí, seu uso começou a declinar, em função da
maior simplicidade da operação com caminhões de carga, até a última viagem, em 1980.
Com a linha abandonada e a desativação de vários depósitos, em 1991, cinco secções do sul
foram demolidas para construção de complexo de apartamentos.
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Em 1999, a empresa CSX Transportation assume a linha e encomenda um estudo de
viabilidade à RPA6. O estudo, apresentado numa audiência pública, excluía a possibilidade de
utilização da linha para o transporte de cargas pesadas, mas deixava em aberto a utilização por
trens leves e a criação de áreas verdes. Nessa audiência, também foi apresentada pela prefeitura
a proposta de demolição da High Line, suportada por comerciantes, proprietários de imóveis nas
imediações da linha abandonada.
2. A ORGANIZAÇÃO FRIENDS OF THE HIGH LINE
Dois moradores da região, Joshua David e Robert Hammond se conheceram na audiência
e descobriram o interesse comum em tentar preservar a estrutura, por razões históricas e
arquitetônicas. Nas conversas posteriores, amadureceu a ideia de criar uma organização
específica para esse empreendimento.
Ainda em 1999, decidem criar a ONG Friends of the High Line e começam a angariar
suporte para a o projeto.
O debate público que se seguiu envolveu diversos atores: a prefeitura, a sociedade civil e
os donos das áreas localizadas abaixo da via elevada. A prefeitura, já no final do mandato da
administração Rudolph Giuliani, era a favor da demolição da via e assinou em 2001 um decreto
autorizando a demolição. Os proprietários de áreas na região também lutavam pela demolição,
sob o argumento de desvalorização econômica de seus ativos7.
6
RPA – Regional Plan Association é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 1922, com o objetivo de
coordenar os esforços de desenvolvimento da região de N.York, N.Jersey e Connecticut, englobando 3 estados e 783
municípios. Ao longo desse tempo, o RPA produziu três planos de desenvolvimento, está em vias de apresentar um
quarto e auxilia os governos locais e entidades em estudos específicos, como no caso da High Line. Fonte: Palestra de
Nicolas Rondero, diretor da RPA, em 3 de outubro de 2013, no seminário USP Cidades, S.Paulo.
7
Jornal New York Times de 31 de dezembro de 2000. Disponível em:
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Os defensores da ideia do parque buscaram aumentar o grau de convencimento através
de campanhas promocionais, que envolveram até celebridades em defesa do “patrimônio
histórico” da cidade. Além do argumento emocional, havia também uma aposta na valorização
possível da área. Os cálculos feitos mostravam um retorno de US$ 262 milhões, em aumento de
impostos, a partir de um investimento de US$ 100 milhões8.
Em 2001, a ONG consegue recursos para uma ação judicial, propondo o adiamento da
demolição até o início do mandato do próximo prefeito, em 2002. Todos os candidatos foram
procurados pela ONG para que manifestassem publicamente apoio à manutenção da estrutura.
Nesse período, houve alguns fatores que podem ter ajudado a reverter a decisão da
demolição:
Em 2002, A nova administração do prefeito Michael Bloomberg, influenciada em parte pelo
fato de alguns de seus membros terem ajudado a equipe da Friends of the High Line, acabou
encampando a ideia da recuperação da linha.
No mesmo ano, o órgão de preservação9 inclui a High Line entre os monumentos a serem
preservados na cidade e em 2003 oficializou o Meat Packing District como bairro histórico,
sinalizando a importância da preservação histórica na região.
Finalmente, fizeram-se sentir também os efeitos da destruição das torres gêmeas em 11
de setembro de 2001. Segundo os criadores da ONG, o estado de espírito reinante não
combinava com novas demolições, escavadeiras e entulho na ilha 10.
http://www.nytimes.com/2000/12/31/realestate/which-track-for-the-high-line.html?pagewanted=all&src=pm. Acesso em:
05/10/2013.
8
9
DAVID, Joshua e HAMMOND, Robert. High Line. A história do parque suspenso de Nova York. São Paulo: Bei, 2013.
Landmarks Preservation Comission.
10
DAVID, Joshua e HAMMOND, Robert. High Line. A história do parque suspenso de Nova York. São Paulo: Bei, 2013.
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Em março 2002, o juiz do caso declarou ilegal a demolição e em 2003 o Community Board
votou pela manutenção da High Line.
Há mais um percalço importante na história da High Line, a mobilização da cidade de Nova
Iorque para sediar as Olimpíadas de 2012. No projeto original, havia a proposta de construir um
estádio nas imediações da via elevada e chegou-se a discutir novamente a necessidade de
demolir parte de sua estrutura para acomodar o entorno do estádio. Com a decisão do Public
Authorities Control Board, de não utilizar fundos públicos para o estádio, a candidatura
inviabilizou-se, tornando a nova discussão sobre a demolição desnecessária.
3. O PROJETO
A dupla de criadores da Friends of the High Line disse não ter plano estruturado de
ocupação da área no início dos seus trabalhos
11
. A intenção era angariar fundos para poder
realizar um concurso, que gerasse projetos para discussão.
Segundo eles, a estratégia de captação de recursos deveria utilizar o design como arma
de promoção, para criar “a impressão de que se tratava de uma grande organização”. O logotipo
foi um desses recursos.
Figura 3.1: Logo High Line.
Fonte: http://www.thehighline.org/. Acesso em 05/10/2013
11
Palestra proferida por Joshua David e Robert Hammond em 26 de setembro de 2013, por ocasião do Arq.Futuro 2013,
no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo.
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Nessa mesma linha, a ONG optou por não tentar impor uma visão final do que poderia se
tornar o espaço, mas valorizar a pré-existência, como mostram essas fotos do local, tiradas pelo
fotógrafo Joel Sternfeld 12.
Figura 3.2 e 3.3: High Line antes das intervenções de 2008.
Fonte: http://www.thehighline.org/galleries/images/joel-sternfeld. Acesso em 05/10/2013
Com a decisão da cidade de manter a linha elevada, a Friends of the High Line pôde se
concentrar no projeto para o local. Esse processo envolveu duas fases. Um concurso de ideias e
um concurso de design.
O primeiro foi realizado em 2003 e gerou 762 propostas. Uma vez que os critérios de
escolha haviam sido deixados em aberto, houve uma diversidade muito grande nas ideias, que
incluíam uma piscina de quase uma milha, um manifesto político em forma de presídio e até uma
montanha russa.
O segundo concurso aconteceu no ano seguinte. Das 51 propostas submetidas, foram
selecionadas sete e finalmente quatro se qualificaram como finalistas.
A comissão do concurso submeteu as propostas finalistas à comunidade através de vários
workshops 13. Assim, foi escolhida a proposta do escritório James Cornfield Operations.
12
STERNFELD, Joel. Walking on the High Line. Disponível em: http://www.thehighline.org/galleries/images/joel-sternfeld.
Acesso em 05/10/2013.
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Segundo Lisa Switkin, diretora do escritório
14
, o conceito do projeto foi o de manter
elementos que já existiam nas condições do local antes da intervenção, como, por exemplo, os
trilhos, que eram a marca da própria linha, e os jardins que haviam crescido naturalmente. Na
execução da obra, apesar de se manterem espécies que já estavam lá, todo o piso e a área do
jardim foram refeitos.
A esse conceito inicial, se somaram alguns outros princípios. O primeiro, relativo à
inserção da estrutura suspensa na vizinhança. Para passantes no local, a única coisa que se
podia ver era a parte de baixo da estrutura. Assim, a facilidade de acesso também foi privilegiada
para poder incentivar a visitação. Passarelas foram construídas, com alguma preocupação com a
segurança.
A união dos diversos ambientes criados ao longo da via veio através da nova superfície
proposta: uma estrutura modular que permitiu a união dos elementos ao longo da via. Assim,
segundo o escritório, seria permitido fazer uma “jornada através da cidade”, mas ao mesmo tempo
permitindo que houvesse mudanças no paisagismo e criação de diferenças entre os diversos
ambientes.
Figura 3.4 e 3.5: Superfícies e usos.
Fonte: Roberta Laredo set/2011
13
Os mecanismos de consulta pública dos projetos em Nova Iorque envolvem, dependendo da importância, os
representes no City Council e a população das áreas envolvidas, através dos Community Boards. Disponível em:
http://www.nyc.gov/html/cau/html/involved/involved.shtml. Acesso em: 05/10/2013.
14
Palestra proferida por Lisa Switkin em 26 de setembro de 2013, por ocasião do Arq.Futuro 2013, no Auditório do
Ibirapuera, em São Paulo.
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Em relação às atividades, o conceito escolhido foi a de se diferenciar do parque próximo, o
Hudson River Park. Ali, há uma grande oferta de esportes. O High Line, ao contrário, deveria ser
um espaço “devagar”, para permitir a contemplação e “entrar num outro mundo” 15. As atividades
escolhidas, entretanto, parecem ir além desse conceito: conversas com estudantes, passeios,
shows, eventos noturnos.
A preocupação com os equipamentos aparece nos diversos tipos de bancos que foram
testados e colocados ao longo do caminho, nos acessos à rua, na iluminação baixa e até em
surpresas como a água para os pés cansados.
Figura 3.6 e 3.7: Bancos: leitura, descanso e contemplação.
Fonte: Roberta Laredo set/2011
As dificuldades de construção tiveram a ver com o acesso de equipamentos pesado ao
topo da estrutura e com a necessidade de criar uma estrutura impermeável, com desnível para
saída de água e ainda incluíram reparos no aço e no concreto, apesar de ser mantida a estrutura
original quando possível.
Apesar de se tentar manter a aparência relativamente “natural” das plantas nativas da
situação pré-intervenção, foram adicionas novas espécies, com o que se atingiu 220 espécies
vegetais no total.
15
Ibidem
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Figura 3.8: Intervenção paisagística.
Fonte: Roberta Laredo set/2011
O diálogo com a cidade acontece quando a linha se aproxima de residências ou passa por
dentro de depósitos. Há interação espontânea entre moradores e hóspedes de hotel e os
frequentadores da via.
Figura 3.9: Entorno.
Fonte: Roberta Laredo set/2011
A construção foi dividida em três setores, dois dos quais já estão prontos. O último setor, o
que ainda está sendo feito, é o que pretende unir a cidade e o rio. Ele atravessa uma região
povoada por novos empreendimentos imobiliários e circunda o mega-projeto de utilização do
terminal ferroviário. Prevê-se que o contraste com prédios altíssimos trará novos desafios de
escala para o parque.
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Figura 3.10: Setor ainda não inaugurado.
Fonte: Roberta Laredo set/2011
4. BALANÇO PÓS-INAUGURAÇÃO
O parque High Line foi inaugurado em 08 de junho de 2009. A linha foi oficialmente doada
pela CSX para a cidade de Nova Iorque e se encontra sob a jurisdição de departamento de
trânsito.
Quanto à gestão do parque, a falta de recursos públicos fez com que a prefeitura optasse
pelo modelo de manutenção privada, através de uma PPP, semelhante à existente no Central
Park, que também tem a equipe de manutenção gerida pelo setor privado.
A Friends of the High Line foi escolhida para ser a administradora do parque e é
responsável pela contratação da equipe de jardinagem, limpeza e segurança, pelo que recebe
uma parte das despesas (10%). A diferença é captada através de doações (90%).
VISITAÇÃO
O local, virtualmente vazio antes do projeto, conheceu um boom de visitação: 4,4 milhões
de pessoas em 2012, contra previsão inicial de 300 mil
16
. O acesso é gratuito. Há uma
programação de eventos para atrair novos visitantes, como o programa de parceria que leva
alunos de escolas públicas a ter aulas sobre a industrialização do local e ainda programas
culturais para moradores e visitantes do bairro do Chelsea, cortado pela via e famoso por suas
galerias de arte.
16
DAVID, Joshua e HAMMOND, Robert. High Line. A história do parque suspenso de Nova York. São Paulo: Bei, 2013.
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VALORIZAÇÃO
A previsão antes da obra era a de que o investimento ficaria da ordem de 100 milhões de
dólares, o que geraria retorno de 262 milhões de dólares, em aumento de tributos. Na realidade,
foram gastos em projetos, despesas legais e construção, aproximadamente US$ 150 milhões,
dos quais dois terços de recursos públicos e a diferença de verbas privadas. Entretanto, o retorno
em impostos adicionais devidos à valorização dos imóveis foi muito superior, estimado em 950
milhões de dólares 17.
Além disso, há 40 novos projetos de prédios na região, o que representa US$ 2 bilhões de
dólares em novos investimentos.
5. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CASO DO PARQUE HIGH LINE
O High Line está inserido num contexto de transformação do ambiente urbano, descrito,
entre outros por David Harvey, em A condição pós-moderna. Num espaço relativamente curto de
tempo – 75 anos, a cidade de Nova Iorque criou uma infraestrutura específica para atender a uma
realidade industrial, deixou de usá-la e agora assiste à sua ressignificação, numa realidade
econômica totalmente diferente, concentrada no setor terciário avançado.
O processo de criação do parque é tão emblemático dessa nova realidade que enseja
algumas reflexões. Sob o ponto de vista de resultados econômicos e visitação, o projeto de
requalificação da High Line parece ter sido um sucesso. Uma estrutura deteriorada e abandonada
se transformou num espaço público gratuito, frequentado por moradores e visitantes e que acabou
valorizando a área em torno.
17
High Line. A história do Parque suspenso de Nova York. P. 110
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Sobre esses primeiros resultados pode-se fazer alguns questionamentos: quais foram e
em que contexto surgiram os instrumentos que viabilizaram o projeto? Quais são os fatores de
sucesso na implementação do novo equipamento urbano?
O NOVO URBANISMO
A primeira reflexão é sobre as forças que moldam a nova cidade contemporânea.
A própria sobrevivência do espaço nesse contexto já pode ser vista como um símbolo de
um novo urbanismo, tal qual descrito por François Ascher 18. Segundo ele, diante do aumento da
complexidade das novas relações sociais, os novos princípios do urbanismo devem conceber os
lugares em função das novas práticas sociais e procurar maneiras de lidar com a multiplicidade de
interesses.
Isso exige uma nova forma de gerenciar os conflitos entre grupos de pressão, o que é
evidenciada na longa história da participação de vários atores envolvidos no projeto da High Line.
Além disso, evidencia-se também o princípio de que o gestor público deve lidar cada vez mais
com o arcabouço jurídico de contratos e novas modalidades de parcerias.
Requalifica-se, assim, o próprio papel do poder público: de planejador e controlador, o
poder público passa a atuar com um coordenador do processo público, criando instâncias para
que se possa ouvir e lidar com a multiplicidade de opiniões.
FINANCIAMENTO
Ao contrário do exemplo da Promenade Plantée, de Paris 19, que foi liderada desde o início
pelo poder público, o High Line não só partiu de uma iniciativa popular como sobreviveu enquanto
grupo de pressão graças aos financiamentos privados. Esses financiamentos permitiram manter
18
19
ASCHER, François. Os novos princípios do urbanismo. São Paulo: Romano Guerra, 2010.
Le Viaduc des Arts et la Promenade plantée (12e). Disponível em: http://www.semaest.fr/article/le-viaduc-des-arts-et-
la-promenade-plantee-12e. Acesso em: 05/10/2013.
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uma equipe dedicada durante anos, até que se tomasse a decisão de investir recursos públicos
para a construção.
Assim, pode-se dizer que o dinheiro privado serviu como catalisador do projeto até que
houvesse uma certeza política que refletisse o desejo da sociedade de investir numa determinada
direção.
A importância do equacionamento financeiro do projeto é exemplificada pela lei de 2005
20
que regularizou o novo zoneamento da região onde está o High Line, oficializando o direito de
venda do potencial construtivo, e abrandando a reação negativa dos proprietários dos terrenos
que eram a favor da demolição da linha.
O fato da gestão do parque se valer ainda de uma estrutura e fundos privados para se
viabilizar reflete a dificuldade do poder público, mesmo o da possivelmente cidade mais poderosa
do mundo, em lidar com a manutenção de seu patrimônio. Por outro lado, os recursos privados
parecem garantir uma dose de legitimidade e de proximidade entre os doadores e o objeto.
Não menos importante do que isso é o bom uso das métricas. A exemplo do que é feito em
outras iniciativas da cidade de Nova Iorque, existe uma aparente clareza sobre o que deve ser
medido: visitação, investimento, valor patrimonial, retorno, imposto predial, são dados
quantitativos que servem para demonstrar (ou não) a viabilidade e o resultado do
empreendimento.
Na frente pública, há outros exemplos interessantes de medições feitas pela
municipalidade.
A secretária de transportes da cidade, Janette Sadik-Khan
21
, por exemplo,
quando quis demonstrar a vantagem da introdução das zonas de pedestre em Times Square e
outras regiões da cidade, divulgou informações sobre o número de visitantes, o valor do metro
20
West Chelsea Zoning Proposal – Approved.
Disponível em: http://www.nyc.gov/html/dcp/html/westchelsea/westchelsea3a2.shtml. Acesso em 05/10/2013.
21
Janette Sadik-Khan. Palestra proferida em 25 de setembro de 2013, no Arq.Futuro, São Paulo.
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quadrado nos imóveis circundantes, a arrecadação tributária decorrente das ações e ainda os
números de acidentes com pedestres e ciclistas. Essa é uma impressionante demonstração da
escolha de estatísticas relevantes e da sua ajuda nas tomadas de decisões relativas a programas
municipais.
QUALIDADE
Não se pode saber quais seriam os resultados de visitação e permanência se o projeto
fosse outro, mas pode-se dizer que houve uma grande consistência na sua proposição, no
conceito por trás dele e na execução. A ideia da simplicidade como criadora da sensação de bem
estar foi seguida no paisagismo, nos equipamentos, nos acessos,
Há, no projeto, uma preocupação em manter a escala das intervenções num patamar
próximo das pessoas, tal como descrito por Jan Gehl
22
, obviamente facilitada pela natural
segregação existente entre os carros e as pessoas. Além disso, a existência de bons
equipamentos como bancos e gradis, alternando materiais e paisagismos, parece induzir á
permanência nos espaços, efetivando, assim, a intenção dos projetistas de criar uma atmosfera
minimalista e agradável.
Especificamente, a grande quantidade de bancos evoca as teorias de William Whyte, num
estudo seminal na década de 1970, a respeito da facilidade de sentar, que concluiu: “people tend
to sit most where there are places to sit” 23.
PARTICIPAÇÃO EFETIVA DA COMUNIDADE
Os mecanismos de participação da comunidade na aprovação e escolhas de projeto são
garantidos por lei municipal 24. Isso é uma garantia de legitimidade e envolvimento nas ações que
dizem respeito àquela região.
22
GEHL, Jan. Life Between Buildings. Londres: Island Press, 2011.Edição original 1971.
23
WHYTE, William. The Social Life of Small Urban Spaces. Nova Iorque, Project for Public Spaces, 2001, 9ª tiragem -
2012. P.28
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Além da consideração legal, entretanto, pode-se destacar na história da High Line, uma
particularidade: os grupos de pressão foram constituídos por segmentos cuja representatividade
política na sociedade é bastante recente, como o grupo de gays, por exemplo. Os dois fundadores
da Friends of the High Line declaram publicamente sua opção sexual e explicitam que o apoio da
comunidade gay foi fundamental para a sobrevivência da ONG. Além disso, outros grupos, ligados
a uma economia terciário-avançada podem ser identificados na história: as galerias de arte, o
mercado imobiliário e os preservacionistas.
6. CONSIDERAÇÃO FINAL
Para terminar, diante de um caso que parece ser atualmente uma unanimidade, pode-se
perguntar quais poderiam ser as consequências ainda não medidas. Em outras palavras, será que
há questões que ainda não foram levantadas e que poderiam contrapor esse aparente sucesso?
O POSSÍVEL EFEITO NEFASTO DO AUMENTO DOS PREÇOS DOS IMÓVEIS.
Se a primeira métrica de sucesso do projeto é a valorização da área, há que pensar na
população que já morava nessa área. Como estão lidando com o declarado aumento dos preços?
Essa preocupação já chegou aos legisladores municipais. Em 2005, quando o zoneamento foi
aprovado 25, houve uma proposta de uso, densidade e conjunto de regulações para a área, que
obriga 30% dos novos prédios a oferecerem unidades mais “baratas”.
Parte da área cortada pela via, o Chelsea tem identidade ligada às galerias de arte e
estúdios, tradicionalmente em imóveis baratos. Como será, no futuro, mantida a identidade de um
bairro?
24
About Community boards in NYC. Disponível em: http://www.nyc.gov/html/cau/html/cb/about.shtml. Acesso em:
05/10/2013
25
Proposed Use, Density, and Bulk Regulations.
Disponível em: http://www.nyc.gov/html/dcp/html/westchelsea/westchelsea3c.shtml. Acesso em: 05/10/2013.
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O PARQUE NÃO É A RUA
Se a segunda métrica de sucesso do empreendimento é medida em número de visitações,
como se traduz isso na frequência aos estabelecimentos localizados embaixo da linha ou nas
áreas adjacentes?
Será que os milhões de dólares investidos num elemento acima da rua não podem gerar o
efeito inverso embaixo da estrutura? Como será a vitalidade das ruas ao redor do High Line?
Uma outra questão ligada a isso é o fato de que um parque exige manutenção e dedicação
exclusiva para ser mantido. A sociedade vai ter vontade política e recursos para manter esse
espaço no futuro?
Como objeto de estudo, o High Line ainda é muito recente para permitir uma análise
completa e uma conclusão. Há variáveis que podem alterar a dinâmica de gestão do espaço e a
própria inserção no entorno: a terceira etapa está em construção, a expectativa de um megaempreendimento imobiliário no lugar do terminal ferroviário, a dinâmica de ocupação comercial e
residencial das áreas adjacentes e ainda mudanças no quadro político com novas eleições no final
de 2013.
Entretanto, mesmo diante de uma realidade em construção, pode-se pontuar o
impressionante dinamismo de uma cidade que se transforma constantemente, ao ritmo das
convicções e ações da sociedade que acolhe. O complicado jogo de forças que possibilitou a
criação do parque foi sendo alterado ao longo do tempo pela ação política e pelo envolvimento
pessoal de atores que conseguiram adesões e recursos para interferir no resultado final.
Dentro dessa ótica, o parque ganha um caráter simbólico de preservação de memória, de
ocupação do espaço público e de participação popular. Há que se acompanhar o desenrolar da
história para constatar se esses valores virão também acompanhados de inclusão social e da
fruição da diversidade que a cidade contemporânea pode oferecer.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DAVID, Joshua e HAMMOND, Robert. High Line. A história do parque suspenso de Nova York.
São Paulo: Bei, 2013.
DUNLAP, David W. Which Track for the High Line?. New York Times, Nova Iorque, 31 de
dezembro de 2000. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2000/12/31/realestate/which-trackfor-the-high-line.html?pagewanted=all&src=pm>. Acesso em: 05/10/2013.
GEHL, Jan. Life Between Buildings. Londres: Island Press, 2011.Edição original 1971.
______. Cities for People. Londres: Island Press, 2010.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: edições Loyola, 1993.
JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
SENNET, Richard. O declínio do homem público; as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia
das Letras, 1988.
WHYTE, William. The Social Life of Small Urban Spaces. Nova Iorque, Project for Public Spaces,
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NEW YORK CITY – MAYOR’S COMMUNITY AFFAIRS UNIT. About Community boards.
Disponível
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<http://www.nyc.gov/html/cau/html/involved/involved.shtml>.
Acesso
em:
05/10/2013.
SOCIETE D’ECONOMIE MIXTE D’AMENAGEMENT DE L’ EST DE PARIS. (SEMAEST). Le
Viaduc des Arts et la Promenade plantée (12e). Disponível em: <http://www.semaest.fr/article/leviaduc-des-arts-et-la-promenade-plantee-12e>. Acesso em: 05/10/2013.
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A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO PÚBLICO NA IDENTIDADE DA CIDADE
CONTEMPORÂNEA
RESUMO
Esse artigo pretende discutir a importância do espaço público para a cidade contemporânea. O ponto de
partida é a teoria sociológica dos papéis públicos, formulada por Richard Sennet, que assinala a
necessidade da distinção clara entre o público e o privado no relacionamento diário entre os cidadãos das
cidades para que se crie a própria identidade humana. A partir desse reconhecimento, foi usada a obra de
Olivier Mongin para verificar até que ponto a cidade contemporânea está criando uma cisão nesse
equilíbrio histórico.
Palavras-chave: Espaço-público, identidade, cidade contemporânea, Richard Sennet, Oliver Mongin.
ABSTRACT
This article aims to discuss the importance of the Public Space in the context of the Contemporary City. The
starting point is the sociological theory of the Public Roles, expressed by Richard Sennet. It points out the
clear distinction between the Public and the Private realm in the daily relationship between citizens,
necessary to the very creation of the human Identitity. The article, then, uses the work by Olivier Mongin and
tries to investigate how the Contemporary City is creating a fracture in this historic equilibrium between public
and private and its consequences.
Key words: Public Space; Identity; Contemporary City, Richard Sennet, Olivier Mongin.
459
A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO PÚBLICO NA IDENTIDADE DA CIDADE
CONTEMPORÂNEA
Mauro Calliari
Valter Caldana
1
2
1. O ESPAÇO PÚBLICO COMO PALCO DA VIDA ATIVA
O livro O Declínio do Homem Público, de Richard Sennet, publicado em 1974 e revisado
dois anos depois, é basilar para a compreensão da importância da vida pública nos últimos
séculos. Foi escrito num momento emblemático da história contemporânea, logo após a
deflagração da crise do petróleo, um dos pontos de inflexão do início das transformações que
ainda estão em curso, mas que já estão moldando um novo paradigma social, descritos por
autores como David Harvey como pós-modernidade (HARVEY, 1993).
Nesse livro, Richard Sennet conta a gênese do que ele chama de doença contemporânea
– o narcisismo, e seus efeitos na vida pública. Vejamos o encadeamento de ideias que ele propõe,
num texto recheado de referências psicológicas e sociológicas:
Segundo Sennet, uma maneira de definir a cidade pode ser dada através do convívio que
ela proporciona. Assim, “uma cidade é um assentamento onde estranhos devem provavelmente
1
Administrador de Empresas pela FGV-SP e Mestrando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie, SP.. Email:[email protected].
2
Professor Doutor pela FAU-USP, Professor Visitante do IUP, Paris e Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Email:[email protected]
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se encontrar”.3 (SENNET, 1998, p.324). Essa experiência de encontro com estranhos em local
público é a essência da civilidade, o conjunto de atos e regras que normatiza a convivência entre
pessoas que não têm intimidade entre si.
Segundo ele, a civilidade tem um papel importante para a manutenção da própria
individualidade. Ao conviver com os diferentes, um indivíduo ganha capacidade de compreensão
sobre si mesmo. A convivência com a alteridade em graus variados de intimidade faz com o que o
habitante da cidade tenha que representar papéis que permitam intercâmbios e trocas dentro de
determinadas regras. O papel é o “comportamento apropriado a algumas situações, mas não a
outras”. É ele que garante a verossimilhança em público: adotar um comportamento comum que
todos concordam ser adequado.
Assim, ao longo da história, as cidades ocidentais foram construindo esse equilíbrio entre a
vida pública e a vida privada. Esse equilíbrio garantia que o homem, em contato com outras
pessoas em sua faina diária, estivesse sempre exercitando sua cidadania. A diversidade do
espaço público, na forma do mercado, da praça, das ruas, permitia que ele convivesse
cotidianamente com pessoas de origens e posses distintas das suas.
Os signos externos dessa alteridade eram, segundo Sennet, a garantia de que, mesmo
sem uma convivência íntima, os diferentes se reconhecessem e cada um assumisse, na vida
pública, o seu papel, que lhe permitia justamente exercitar essa diferença,participando da “vida
ativa” que caracteriza a res-publica.
A identidade dos habitantes das cidades ocidentais foi, assim, sendo construída,
paradoxalmente, através da convivência entre os diferentes. A partir do momento em que a
3 Ao longo do livro, essa mesma definição é encontrada outras vezes, com pequenas variações. Em uma delas, por
exemplo, a frase muda para “cidade é um assentamento onde estranhos podem se encontrar, cotidianamente”. Cada
uma parece enfatizar um determinado aspecto do encontro com a alteridade, conforme o contexto .
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própria escala da cidade aumenta, com a migração em direção aos centros administrativos e
econômicos no século XVIII, a convivência entre os “estranhos” também aumenta e o senso de
identidade natural baseado na vizinhança e no conhecimento mútuo que havia nas vilas e
pequenas cidades é substituído pela dúvida: “quem somos nós?” e “quem é o estranho?”. Para
Sennett, nesse momento, há uma reconstrução da sociabilidade, baseada em dois princípios: os
códigos de respeitabilidade, como, por exemplo, as roupas, que refletem exatamente as origens e
as profissões de cada um, e os papéis públicos.
“O comportamento “público” é antes de tudo, uma questão de agir a certa
distância do eu, de sua história imediata, de suas circunstâncias e de suas
necessidades; em segundo lugar, essa ação implica a experiência de diversidade”.
(SENNETT, 1998, p. 115)
Em outras palavras, o contato com o diferente permitiu a constituição da própria identidade
do homem urbano ao longo dos séculos até meados do século XIX. Ou seja, eu preciso do outro
para me conhecer.
Olivier Mongin analisa a questão da importância dos espaços públicos sob uma ótica
ligeiramente diversa, mas bastante complementar. Antropólogo e filósofo francês, escreveu, em
2005, o livro A condição urbana. Sua importância reside na abrangência histórica da evolução do
ambiente urbano europeu e, principalmente, na descrição detalhada das dinâmicas que estão
moldando a cidade contemporânea.
O livro de Mongin foi escrito quase trinta anos depois de O declínio do homem público.
Apesar de Sennet não ser citado diretamente nenhuma vez ao longo do texto, pode-se ver nele
uma possibilidade de detalhar a doença do homem contemporâneo esboçada por Sennet. A
citação abaixo, por exemplo, exprime o mesmo tipo de raciocínio sobre a polaridade privadopúblico:
“Do mesmo modo que a forma da cidade corresponde à colocação em tensão de
termos opostos (o centro e a periferia, o dentro e o fora, o interior e o exterior), a
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inscrição em um espaço público exige encontrar um ritmo, o melhor ritmo
concebível entre o privado e o público, entre o interior e o exterior, entre a
interioridade e a exterioridade.” (MONGIN, 2009, p. 61)
Assim, o mecanismo do teatro também parece ser capaz de explicar a própria evolução da
cidade, como civita.
Segundo Mongin, a cidade remete a três tipos de experiência urbana, (MONGIN, 2009,
p.29-30). A primeira experiência é física: a experimentação da cidade pelo transeunte:
“A prática do transeunte é a marcha, mas porque esta é uma experiência rente ao
chão que exige lentidão e paciência, porque ela desconfia do olho que quer captar
longe demais, alto demais. Caminhando, não se vê grande coisa, mas se muda de
perspectivas incessantemente, como um pintor cubista que renuncia à perspectiva
clássica.” (MONGIN, 2009, p.62)
Assim, a descoberta da cidade se dá “passo a passo”. O sair de casa implica um desejo de
exteriorização, que “se exprime por uma libertação, uma saída de si, uma saída de casa”.
(MONGIN, 2009, p.63)
O raciocínio de Mongin é luminoso, a respeito do binômio estar-só/estar-em-grupo ,nesse
ajuntamento de diferentes que é a cidade: “Quando não há ninguém, é preciso ser vários; quando
há muita gente, é preciso estar só, mas em cada um dos casos há movimento, caminhada,
flanância.” (MONGIN, 2009, p.67).
Talvez essa frase ajude a explicar a noção do flâneur, o personagem símbolo da ideia de
viver anonimamente a experiência da multidão, que foi encarnado por Baudelaire. Um de seus
poemas que simboliza essa experiência é o À une passante. Nele, o poeta encontra uma moça
em meio à confusão da rua. Ela é linda e faz o seu coração renascer... apenas para perdê-la em
seguida. A perplexidade pela perda se expressa condoída:
“Um éclair … puis la nuit! – Fugitive beauté
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Dont le regard m´a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l´éternité?”
4
A segunda dimensão da experiência urbana é a do espaço público. É no espaço público
que os “corpos se expõem e onde se pode inventar uma vida política pelo viés da deliberação, das
liberdades de da reivindicação igualitária”.
“O indivíduo, o homem do espaço privado e da interioridade, tenta assim se
exteriorizar numa vida pública. Homem da vitaactiva, o urbano se expõe para fora,
fora de sua casa, ele se abre ao espaço público e à experiência da pluralidade
humana”. (MONGIN, 2009, p. 61)
Mas, atenção, “Sair da solidão, sair de seu interior, não oferece a garantia de se beneficiar
da felicidade pública. O espaço público é incerto, e o sujeito que ali se arrisca é indeciso: é por
isso que ele se esconde por trás das máscaras.” (MONGIN, 2009, P. 69). Ora, vemos aqui a
convergência do raciocínio de Mongin e Sennet, a respeito da importância das máscaras e dos
papéis públicos.
Mongin explica, assim, como o uso do papel em público ajuda na constituição da polis
grega e ocidental: “o espaço onde eu apareço aos outros como os outros aparecem a mim”.
(MONGIN, 2009, p. 87)
O terceiro aspecto da experiência é a dimensão do objeto. “a cidade é também um objeto
que se observa”.
As três dimensões juntas compõem a totalidade da experiência urbana: “..., essa
experiência multidimensional não separa o público e o privado, mas os associa” (MONGIN, 2009,
p. 30).
4
BAUDELAIRE, Charles. Les Fleures du Mal. Paris: Editions Feminines Françaises, sem data de publicação.
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É possível incluir nesse ponto da discussão algumas ideias de Jane Jacobs a respeito do
teatro público. Jornalista e ativista, Jacobs escreveu em 1961 o livro Morte e vida das grandes
cidades, que teve grande repercussão ao combater os princípios do urbanismo moderno e
defender a diversidade nos espaços públicos e que poderá ser um contraponto interessante à
análise sociológica ao propor uma descrição empírica e saborosa da dinâmica de uso dos
espaços públicos.
Segundo ela, um dos princípios para a fruição da vida pública é, paradoxalmente, o
conceito de separação entre o público e o privado. Assim como Sennett, Jacobs atribui grande
importância à separação entre a persona pública e a persona privada: “[a vida social nas
calçadas] Reúne pessoas que não se conhecem socialmente de maneira íntima, privada, e muitas
vezes nem se interessam em se conhecer dessa maneira.” (JACOBS, 2009, p. 59).
Ou seja, mesmo uma ardorosa defensora da diversidade e do convívio social entre
pessoas diferentes no espaço público, parte do pressuposto de que esse convívio tem suas regras
e seus limites:
“...as cidades estão cheias de pessoas com quem certo grau e contato é
proveitoso e agradável, do seu, do meu ou do ponto de vista de qualquer
indivíduo. Mas você não vai querer que elas fiquem no seu pé. E elas também não
vão querer que você fique no pé delas.” (JACOBS, 2009, pgs. 59,60)
Assim, é o papel publico o instrumento que garante a possibilidade da criação de um espírito de
vizinhança:
“A soma desses contatos públicos casuais no âmbito local... resulta na
compreensão da identidade pública das pessoas, uma rede de respeito e
confiança mútuos e um apoio eventual na dificuldade pessoal ou da vizinhança. A
inexistência dessa confiança é um desastre para a rua. Seu cultivo não poder ser
institucionalizado. E, acima de tudo, ela implica não comprometimento pessoal.”
(JACOBS, 2009, p.60)
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Parece, portanto, que o equilíbrio entre público e privado pode ser visto como elemento
fundamental no exercício da urbanidade. O que se verá a seguir é como esse equilíbrio foi
rompido.
2. A CIDADE CONTEMPORÂNEA: O NARCISISMO, DESEQUILÍBRIO ENTRE A VIDA
PÚBLICA E A VIDA PRIVADA E A AMEAÇA À URBANIDADE
O equilíbrio entre o público e o privado foi rompido na metrópole contemporânea. Em que
momento isso aconteceu?
Segundo Sennet, a transformação começou a ocorrer no século XIX, em função de dois
fatores que contribuíram para mudar esse equilíbrio: o crescimento da sociedade industrial e a
consequente expansão do capitalismo, e o advento do secularismo.
O capitalismo trouxe uma série de mudanças estruturais que tiveram influência direta no
ambiente urbano e nos hábitos das cidades. Em primeiro lugar, o crescimento das instalações
fabris e os remanejamentos de populações trabalhadoras para as suas proximidades. Em
segundo lugar, a mudança nos hábitos de consumo e na comercialização das mercadorias. Esse
último contribuiu para a mudança física das ruas de Londres e Paris, com o advento do hábito da
promenade ao longo das lojas e cafés. Esse espaço burguês ocupou os centros de onde,
gradualmente, foram sendo afastados os extratos sociais mais baixos.
O segundo fator, o secularismo, contribuiu para que o ponto de vista individual
prosperasse, em detrimento do ponto de vista coletivo. Na medida em que a Igreja e as tradições
religiosas deixaram de mediar a relação do indivíduo com o mundo, ele foi obrigado a atribuir
sentido ao que o cercava. Ora, no momento em que cada indivíduo parte de uma busca individual
em busca do sentido, todos os acontecimentos e eventos passam a ter importância, e, na medida
em que tudo é importante, o peso atribuído a cada evento pessoal passa a alimentar o ponto de
vista individual. “Nada é o bastante para que eu sinta”. (SENNETT, 1993, p. 408).
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Nessa cadeia de eventos, o crescimento do individualismo passa a ser dominante nas
relações de troca e, com o tempo, o EU passou a ser o ponto de vista preponderante.
A manifestação pública desse individualismo assume um caráter de contenção e
autodefesa. É o desejo, segundo Sennet, de se “misturar” na multidão, ou seja, o de chamar
menos a atenção em público. Assim, a paramentação extravagante das roupas dá lugar à
qualidade, mas também aos detalhes, jóias, relógios, gravatas, ornamentos, destinados a deixar
claro o extrato de origem de cada um, mas dentro de códigos de não se mostrar demasiadamente.
É nessa época que Sennett, aliás, situa o código vitoriano de ensinar às crianças as regras de não
demonstrar sentimentos em público. Segundo ele, o motivo é evitar que elas pudessem, quando
adultos, serem “interpretados” ou desvendados pelos outros.
Assim, nas ruas do centro das duas grandes cidades europeias, Paris e Londres, o silêncio
é ordem, “porque o silêncio é a ausência de interação social”. (SENNET, 1993, p. 266). Claro que
as classes sociais continuam convivendo entre si, mas nos lugares certos. Em Paris, a burguesia
adota os bulevares e o refúgio dos cafés contra o barulho externo e a intromissão.
Dessa forma, se o convívio com a alteridade foi parte integral da constituição da própria
identidade do homem urbano, a partir de um determinado momento, temos uma situação em que
o homem urbano deixa de conviver com as diferenças. O risco? A própria perda da identidade.
No século XX, portanto, chegamos ao que Sennett chama de “o fim da cultura pública”. O
mito continua presente nas palavras e expressões: “calor humano é bom” e o “mau” é a frieza,
alienação e impessoalidade. Entretanto, a questão é que o filtro do narcisismo torna menos
importante a procura pelos interesses comuns que a busca da identidade comum. Na prática, isso
significa que as pessoas vão buscar rapidamente encontrar e conviver com aquelas pessoas com
quem podem compartilhar seus sentimentos, sem ter que passar pelas etapas de encontrar
assuntos comuns.
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Se a civilidade é a “atividade que protege as pessoas umas das outras e ainda assim
permite que elas tirem proveito da companhia umas das outras, a incivilidade é justamente o
oposto: “sobrecarregar os outros com o eu de alguém”. (SENNETT, 1993, p. 324). Portanto, se
usar “máscara é a essência da civilidade”, o homem incivilizado contemporâneo deixou de usar
sua máscara para poder se mostrar inteiro aos iguais.
A questão é que as máscaras precisam ser criadas por tentativa e erro. E esse conceito de
brincar, de jogar com o papel público e ir construindo sua própria personalidade, o “playacting”
tem a ver com o crescimento pessoal e principalmente com o estabelecimento de uma persona
pública preparada para o jogo urbano. Ora, o oposto da capacidade de jogar com a vida social é o
próprio narcisismo. Não é para menos que Sennet define a classe média, a mais afetada pela
indefinição do seu papel, como “sem rosto” e "sem regras”.
Quanto mais estreito o escopo da experiência social, mais destrutiva se tornará a
experiência do sentimento fraterno, pois em algum momento haverá forçosamente, a decisão
sobre a rejeição ou não a novos membros. A consequência é o fim dos intrusos e dos diferentes
dos grupos, com o estreitamento ainda maior dos horizontes desse grupo original.
Zygmunt Bauman, em A modernidade líquida, ecoa esse pensamento: “...quanto mais
eficazes a tendência à homogeneidade e o esforço para eliminar a diferença, tanto mais difícil
sentir-se à vontade em presença de estranhos, tanto mais ameaçadora a diferença e tanto mais
intensa a ansiedade que ela gera.” (BAUMAN, 2000, p. 123).
Mongin traça um percurso um pouco diferente, não de dentro para fora, mas de fora para
dentro, e, essencialmente, chega ao mesmo diagnóstico: a ameaça à “experiência urbana”,
descrita no item anterior. Para ele, a configuração da cidade contemporânea apresenta uma
inversão das hierarquias que fundamentavam a experiência urbana:

Prevalência das relações periferia-periferia sobre as relações periferia-centro;

Prevalência dos fluxos sobre os lugares;
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
Prevalência do privado sobre o público.
Se na cidade pré-industrial, o “espaço urbano instituía limites em relação a um ambiente, a
um fora, e favorecia uma mistura, uma roçadela, uma heterogeneidade social, até mesmo uma
conflitualidade” (MONGIN, 2009, p.24), a nova configuração urbana quebra as bases pelas quais
estranhos podem se encontrar no mesmo espaço.
A clarificação desse raciocínio aparece na exposição do conceito das três velocidades da
cidade, de Jacques Donzelot: “exclusão, periurbanização, gentrificação” (DONZELOT, apud
Mongin, 2009, p. 208).
Os três processos caminham juntos e contribuem para a segregação de iguais em
determinados ambientes. “A gentrificação é esse processo que permite fruir as vantagens da
cidade sem temer seus inconvenientes” (MONGIN, 2009,p. 215).
Essa explicação é fundamental e ajuda a entender o fenômeno da segregação espacial
verificados atualmente nas grandes cidades, em que determinados extratos sociais se separam do
resto da cidade nas moradias – nos condomínios, no lazer – em clubes, nas compras – nos
shopping centers, e no trabalho – nos “centros empresariais”.
A configuração dos espaços antitéticos da urbanidade é um tema que ganhou destaque no
trabalho de vários autores que descrevem a segregação. Vejamos essas definições:
NÃO LUGARES
Marc Augé, em seu livro Não Lugares, trata de espaços de passagem – aeroportos,
estações, que deixam de oferecer a possibilidade de algum tipo de relacionamento com o lugar e
desestimulam o relacionamento entre as pessoas pela sua “tensão solitária”. “Um não lugar é um
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espaço destituído das expressões simbólicas de identidade, relações e história” (AUGÉ, 1992, p.
119).5
ESPAÇOS DE FLUXOS
Mongin afirma que “o espaço dos fluxos não é, portanto, sem lugar, mas esses lugares
permanecem não-lugares no sentido de que eles são aleatórios, provisórios”. (MONGIN, 2009,
p.235). Assim, “a existência de um lugar que se distingue do não lugar no sentido dos hubs e dos
nodes da cidade virtual é a condição inicial de uma experiência urbana” (MONGIN, 2009, p. 241).
ESPAÇOS DE CONSUMO
Bauman se debruça sobre os espaços de consumo – salas de concertos, pontos turísticos,
áreas de esportes, shopping centers e cafés. Segundo ele, esses espaços encorajam a ação e
não a interação. Neles, ”A tarefa é o consumo e o consumo é um passatempo absolutamente e
exclusivamente individual”. “O templo do consumo pode estar na cidade. mas não faz parte dela;
não é o mundo comum temporariamente transformado, mas um “mundo completamente outro””.
(BAUMAN, 2000, pp. 114 - 115).
Os grandes lugares de compra, ao contrário das lojas integradas às ruas da cidade
oferecem o que nenhuma realidade externa pode dar: o equilíbrio quase perfeito entre liberdade e
segurança.
“as multidões que enchem os corredores dos shopping centers se aproximam
tanto quanto é concebível do ideal imaginário de “comunidade” que não conhece a
diferença... Por essa razão, essa comunidade não envolve negociações, nem
esforço pela empatia, compreensão e concessões” (BAUMAN, 2000, p. 117).
5
AUGÉ, Marc. Non lieux, introduction al´anthropologie de la surmodernité. Paris: Seuil, 1992
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ESPAÇOS ÊMICOS E FÁGICOS
Levi-Strauss, antropólogo francês que publicou sua obra no início do século XX, é citado
por Bauman para explicar as duas estratégias que a humanidade desenvolveu para se defender
da alteridade:
A Antropoêmica – que vomita, cospe, deporta o outro. Bauman destaca como um
subproduto dessa estratégia o exemplo do grande espaço vazio parisiense de La Defense, que
permite a passagem de pessoas mas sem oferecer nenhum atrativo ou equipamento para que
parem.
A Antropofágica – que ingere, devora, e ao fazê-lo, suspende a alteridade. Os shopping
centers são expressão típica dessa categoria, ao criar um ambiente de auto-suficiência e
artificialidade.
LUGARES VAZIOS
A ausência de significado também é o ponto de vista para a análise de Jerzy Kociatkiewiz
e Monika Kostera, que individuaram o conceito de Lugares Vazios6. Segundo eles, lugares vazios
são lugares a que não se atribui significado. Não precisam ser delimitados fisicamente por cercas
ou barreiras. “Não são lugares proibidos, mas espaços vazios, inacessíveis porque invisíveis.”
A CIDADE GENÉRICA
O termo, cunhado pelo arquiteto Rem Koolhas, evoca a falta de singularidade de cada
cidade e procura definir uma dinâmica que diz respeito ao esvaziamento do espaço público.
6
The Anthropology of Empty Space.Qualitative Sociology, 1999 pg. 43, 48. Apud Zygmunt Bauman em Modernidade
líquida. São Paulo: Jorge Zahar, 2000
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Segundo ele, a serenidade da cidade genérica se dá justamente pela evacuação do domínio
público, e pela repetição ao infinito de sua estrutura fractal: uma lâmpada de cabeceira que
ilumina a tela do computador.
“O que afirma a Cidade Genérica não é o domínio público com suas exigências
excessivas [...] mas o residual [...]. A rua morreu. Essa descoberta coincide com
tentativas frenéticas de ressuscitá-la... A pedestrização – em princípio a ser
preservada – não faz mais que canalizar as torrentes de pedestres condenados a
destruir com seus pés o que eles supostamente deveriam reverenciar.”
7
Nesse contexto, aparecem dois novos termos, cunhados, à mesma maneira provocadora,
para representar os espaços da cidade genérica: junkspace e fuck context. O primeiro se refere
aos espaços obtidos pela soma de três fatores de continuidade: o a condicionado, a escada
rolante e a transparência, característicos do espaço público pouco civil dos shopping centers e o
segundo uma tentativa de definir o território resultante da ausência de conceitos e do caos relativo
ao urbano contínuo; “um território de visão confusa, de expectativas limitadas, de integridade
reduzida”.
O tom deliberadamente provocador de Koolhaas talvez não deva ser tomado como o
decreto de morte da cidade, mas como uma apologia pela lucidez. “A Cidade Genérica representa
a morte definitiva do planejamento”.(KOOLHAS, 2000, pp.730-731)
Afinal, segundo ele, o caráter trash do urbano generalizado é resultado de uma falta de
política: “é o agregado das decisões não tomadas, das questões que não foram enfrentadas, das
escolhas que não foram feitas, das prioridades indefinidas, das contradições perpetuadas, dos
comprometimentos aplaudidos e da corrupção tolerada” (Ibid).
7
Rem Koolhas et.al, Mutations. Bordeaux: Arc em Rêve – Centre d´Architecture, 2000 p. 725, 726, 730-731. Apud
Mongin, p. 167 e 169.
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Todos esses termos e conceitos descrevem a experiência urbana resultante de uma
realidade da cidade sem fim, do mundo do urbano contínuo. Ora, estamos diante de um quadro
que vai, provavelmente, potencializar essa situação. Se a cultura de cidades tem sua raiz na
Europa, o aumento do espraiamento urbano e do número das megacidades está acontecendo
principalmente em países menos desenvolvidos. Segundo o The State of the World´sCities, 2001,
são mais de 370 cidades com mais de 1 milhão de habitantes, das quais a maior parte já está em
países menos desenvolvidos.
Está-se falando da possibilidade do fim de um estilo de vida, da própria urbanidade Será
esse o fim da experiência urbana tal como a sociedade ocidental a conhece? Afinal, como diz
Mongin: “Quando a tensão entre o privado e o público, entre um fora e um dentro é impossível, a
cidade morre inevitavelmente” (MONGIN, 2009, p. 178).
E se parece exagerado falar na morte das cidades, contemplemos a possibilidade de um
fim, na descrição de Mongin:
“Elas [as cidades] não sucumbem com grande espalhafato; elas não morrem
somente quando sua população as abandona. Talvez elas possam morrer assim:
quando todo mundo sofre, quando os transportes são tão penosos que os
trabalhadores preferem desistir dos empregos de que têm necessidade; quando
ninguém consegue água ou ar puro, quando ninguém pode ir passear” (MONGIN,
2009, p. 17)
3. AS TENTATIVAS DE RECUPERAÇÃO DA EXPERIÊNCIA URBANA: O SENTIDO DO
LUGAR E A VIDA VIRTUAL NA METRÓPOLE
Do ponto de vista de morfologia urbana, talvez como consequência das transformações
estruturais, o que se viu é que a cidade contemporânea sofreu transformações profundas ao longo
do século XX que levaram um desequilíbrio entre os elementos estruturantes de sua unidade. São
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eles: o predomínio dos fluxos sobre os lugares, do privado sobre o público na constituição da
cidade e ainda o fim do papel catalisador do centro como ponto de convergência simbólica,
econômica e política das cidades.
A isso, acrescenta-se também a nova ordem econômica mundial, da globalização dos
meios de produção e da desconcentração de mercados. A sociedade em rede e o livre fluxo dos
capitais tornam ainda mais fluida a relação com o espaço físico, que chega a ser quase irrelevante
para a produção e o fluxo de mercadorias, serviços financeiros, lazer e até para o encontro entre
as pessoas, potencializado ou substituído pelas redes sociais, que ainda se constituem em um
fenômeno novo diante da temporalidade da história das cidades.
Está-se falando, portanto, de uma crise, uma situação de ruptura com um passado que
talvez nunca volte e da necessidade de um novo paradigma de análise para a nova metrópole
global, espraiada, cuja urbanização invadiu o campo, sem necessariamente criar cidade.
Assim, há vozes que se manifestam pela aceitação do fim da utopia e do planejamento,
como Koolhaas, por exemplo, que parece estar nos exortando a deixar o saudosismo de lado e
nos ocuparmos de construir a cidade possível. Afinal, enquanto se discute a cidade, ela vai sendo
construída, justamente pelas forças que atuam no vácuo da omissão pública, da incapacidade de
lidar com a informalidade e até da pressão demográfica por moradia, transformada em “demanda”
pela indústria da construção civil.
A questão é que o fim de uma utopia pressupõe a aceitação da continuidade do
movimento atual, a ação pragmática de um fazer cotidiano multifacetado, que pode levar a crise a
um novo patamar.
Afinal, enquanto isso, existem planos diretores sendo feitos, leis sendo promulgadas,
movimentos da sociedade civil protestando em praça pública e, finalmente, cidades que parecem
estar dispostas a estabelecer novos paradigmas para enfrentar a crise da cidade contemporânea.
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A última parte desse artigo vai tentar mostrar as direções possíveis numa tentativa de
recuperar, não os pressupostos de outra época, talvez idealizada, mas as premissas para uma
situação urbana que resgate a plenitude da experiência urbana. Essas três premissas, tais como
descritas por Olivier Mongin serão a espinha dorsal desse raciocínio e serão cotejadas às idéias
de outros autores, como François Ascher8, que listou os “novos princípios do urbanismo”, com
algumas direções bastante convergentes, mas sob o ponto de vista do gestor urbano e não do
sociólogo.
A pergunta, colocada de outra forma por Mongin evoca o lugar do encontro e o político: “os
lugares formatados pela “reterritorialização” em curso podem permitir um habitar e favorecer a
instituição de práticas democráticas dentro dos espaços urbanizados?” (MONGIN, p.24).
Segundo ele, são três as condições para que se recupere a experiência urbana. Vejamos
quais são essas condições e suas implicações:
REDESCOBRIR O SENTIDO DO LUGAR
O ponto de partida para essa proposta é a constatação do predomínio dos fluxos sobre os
lugares. Essa situação, originada por um desequilíbrio entre as escalas do local, do estatal e do
supranacional, na raiz da fragmentação da metrópole contemporânea, e gera duas dimensões de
problemas a serem enfrentados: o imaginário do não lugar e a vida virtual.
Manuel Castells9 explica as características da cidade virtual: em primeiro lugar, as redes,
como forma espacial, em segundo lugar, os nós e conexões como expressão física dessa forma e,
por fim, o fato de as elites locais já terem adotado um comportamento “nômade”, ou, em outras
palavras indiferente aos lugares.
8
ASCHER, François. Os novos princípios do urbanismo..
9
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
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A questão é que, segundo Mongin, a realidade física das metrópoles e a vida virtual não
são capazes de fornecer as exigências “corporais, cênicas, estéticas e políticas” de que o homem
precisa para viver sua vida em sociedade.
O trecho seguinte, de Françoise Choay exemplifica o valor da experiência física:
“Se admitimos que a relação corporal como um espaço representa um valor
antropológico fundamental, daí resultam duas consequências. Em primeiro lugar, o
espaço orgânico local não pode ter um substituto: ele não é substituível pelo
espaço
operativo
do
território:
esses
dois
tipos
de
ordenação
são
complementares. Em segundo lugar, o espaço em escala humana e a dupla
atividade dos que o fabricam e dos que o habitam constituem nosso patrimônio
mais precioso.” (Françoise Choay em Patrimoine urbain et cyberespace apud
Mongin,2009, p. 238)
Vê-se que a defesa do espaço orgânico local não é um valor em si, mas relativo à própria
experiência da vida humana. Assim, a defesa de um novo ordenamento urbano, ou a busca pela
escala local não deriva de uma ideia de forma urbana abstrata ou do saudosismo pelo tipo-ideal
de cidade, mas da própria necessidade da recomposição do ambiente que torna possível a
expressão humana em seus vários planos.
Mongin adverte que é essencial “não se bater por qualquer lugar”. Ou seja, é preciso
hierarquizar os lugares e dar prioridade a aqueles que podem ser mais importantes na
reconstituição da sociedade.
Em relação à vida virtual, é preciso lembrar que a internet não existia enquanto tal, na
época em que Sennet escreveu O declínio do homem público. Além disso, as redes sociais ainda
eram apenas incipientes no ano de 2005, quando foi publicado o livro A condição urbana. Apesar
disso, o fenômeno da sociedade em rede já havia sido descrito por Manuel Castells, em A
sociedade em rede, de 1997 e explorado por David Harvey, em Condição pós-moderna, de 1989.
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Para esses autores, os efeitos da globalização e do aumento da velocidade da informação
já haviam se feito notar, na disposição das empresas ao redor do mundo, na substituição das
fábricas nos centros urbanos pelo interior e por países de mão de obra mais barata, na própria
hierarquia da rede de cidades, baseada na sua posição diante da nova ordem mundial.
O avanço ainda maior da conectividade, portanto, é apenas mais um passo em direção a
um maior isolamento, através da comunicação online, das compras online, de serviços online, do
lazer online. E, diante dessa mudança impressionante na sociedade de informação, pode-se
perguntar se o espaço público de nossos tempos não estaria migrando para a própria rede, que
substituiria de vez o espaço físico.
Harvey dedica um espaço grande ao espaço público. Segundo ele, o espaço público na
cidade pós-moderna é o espaço do turismo, da mistura de estilos arquitetônicos, da gentrificação,
da busca de referências de significado em outras culturas. Essa mistura tem mais a ver com a
Disneylândia do que com a pólis, na medida em que recria uma cidade do imaginário coletivo,
mas que não existe. Some-se a isso a busca pelo dinheiro dos grandes eventos esportivos e
artísticos e temos uma situação em que o espaço público está em pleno processo de
ressignificação.
Assim, a valorização do espaço público, mesmo como símbolo dessa nova cidade,
gentrificada, excludente e sem história, talvez ainda seja o que resta de garantia de que ao menos
os encontros físicos continuarão a fazer sentido.
Cabe aqui a lembrança de um dos “novos princípios do urbanismo”, de Ascher: o de
promover uma qualidade urbana nova. Nele, está contida a idéia do que ele chama de “urbanismo
multisensorial”, que preconiza a elaboração não somente do visível, mas do sonoro, do tátil, do
olfativo, em busca de uma qualidade do espaço público que seja “equivalente à dos espaços
privados”. (ASCHER, 2010, p. 95)
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A isso, pode-se juntar outra exortação à vida no mundo físico: “Ora, o perigo está em
tomar o virtual pelo próprio real. ‘É ali que eu vivo’. De modo nenhum! Não é lá dentro! Você vive
de acordo com isso, mas você não vive dentro disso” (Jean-Toussaint Desanti apud MONGIN,
2009, p. 241).
Assim, Mongin diz, à guisa de conclusão: “Contra a desrealização ligada às novas
tecnologias do virtual, o corpo precisa reconquistar uma relação mínima com um ambiente, com o
real, com seu real, com seu sítio” (MONGIN, p. 243-244).
REESTABELECER UMA CULTURA URBANA DOS LIMITES
O que Mongin propõe é o estabelecimento de uma cultura de limites, mesmo diante de
uma cidade que perdeu os seus. Essa mentalidade se traduziria na prática no conceito de
vizinhança, de proximidade, de ligação com a escala pequena.
O corpo existe enquanto corpo, ele não pode se furtar a uma relação como o real, com um
mundo; ele não pode viver em um real que se parece com “qualquer coisa”, em um lugar que é
“qualquer lugar”, um “lugar qualquer”. “Não se habita um lugar qualquer, mas um mundo onde, de
imediato, dentro e fora, privado e público, interior e exterior, estão em ressonância” (MONGIN,
2009, p 242).
Como se vê, o conceito é muito abrangente, e engloba a discussão do caminhar pela
cidade, da dificuldade gerada pelas distâncias grandes demais ou as barreiras formadas pelas
vias de transporte intransponíveis. Está-se falando, entre outras coisas, da própria relação entre o
homem e o automóvel e da forma que a cidade assumiu para acomodar o desequilíbrio evidente
de forças.
Há vários autores que descrevem o fenômeno das cidades que se espraiam
indefinidamente e que Bernardo Secchi chama de Cidade Difusa. Dois deles detalham,
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especificamente, as tipologias urbanas criadas a partir, não de um centro histórico de trocas, mas
do planejamento do transporte:
Edge-Cities: O estudo de Joel Garreau 10 sobre a urbanização ao redor das grandes
metrópoles americanas desvela a estrutura de um modelo de desenvolvimento imobiliário recente
nos Estados Unidos e que parece prosperando em países como India, China ou Dubai. Para
caracterizar e quantificar o fenômeno, são destacadas cinco características dessa urbanização:

Ter mais de cinco milhões de pés quadrados de área de escritórios (465,000 m²)
disponíveis;

Ter no mínimo 600 mil pés quadrados (56,000 m²) de área de comércio disponível;

Ter mais empregos que moradores;

Ser percebido como um lugar pela população;

Não ter tido nenhuma característica de cidade 30 anos atrás.
Nesses locais, a possibilidade de aumento da densidade é menor do que na grade das
ruas da cidade tradicional, além da escala das construções ter sido planejada para ouso intensivo
do automóvel. Segundo o autor, o encaminhamento da questão das edge-cities parece ser um dos
grandes desafios dentre os projetos de urbanização do século XXI.
Aerotrópolis: O termo foi cunhado na década de 1930 pelo artista Nicholas De Santis ao
evocar uma cidade do futuro construída em torno de um arranha-céu, com um aeroporto no
topo 11 . Em 2011, John Kasarda e Greg Lindsay 12 retomaram a idéia, para qualificar as
aglomerações produzidas ao redor dos aeroportos. Trata-se de depósitos, centros logísticos,
escritórios, centros de compra, que, no entender dos autores, serão a base dos centros urbanos
10
Garreau, Joel. Edge City: Life on the New Frontier, 1991. Pg. 7
11
Popular Science in, Revista Gerente de Cidade, número 65, 1º trimestre de 2013.
12
KASARDA, John e LINDSAY, Greg. Aerotrópole - o Modo Como Viveremos No Futuro. São Paulo: DVS Editora, 2012.
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do futuro. O conceito tem a ver com a noção da globalização, através da qual a proximidade
geográfica deixe de ser fundamental para o estabelecimento de atividade econômica, uma vez
que o acesso ao hub de transportes é, esse sim, fundamental para o acesso ao mercado global.
O livro não é crítico em relação ao resultado da urbanização resultante, até pelo contrário,
mas expõe com clareza uma configuração de não-cidade: falta de ligação com o sítio, falta de
laços simbólicos e ausência de centro e dependência da comutação em automóveis.
Outra vertente dessa mesma análise é a questão da escala. Se nas grandes megalópoles,
a escala vertiginosa talvez só possa ser enfrentada através do plano local, dos bairros, talvez nas
cidades médias ainda exista a possibilidade de uma resistência à perda de identidade.
Na cidade difusa, a possibilidade de reatamento dos laços com o local recai, por um lado,
sobre áreas menores, vizinhanças, pontos que ainda estabeleçam uma ponte com uma memória
coletiva. A respeito disso, Mongin cita Gustavo Giovannoni, estudioso e pioneiro do patrimônio
histórico, num texto de 1931, em que já se propunha “explorar a vida de um planejamento local de
escala modesta e de dimensões reduzidas, próprio para induzir a reconciliação com a
urbanidade”.
Por outro lado, existe também outra possibilidade, de “conceber os lugares em função das
novas práticas sociais”, um dos princípios do novo urbanismo de Ascher, que preconiza uma
combinação de diferentes dimensões sociais e funcionais e hiperespaços, numa definição difícil
de ser visualizada, mas que vai, segundo o autor, na direção da redefinição das fronteiras e das
modalidades do próprio urbanismo.
O trabalho de Jane Jacobs traz uma contribuição para a questão da escala. Segundo ela,
bairros não são cidades pequenas. Morar nas cidades é justamente a respeito disso, do ser
humano poder encontrar numa aglomeração maior gente que tem os mesmos interesses que ele,
mesmo que não morem perto. Dessa maneira, pode-se dizer que segmentos de pessoas com
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interesses comuns se sobrepõem aos segmentos de proximidade geográfica. “Essa é de fato a
vantagem das cidades”. (JACOBS, 2009, p. 127)
O planejamento físico de bairros eficientes deve almejar as seguintes metas (JACOBS,
2009):

Fomentar ruas vivas e atraentes;

Fazer com que o tecido dessas ruas forme uma malha o mais contínua possível;

Fazer com que parques, aças e edifícios públicos integrem esse tecido de ruas;

Enfatizar a identidade funcional de áreas suficientemente extensas para funcionar
como distritos.
O combate à segregação também faz parte dessa proposta envolvente. Se a luta dos
lugares pode ter substituído a luta de classes, a luta pelos lugares envolve o fenômeno da
apropriação por alguma classe, ou, seja a própria privatização dos espaços. Como restituir a
unidade dos pólos separados espacialmente por cercas, condomínios, gated communities e
espaços vazios? Segundo Jacques Lévy13, através de um “conjunto político, coerente e legítimo”,
que é o objeto dessa última proposta, que será vista a seguir.
RECUPERAR O SENTIDO POLÍTICO
Mongin propõe, com essa ideia, a reflexão sobre a representação política local. Segundo
ele, a possibilidade da experiência política exige uma representação territorial que faça sentido.
Diante da cidade que não tem fim, cujo território abrange várias entidades de representação
13
Jacques Lévy, Géogaphies du politique, Paris: Sciences-Po, 1991 apud Mongin, 2009, p. 266.
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políticas, o desafio, segundo ele, está em inventar lugares que permitam reencontrar o sentido dos
limites.
“a despeito de um urbano generalizado que não cria uma civilização comum, a
experiência urbana permanece nossa no sentido de que ela tem como papel
favorecer e ativar a vita activa, ou seja, tornar possível uma “libertação” que passa
simultaneamente por um lugarejo, por um espaço de habitação, mas também por
uma mobilidade que entrelaça o individual e o coletivo.” (MONGIN, 2009, p. 315).
Aparentemente, a busca por essas condições se tornaria uma missão para o século XXI,
em que, não só se está propondo um novo paradigma para a cidade construída, mas também que
a sociedade instalada nela busque coletivamente um propósito político e a própria ressignificação
do espaço comum.
Parece muito, e o próprio Mongin relativiza: “nós não estamos mais fisicamente sempre ‘no
meio da cidade’ sonhada, a cidade do caminhante e do flâneur, mas mentalmente devemos mais
do que nunca estar”.
Assim, a missão passa a ser possível, na medida em que propõe esse projeto coletivo
como ponto de partida e que abarque a escala do planejamento local, a busca pelo significado dos
lugares existentes e algum tipo de representação política que dê conta de uma comunidade com
algum tipo comum de laço geográfico ou imagético.
O último dos “novos princípios do urbanismo”, de Ascher, tem a ver com esse conceito.
Trata-se de adaptar a democracia à terceira revolução urbana. Ao se pensar num sistema de
gestão que esteja em sintonia com a nova formatação da sociedade, Ascher propõe uma
governança urbana baseada em dispositivos e formas de ação que incluam a sociedade civil, em
sua multiplicidade de interesses multifacetados. Se o ponto de partida de Mongin é a
ressignificação do espaço comum, a proposição de Ascher se dá na aceitação da fragmentação
social e na multiterritorialidade dos grupos de interesse.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço público tem sido ao longo da história o palco do encontro entre os homens
urbanos. Esse texto procurou mostrar que o papel que os homens desempenham em público é
determinante para a própria constituição da sua identidade. Nesse jogo de encontrar a identidade
pública, o equilíbrio entre o público e o privado é fundamental.
O aprofundamento das relações econômicas capitalistas e o secularismo contribuíram para
a ruptura desse equilíbrio, com a prevalência gradual do privado sobre o público. Internamente, o
efeito desse desequilíbrio no homem contemporâneo ocidental é o crescimento do individualismo,
que desemboca quase patologicamente num narcisismo que impede o reconhecimento da própria
alteridade.
O desequilíbrio se acentuou pelo próprio crescimento das cidades ao longo do século XX,
e seus reflexos aparecem na própria morfologia urbana: segregação de grupos sociais do tecido
urbano e privatização de espaços anteriormente públicos.
Diante dessa cisão, a pergunta que se tentou responder é em que condições se poderia
pensar numa costura que permitisse a retomada da fruição do espaço público.
Não há uma resposta única para isso, como se viu na discussão. As propostas para
melhorar a fruição do espaço começam por uma retomada do sentido do lugar. Isso implica tanto
uma ressignificação espacial, como uma participação política que permita recuperar o sentido da
res-publica, a coisa pública. Como diz Mongin, “A participação no âmago de um espaço coletivo é
uma das condições da ação democrática.” (MONGIN, 2009, p. 228).
As manifestações recentes que ocorreram no Brasil talvez possam ser vistas sob essa
ótica: o espaço público foi ocupado, não só como local de afirmação política da vontade de
participar da condução do país, mas também como espaço de fruição da cidade, do viver
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coletivamente. Pode-se dizer que o sentido político da ocupação andou lado a lado como sentido
de fruição do espaço, mostrando que um e outro são faces de uma mesma cidadania.
Estamos num momento de crise dos valores que criaram a instituição da cidade ocidental.
As condições físicas dessa cidade talvez nunca mais possam ser resgatadas, mas é possível
imaginar que os valores que deram origem a essas cidades sim. Em outras palavras, o resgate do
espaço público talvez passe pelo resgate do sentido do lugar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASCHER, François. Os novos princípios do urbanismo. São Paulo: Romano Guerra,
2010.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. São Paulo: Jorge Zahar, 2000.
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das
letras, 1982.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
KOOLHAAS, Rem. Generic City, in Small, medium, large, extra-large: Office for
Metropolitan Architecture, Rem Koolhaas, and Bruce Mau. New York: Monacelli Press,
1995.
MONGIN, Olivier. A condição urbana: a cidade na era da globalização. São Paulo:
Estação Liberdade, 2009.
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NORBERG-SCHULZ, Christian. O fenômeno do lugar in Uma nova agenda para a
arquitetura: antologia teórica (1965-1995), Kate Nesbitt (org.). São Paulo: Cosac Naify, 2ª
ed.rev., 2008
SENNET, Richard. O declínio do homem público; as tiranias da intimidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
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BASES PARA A ELABORAÇÃO DE PROJETO ARQUITETÔNICO
CONTEMPORÂNEO NO CONTEXTO DO PLANEJAMENTO AMBIENTAL
RESUMO
Este artigo objetiva investigar as possibilidades metodológicas do processo de elaboração de projetos
arquitetônicos e urbanísticos focados na garantia de preservação de recursos naturais e de fontes de
energia renováveis. Conceituando os elementos básicos pertinentes ao universo do Desenho Ambiental,
proteção e manutenção dos ecossistemas, a reflexão desse artigo se fundamenta no campo das ações do
Planejamento Ambiental. Desse modo destaca-se a legislação vigente, particularmente ligada às questões
aqui abordadas e os possíveis caminhos apontados por filósofos, pensadores da arquitetura e urbanismo
atuantes nesse seguimento e comprometidos com as questões da natureza, na contemporaneidade.
Palavras-chave: Desenho ambiental, processo de projeto, recursos naturais, preservação, legislação.
ABSTRACT
This article goal is to investigate the methodological possibilities of the process for the elaboration of
architectonic and urban designs focused on the assurance of the natural resources and renewable energy
preservation. Conceptualizing the basic elements pertaining to the Environmental Design Universe,
protection and maintenance of the ecosystems, this article reflection is based on the field of Environmental
Planning. Thus it detaches the current legislation, particularly linked to the issues here focalized and the
possible ways pointed by philosopher, thinkers in architecture and urbanism dealing within these aspects
and committed to nature in the contemporaneity.
Key words: Environmental design, design process, natural resources, preservation, legislation.
486
BASES PARA A ELABORAÇÃO DE PROJETO ARQUITETÔNICO
CONTEMPORÂNEO NO CONTEXTO DO PLANEJAMENTO AMBIENTAL
Paulo Eduardo Borzani Gonçalves
1
Gilda Collet Bruna
2
INTRODUÇÃO
Pretende-se identificar os pré-requisitos conceituais e de avaliação, para a
fundamentação do processo de projeto arquitetônico contemporâneo. Objetiva-se o
compromisso com a preservação dos recursos naturais e seu rebatimento na construção
do desenho ambiental. Com isto o propósito é encontrar caminhos possíveis para o
direcionamento do processo de projeto arquitetônico e urbanístico, na direção do
estabelecimento de relações harmônicas entre a urbanidade contemporânea e a natureza. A
proposta metodológica apresentada visa inicialmente, compreender como surgiram as
preocupações que originaram não só o Desenho Ambiental, mas também o seu
1
Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Coordenador da Pós Graduação - Lato Sensu em Design de
Interiores da Universidade Guarulhos - UnG. Docente das Faculdades de Arquitetura e Urbanismo e Design da
Universidade do Oeste Paulista - UNOESTE. Doutorando do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade São Judas
Tadeu - USJT (2009) e graduado em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Belas Artes - Febasp (1989)
todos de São Paulo - SP. Titular da SAIS Consultoria - Soluções em Arquitetura Acessível, Inclusão Social e
Sustentabilidade. Universidade Guarulhos e Universidade do Oeste Paulista. [email protected].
2
É Professor Associado Pleno da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tendo sido Coordenadora do Programa de
Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo 2004-2008. Graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1968) e defendeu Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1973). Em 1977 obteve Especialização em
Tóquio, Japão, pela Japan International Cooperation Agency. Defendeu tese de Livre Docência em 1980 e foi
professora visitante - Pós-graduação em 1985 na Universidade do Novo México. Aposentou-se como Professora Titular
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, diretora de 1991-1994. Presidente da
Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano Emplasa de 1995 a 2000. Universidade Presbiteriana Mackenzie.
[email protected].
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Planejamento. Procura-se assim investigar as relações estabelecidas entre o homem e o
meio que habita. Nesse sentido é importante compreender o tema espaço e lugar, além das
possibilidades de intervenção na paisagem que o rodeia, na perspectiva conceitual de uma
arquitetura sustentável, como definida por Corbella:
[...]a concepção e o desenvolvimento de edificações que objetivem “o
aumento da qualidade de vida do ser humano no ambiente construído e no
seu entorno, integrado com as características de vida e do clima locais, além
da redução do uso de recursos naturais” (CORBELLA, 2003, p.17)
Assim é que se focalizam a relação homem x recursos hídricos, buscando
estabelecer padrões de convivência sadia entre seres humanos e rios, canais e córregos
que permeiam as áreas de concentração de população e as áreas de vegetação envoltórias
indispensáveis à manutenção dos cursos d’água.
Nesse sentido busca-se compreender como a administração pública, responsável
pela gestão das cidades utiliza os instrumentos legislativos. Com isso essa administração
trata de garantir a preservação dos recursos naturais e a manutenção da estabilidade das
relações ecossistêmicas inerentes à sobrevivência do planeta, procurando garantir a
manutenção das relações de sustentabilidade que se apoiam, inevitavelmente, nos três
pilares: econômico, social e o ambiental.
PLANEJAMENTO E DESENHO AMBIENTAL: PERCURSO HISTÓRICO E CONCEITUAL
A origem do Planejamento Ambiental, pode-se dizer que ocorre no início do século XIX,
com as primeiras propostas decorrentes da investigação de pensadores como o inglês Jonh
Ruskin, o francês Viollet-le-Duc e os americanos Henry David Thoureau, George Perkins Marsh e
Frederick Law Olmsted entre outros, por vezes considerados como utópicos ou românticos, mas
que na verdade se mostraram capazes de vislumbrar com antecedência a escassez de recursos
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que veio a ocorrer com a implementação da primeira revolução industrial, norteada por princípios
positivistas,
seguindo as
diretrizes
do
liberalismo
econômico, que
naquele momento
pressupunham a inesgotabilidade dos recursos naturais do planeta. (FRANCO, 2001)
Segundo Gorski (2010), no Brasil, até meados do século XX, as relações de encontro da
população com os rios se mantiveram harmoniosas. Entretanto, a partir desse momento,
ampliaram-se os conflitos entre o inevitável desenvolvimento urbano e uma população crescente.
No meio físico, essa situação ocasionou a elevação dos índices de poluição e as dificuldades de
acesso às áreas ribeirinhas. Assim houve o afastamento das atividades de lazer e esporte das
regiões de várzeas, que tinham no hábito dessas práticas, garantindo a manutenção das
condições de balneabilidade desses recursos fluviais urbanos.
Para contextualizar essa afirmação, torna-se necessário estabelecer os parâmetros
básicos que descrevem a maneira como o homem se relaciona com o meio ambiente. Segundo
Maria Assunção Ribeiro Franco (2008), Tuan (1980) teria afirmado que a maneira do homem se
relacionar com o meio ambiente estaria ligada às formas da topografia e ao grau de visibilidade
possibilitado pelas paisagens em que instala seu habitat.
A paisagem é um arranjo de aspectos naturais e humanos em uma perspectiva
grosseira; os elementos naturais são organizados de tal forma que proporcionam
um ambiente apropriado para a atividade humana [...]. (TUAN, 1980, p. 140)
Para explicar sua teoria, Tuan (1980) estabelece uma comparação entre populações de
duas culturas totalmente diferentes e que habitam localidades com características topológicas
diametralmente opostas: uma localizada nas florestas tropicais, usando com exemplo uma tribo de
pigmeus do Congo na África; e outra, instalada em regiões de planalto, como quando se refere a
uma tribo de índios Pueblo do sudoeste da América do Norte. Para o primeiro grupo mencionado,
onde não existe marcos visuais importantes, não se dá importância ao posicionamento das
estrelas ou do Sol; definem assim um sentido de tempo restrito e uma memória bastante curta. Já
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para o segundo grupo, dos indígenas habitantes de um platô semiárido, seu campo de visão
amplo determina um sentido de mundo completamente estruturado num sistema de espaço e
tempo, definindo assim, papéis fundamentais para as relações com o lugar, com a localização no
espaço e com o sentido de direção.
Outra teoria, também citada por Franco (2008), mostra uma característica mais holística,
baseando-se em estudos neurofisiológicos que estabelecem uma relação de dualidade entre
homem e natureza, e as relaciona, diretamente aos hemisférios do cérebro humano. Cabe ao lado
esquerdo do cérebro controlar as funções do lado direito do corpo que envolve funções cognitivas,
como o uso das palavras e a abstração; já, o lado direito do cérebro determina o controle do lado
esquerdo do corpo, ligando-se ao registro das intuições e da compreensão, inclusive do ambiente
em que se habita. (CREMA 3, 1988 apud FRANCO, 2008)
Obviamente, a relação estabelecida entre o homem e o meio ambiente em áreas de
vegetação natural, como as acima mencionadas, não é a mesma que ocorre em ambientes
urbanos. Estes se vinculam a ecossistemas naturalmente ativos em que há uma interação entre
diferentes elementos que os constituem, tais como: a temperatura; os ventos; as chuvas; as águas
de superfície; e as subterrâneas; a altitude; e a inclinação dos terrenos; a vegetação; o tipo de
solo; e outros tantos. Entretanto, nas cidades há a intervenção do homem, com suas construções,
alterações
de
percursos
naturais
dos
cursos
d’água
entre
outras,
que
modificam
fundamentalmente a coexistência entre tais elementos, rompendo o equilíbrio pré-estabelecido. É
no meio urbano que se concentram as atividades propulsoras de maior impacto à natureza,
regidas pelo homem e originando as maiores alterações dos recursos naturais: terra, água, ar e
organismos vivos; pois a urbanização de áreas de concentração humana cria novos ambientes
nos quais se desenvolvem relações de interação entre esses grupos, seus trabalhos e a natureza,
3
CREMA, R. Introdução à visão holística – Breve relato de viagem do Velho ao Novo Paradigma. São Paulo: Summus,
1988.
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as quais aumentam seu grau de complexidade na mesma proporção em que crescem os
aglomerados e as sociedades se consolidam, impondo a abertura de ruas e avenidas, canalizando
córregos e represando rios depois de retificar seus entremeios, além de impermeabilizar o solo
com a construção de edificações em todas as escalas e para todos os usos, fatores que acabam
por interferir na dinâmica dos processos físicos, os quais operam diretamente nos diversos
ecossistemas existentes na natureza. (SOBRAL,1996)
A ecologia tomou para si significados específicos, moldando termos utilizados,
normalmente, pelas ciências sociais e até inventou outros termos para expressar seus conceitos,
quais sejam: população, com o intuito de se referir a grupos de indivíduos de um tipo qualquer de
organismo; comunidade ou comunidade biótica referindo-se a populações que ocupam
determinada área; bioma, para designar um grande biossistema regional ou subcontinental
caracterizado por um tipo principal de vegetação ou outro aspecto identificador da paisagem;
ecosfera e biosfera, para referir-se ao sistema biológico maior, (aquele que mais se aproxima da
autossuficiência); biocenosee e biogeocenose com sentidos equivalentes à comunidade e
ecossistema respectivamente; ecossistema para designar o funcionamento conjunto da
comunidade e o ambiente não-vivo.
Para que se possa esclarecer o funcionamento da dinâmica dos processos físicos
operantes na natureza é necessário compreender com clareza o significado do conceito de
ecossistema. Segundo Sobral (1996) ecossistema é desenvolvido como um quadro referencial
para entender sistemas naturais, porém as pesquisas comprovaram que são raríssimos aqueles
que sobrevivem independentemente de interferências humanas. A partir desse quadro referencial
foi possível definir outro conceito, o de ecossistema urbano que pretende entender e contabilizar
as relações complexas e as reações entre as atividades humanas e o meio ambiente, buscando
orientar as ações para serem capazes de atenuar seu impacto inevitável.
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Em 1972, quando da publicação do livro Urbanization and Environment: The Phisical
Geography of the City4 , foi proposta a adoção do conceito de ecossistema urbano. Este conceito
objetivava englobar os componentes naturais, sociais e construídos, considerando-os como
interligados e capazes de perpetuar a cultura urbana por meio da troca e da conversão de
quantidades de materiais e de energia, obrigando, para tanto, a se organizar uma concentração
de trabalhadores; um sistema de transportes; e uma área de influência. Esta deve fornecer os
recursos necessários ao abastecimento das cidades e, consequentemente, absorver sua
produção.
Em decorrência do estabelecimento dessa premissa, que alerta para a fundamental
importância da conservação dos recursos naturais através da preservação da natureza, a
população das cidades e posteriormente seus governantes tomaram consciência de sua
responsabilidade frente à sobrevivência do Planeta, fato que acabou por se refletir na
administração pública das cidades pelo mundo; alerta-se assim a importância das causas
ambientais, que não se restringem a questões exclusivamente ecológicas, englobando desafios,
para além da erradicação da pobreza, da consolidação global e irrestrita dos direitos humanos e a
garantia da paz entre as nações.
CONSTRUÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
No Brasil, a partir da promulgação de sua Constituição Federal, em 1988, a qual orienta a
cooperação entre União, Estados e Municípios, em relação ao meio ambiente, garantindo que as
administrações municipais assumissem uma posição mais participativa nas questões ambientais
locais e regionais. Esse posicionamento dos municípios se deu através da descentralização de
políticas e da formulação de programas adaptados às particularidades de cada região,
4
DETWYLER, T.R.; MARCUS, M. G. Urbanization and environment: the physical geography of the city. Los Angeles:
Duxbury Press, 1972.
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possibilitando maior integração entre as três esferas governamentais e os agentes econômicos.
Entretanto, torna-se importante ressaltar que a legislação federal de proteção dos recursos
naturais não conseguia sozinha, refrear a degradação continuada dos recursos naturais, mesmo
após a aprovação da legislação ambiental5 , fato que tem levado os órgãos estatais a buscar
parcerias com agentes econômicos privados e entidades da sociedade civil, no intuito de
minimizar a fragilidade do aparato de fiscalização e monitoramento das áreas de preservação; isto
se dá através da combinação de instrumentos de comando e controle (ICC) com incentivos
econômicos (IE), que possibilitem a implementação de amplos programas de recuperação dos
recursos florestais e detenção da erosão hídrica, como descreveram LOPES, et al. (1998):
[...] O uso de instrumentos econômicos está induzindo o uso sustentável dos
recursos florestais. A intermediação das ONGs tem minimizado conflitos e
contribuído para implementar a proteção ambiental. (LOPES et al. (1998, p. 08)
No que diz respeito às políticas públicas, novos dispositivos constitucionais foram
introduzidos a partir de 1988. Estes possibilitaram atribuir aos estados um papel suplementar na
5
Destacam-se os artigos 23 e 24.
O Art. 23 trata da competência comum na proteção do meio ambiente e do combate à poluição em qualquer de suas
formas: preservação das florestas, da fauna e da flora; proteção dos documentos, das obras e outros bens de valor
histórico, artístico ou cultural; fomento à produção agropecuária e organização do abastecimento alimentar; promoção
de programas referentes à construção de moradias, bem como a melhoria destas habitações no tocante ao saneamento
básico; registro, acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos
hídricos e minerais.
A cooperação entre a União, o Estado e os Municípios, em relação a esses assuntos, deve ser normalizada por lei
complementar, visando o equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar nacional.
O Art. 24 trata da competência concorrente do domínio das leis por parte dos referidos entes da Federação, exceto o
Município. Conforme esse dispositivo, a estrutura das normas gerais pertence ao poder legiferante da União, sem entrar
em detalhes ou minúcias, sendo estas de competência dos Estados e do Distrito Federal. Não existe, porém, Lei
Federal sobre normas gerais. Os Estados exercerão competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
No elenco de matérias mencionadas no Art. 24, tem-se, entre outras, aquelas pertinentes a:florestas, caça, pesca,
fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da
poluição; responsabilidade por dano ao meio ambiente, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico. (BRASIL, 1997)
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gestão ambiental descentralizada, fato que proporcionou maior contato e uma percepção mais
direta dos problemas ambientais locais pelo Poder Público Estadual. Com isto foi possível ao
estado direcionar medidas mais específicas e adequadas às diferentes situações regionais.
Porém, apesar das semelhanças entre as políticas adotadas nas diversas esferas de governo,
ocorrem sobreposições de determinações legislativas, levando a situações de conflito derivadas
das características demasiadamente restritivas das Leis Federais. Desse modo alguns estados
foram obrigados a aprimorar a regulamentação das políticas de gestão dos recursos naturais, no
intuito de torna-las mais eficientes ampliando as possibilidades de participação dos diferentes
agentes interessados na questão ambiental.
O Congresso Federal aprovou ainda uma lei que delega aos municípios a tarefa de definir
o que significa cumprir a função social da cidade e da propriedade urbana, bem como cuidar da
expansão urbana de seu município: o Estatuto da Cidade aprovado em 2001. Este Estatuto é
regulamentado no capítulo de política urbana (artigos 182 e 183) da Constituição Federal de 1988,
oferecendo para as cidades um conjunto inovador de instrumentos de intervenção sobre seus
territórios, além de uma nova concepção de planejamento e gestão urbanos. Segundo Saule Jr.;
Rolnik (2001) foram definidas, no Estatuto, ferramentas para que o Poder Público e especialmente
os Municípios pudessem utiliza-las no enfrentamento dos problemas da desigualdade social e
territorial nas cidades, seguindo diretrizes e instrumentos de política urbana, relacionados a
seguir:
- Diretrizes gerais da política urbana, cabendo destacar a garantia do direito às
cidades sustentáveis, à gestão democrática da cidade, à ordenação e controle do
uso do solo visando evitar a retenção especulativa de imóvel urbano, à
regularização fundiária e à urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda;
-Instrumentos destinados a assegurar que a propriedade urbana atenda a sua
função social, tais como o Plano Diretor, o parcelamento e edificação compulsória
de áreas e imóveis urbanos, imposto sobre a propriedade urbana, [Imposto Predial
e Territorial Urbano] (IPTU) progressivo no tempo, desapropriação para fins de
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reforma urbana, o direito de preempção, a outorga onerosa do direito de construir
(solo criado);
- Instrumentos de regularização fundiária, como o usucapião urbano, a concessão
de direito real de uso, as zonas especiais de interesse social;
- Instrumentos de gestão democrática da cidade: conselhos de política urbana,
conferências da cidade, orçamento participativo, audiências públicas, iniciativa
popular de projetos de lei, estudo de impacto de vizinhança. (SAULE Jr.; ROLNIK,
2001, p. 11-12)
Entre as diretrizes gerais previstas no artigo 2° do Estatuto da Cidade, em especial as
inter-relacionadas com as normas da política urbana e com as competências constitucionais
atribuídas aos entes federativos no campo das proposições relacionadas à proteção ambiental,
deve-se destacar a seguinte:
Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao
transporte e serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras
gerações; (SAULE Jr.; ROLNIK, 2001, p. 13)
Em sintonia com as questões ambientais contemporâneas e no intuito de chamar a
atenção do mundo para a dimensão global dos perigos e ameaças à vida no planeta, a Cúpula da
Terra realizou em 1992 a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, a ECO-92. Visando atuar para a minoração da constante degradação do meio
ambiente e do esgotamento dos recursos naturais não renováveis, a Cúpula do Desenvolvimento
Sustentável constituiu-se tema básico do encontro. Nesse evento, foram assinados acordos com o
intuito de alargar e fornecer o substrato filosófico, jurídico e político que fundamentaram e
nortearam os atos futuros no caminho da transformação das promessas de preservação da vida
no Planeta. Com isto assegurou que os compromissos assumidos pelos participantes, da
Conferência, fossem registrados num documento, que assegurasse compromissos de trabalho
para o próximo século, tal acordo foi denominado Agenda 21. Nesse processo procurou-se
identificar os problemas prioritários, os recursos necessários e os meios pelos quais se pretende
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enfrenta-los, estabelecendo-se para tanto um plano de metas para as próximas décadas,
buscando disciplinar e concentrar esforços nas áreas chaves buscando evitar dispersões que
levem ao desperdício ou às ações contraproducentes.
Entretanto, é necessário ressaltar que para se atingir as metas estabelecidas pela Agenda
21 não é possível depender somente do Poder Público. São necessárias alterações de valores, de
modelos produtivos e de padrões de consumo configurando uma verdadeira revolução cultural.
PARADIGMAS
PROJETUAIS
CONTEMPORÂNEOS
NO
CONTEXTO
DO
DESENHO
AMBIENTAL
Inicia-se tratando da questão projetual e preservação do meio ambiente, com vistas a
garantir a proteção, regularização e gestão dos recursos naturais, com a intenção de melhorar a
qualidade da interação existente entre as populações urbanas e a natureza. No que diz respeito à
rede de rios, canais e córregos que irrigam as áreas de adensamento, foram desenvolvidas
algumas diretrizes de projeto e planejamento para o desenho ambiental. Fundamentadas, tanto na
compreensão e percepção destas áreas, quanto na própria utilização dos recursos hídricos pela
população, ficou claro que é preciso identificar o valor dos significados estéticos e ecológicos das
paisagens fluviais para a sociedade urbana no século XXI.
Nesse sentido, Gorski (2010) refere-se a uma metodologia desenvolvida por Maria da
Graça A. N. Saraiva6 , que pretende avaliar valores intangíveis (cênicos, estéticos e culturais) de
percepção da paisagem, capitados na população através de um estudo sobre O rio como
paisagem: gestão de corredores fluviais no quadro do ordenamento do território. Nesse estudo se
estabelecem índices de relacionamento entre homem e natureza, num determinado sítio, segundo
6
SARAIVA, M. G. A. N. O rio como paisagem: gestão de corredores fluviais no quadro do ordenamento do território.
Liboa: Fundação CalousteGulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia, 1999. In: Goski, 2010, p. 37.
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uma perspectiva temporal-espacial7 . São elencados então, fatores levados em conta na avaliação
decorrente da percepção e das preferências, com relação ao que diz respeito às paisagens
fluviais. Visava-se com isto fornecer dados para alimentar o instrumental de projeto arquitetônico e
urbanístico de acordo com o escopo dos projetos e com os tipos de impactos pretendidos, que
decorrerão de intervenções nas unidades paisagísticas que integram o mosaico de ambientes
fluviais.
- características formais ou aspectos estéticos da água e sua relação com a
paisagem – unidade como consistência e harmonia; vivacidade como forte
impressão visual, contraste, textura, composição; variedade da apresentação da
água e dos elementos a ela interligados, como o solo e a vegetação, e presença
de elementos focais ou distintos;
- características ecológicas – diversidade, integridade, composição e variedade de
espécies;
- componentes de apreciação cognitiva – simbolismo, legibilidade e mistério.
(SARAIVA, 1999 apud GORSKI 2010, p. 37)
Segundo Franco (2001) é preciso entender o convívio e harmonia do homem com a
natureza, ocasionando o mínimo impacto possível, isto é, visando assegurar a permanência dos
recursos ambientais, responsáveis pela garantia de vida às gerações futuras.
Fizeram parte da construção desse paradigma diversos pensadores e filósofos. Mas,
quando Frederick Law Olmsted projetou o primeiro grande parque urbano da América, o Central
Park, em Nova York, datando de 1858-59, tornou-se o precursor da disseminação do ideal de
transformar a prática do desenho ambiental num agente capaz de induzir a transformação social e
estética à cidade. Segundo seu pensamento, o desenho urbano deveria englobar toda a cidade,
sendo elaborado com a antecedência, de pelo menos, duas gerações, mantendo no tecido urbano
espaços de reserva de área, que pudessem ser constantemente renovadas, considerando a ideia
7
A autora sintetiza índices de percepção extraídos de uma série de estudos realizados no período de 1960 à 1990.
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de parque como sistema de espaços livres urbanos interligados, como descrito por Maria
Assunção Ribeiro Franco em seu livro Desenho Ambiental:
A partir da experiência do Central Park, Olmsted concebeu a ideia de parques
como sistemas de espaços livres urbanos interligados, a qual ele pôs em prática
num projeto paisagístico para o Brooklin, cujo centro irradiador era o Prospect
Park. (FRANCO, 2001, p.97)
Ícone da arquitetura moderna ligando as questões ambientais às grandes produções
profissionais do século XX, o polêmico arquiteto americano Frank Lloyd Wright que viveu entre
1867 e 1959, segundo vários biógrafos, concentrou seu pensamento como um filósofo da
natureza, levando ao extremo sua preocupação com a inserção da arquitetura nas diversas
paisagens em que se localizaria, por vezes chegando mesmo a ser considerado como um antiurbanista, segundo Franco (2001), devido à proximidade de suas crenças com o pensamento de
Howard e Gueddes8, desconfiando como eles da eficácia das cidades modernas, apinhadas e
movimentadas, como uma referencia à evolução humana. O ápice de sua manifestação teórica se
deu na década de 1930, quando da publicação de: The disappearing city and Broadacres, no qual
fazia a apologia do desenvolvimento familiar sobre um acre de terra, ou seja, numa gleba com
cerca de 4.000 metros quadrados. Para comprovar sua teoria desenvolveu uma maquete
experimental que reproduzia um modelo ideal de cidade horizontal de baixa densidade, que se
aproximaria dos conceitos de “sustentabilidade urbana” desenvolvidos na contemporaneidade.
Contudo, mais importante que as proposições ideológicas, até mesmo utópicas, de Wright,
foi sua contribuição para o processo de projeto arquitetônico inspirado nas relações humanas,
8
Sir Ebenezer Howard (1850 — 1928)pré-urbanista inglês; tornou-se conhecido por sua publicação Cidades-jardins de
Amanhã (Garden Cities of Tomorrow), de 1898, na qual descreveu uma cidade utópica em que pessoas viviam
harmonicamente juntas com a natureza.
Patrick Geddes (1854-1932), biólogo e filósofo escocês foi credenciado como o “pai” do planeamento regional.
(QUENTAL, Nuno. Episódios da história do urbanismo. Escola Superior de Biotecnologia – Universidade Católica
Portuguesa. Cascais: Land Art, 2013.)
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com os recursos naturais. Apesar de sua afinidade com os princípios transcendentais9 de Thoreau
e Emerson10 , vivenciou o apogeu da industrialização da primeira metade do século passado,
período no qual se desenvolveu a tecnologia aplicada aos sistemas construtivos. E, o arquiteto
não se furtou à oportunidade de se apropriar das inovações da época para a concepção e
elaboração de seus projetos, fato que o levou, por vezes a ser classificado como um arquiteto
paradoxal, que utilizava “instrumentos e métodos industriais, valores humanos e um amor
entranhado pela natureza”. (PFEIFFER, 1994 apud FRANCO, 2001)
Foi nos projetos de arquitetura residencial que Wright deixou registrada sua relação com a
paisagem natural, pois acreditava que a integração da arquitetura ao meio ambiente permitiria que
o ser humano experimentasse o encantamento da beleza natural. Desse modo seria possível
alcançar maior plenitude de vida. Para tanto, propunha uma tipologia denominada “Prairie House”
(Casa de Pradaria). Nesses casos utilizava telhados levemente inclinados e propunha silhuetas
largas e maciças, adotando beirais acolhedores e terraços baixos. Em sua maioria essas casas
foram erguidas a partir de um pedestal que possibilitava o desenvolvimento de terraços
espraiados, se conformando à topografia natural do terreno. Usava então muretas de contenção e
os jardins se interligavam ao sítio, por meio do que o arquiteto chamou de “plantas abertas”. Estas
tinham como proposta a exclusão de alguns ambientes internos, bem como algumas portas e até
paredes, criando a sensação de interpenetração mútua entre a área interna e a externa,
experiência que viria a ficar conhecida como “arquitetura orgânica”.
O paradoxo vivenciado por Frank Lloyd Wright viria a se transformar, no início do século
XXI, no paradigma da arquitetura contemporânea. Neste caso o foco se concentra na
9
O Transcendentalismo foi um movimento filosófico que exerceu grande influência na Nova Inglaterra, no final do séc.
XVII e no séc. XIX [...].
10
Thoreau (1817-62) [...] passou sua juventude imerso no universo intelectual “transcendentalista” da Nova Inglaterra,
onde se destacava a figura do filósofo Ralph Waldo Emerson (1803-82), de quem se tornou amigo e admirador.
(FRANCO, 2001, p. 91)
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possibilidade de desenvolver soluções que construíssem processos sustentáveis. Estes implicam
na realização sistemática de ações que visam não só a preservação dos ecossistemas e da
biodiversidade, mas também garantir a melhoria das condições socioeconômicas das
comunidades.
Contemporâneo de Wright, Aldo Leopold que viveu entre 1887 e 1948, foi o criador da
“Land ethic” (ética da terra) fundamentada numa filosofia de “perspectiva biocêntrica”. Segundo
seu criador, essa filosofia induziria os homens à ação de preservar a integridade, a estabilidade e
a beleza dos sistemas naturais, reconhecendo que os seres humanos são elementos conscientes
de um processo evolucionário, que prescinde de reflexões racionais sobre suas ações, com
relação a si e com relação aos demais seres vivos. A partir dessa determinação, Leopold passa a
ser considerado o pai do pensamento crítico em relação à ecologia, considerando essa ciência
como sendo portadora do potencial reorganizador de um novo paradigma cultural para além do
século XXI.
A partir da ação de idealistas como Wright e Leopold existiram precursores dos
questionamentos envolvendo o desenho ambiental, que desenvolveram teorias que viriam a
consolidar o pensamento ambientalista. Estas acabaram por se refletir nas correntes
arquitetônicas ditas ecológicas, que atuariam com maior empenho, a partir da década de 1970.
Foi nesse período que as discussões se globalizaram e tomaram caráter oficial, sendo então
respaldadas pelo instrumental da Gestão Pública das cidades em diversos países, e por órgãos
internacionais como a Assembleia das Nações Unidas.
Muito embora possa parecer que exista uma corrente hegemônica no campo do desenho
ambiental baseado na atividade da arquitetura sustentável, esta nova tendência mundial se
apresenta dividida em duas correntes teóricas: há aqueles ecocentristas que valorizam
essencialmente o mundo natural e iniciativas individuais de transformação da relação
homem/natureza; e há aqueles ostecnocentristas, que defendem uma arquitetura baseada na
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máquina, considerando-a, supostamente, capaz de solucionar todos os possíveis problemas
ambientais prementes. (FOLADORI, 2001)
Pode-se destacar no universo dos arquitetos ecocentristas, os neovernaculares 11 , que,
influenciados pela chamada Deep Ecology, propõem uma retomada das práticas arcaicas,
destacando o papel dos povos indígenas e remanescentes de culturas tradicionais. Reconhecemnos não mais como simples testemunhos do passado, mas destacam a importância de sua
vivência e dos processos que utilizam para enfrentar o futuro, ensinando a sociedade capitalista
sobre o que representa ser verdadeiramente sustentável. A arquitetura neovernacular propõe a
retomada de valores antigos, como a retomada do uso de materiais naturais e de técnicas
artesanais, nas quais as formas mais simples do viver nos levam às soluções mais econômicas e
de menor impacto. Com intensas preocupações regionais e sociais, utilizam-se dos recursos
locais, tais como arquitetura de terra, defendida por arquitetos pioneiros, como o egípcio Hassan
Fathy, ou o premiado trabalho em madeira do brasileiro Severiano Mário Porto.
Outra importante vertente da arquitetura ecológica nasceu com a intenção de conciliar a
tradição histórica e as possibilidades modernas. Assim focaliza a aplicação de tecnologias
“limpas” e a utilização de recursos renováveis, a Green architecture, ou arquitetura “verde”. Esta
busca também a eficiência energética das construções, a correta especificação dos materiais, a
proteção da paisagem natural e o planejamento territorial, além do reaproveitamento de edifícios
existentes. Procura dar a estes edifícios um novo uso. Aposta na mudança de postura dos
profissionais para se orientarem essencialmente para a preservação da natureza e da qualidade
do ambiente construído. Segundo esses arquitetos é preciso fugir de radicalismos e de forma
isolada. Assim uma parcela dos projetos arquitetônicos, tanto novos quanto retrofits (reformas),
passará a ser desenvolvida sob a ótica da sustentabilidade, estabelecendo padrões de
11
Por VERNÁCULA se compreende a prática arquitetônica baseada na tradição e transmitida entre gerações de modo
informal, sem a participação de arquitetos ou representantes do saber acadêmico (oficial e erudito), fruto de um tempo e
espaço.(CASTELNOU, A. M. N., 2012)
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sustentabilidade humana e ambiental, e introduzindo novas tecnologias de menor impacto ao
privilegiarem a reutilização de matérias-primas. Entre os arquitetos que mais se destacam na
atualidade como “verdes”, encontram-se Sambo Mockbee e muitos norte-americanos. (WINES,
2000)
A partir dos anos 1990 surge a chamada eco-techarchitecture, baseada na defesa da alta
tecnologia
a
fim
de
minimizar
os
impactos
ambientais.
Para
isto,
usam
sistemas
computadorizados e auto gestores, acreditando que a própria tecnologia mostraria o caminho para
a garantia da qualidade ambiental (SLESSOR, 1997). Essencialmente tecnocentristas,
aproximam-se das questões ambientais contemporâneas por serem moderados e por se
enquadrarem nas regras mercadológicas. Associam biotecnologias a preocupações políticoeconômicas. Seus principais expoentes encontram-se principalmente na Europa e no oriente,
destacando-se o alemão Thomaz Herzog, o francês Jean Nouvel e o italiano Renzo Piano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em pleno correr do século XXI é impossível pensar no fazer arquitetônico sem se
considerar que qualquer intervenção, seja no âmbito da construção de edificações, seja na
implementação de planos decorrentes do planejamento ou da ordenação de áreas urbanas, sem
considerar as consequências do fato inevitável de gerar impacto no meio ambiente. Este abrange,
de acordo com a resolução CONAMA 306 de 2002, o conjunto das condições, leis, influência e
interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abrigam
e regem a vida em todas as suas formas, além de avaliar antecipadamente as proporções dos
possíveis danos decorrentes das determinações projetuais.
As decisões tomadas pelo arquiteto e urbanista devem, nesse sentido, serem
fundamentadas no propósito de garantir a preservação da área de intervenção e de seu entorno
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imediato. Assim, além de prever soluções de manutenção da integridade dos recursos naturais, de
economia de energia e de geração mínima de resíduos sólidos, como princípios básicos do
desenvolvimento sustentável para a sociedade, esse desenvolvimento tem como premissa
amalgamar em íntima simbiose a gestão ambiental e o desenvolvimento econômico. Isto
significaria poder suprir as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das
próximas gerações de suprirem as necessidades de seu tempo. Nesse sentido, seria preciso
incorporar no planejamento e também no projeto arquitetônico, não apenas os fatores
econômicos, mas também as variáveis sociais e ambientais, considerando as consequências das
ações de longo prazo, bem como os resultados de curto prazo. A origem dessa conceituação foi
definida por Franco (2001), com a intenção de dirimir possíveis dúvidas e se apresenta
reproduzida a seguir:
O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu da Estratégia Mundial para a
Conservação (World Conservation Strategy) lançada pela União Mundial para a
Conservação (IUCN) e pelo Fundo Mundial para a Conservação (WWF), apoiado
pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), embora já
tivesse aparecido com o nome de “ecodesenvolvimento” na Reunião de Founeux
em 1971, [...]. (FRANCO, 2001, p. 26)
Ao se considerar o sentido abrangente de ecossistema, pode-se utiliza-lo para
compreender os sistemas que interagem nas relações de subsistência das cidades. Desse modo,
todos os elementos e processos que conformam os ambientes são inter-relacionados e
interdependentes. Com isto, se houver alteração em qualquer das unidades, haverá reflexos em
outros componentes. O conceito aqui adotado considera que os ecossistemas são formados por
dois sistemas intimamente ligados, de um lado o “sistema natural”, englobando o meio físico e o
biológico (solo, vegetação, fauna, recursos hídricos) e de outro, o “sistema cultural” configurado
pelo homem e por suas atividades. Nesse sentido se atribui ao homem a capacidade de dirigir
suas ações e se apropriar do meio ambiente. Este é fonte de matéria prima e energia
indispensável à sua sobrevivência. Desse modo colocando-o na posição de receptor de seus
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produtos e resíduos, caracterizando o ambiente urbano como um sistema aberto, onde cada parte
depende de outras para garantir seu correto funcionamento e todas elas dependentes do meio
ambiente natural e de seus recursos. (MOTA, 1981)
É importante se considerar que as intervenções humanas das quais decorrem as
alterações do meio ambiente são procedidas de maneira cada vez mais rápida e
incessantemente. Nos grandes aglomerados urbanos fica impossível que a natureza cumpra seu
ciclo de recuperação, pois o homem não é o único agente de alterações dos recursos naturais,
outros animais buscam alimentos, constroem abrigos e expelem seus detritos, notadamente nas
áreas rurais ou de preservação, porem esses processos ocorrem de forma naturalmente lenta e
regular, garantindo o tempo necessário para se processar a neutralização dos seus prejuízos.
No final do século XX, a população da Terra se transformou de predominantemente rural
para preponderantemente urbana, concentrando pouco mais de 50% da população mundial em
aglomerados urbanos. No caso do Brasil, esta alteração ocorreu em meados dos anos 1960,
sendo que tal processo sofreu uma grande aceleração nas décadas seguintes, ligado a dois
fatores: primeiro, ao êxodo rural; e na sequencia, à migração da população entre centralidades
diversas. Tal processo denominado como “urbanização corporativa” por Milton Santos (1991)12 ,
gerou cidades com expressiva degradação das condições de vida e do ambiente urbano, fatos
que vem se agravando com a paulatina intensificação da queda de qualidade da atmosfera
urbana. (Mendonça, 2003)13
Atingindo cerca de 85% da população brasileira na década de 1990, o processo de
urbanização da população brasileira ocorreu de maneira muito rápida, deflagrando um processo
de metropolização muito veloz ao estabelecer uma rede de pequenas, médias, grandes e
12
13
SANTOS, M. A urbanização Brasileira, São Paulo: Hucitec, 1991.
MENDONÇA, F. O ESTUDO DO CLIMA URBANO NO BRASIL: Evolução, tendências e alguns desafios. In:
MENDONÇA, F.; MONTEIRO, C. A. F. (Orgs.). Clima urbano. São Paulo: Contexto, 2003, p. 175 –191.
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gigantescas cidades, sem contudo, considerar a necessidade do planejamento social inerente ao
sucesso do desenvolvimento de áreas urbanas. Isto acabou resultando em condições ambientais
degradadas e até na destruição de recursos naturais vitais à sobrevivência dos seres humanos no
planeta. Por exemplo, as matas ciliares constituindo a vegetação que se forma naturalmente às
margens dos cursos d’água, configurando uma proteção devido à massa verde extremamente
eficaz para os meios hídricos, atuando no amortecimento do impacto da erosão de suas margens
e para os lençóis freáticos, assegurando sua manutenção através da garantia de permeabilidade
das áreas ribeirinhas.
Embora a deterioração do meio ambiente seja um problema antigo e que sempre existiu na
história da humanidade, agora, porém, há uma nova intensidade dos processos de degradação
que acompanham a recente urbanização, resultando em uma acelerada vulnerabilidade das
cidades.
O conceito de Desenvolvimento Sustentável vem se difundindo na medida em que cresce
a consciência sobre o esgotamento dos recursos naturais e se multiplicam os estudos que
procuram mapear os vilões da temerosa insustentabilidade ambiental. De acordo com dados
publicados pelo Balanço Energético Nacional (BEM) e pela Pesquisa Nacional de Amostra de
Domicílios (PNAD), o maior consumo específico de recursos energéticos provém da construção
civil residencial, que aparece como responsável pela extração de aproximadamente 15 e 50% dos
recursos naturais extraídos, 66% de toda a madeira extraída, 40% da energia consumida e 16%
da água potável. Estes dados se referem ao conceito abrangente de ciclo de vida da edificação,
que se inicia na fabricação dos materiais de construção, passa pelo transporte dos mesmos até o
sítio das construções, pela obra propriamente dita, prolongando-se pela vida útil da edificação até
a demolição e deposição final dos materiais. (Civil Engineering Research Foundation - CERF,
entidade ligada à Sociedade Americana dos Engenheiros Civis – ASCE, 2001)
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O desenvolvimento da arquitetura e do ambiente construído em direção à sustentabilidade
ambiental, frente aos benefícios socioeconômicos, implica numa revisão do processo projetual
convencional. Pesquisas de metodologias de projeto arquitetônico e urbanístico remetem a uma
interação entre estudo e proposição, com a inclusão de novas variáveis: arquitetura; desenho
urbano; e planejamento, em suas várias escalas.
Battle; McCarthy (2001) apud Gonçalves e Duarte (2006) definem o funcionamento das
cidades, chamando-o de “metabolismo urbano”, como uma composição desses ciclos. E cada um
destes contém características particulares, porém com influências mútuas, constituídos de:
transporte; energia; água; resíduos; microclima, paisagem natural e ecologia; e materiais
englobando construções e edifícios.
Esses autores destacam que as decisões de transformação de cada um desses ciclos,
para minimizar o impacto ambiental, são específicas da localidade de implantação do projeto,
porém recebendo influências de questões econômicas, sociais e culturais de âmbito regional,
nacional e até mesmo global.
Segundo essa linha de pensamento as diretrizes para a elaboração de projetos devem
definir em primeiro lugar as metas para o consumo e respectiva origem e procedência de recursos
básicos como água e energia; em seguida pode-se definir a escolha das tecnologias e a
determinação da eficiência dos processos de consumo desses recursos (na operação dos
edifícios); e, por fim, são estabelecidas as metas e tecnologias de gerenciamento da geração de
resíduos, incluindo a poluição atmosférica. A quantidade dos recursos gerados, reutilizados e
reciclados nos limites físicos da região de intervenção ou alteração do meio físico (equipamento
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ou edificação) irão caracterizar o compromisso da sociedade urbana com questões imediatas de
impacto ambiental14.
Com esse olhar sobre o ambiente construído, a busca pela sustentabilidade urbana vem
ao encontro das seguintes metas aqui propostas:
- preservação e liberação de áreas naturais devido aos efeitos e vantagens da
compacidade urbana;
- proximidade, diversidade e uso misto (socialização do espaço público);
- maior eficiência energética (e menor poluição) pelo sistema de transporte;
- microclimas urbanos mais favoráveis ao uso do espaço público e ao
desempenho ambiental das construções;
- edifícios ambientalmente conscientes ;
- consumo consciente dos recursos em geral;
-reuso e reciclagem (diminuição do impacto ambiental proveniente da geração de
resíduos). (GONÇALVES; DUARTE, 2006, p. 63)
Com o intuito de fortalecer o conceito de sustentabilidade urbana propõe-se estimular a
revitalização de áreas urbanas com diferentes configurações e usos, para ser uma alternativa à
ocupação de áreas degradadas e desvalorizadas (brownfields); com isto propõe-se substituir à
prática de expansão urbana periférica, que se baseia na ocupação de áreas verdes (greenfields)
livres. Em suma, os principais objetivos dessas premissas, segundo Gonçalves e Duarte, (2006)
são:
- ocupar áreas degradadas inseridas na cidade, otimizando o uso da infraestrutura
disponível com base em parâmetros de densidade e uso misto;
- conectar áreas da cidade, superando os obstáculos físicos existentes;
- melhorar a qualidade ambiental da área como um todo;
14
Miguel Aloysio Sattler classifica os impactos determinados pela indústria da construção civil em dois tipos: impactos
durante a fase de produção da construção (extração, processamento e distribuição de produtos), considerados de maior
interferência no ambiente; e impactos durante a fase de utilização da construção (aplicações no local, desenvolvimento
da vida no local e disposição dos produtos correspondentes).EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS,
2003. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Departamento de Engenharia Civil/NORIE
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-otimizar o consumo de energia nos edifícios e na cidade; e
- aumentar o valor ambiental e socioeconômico em área existente, ou restaurar o
seu valor inicial. (GONÇALVES; DUARTE, 2006, p. 63)
A orientação de estudos no sentido de embasar uma metodologia de projeto arquitetônico
fundamentada nos princípios da sustentabilidade e da manutenção das fontes naturais de geração
de energia, nos parece primordial, para assegurar o desenvolvimento da Arquitetura e do
Urbanismo como campos da Ciência, capazes de orientar as novas gerações no sentido de
construir cidades e edifícios que se adaptem aos ecossistemas vigentes, perpetuando o
desenvolvimentos das espécies no planeta.
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CONTRADIÇÕES DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA:
ÁREAS VERDES PÚBLICAS X HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL
RESUMO
Este artigo tem por objetivo propor uma reflexão sobre as contradições da legislação urbanística, tendo
como recorte analítico as áreas vedes públicas frente às demandas por habitações de interesse social.
Como procedimento metodológico adotou-se uma pesquisa qualitativa sobre a temática das áreas verdes
públicas, que consistiu no exame da literatura pertinente de trabalhos científicos (livros, teses, dissertações,
artigos, etc.) e da legislação urbanística.
Considerando que as normas urbanísticas não tem sido
suficientes para desencadear as emergentes transformações no processo de planejamento e gestão do
meio urbano, com vistas à implantação de cidades verdes – cidades sustentáveis, cidades saudáveis. Foi
possível constatar que a implementação de Políticas Públicas Habitacionais de Interesse Social está sendo
viabilizada pela barganha de terras públicas (áreas verdes públicas).
Palavras-chave: Legislação. Verde Urbano. Habitação de Interesse Social.
ABSTRACT
This article aims to propose a reflection on the contradictions of urban legislation, with the analytical
approach areas you see the face of public demands for social housing. Methodological procedure we
adopted a qualitative research on the topic of public green areas, which consisted of an examination of the
scientific literature (books, dissertations, articles, etc..) And urban legislation. Whereas the urban norms has
not been enough to trigger the emerging changes in the planning and management of the urban
environment, with a view to implementing green cities - sustainable cities, healthy cities. It was found that the
implementation of Public Policy for Social Housing is being made possible by the bargaining of public land
(public green areas).
Key words: Legislation. Urban Green. Social Housing.
510
CONTRADIÇÕES DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA:
ÁREAS VERDES PÚBLICAS X HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL
Sandra Medina Benini
1
Jeane Aparecida Rombi De Godoy Rosin
2
Gilda Collet Bruna
3
INTRODUÇÃO
A idealização de cidades humanizadas materializadas nas mais diversas tipologias4
de cidades verdes não é um fato recente. Na realidade, essa questão há muito, vem
permeando o imaginário 5 não apenas de urbanistas, arquitetos, mas rotineiramente
daqueles que vivem em cidades. Cenários da vida urbana, o cotidiano foram registrados
nos mais vastos acervos das artes plásticas, literatura, por meio de paisagens pitorescas,
bucólicas, parques, bosques, assim como os mais encantadores jardins representados,
descritos em afrescos, telas, versos e prosas.
1
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Presbiteriana
Mackenzie/SP e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNESP – Universidade Estadual
Paulista, Presidente Prudente. E-mail: [email protected]
2
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Presbiteriana
Mackenzie/SP. E-mail: [email protected]
3
Docente da Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. E-mail:
[email protected]
4
No campo da arquitetura e do urbanismo, o conceito de tipologia tem sido comumente aplicado a edificações, como
sinônimo de ‘modelo‘ (casa ou prédio, por exemplo). Esse uso se deriva indiretamente da ideia de tipos arquitetônicos,
introduzida por Quatremère de Quincy no século XVIII e retomada por Salvatore Muratori e Gian Luigi Caniggia em
meados do século XX (Cataldi, Maffei, Vaccaro, 2002). Para a descrição dos espaços urbanos, Muratori e Caniggia
utilizam,
em
vez
do
estudo
de
tipos
(tipologia),
o
estudo
das
formas
(morfologia).
Disponível
em:<www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/e_nobre/tipos_arq_urb.pdf >. Acesso em 08/10/2013.
5
O imaginário permanece uma dimensão ambiental, uma matriz, uma atmosfera, aquilo que Walter Benjamin chama de
aura. O imaginário é uma força social de ordem espiritual, uma construção mental, que se mantém ambígua,
perceptível, mas não quantificável. Revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 15, agosto 2001, quadrimestral. Disponível em:
< 200.144.189.42/ojs/index.php/famecos/article/viewFile/285/217>. Acesso em 08/10/2013.
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De modo genérico, as cidades verdes podem ser compreendidas em expressões
diversas, passíveis de identificação nos últimos períodos de nossa historia, notadamente a
partir do final da revolução industrial até a contemporaneidade. Assim, tanto nas nações
desenvolvidas como naquelas em vias de desenvolvimento, o poeta, o artista, o arquiteto, o
cidadão, expressaram esse sonho comum por meio de suas artes, seja como protesto ou
anseios de um ideal de vida a ser alcançado.
Atualmente, contrastando-se com a beleza desses cenários, muitas cidades
apresentam quadros estarrecedores de desigualdades e violações das mais diversas
ordens, deste modo, sem desmerecer todo o processo de transformação e conquistas já
realizadas, torna-se importante reconhecer, que esse sonho, esse ideal, foi recentemente
materializado como direito fundamental, claramente expresso em nossa constituição
federal. Sendo assim, no contexto de todo o processo conflituoso de urbanização por que
tem passado as cidades neste início de século, obviamente a questão de maior
importância, relaciona-se as proposições de equilíbrio do ambiente urbano com o ambiente
natural, como condição única para se pensar em cidades mais humanas e fraternas,
portanto é sob esse prisma que se adota o conceito de sustentabilidade. Em meio a tais
considerações, as idéias, planos e desenhos para a construção de cidades inovadoras,
cidades verdes, desde as primeiras propostas elaboradas por Ebenezer Howard, Tony
Garnier e outros tantos urbanistas, até o momento atual, muitos especialistas tem
demonstrado suas preocupações em elaborar estratégias para o enfrentamento das
demandas ambientais, inclusive no que se refere a mudanças climáticas, as quais têm em
comum, em sua maioria, o respeito pela natureza, a consciência de sua importância para
harmonização do espaço urbano e sobretudo a construção de uma vivência harmoniosa em
sociedade.
Porém, diante das atuais demandas existentes no contexto das cidades, as normas
urbanísticas editadas até então, não tem sido suficientes para desencadear as emergentes
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transformações no processo de planejamento e gestão do meio urbano, com vistas a
implantação de cidades verdes – cidades sustentáveis, cidades saudáveis. Neste contexto,
a busca por este novo paradigma, deve considerar a existência de quatro grandes
obstáculos, que inevitavelmente deverão ser superados: o primeiro faz referência as forças
econômicas que regulam o sistema financeiro, controlando as oportunidades de trabalho e
renda, o segundo diz respeito ao mercado imobiliário, restringido o acesso a terra urbana;
o terceiro está estritamente relacionado com a incorporação de valores éticos na gestão do
espaço urbano; e, por último, a instrumentalização da legislação urbanística, em especial o
Estatuto da Cidade que prevê a garantia a uma cidade sustentável (Inciso I, Artº 2, da Lei
Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001).
Nas cidades, a busca pela qualidade de vida tem orientado a elaboração e
implantação de políticas públicas objetivando o bem-estar coletivo. Todavia, não somente
administradores públicos, mas também pesquisadores de diversas áreas têm encontrado
grande dificuldade de definir o que vem a ser qualidade de vida, em função do caráter
subjetivo do conceito, o qual está estritamente relacionado com o atendimento das
necessidades humanas, frente ao contexto sócio-cultural e econômico em que o indivíduo
esteja inserido.
A qualidade de vida no ambiente urbano é abarcada pelo Texto Constitucional de
1988, ao estabelecer como fundamento do Estado Democrático de Direito o princípio da
dignidade da pessoa humana, (Inciso III, do Art. 1º), objetivando, entre outros, a redução da
desigualdade social (Inciso III, do Art. 3º), seja nas diretrizes da Política de
Desenvolvimento Urbano (Art. 182) ou nos pressupostos do Art. 225 que determina o meio
ambiente, ora urbano, ou não, como um “bem de uso comum do povo e essencial à
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações [...], e ainda incumbe ao Poder Público
assegurar a efetividade desse direito (Art. 225, §1°).
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Nesse sentido, Rogers (2001, p.155) procura enfatizar que a sustentabilidade no
ambiente urbano emerge como “uma nova ordem de eficiência econômica, beneficiando à
todos os cidadãos, em vez de beneficiar alguns poucos em detrimento de muitos”. A noção
da sustentabilidade urbana surge como forma de conjugação da questão econômica,
social, política, cultural e ambiental, onde exista o comprometimento com processos de
urbanização e práticas urbanísticas que incorporem a dimensão sócio-ambiental na
produção e na gestão do espaço.
Segundo Saule Junior (1997, p. 61), a sustentabilidade urbana passa a ser alicerçada
nas “funções sociais da cidade” específicas, de caráter “difuso”, devendo oferecer
mecanismos institucionais, administrativos e jurídicos que possam promover a “redução
das desigualdades sociais, promoção da justiça social e melhoria da qualidade de vida
urbana”, como forma de garantir o acesso à “moradia, transporte público, saneamento,
cultura, lazer, segurança, educação, e saúde”.
Diante de tais propósitos, nas últimas décadas houve uma preocupação voltada as
questões ambientais no contexto das cidades, na busca de soluções diferenciadas,
privilegiando a incorporação e valorização dos componentes naturais do ambiente urbano.
Com a intensificação das demandas ambientais em áreas urbanizadas, há um despertar
para a questão, com a proposição de novas teorias, práticas projetuais por meio de
desenhos inovadores como possíveis respostas as complexas demandas oriundas de um
processo contraditório de urbanização.
BENEFÍCIOS DAS ÁREAS VERDES PÚBLICAS
Certamente, muitas são as cidades, independente de seu porte, onde a falta ou a
insuficiência de áreas verdes se constituem em problemas de grande complexidade,
notadamente, naquelas em que não houve um processo de planejamento orientado pelos
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princípios do desenho ambiental, visando o equilíbrio do ecossistema urbano. Nessas localidades,
aparecem com frequência demandas relacionadas ao sistema de drenagem urbana, intensificados
pela impermeabilização sempre crescente, sem falar da ausência de áreas verdes públicas
(parques, bosques, jardins), além da dilapidação das áreas de APP (Área de Preservação
Permanente), dentre outros aspectos.
O cuidado com o planejamento e gestão desses espaços permeados por estratégias
compatíveis com a construção da sustentabilidade urbana, configura-se como medidas
emergenciais, tendo em vista suas potencialidades em contribuir para a melhoria da qualidade
ambiental e consequentemente para uma vida mais saudável em cidades. Nesse sentido, se faz
necessário destacar sua importância relacionada aos benefícios propiciados pelas áreas verdes:
mitigação dos efeitos das diversas fontes poluentes; amenização das ilhas de calor - conforto
ambiental, através do equilíbrio do índice de umidade do ar; humanização dos espaços edificados,
proteção das áreas de nascentes e corpos de d’água, garantindo a recarga de lençóis
subterrâneos, além dos enormes benefícios que transcende a dimensão física do espaço urbano
para alcançar os bens mais subjetivos vinculados ao desenvolvimento da vida em comunidade.
Em meio a tais apontamentos, Milano (1990) apud Vieira (2004) compreende que, a
função essencial das áreas verdes urbanas, não está restrita somente em oferecer refúgios, para
os habitantes escaparem da rotina acelerada do cotidiano das cidades, mas em possibilitar uma
nova cultura em vivenciar os espaços verdes, a partir de novos elementos de composição
incorporados no planejamento ambiental, onde as áreas verdes são projetadas para usos
diversos, dentre eles: as práticas culturais, de lazer e recreativas integradas ao meio natural.
Com este enfoque, para o desenvolvimento deste trabalho, considera-se como as áreas verdes
públicas
[...] todo espaço livre (área verde / lazer) que foi afetado como de uso comum e
que apresente algum tipo de vegetação (espontânea ou plantada), que possa
contribuir em termos ambientais (fotossíntese, evapotranspiração, sombreamento,
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permeabilidade, conservação da biodiversidade e mitigue os efeitos da poluição
sonora e atmosférica) e que também seja utilizado com objetivos sociais,
ecológicos, científicos ou culturais". (BENINI, 2009, p. 71)
A partir deste conceito, destaca-se que as áreas verdes, além dos benefícios comentados
anteriormente, desempenham outras funções ambientais, como por exemplo: combate à poluição
do ar6 através da fotossíntese7; “regula a umidade e temperatura do ar; mantém a permeabilidade,
fertilidade e umidade do solo e protege-o contra a erosão e; reduz os níveis de ruído servindo
como amortecedor do barulho nas cidades” (GOMES, 2005, p. 57).
Troppmair e Galina (2003) acrescentam, enfatizando as vantagens do verde urbano na cidade:
a) Criação de microclima mais ameno que exerce função de centro de alta
pressão e se reflete de forma marcante sobre a dinâmica da ilha de calor e do
domo de poluição;
b) Despoluição do ar de partículas sólidas e gasosas, dependendo do aparelho
foliar, rugosidade da casca, porte e idade das espécies arbóreas;
c) Redução da poluição sonora, especialmente por espécies aciculiformes
(pinheiros) que podem acusar redução de 6 a 8 decibéis;
d) Purificação do ar pela redução de microorganismos. Foram medidos 50
microorganismos por metro cúbico de ar de mata e até 4.000.000 por metro cúbico
em shopping centers;
e) Redução da intensidade do vento canalizado em avenidas cercadas por
prédios;
f) Vegetação como moldura e composição da paisagem junto a monumentos e
edificações históricas. (TROPPMAIR; GALINA, 2003, s/ p.)
6
“Gases venenosos em suspensão no ar acima da rua e a poeira tóxica cobrem a via carroçável e as calçadas.
Automóveis, ônibus e caminhões congestionam as ruas, acelerando e freando, emitindo torrentes de monóxidos de
carbono, óxidos de nitrogênio e partículas de chumbo e de combustível não queimado. O pára-e-anda do tráfego,
característico de uma rua movimentada, produz mais poluentes do que um tráfego que flui suavemente a uma
velocidade constante ao longo de uma rodovia, porque a concentração de fumaça dos escapamentos é maior, numa
taxa irregular de combustão. Gotículas de óleo dos motores se transforma num fino aerossol; asbestos desprendem-se
dos freios; a pavimentação das ruas literalmente trituram a borracha dos pneus em uma poeira fina” (SPIRN, 1995, p.
71).
7
“A fotossíntese auxilia na umidificação do ar, conseqüente resfriamento evaporativo” (BARBIRATO; SOUZA; TORRES,
2007, p.113-114).
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Neste contexto analítico, segundo Gomes (2007, p. 115) as áreas verdes podem
proporcionar conforto térmico 8 , visto que essas superfícies verdes interferem na formação de
microclimas9. Spirn (1995) explica que as áreas verdes diferem da paisagem de concreto, pela
sua capacidade de dispersar a radiação solar, através da evaporação e transpiração. Nesta
mesma corrente, Danni-Oliveira (2003, p. 157) com base nos estudos de climatologia urbana,
afirma que as áreas residenciais, quando “ladeadas por áreas verdes”, recebem “incidência da
radiação solar”, através de “trocas dos fluxos de calor e da umidade, bem como a dispersão de
poluentes”.
Segundo Pellegrino (2000, p. 162) o planejamento ecológico da paisagem “pode
fornecer as ferramentas para se alcançar uma integração plena entre a sociedade e natureza, de
forma que ambas prosperem a longo prazo”.
8
“Conforto térmico – Engloba as componentes termodinâmicas que, em suas relações, se expressam através do calor,
ventilação e umidade nos referenciais básicos a esta noção. É um filtro perceptivo bastante significativo, pois afeta a
todos permanentemente. Constitui, seja na climatologia médica, seja na tecnologia habitacional, assunto de
investigação de importância crescente” (MONTEIRO, 2003, P. 24). “A sensação de conforto térmico está associada com
o ritmo de troca de calor entre o corpo e o meio ambiente, sendo assim, o desempenho humano durante qualquer
atividade pode ser otimizado, desde que o ambiente propicie condições de conforto e que sejam evitadas sensações
desagradáveis, tais como: dificuldade de eliminar o excesso de calor produzido pelo organismo; perda exagerada de
calor pelo corpo e desigualdade de temperatura entre as diversas partes do corpo” (BARBIRATO; SOUZA; TORRES,
2007, p.144).
9
“Cada cidade é composta por um mosaico de microclimas radicalmente diferentes, os quais são criados pelos
mesmos processos que operam na escala geral da cidade. Os mesmos fenômenos que caracterizam o mesoclima
urbano existem em miniatura por toda a cidade – pequenas ilhas de calor, microinversões, bolsões de grave poluição
atmosférica e diferenças locais no comportamento dos ventos” (SPIRN, 1995, p. 71). “São exemplos de microclimas
urbanos, as ruas margeadas por edifícios altos, praças e parques urbanos, sendo que estes últimos podem influenciar
climaticamente até ruas adjacentes, dependendo do seu porte” (BUSTOS ROMERO, 2001, apud BARBIRATO; SOUZA;
TORRES, 2007, p. 98).
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TUTELA DAS ÁREAS VERDES PÚBLICAS
Para compreensão da problemática a ser desenvolvida nesta pesquisa, ressalta-se que em
matéria urbanística a competência legislativa é concorrente entre a União, os Estados e ao Distrito
Federal, restando assim, ao Ente Municipal à competência legislativa suplementar.
Constituição Federal de 1988
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
[...]
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Constituição do Estado de São Paulo
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira
se
auto-organizarão por
lei
orgânica,
atendidos
os
princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
Neste sentido, o Ente Municipal ao legislar sobre a matéria urbanística não poderá
contrariar a Lei Federal ou a Lei Estadual nesta matéria, sob pena de incorrer em
inconstitucionalidade formal.
No que tange a áreas verdes públicas, a Lei de Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766, de 19
de dezembro de 1979), regulamenta matéria da produção do solo em todo o território brasileiro,
determinando em seu artigo 22, quais os equipamentos urbanos (vias e praças, os espaços livres
e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos) após o registro do
loteamento, passam a integrar os bens de domínio público (Figura 01).
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Figura 1 – Organograma das áreas do loteamento de domínio público
Fonte: BENINI, 2009.
Ao serem registrados, esses espaços urbanos passam a ser de domínio público por meio
da afetação, sendo então, classificados como bens de uso comum ou bens de uso especial.
Pires (2006, p. 61) ensina que a afetação é “a destinação de um bem a alguma finalidade (comum
ou especial)” e que os bens de uso comum, são aqueles
[...] destinados ao uso indistinto de toda a coletividade. Podem ser de uso gratuito
(ruas, praias etc) ou remunerado (estradas, parques etc). Podem provir do destino
natural do bem, por exemplo, rios, mares, ruas, praças, ou por lei ou ainda por ato
administrativo. Mas há sempre uma afetação ao uso coletivo, Daí a incidência do
regime jurídico administrativo. (PIRES, 2006, p. 60)
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Por esta razão, no regime jurídico administrativo os bens públicos
apresentam
características próprias (intrínsecas), como:
INALIENABILIDADE
A inalienabilidade implica impossibilidade de alguém passar a propriedade de
certo bem para outrem. Ela impede que certo bem público seja objeto de contratos
de compra e venda, doação, permuta [...]. (DI PIETRO, 2007, 114)
A causa da inalienabilidade é a proteção do uso público e, por conseguinte, do
interesse coletivo. (CRETELLA JÚNIOR, 1984, p. 33 apud DI PIETRO, 2007, 114).
IMPENHORABILIDADE
Impenhorabilidade assegura que os bens públicos não sejam objetos de penhora,
seja qual for modalidade. (PIRES, 2006, p. 63)
IMPRESCRITIBILIDADE
A imprescritibilidade é regra que afasta o elemento tempo como condição para
aquisição de propriedade. Em razão dela, o decurso de tempo não favorece
terceiro possuidor de qualquer tipo de bem público, de sorte a impossibilitar sua
usucapião. (DI PIETRO, 2007, 117)
No Código Civil (Lei º 10.406/2002) áreas reservadas nos loteamentos para uso comum do
povo é tradição no ordenamento jurídico pátrio.
Código Civil (Lei nº 10.406/2002)
Art. 66. Os bens públicos são:
I - Os de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças.
II - Os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou
estabelecimento federal, estadual ou municipal.
III - Os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos Estados,
ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas
entidades.
Art. 67. Os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade,
que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever.
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A partir das determinações jurídicas comentadas anteriormente, o Promotor de Justiça
José Carlos Freitas esclarece que as áreas públicas afetadas de bens de uso comum são
Para a doutrina, os bens de uso comum do povo pertencem ao domínio eminente
do Estado (lato sensu), que submete todas as coisas de seu território à sua
vontade, como uma das manifestações de Soberania interna, mas seu titular é o
povo. Não constitui um direito de propriedade ou domínio patrimonial de que o
Estado possa dispor, segundo as normas de direito civil. O Estado é gestor desses
bens e, assim, tem o dever de sua vigilância, tutela, fiscalização e
superintendência para o uso público. Afirma-se que ‘o domínio eminente é um
poder sujeito ao direito; não é um poder arbitrário’.
[...]
Sua fruição é coletiva, os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens
utilizados o são por todos os membros da coletividade - uti universi - razão pela
qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o
direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem
ou no suportar os ônus dele resultantes.
[...]
Numa acepção de Direito Urbanístico, existem bens afetados a cumprir
específicas funções sociais na cidade (habitação, trabalho, circulação e
recreação), caracterizando-se como espaços não edificáveis de domínio público:
Encontramos, assim, espaços não edificáveis em áreas de domínio privado, como
imposição urbanística, e espaços não edificáveis de domínio público como
elementos componentes da estrutura urbana, como são as vias de circulação, os
quais se caracterizam como áreas 'non aedificandi', vias de comunicação e
espaços livres, áreas verdes, áreas de lazer e recreação. (FREITAS, s.a.)
Desta forma, áreas públicas afetadas de bens de uso comum (áreas verdes ou
institucionais) não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente alterados, conforme
determina o inciso VII e § 1º a 3º, do art. 180, da Constituição do Estado de São Paulo.
Constituição do Estado de São Paulo
Artigo
180 -
No
estabelecimento
de
diretrizes
e
normas
relativas
ao
desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
[...]
VII - as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou
institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente
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alterados, exceto quando a alteração da destinação tiver como finalidade a
regularização de:
a) loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente
ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social, destinadas à população
de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada, ou seja, de difícil reversão;
b) equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e
objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento;
c)
imóveis
ocupados
por
organizações
religiosas
para
suas
atividades
finalísticas. (NR)
§1º - As exceções contempladas nas alíneas “a” e “b” do inciso VII deste artigo
serão admitidas desde que a situação das áreas objeto de regularização esteja
consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação,
que se dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham
equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de
compensação. (NR)
§2º - A compensação de que trata o parágrafo anterior poderá ser dispensada, por
ato fundamentado da autoridade municipal competente, desde que nas
proximidades da área pública cuja destinação será alterada existam outras áreas
públicas que atendam as necessidades da população. (NR)
§3º - A exceção contemplada na alínea ‘c’ do inciso VII deste artigo será permitida
desde que a situação das áreas públicas objeto de alteração da destinação esteja
consolidada até dezembro de 2004, e mediante a devida compensação ao Poder
Executivo
Municipal,
conforme
diretrizes
estabelecidas
em
lei
municipal
específica. (NR)
O parágrafo 1º, do artigo 130, da Constituição do Estado de São Paulo, determina que seja
admitida a disponibilização destas áreas verdes públicas, desde que a ocupação irregular nesses
espaços tenha sido consolidada até dezembro de 2004, sendo que nos casos posteriores a esta
data, seja realizada a compensação do bem. Todavia o parágrafo 2º deste mesmo artigo abre a
possibilidade da dispensa da compensação do bem, mediante a manifestação do Administrador
Público.
Assim, apesar do discurso ambiental adotado pelos poderes públicos (Municipal e
Estadual), a aquisição, implantação e preservação de uma área verde pública estão
necessariamente, vinculadas à vontade/interesse do Administrador Municipal.
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Seguindo esta tendência da Constituição do Estado de São Paulo, o artigo 9º da resolução
CONAMA n° 369/2006 que prevê a supressão de vegetação em área de APP para regularização
fundiária, para efeito deste dispositivo jurídico é considerada “sustentável”. Neste mesmo
contexto, o artigo 7º da Resolução SMA 31, de 19 de maio de 2009, dispensa as exigência artigo
6º desta mesma resolução, quando o parcelamento de solo urbano tiver como fim a implantação
de conjuntos habitacionais de interesse social.
Artigo 7° - No caso do licenciamento de novos empreendimentos destinados à
construção de habitações de interesse social, de que trata a Resolução CONAMA
nº 412, de 13 de maio de 2009, poderá ser dispensada a exigência prevista no
artigo 6º, se houver a comprovação da existência, na proximidade, de áreas
naturais que assegurem a manutenção das funções ambientais.
§ 1º - Para fins de aplicação do disposto no caput, poderão ser consideradas
áreas verdes públicas ou privadas, parques municipais ou outras áreas não
impermeabilizadas existentes em área urbana na região em que se pretende
implantar o empreendimento.
§ 2º - A comprovação da existência de áreas naturais de que trata o caput deverá
ser feita pela Prefeitura Municipal com base em estudo técnico.
10
Nesta abordagem, tanto a Constituição do Estado de São Paulo, a Resolução CONAMA n°
369/2006 e nº 412/2009, bem como, a Resolução SMA 31, de 19 de maio de 2009, remetem as
áreas verde públicas, ora como bem de uso comum, imprescindível à implementação de um
projeto de Cidade Verde – Cidade Sustentável, a condição de bem público disponível para
implementação de Políticas Habitacionais.
Entretanto, a implementação de Políticas Públicas Habitacionais de Interesse Social,
viabilizada pela barganha de terras públicas (áreas verdes públicas), podem comprometer a
10
A Resolução CONAMA nº 412/2009, mencionada no artigo 7º da Resolução SMA 31, de 19 de maio de 2009,
determina que os procedimentos de licenciamento ambiental de novos empreendimentos destinados à construção de
habitações de interesse social com pequeno potencial de impacto ambiental em área urbana ou de expansão urbana,
nos termos da legislação em vigor, sejam realizados de modo simplificado.
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qualidade de vida da população assistida, considerando a problemática ambiental, não apenas no
contexto local, mas como um fator indutivo das mudanças climáticas em nível global.
Neste contexto, as Políticas Públicas Habitacionais de Interesse Social implementadas nos
moldes atuais, como foi apresentado neste artigo, podem não só alterar drasticamente a
morfologia da cidade, comprometendo o equilíbrio ambiental, saturando a rede de infra-estrutura
local, intensificando o adensamento populacional, privando a população de menor renda do
acesso aos equipamentos sociais e ambientais, mas também as estruturas sociais, multiplicando
assim, as mazelas urbanas.
CONCLUSÃO
No contexto das cidades, as normas urbanísticas editadas até então, não tem sido
suficientes para desencadear as emergentes transformações no processo de planejamento e
gestão do meio urbano, com vistas a implantação de cidades verdes – cidades sustentáveis .
O verde urbano (áreas verdes públicas ou privadas e as APP – áreas de preservação
Permanente) tem um papel significativo na produção dos serviços ambientais para melhoria da
qualidade ambiental em cidades, devido aos seus inúmeros benefícios como, por exemplo:
combate à poluição do ar; regulação a umidade e temperatura do ar; contribuição à
permeabilidade, fertilidade e umidade do solo, protegendo contra processos erosivos; redução dos
níveis de ruído servindo como amortecedor do barulho das cidades, dentre outros.
Desta forma, as áreas verdes públicas em cidades, e ainda, por terem sido averbadas
como de uso comum do povo, estes espaços devem ser considerados como bens ambientais, a
serem preservados para as presentes e futuras gerações, com base nos preceitos constitucionais
do artigo 225 da Carta Magna.
Todavia, dentro do ordenamento jurídico, há um conflito de normas, uma vez que a
Constituição do Estado de São Paulo, a Resolução CONAMA n° 369/2006 e nº 412/2009, bem
como, a Resolução SMA 31, de 19 de maio de 2009, ao permitirem que áreas verdes públicas,
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possam ser desafetadas para implementação de Políticas Habitacionais de Interesse Social,
contrapondo-se aos Preceitos Constitucionais estabelecido no artigo 225 da Carta Magna.
Por estas razões, a implementação de Políticas Públicas Habitacionais de Interesse Social,
viabilizada pela barganha de terras públicas (áreas verdes públicas), podem comprometer a
qualidade de vida da população assistida, considerando a problemática ambiental, não apenas no
contexto local, mas como um fator indutivo das mudanças climáticas em nível global.
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excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a
intervenção ou supressão de vegetação em Áreas de Preservação Permanente.
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CONFLITOS ENTRE A OCUPAÇÃO URBANA E A PROTEÇÃO HÍDRICAAMBIENTAL NA BACIA DO RIO PARAÍBA DO SUL: O MUNICÍPIO DE
GUARATINGUETÁ, SP
RESUMO
Os conflitos e as interfaces entre a ocupação urbana e as áreas de proteção hídrica e conservação
ambiental. Os impasses entre a gestão urbana e a gestão ambiental e sua influência no planejamento
urbano, especialmente em áreas vulneráveis e de risco. A noção de uso sustentável pressuposto no
planejamento urbano em áreas de proteção e de conservação ambiental. A região paulista da Bacia
Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte: situação
atual, conflitos urbanos e ambientais. O uso do solo urbano em áreas ambientalmente protegidas. O
município de Guaratinguetá: conflitos e aproximações entre o plano urbano e o plano de Bacia na ocupação
urbana em áreas vulneráveis e de risco.
Palavras-chave: ocupação urbana, gestão urbana e ambiental, vulnerabilidade, áreas de risco
ABSTRACT
Conflicts and the interfaces between urban occupation and areas of water protection and environmental
conservation. The stalemate between the urban management and environmental management and its
influence on urban planning, especially in vulnerable areas and risk. The notion of sustainable use
assumption in urban planning in areas of environmental protection and conservation. The paulista region of
Paraíba do Sul River Basin in Metropolitan Region of the Paraíba Valley and the North Coast: current
situation, urban and environmental conflicts. The use of urban land in environmentally protected areas. The
municipality of Guaratinguetá: conflict and approaches between the urban plan and the Basin plan for the
urban occupation in vulnerable areas and risk.
Key words: urban occupation, urban and environmental management, vulnerability, risk areas
528
CONFLITOS ENTRE A OCUPAÇÃO URBANA E A PROTEÇÃO HÍDRICAAMBIENTAL NA BACIA DO RIO PARAÍBA DO SUL: O MUNICÍPIO DE
GUARATINGUETÁ, SP
Silvia P. S. M. Vitale
1
Angélica A. T. B. Alvim
2
INTRODUÇÃO
As ocupações urbanas em áreas de conservação ambiental se caracterizam pelo
conflito entre proteção dos recursos naturais e ambientais e a necessidade de moradia de
populações, muitas delas em situação de pobreza e que se assentam em áreas de encosta
e de inundações definidas como áreas de risco e vulneráveis. Neste contexto o objetivo do
trabalho é caracterizar a região paulista da Bacia do Rio Paraíba do Sul, especialmente a
área do Município de Guaratinguetá e analisar o conflito entre as políticas públicas urbanas
e hídrico-ambientais que vêm influenciando esse quadro na região.
Como objetivo a pesquisa visa compreender os conflitos urbanos e ambientais que
ocorrem na Bacia Estadual do Rio Paraíba do Sul, caracterizada pela existência de áreas de
proteção ambiental e áreas vulneráveis e de risco, que sofreu com a pressão da ocupação
urbana. Recentemente elevada ao status de Região Metropolitana, apresenta o crescimento
urbano intenso no eixo ao longo do Rio Paraíba do Sul e junto às suas várzeas, o qual é
reforçado pelas infraestruturas viárias e de transporte instaladas paralelas a esse eixo.
Um dos reflexos dessa problemática é a deterioração dos recursos naturais, em
especial o recurso hídrico, pois as cidades necessitam se tornar dinâmicas face à sua
sobrevivência econômica, e isso tem gerado pressão sobre o território, refletindo-se na
1
Arquiteta e urbanista; professora da Universidade Nove de Julho e da Universidade Cruzeiro do Sul; doutoranda em
Arquitetura e Urbanismo do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie; [email protected]
2
Arquiteta e urbanista; professora e coordenadora geral de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Presbiteriana
Mackenzie; [email protected]
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liberação de áreas para a ocupação urbana em detrimento de outros usos ligados ao
abastecimento público e à manutenção dos recursos naturais.
Como pano de fundo para essa problemática temos os organismos que atuam na
região, como os comitês de Bacia, e que, no caso do Vale do Paraíba é mais conflituoso por
nele atuarem duas instâncias de comitês – o federal e o estadual- com diferentes enfoques
quanto à abordagem dos problemas ambientais e hídricos na região e com pouca
articulação com a política urbana, importante fator da poluição hídrica e ambiental. Isso se
reflete na pouca interação entre os planos ambientais e os planos urbanos, o que repercute
no crescimento urbano em áreas protegidas ou vulneráveis, gerando risco à população
urbana.
Recentemente têm ocorrido mudanças na abordagem ambiental em áreas de
expansão urbana, preocupadas também com a recuperação ambiental, o que têm
possibilitado novas atuações conjuntas entre instâncias e setores distintos da
administração pública e da sociedade civil na resolução dos problemas urbanos e
ambientais visando a um desenvolvimento sustentável. No entanto no Vale do Paraíba o
enfrentamento dos problemas urbano-ambientais sob essa nova ótica dá seus primeiros
passos, de forma tímida quanto à articulação entre as políticas urbanas e hídricoambientais.
A REGIÃO DO VALE DO PARAÍBA: BREVE CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
O território que configura o Vale do Paraíba está em uma grande área de bacia
hidrográfica, onde o Rio Paraíba do Sul se estende por 1.120 km desde a nascente no estado de
São Paulo até a foz no estado do Rio de Janeiro, abrangendo uma área aproximada de
57.000km². Essa é uma das três maiores bacias hidrográficas secundárias do Brasil, e passa por
três estados da federação – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, sendo que as maiores
cidades se localizam na área do vale médio do rio, principalmente na porção paulista e também na
porção fluminense.
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Figura 01: Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul nos três estados da federação.
Fonte: disponível em
http://www.igam.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=250&Itemid=257
A conformação físico-territorial do Vale do Rio Paraíba do Sul e sua posição estratégica no
território paulista e brasileiro foram os fatores responsáveis pelo início de sua ocupação ainda no
período colonial e, posteriormente, que configuraram sua rede de cidades, estas reforçadas pela
instalação de infraestruturas viárias e de transporte no fim do século XIX paralelas ao eixo do rio.
Essa rede de cidades instalada se beneficiaria com o processo de industrialização no
Século XX destacando-a nacionalmente pela intensa e diversificada atividade econômica, e que
intensificou o crescimento populacional urbano.
O Vale do Paraíba se caracteriza pela produção industrial altamente desenvolvida,
predominando os setores automobilístico, aeronáutico, aeroespacial e bélico nos municípios
localizados no eixo da Rodovia Presidente Dutra. A proximidade com o Litoral Norte e suas
atividades portuárias e petroleiras reforça seu lugar estratégico. A região caracteriza-se, ainda, por
importantes reservas naturais, como as Serras da Mantiqueira, da Bocaina e do Mar. É o segundo
maior produtor de leite do País – atividade que sustenta grande parte da população rural dos
pequenos municípios, e na agricultura, a produção tradicional é a cultura de arroz nas várzeas do
Rio Paraíba (EMPLASA, 2012), que cria conflitos com o abastecimento público devido aos
agrotóxicos despejados nas águas do rio.
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Essa ocupação diversa na região demanda um uso intenso e múltiplo dos recursos
hídricos gerando conflitos pelo uso hídrico na bacia. O Rio Paraíba do Sul é o destino final de
esgotos, de efluentes industriais, dos agrotóxicos da agricultura, do assoreamento e erosão dos
solos devido ao desmatamento das margens. Ao mesmo tempo suas águas e reservatórios são
destinados ao abastecimento público de muitos municípios, especialmente da cidade do Rio de
Janeiro, bem como para a utilização das usinas hidrelétricas, cuja demanda está cada vez maior.
O crescimento industrial da região provocou uma grande concentração populacional que
aumentou a demanda dos recursos naturais da Bacia do Rio Paraíba do Sul: um aumento médio
de 74,79% na população residente na bacia desde 1980.
Devido ao processo histórico no
território da bacia e os ciclos econômicos e sociais que ocorreram e causaram sua degradação
ambiental bem como o crescimento dos municípios e da população, tem-se hoje um cenário de
vulnerabilidades ambientais em relação ao Rio Paraíba do Sul. Para Gil e Dias (2009, p. 102) “a
implantação de políticas públicas pode gerar melhoria da qualidade de vida da população, pois
pode se caracterizar por ações e intenções de desenvolvimento com os quais os poderes e
instituições públicas podem responder às necessidades de diversos grupos sociais”.
A GESTÃO HÍDRICA-AMBIENTAL NO VALE DO PARAÍBA
HISTÓRICO DO ARCABOUÇO INSTITUCIONAL
A Bacia do Rio Paraíba do Sul foi objeto de estudo e planejamento devido ao seu papel
estratégico nacional. Organismos consultivos foram criados, nas escalas estadual e federal, para
implementar desde a infraestrutura hídrica e de saneamento até recomendações sobre o
ordenamento do solo, indicando as zonas preferencialmente destinadas a indústrias, expansão
urbana, agricultura e proteção ambiental. Devido à falta de apoio político muitas ações,
especialmente as ligadas à recuperação da bacia, não foram implantadas. Somente com a
Constituição Federal de 1988 foram criadas as bases para a política dos recursos hídricos.
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Em 1993 o Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Estado de São Paulo foi
definido pela Constituição Estadual de 1989 a partir de Diretriz da Constituição Federal de 1988 e
está ancorado em três instâncias – deliberativa, técnica e financeira - de cuja articulação são
estabelecidos programas e ações nas áreas de recursos hídricos, de saneamento e de meio
ambiente. Por esse sistema o território paulista foi configurado em 22 Unidades de Gerenciamento
de Recursos Hídricos (UGRHIs) que definiram a Divisão Hidrográfica do Estado de São Paulo,
cada uma com seu Comitê de Bacia.
Em 1994 foi criado no Estado de São Paulo o Comitê das Bacias Hidrográficas do Rio
Paraíba do Sul e Serra da Mantiqueira (CBH-PSM) que elaborou em 2000 o primeiro Plano de
Bacia do Paraíba do Sul e Mantiqueira. Em 2001 a Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul se
desmembrou do Comitê da Bacia Hidrográfica da Serra da Mantiqueira (CBH-SM), criando o CBHPS - Comitê das Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul objetivando trabalhar em prol da
conservação e recuperação das águas do Rio Paraíba do Sul e afluentes localizados no trecho
Paulista.
Na escala federal, em março de 1996 foi criado, o Comitê para Integração da Bacia
Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP). Este foi fortalecido com a aprovação da Lei
9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Em 2011 foi criada a Agência de Águas do CEIVAP- AGEVAP e então foi executado um
Projeto Preparatório para o Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Paraíba do Sul (PPG),
buscando consolidar a gestão dos recursos hídricos na bacia, especialmente na área do
saneamento ambiental. Os estudos demonstraram a viabilidade da cobrança pelo uso da água na
bacia em gerar recursos para grande parte dos investimentos previstos mediante um eficiente
sistema de gestão. O PPG foi base para a elaboração do Plano de Recursos Hídricos para a Fase
Inicial da Cobrança na Bacia do Rio Paraíba do Sul (2002-2006) em 2002.
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Em dezembro de 2009 o Comitê paulista da bacia (CBH-PS) aprovou o Plano da Bacia
Hidrográfica do Paraíba do Sul - UGRHI 02 - 2009-2012, o primeiro plano do Comitê
desmembrado em 2001. Em 2013 o Comitê paulista aprovou o Plano da Bacia Hidrográfica do Rio
Paraíba do Sul: Trecho do Estado de São Paulo (UGRHI 02) 2011-2014. Neste, diferente dos
planos anteriores, que enfatizavam investimentos em infraestrutura de saneamento, como forma
de melhorar a qualidade do recurso hídrico, há uma intenção em priorizar ações para desenvolver
os instrumentos de gestão, como uma maior integração dos Planos Diretores Municipais com o
Plano da Bacia.
CARACTERIZAÇÃO DOS CONFLITOS NA BACIA
Segundo Alvim e Kato (2011), a Constituição Federal de 1988 definiu princípios inovadores
para as politicas ambientais e urbanas, reforçando os caminhos distintos uma vez que tais
políticas obedecem a lógicas diferentes e muitas vezes conflitantes.
De acordo com estas autoras, as políticas ambientais (incluindo as políticas hídricas) são
políticas concorrentes, ou seja, são de competência comum dos três níveis de governo; desse
modo devem, quando a área em questão corresponder a dois ou mais municípios do mesmo
Estado, se sujeitar ao Estado e, no caso de corresponder a municípios que estão em estados
diferentes sujeitar-se à União.
Esta situação gera muitos problemas referentes ao uso, escassez e a qualidade da água,
devido à dificuldade em gerir os interesses distintos de muitos usuários, pois particularmente os
recursos hídricos passaram, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a serem entendidos
de forma integrada (saneamento, recursos hídricos e energia) no âmbito da bacia hidrográfica.
Em áreas intensamente urbanizadas, as dificuldades de acesso à habitação e a ausência
de políticas públicas, particularmente urbanas, habitacionais e de infraestrutura de saneamento,
voltadas para a população mais pobre, acabam por induzir a ocupação de áreas impróprias para
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urbanização, contribuindo para acirrar os conflitos entre a preservação ambiental e as atividades
urbanas.
Isso pressupõe a necessidade de convergência entre os instrumentos urbanos e
ambientais e a consolidação de consensos e posturas quanto ao que se entende por preservar e
recuperar as bacias hidrográficas. Nesse panorama emergem os desafios do presente e os
embates necessários entre as políticas ambientais e as políticas urbanas, no sentido da
construção de alternativas capazes de contemplar os interesses públicos em sua dupla dimensão:
a demanda de água para abastecimento humano e suporte econômico, e as demandas de
atividades urbanas em áreas intensamente urbanizadas.
Conforme Alvim (2003, p. 368-369), a articulação entre os diversos setores que
apresentam interface com a gestão dos recursos hídricos indica o êxito de uma gestão integrada
das bacias hidrográficas. Esses setores possuem qualidades diferentes de relação com a gestão
dos recursos hídricos, e, segundo Alvim, podem ser de três tipos:
- Setores diretos: aqueles que necessariamente têm uma articulação direta e inerente com
recursos hídricos, na concepção contemporânea do setor, pois dependem do recurso água. Entre
eles, o saneamento básico, especificamente os setores de abastecimento de água tratada e de
coleta e tratamento de esgotos, o setor energético, a drenagem urbana, e a irrigação.
- Setores correlacionados: são aqueles cuja articulação é evidente na medida em que se tem o
conceito de desenvolvimento sustentável como elemento condutor do gerenciamento dos recursos
hídricos no âmbito de uma bacia hidrográfica. Nesse grupo participam os setores de meio
ambiente, resíduos sólidos, educação e saúde.
- Setores indiretos, de abrangência territorial: são setores de natureza territorial que demandam e
interferem nos recursos hídricos e que devem ser geridos em consonância com a gestão de
recursos hídricos, de modo a atingir a gestão integrada da bacia. Nessa categoria, estão os
setores-chave das políticas de ordenamento territorial urbano: uso e ocupação do solo
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(legislações e instrumentos); habitação, indústrias, grandes equipamentos, circulação e sistema
de transportes e agricultura.
O principal instrumento do Comitê Estadual de Bacia é o Plano de Bacias (Plano da Bacia
Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul 2011-2014). Desde a instalação do Comitê estadual foram
elaborados três planos de bacia que contém princípios e diretrizes em relação à gestão dos
recursos hídricos da região. Muitas destas diretrizes buscam orientar os municípios em suas
políticas urbanas, visto que elas são influenciadas pelas águas e as influenciam. Mas as ações do
Comitê Estadual da Bacia do Paraíba do Sul de certo modo privilegiam problemas dos recursos
hídricos, particularmente dos afluentes estaduais do Rio Paraíba do Sul.
Por outro lado, no âmbito municipal, o principal instrumento é o Plano Diretor, de acordo
com o Lei Federal 10257/2001 – o Estatuto da Cidade – que define orientações da politica urbana
das cidades brasileiras.
A partir do entendimento dos processos de planejamento e gestão em curso tanto do ponto
de vista dos Comitês quanto do ponto de vista dos municípios, acredita-se que a partir do
amadurecimento desses processos de planejamento e gestão e com a maior articulação dos
diversos setores que se relacionam com a bacia devido às questões ligadas às vulnerabilidades
urbano-ambientais, é possível existir um caminho para a aproximação entre as políticas urbanas e
ambientais.
CONFLITOS
URBANO-AMBIENTAIS
NO
VALE
DO
PARAÍBA:
O
MUNICÍPIO
DE
GUARATINGUETÁ, SP
Guaratinguetá é um município do Vale do Paraíba paulista localizado no vale médio
superior do Rio Paraíba do Sul. Configura um importante centro de comércio e de prestação de
serviços da região. Seu território abrange 304,57 km², com uma população de 112 mil habitantes
pelo Censo do IBGE 2010 e PIB de 2,305 bilhões (2010). O município está inserido na bacia
hidrográfica do Rio Paraíba do Sul e tem como principais rios atravessando seu território o próprio
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Rio Paraíba do Sul, além de 5 afluentes: Ribeirão Guaratinguetá, Ribeirão São Gonçalo, Ribeirão
Gomeral, Ribeirão dos Mottas, Ribeirão Pilões. Destaca-se o Ribeirão Guaratinguetá que é
utilizado no abastecimento de água da cidade, ao invés do Rio Paraíba, servindo o município com
a água mais limpa do Vale do Paraíba.
Figura 02: Localização do município de Guaratinguetá, com sua área urbana localizada na porção mais
estreita do território. Verifica-se também a extensa rede hídrica no Município. Fonte: SÃO PAULO
(ESTADO)/IG/CEDEC, 2009.Vol. I, p.56.
A Lei Municipal Nº 1925/86 estabelece as diretrizes básicas para uso e ocupação do solo
no município de Guaratinguetá, dividindo-o em 5 grandes Zonas Urbanas (Sede Urbana, Santa
Edwirges, Rocinha, Pedrinhas e Engenho D’água) e 2 Zonas Rurais (Quebra Cangalha e
Mantiqueira). A cidade conta com uma área militar onde está localizada a Escola de Especialistas
da Aeronáutica (EEAR) e o Aeroporto Edu Chaves destinado exclusivamente a uso militar. Possui
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Escolas de Ensino Superior como a FATEC e a Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá –
UNESP, esta caracterizada pela forte influência da predominância industrial da região. Também
há o Polo Industrial de Guaratinguetá que se destaca pela presença de empresas de grande porte
e de multinacionais, exercendo forte influência na oferta de empregos e na migração dos
municípios adjacentes.
Em relação à forma de ocupação do tecido urbano, percebe-se que o relevo da cidade
condicionou uma ocupação alongada e estreita, acompanhando as margens do rio Paraíba,
invadindo planícies inundáveis, sendo que 2,4 Km² das planícies aluviais encontra-se em área de
APP (Área de Preservação Permanente) do Rio Paraíba do Sul e dessas, 1,3 Km², equivalentes a
10% da área urbana de Guaratinguetá, estão sujeitas a inundações periódicas pelo rio Paraíba do
Sul. Essa ocupação das áreas de planícies aluviais se deu tanto pela população de baixa renda
quanto por loteamentos destinados às classes média e baixa. Para Siqueira, Batista, Targa e
Catelani (2006, p.54) “a falta de um planejamento urbano que leve em conta as questões hidroambientais e técnicas de drenagem eficientes têm agravado ainda mais o problema”.
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Figura 03: Mapa das áreas de risco do Município de Guaratinguetá-SP.
Fonte: ROSSETTI, R. B. (s.d.)
Recentemente foi feito pelo Instituto Geológico em parceria com a Defesa Civil do Estado o
“Mapeamento de riscos associados a escorregamentos, inundações, erosão, solapamento,
colapso e subsidência”, que localiza em Guaratinguetá, na escala 1:3.000, os Perigos de
Inundação e os Riscos de Inundação, Erosão e Solapamento de margens de drenagens. Esse
documento permite que “o município gerencie o processo de uso e ocupação do solo, controlando
a implantação de moradias e outros usos em áreas perigosas ou de risco, bem como proceda a
intervenções para minimização dos riscos”. (SÃO PAULO ESTADO/IG/CEDEC, 2009, p.73)
Por esse documento destaca-se a ocorrência de perigo de inundação em uma extensa
área na planície de inundação do rio Paraíba do Sul, circunvizinha ou coincidente com a mancha
urbana, onde o perigo varia de alto a muito alto, intercalando-se a perigo médio. O documento
indica que se deve evitar a expansão urbana nestes locais. Quanto ao perigo de erosão, este
existe em toda a mancha urbana e regiões circunvizinhas, com gravidade de alta a muito alta,
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intercalando-se a perigo médio a baixo. O documento indica para expansão urbana uma extensa
faixa com perigo médio a baixo localizada nos terrenos com baixa declividade fora da planície do
Rio Paraíba do Sul.
Segundo Siqueira (2006) apud Bassanelli e Batista (2011) faz-se necessário, ainda,
uma análise hidro-ambiental das áreas destinadas a futuros loteamentos, de modo a protegê-los
de danos ambientais, sociais e econômicos, promovendo melhor qualidade de vida aos seus
moradores. No entanto, segundo Bassanelli e Batista (2011), famílias de dois bairros vítimas de
inundações foram removidas para conjuntos habitacionais construídos sobre uma área de
manancial, demonstrando a falta de articulação entre políticas habitacionais e urbanas com
políticas hídrico-ambientais.
Figura 05: Guaratinguetá- áreas inundáveis. Imagem do satélite CBERS 03/08/2006 – Georreferenciada
pelo SPRING e fotos aéreas. Fonte: SIQUEIRA; BATISTA; TARGA; CATELANI (2006), p. 62-63.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do ponto de vista da Bacia é importante que as políticas hídricas e ambientais se articulem
às políticas urbanas buscando ações de recuperação ambiental em áreas degradadas e
considerando a questão habitacional e de ocupação urbana como um problema a ser resolvido de
forma articulada. Do ponto de vista urbano, observa-se a necessidade da cidade se adaptar às
mudanças ambientais, incorporando em seus planos e instrumentos urbanísticos as áreas de risco
e vulnerabilidades no que se refere ao diagnóstico de preexistências e a levantamentos
específicos para sua identificação, antecipando-se a problemas e desastres urbano-ambientais e
suas soluções, com intervenções orientadas para a sustentabilidade ambiental de forma ampliada.
Sem considerar essa abrangência o plano diretor e seus instrumentos urbanísticos explicitam a
falta de comprometimento com a questão, especialmente porque é considerado o principal
instrumento “para a adaptação urbana e o enfrentamento dos riscos [...] [e] é o recurso mais
importante para a gestão urbana visando à adaptação de cidades”. (LEMOS, 2010, p.204).
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GERENCIAMENTO INTEGRADO DE RESÍDUOS SÓLIDOS
RESUMO
Este artigo tem como objetivos:refletir sobre o conceito de gerenciamento integrado de resíduos sólidos
urbanos e seus benefícios econômicos, sociais e ambientais; entender como os países europeus resolvem
essa questão e traçar um quadro sucinto sobre a situação em que o Brasil se encontra em relação a esta
questão, considerando o impacto do aumento do volume de resíduos que é superior ao crescimento
populacional. Este assunto é o mote da discussão da tese de doutorado em desenvolvimento.
Palavras-chave: resíduos sólidos urbanos, gerenciamento integrado, gestão urbana.
ABSTRACT
The article's purpose is reflect on the concept of municipal solid waste integrated management and its
economic, social and environmental; understanding how European countries solve this issue and outline a
summary table on the situation in Brazil regarding to this question, considering the impact of the increase in
the volume of waste that is higher than the population growth. This issue is the discussion theme of the
doctoral thesis in development.
Key words: solid waste, integrated management, urban management.
545
GERENCIAMENTO INTEGRADO DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Verônica Polzer
1
Maria Augusta Justi Pisani
2
INTRODUÇÃO
O acúmulo de resíduos nos grandes centros urbanos vem se agravando devido a
diversos fatores que vão desde o aumento da população, o consumismo desenfreado, o
crescimento da economia, as falhas na coleta dos resíduos e na sua destinação correta
como a reciclagem e compostagem e por fim a ausência de consciência ambiental da
sociedade como um todo. Na natureza todos os resíduos produzidos são absorvidos
dentro de um ciclo continuo e fechado, diferentemente das atividades humanas que
provocam um acúmulo de resíduos quebrando o ciclo natural. Portanto o aumento da
população somado ao consumismo sem precedentes tem como conseqüência o acúmulo
de resíduos nas cidades. O gráfico 1 indica o crescimento populacional desde do ano 1 da
era cristã, cujo número de habitantes era em torno de 133 milhões, depois em 1950 passou
a ser 2,5 bilhões e em 2011 atingiu 7 bilhões. É possível observar também que os períodos
em que a população dobra de tamanho são cada vez menores. Em relação ao crescimento
do volume de resíduos sólidos, segundo a Abrelpe (2011) foi registrado um crescimento de
1,8% de 2010 para 2011 enquanto a população cresceu 0,9% no mesmo período. Isto
1
Doutoranda e Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012). Possui
especialização em Gerenciamento de Empreendimentos na Construção Civil (2009), graduação em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2006) e técnico em Desenho de Construção Civil pelo Liceu de
Artes e Ofícios de São Paulo (1999). Mackenzie, Rua Itambé, 45, tel 97123-1230, [email protected].
2
Arquiteta e Urbanista (1979), especialista em patrimônio Histórico (1981) e em obras de restauro (1982) pela FAUUSP,
Mestre (1991) e Doutora (1998) pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Professora da FAU Mackenzie.
Lidera o Grupo de Pesquisa: Arquitetura e Construção. Coordenadora pedagógica do MINTER em Arquitetura
Mackenzie –UNIFOR. Mackenzie, Rua Itambé, 45, tel 2114-8298, [email protected].
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546
significa que o crescimento no volume de resíduos gerados é ainda superior ao
crescimento da população.
Gráfico 1.1 - Crescimento Populacional. Fonte: Gráfico da autora baseado em UNITED NATIONS,2011, p.5
Os resíduos gerados ainda têm como agravante o destino incorreto para os aterros
sanitários e lixões, considerando que grande parte destes materiaispoderiam ser desviados
para a reciclagem e compostagem. Sem um programa de coleta seletiva, logística reversa e
educação ambiental eficiente a cidade sofre com o depósito de resíduos em locais
irregulares e a abertura de novos aterros sanitários em períodos cada vez menores.
Segundo a Cetesb (1982) o aterro sanitário tem como vida útil mínima 10 anos, o que é
muito inferior comparado a aterros sanitários em países desenvolvidos cuja a vida útil é
superior pois o material tem outros destinos antes do aterro sanitário como reciclagem,
compostagem e i
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