Desenvolvimento e cultura
Parâmetros para a reflexão dessa complexa relação
Cláudia Ribeiro Pfeiffer
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PFEIFFER, CR. Desenvolvimento e cultura: parâmetros para a reflexão dessa complexa relação. In
BRASILEIRO, MDS., MEDINA, JCC., and CORIOLANO, LN., orgs. Turismo, cultura e
desenvolvimento [online]. Campina Grande: EDUEPB, 2012. pp. 151-168. ISBN 978-85-7879-194-0.
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Desenvolvimento e cultura: parâmetros
para a reflexão dessa complexa relação
Cláudia Ribeiro Pfeiffer
Introdução
Esse texto, de caráter exploratório, tem por finalidade
apresentar subsídios que contribuam para fundamentar a construção de posicionamentos teóricos, criteriosos,
sobre a complexa relação entre desenvolvimento e cultura.
Especificamente, sobre a necessidade e as possibilidades de
desenvolvimento em locais ainda não inseridos, de forma
competitiva, nos espaços econômicos globais; ou, em outros
termos, em locais nos quais, a(s) “cultura”(s) não esteja(m)
completamente submetida(s) à lógica capitalista.
Ele é produto de reflexões desencadeadas a partir do debate
acadêmico, internacional e nacional, sobre as possibilidades e
limites de desenvolvimento econômico local, em contexto de
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globalização da economia. Debate que pode ser sintetizado
nas seguintes posições:
• As economias locais só podem ser encaradas como
malhas de uma rede econômica global, sem qualquer realidade própria fora desse contexto (Amin e
Robins, 1994).
• Existe uma heterogeneidade importante no sistema
econômico mundial. Enquanto algumas frações ou
segmentos do sistema possuem uma forte vinculação com um núcleo globalizado internacional, outras
frações e segmentos - ou circuitos de obtenção de
excedentes econômicos - possuem tão-somente uma
vinculação limitada, muito reduzida ou nula, sendo
sua lógica de funcionamento muito distinta (economia camponesa, economia de subsistência, o setor
informal ou as pequenas empresas de âmbito local ou
regional). Em sendo assim, a via tradicional do desenvolvimento concentrador e urbano-industrial não
deixou de ocorrer, mas outras vias de desenvolvimento
econômico passaram a existir. (Llorens, 2001)
• Há uma grande variedade de produção não capitalista no mundo. Experiências que se fundamentam e
se caracterizam por valores e práticas nas quais predominam os princípios da igualdade, da solidariedade
e do respeito à natureza e não por valores e práticas
que produzem: desigualdades de recursos e de poder;
formas de sociabilidade empobrecidas, reduzidas ao
intercâmbio e ao benefício pessoal produzido pelas
relações de concorrência; esgotamento dos recursos
naturais. (Santos, 2005).
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A autora parte do pressuposto de que um posicionamento
criterioso sobre as necessidades e/ou possibilidades de desenvolvimento – e não apenas de desenvolvimento econômico
- em locais com as características acima destacadas, passa pela
explicitação do que se entende por cultura e desenvolvimento,
vocábulos polissêmicos. E no sentido de contribuir para sua
construção, apresenta: (i) conceitos de cultura e concepções
de desenvolvimento, presentes na literatura sobre o tema;
(ii) os conceitos de cultura e desenvolvimento que adota em
suas reflexões; (iii) seu posicionamento atual em relação ao
assunto. Antes, porém, cabe explicar porque considera relevante a construção desses posicionamentos.
Empresariamento urbano e “empresariamento
cultural”: o avanço perigoso dessas estratégias de
promoção do desenvolvimento local no Brasil
Desde o início da década de 90, quando os governos dos
municípios brasileiros começam a experimentar a autonomia
conquistada com a Constituição de 1988, uma série de estratégias, até então não experimentadas no país, vem sendo adotadas por eles no sentido de ampliar a democracia, melhorar
a atividade governamental, resolver problemas e promover
desenvolvimento. Dentre elas, destacam-se as estratégias que
podemos denominar de ativismo democrático, “empreendedorismo governamental” e empresariamento urbano.
O ativismo democrático consiste na atitude governamental em relação à administração urbana, orientada pela concepção de que é preciso alargar, radicalizar a democracia e a
cidadania, em termos políticos e econômicos, por meio de:
construção de espaços de participação popular na gestão local
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ou, em outros termos, de novas esferas públicas de exercício
da cidadania e de controle sobre o Estado; direcionamento
para demandas sociais, através da inversão de prioridades das
políticas municipais, ou seja, do atendimento de demandas
populares mais imediatas e localizadas; democratização das
informações e do acesso aos bens e serviços públicos; construção de uma nova cultura política (Fedozzi, 1997).
O “empreendedorismo governamental” caracteriza-se por
atitudes em relação à administração urbana, orientadas pela
concepção de que os governos devem ser empreendedores,
inovadores, imaginosos, criativos, para melhorar a atividade
governamental. O que significa: governos dispostos a abandonar velhos programas e métodos e a assumir riscos; a transformar funções da cidade em fontes de receita; a trabalhar
de acordo com o setor privado; a privatizar-se e orientar-se
para o mercado; a focalizar a avaliação de desempenho das
suas ações. Sobretudo, mediante: promoção da competição
entre os que prestam serviços; transferência das atividades da
burocracia para cidadãos; avaliação da atuação das agências
em função dos resultados; orientação por objetivos e não por
regulamentos e regras; redefinição dos usuários como clientes
(oferta de opções); oferta de serviços a guisa de correção ou
remédio; investimento na produção de recursos para as despesas; promoção do gerenciamento com participação; preferência por mecanismos de mercado a soluções burocráticas;
catalisação dos setores público, privado e voluntário para
a ação conjunta na resolução de problemas comunitários.
(Osborne e Gaebler, 1995)
O empresariamento urbano pode ser apresentado como
um comportamento empresarial adotado por coalizões de
forças que se formam nas cidades, para tentar atrair fontes
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externas de financiamento, novos investimentos diretos ou
novas fontes geradoras de emprego, no sentido de tornar as
cidades mais atrativas para o desenvolvimento capitalista.
Nessa estratégia, o governo e a administração urbana desempenham um papel de agilizadores dos interesses estratégicos
desse desenvolvimento. Sua implementação se realiza por
meio de iniciativas voltadas para: explorar vantagens específicas para a produção de bens e serviços (recursos básicos, localização ou vantagens criadas através de investimentos públicos
e privados e de subsídios); transformar a cidade em lugar inovador, excitante, criativo e seguro para viver, visitar, jogar e
consumir; transformar a cidade em local de controle e funções de comando de altas operações financeiras, de governo
ou de centralização e processamento; assegurar a sobrevivência da cidade através da captura/manutenção de repasses dos
governos centrais (Harvey, 1996).
Ainda que as três estratégias continuem sendo adotadas nos diversos municípios brasileiros, pode-se afirmar
que a lógica do empresariamento urbano avança por todo o
país, tentando se impor em atividades econômicas, regiões
e locais, até muito recentemente não atrativos para os interesses estratégicos do desenvolvimento capitalista -, como,
por exemplo, o artesanato, pequenas cidades do Nordeste
e as chamadas “comunidades tradicionais” - inaugurando o
que a autora denomina aqui, provisoriamente, de empresariamento “cultural”.
Na avaliação da autora, o avanço no país de estratégias de
desenvolvimento, que visam a transformar locais não atrativos para os interesses estratégicos do desenvolvimento capitalista em locais atrativos para esses interesses, pode levar à
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desintegração/apagamento de “culturas” e, consequentemente, resultar em sérios problemas para aqueles que nelas ou
sob sua influência vivem, como o comprovam diversos relatos
de pessoas que residem nos mesmos, em pesquisas e eventos
realizadas recentemente.
Mas o que se entende por cultura?
Com base em Laraia (2009), pode-se afirmar que o interesse nos costumes e modos de comportamento dos diferentes
povos do mundo é muito antigo. Heródoto (484-424 a.C.),
o grande historiador grego, já o manifesta, quando se surpreende ao estudar o sistema social dos lícios, considerando seus
costumes diferentes de todas as outras nações do mundo.
Também são antigas as teorias que tentam explicar as
diferenças entre esses costumes e modos de comportamento,
associando-as a determinantes biológicos ou geográficos.
Mas o conceito de cultura surge somente entre o final do
século XVIII e início do XIX, quando Edward Tylor sintetiza
no vocábulo inglês culture, o termo germânico Kultur - utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma
comunidade -, e a palavra francesa civilization, que se referia,
sobretudo, às realizações materiais de um povo.
A síntese de Tylor resulta na definição de cultura como
o “todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte,
moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito
adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”
(Tylor, 1871, apud Laraia, 2009: 25).
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Desde então, tem início um grande debate em torno do
conceito, o qual, segundo Santos (2003), até a década de 1980,
referia-se, por um lado, a repositório do que de melhor foi pensado e produzido pela humanidade e, por outro, a totalidades
complexas que se confundem com a sociedade, permitindo
caracterizar modos de vida baseados em condições materiais
e simbólicas. Tornando-se, a partir dessa década, estratégico
para a definição de identidades e de alteridades no mundo,
um recurso para a afirmação da diferença e da exigência do
seu reconhecimento e um campo de lutas e contradições.
Além da definição de Tylor e das ideias de Santos, cabe
destacar, também, como referências importantes para o entendimento dos significados do termo cultura, os antropólogos
funcionalistas Bronislaw Malinowski e Reginald Radcliffe
Brown, que defendiam a ideia de que as necessidades de alimento, abrigo, reprodução e defesa são respondidas nas formações sociais por modos peculiares de vida, por um sistema
singular de instituições inter-relacionadas e que funcionam
conjuntamente. E, ainda, Clifford Geertz, que concebe cultura como uma “teia de significados” que o homem tece ao
seu redor e que o amarra. Nas palavras do autor:
O conceito de cultura que eu defendo (...)
é essencialmente semiótico. Acreditando,
como Max Weber, que o homem é um
animal amarrado a teia de significados
que ele mesmo teceu, assumo a cultura
como sendo essas teias e a sua análise;
portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma
ciência interpretativa à procura do significado. (Geertz, 1989, p. 15).
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Portanto, por cultura, pode-se entender: costumes, modos
de comportamento e modos peculiares de vida; todos complexos e sistemas singulares de instituições inter-relacionadas
e que funcionam conjuntamente; teias de significado tecidas pelos homens; o que de melhor foi pensado e produzido
pela humanidade; um recurso para a afirmação da diferença
e da exigência do seu reconhecimento; um campo de lutas e
contradições.
Para fins da reflexão proposta nesse trabalho, no entanto,
cultura será entendida, com base nas ideias e conceitos de
Malinowski e Radcliffe-Brown, Tylor, Weber e Geertz, como
modo de viver de um grupo - constituído com base em costumes, crenças, conhecimentos, valores e códigos de conduta,
herdados das gerações anteriores e/ou reconhecidos socialmente como relevantes -, que organiza e dá sentido a existência das pessoas que o compõem. Este é o conceito da autora.
Desenvolvimento: abordagens e conceitos
O debate sobre desenvolvimento talvez seja mais intenso e
controverso do que o debate sobre o conceito de cultura.
Segundo Oliveira (2002), o tema ganha importância
a partir da Segunda Guerra Mundial, com a necessidade dos
países nela envolvidos de livrar o mundo e, sobretudo, seus
próprios territórios, dos problemas que os perseguiam nos
períodos anteriores: guerra, desemprego, miséria, discriminação racial, desigualdades políticas, econômicas e sociais.
Os níveis elevados de conforto e de qualidade de vida
alcançados pelas nações mais industrializadas do planeta,
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como Estados Unidos e Inglaterra, no pós-guerra, somados
à constatação de que o crescimento concentrou-se em alguns
centros, acentuando as desigualdades entre países, regiões e
pessoas, aumentaram ainda mais a importância do tema.
Pode-se dizer que, em um primeiro momento, desenvolvimento foi associado a crescimento ou a desenvolvimento econômico. Aponta-se a existência de duas correntes
de pensamento econômico sobre o tema (Souza, 1993,
apud Oliveira, 2002): a primeira encara o crescimento
econômico como sinônimo de desenvolvimento econômico
- nessa corrente estão os modelos de crescimento da tradição
clássica e neoclássica; a segunda considera que o crescimento
econômico é condição indispensável para o desenvolvimento econômico, mas não é condição suficiente - nesta
corrente estão os economistas de orientação crítica, formados na tradição marxista ou cepalina, que conceitua o crescimento como uma simples variação quantitativa do produto,
enquanto desenvolvimento é caracterizado por mudanças
qualitativas no modo de vida das pessoas, nas instituições e
nas estruturas produtivas.
Ao longo do tempo, no campo da economia, a constatação
de que o crescimento econômico e a acumulação desenfreada
não se faziam acompanhar de desenvolvimento econômico,
gerou a preocupação com o caráter sustentável do desenvolvimento. Percebeu-se que as gerações futuras não teriam as
mesmas condições e recursos naturais para se desenvolver
do que a geração atual, devido ao impacto que a acumulação
desenfreada gera sobre o meio ambiente. E criou-se o conceito
de desenvolvimento sustentável.
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A ideia de desenvolvimento sustentável está focada na
necessidade de promover o desenvolvimento econômico,
satisfazendo as “necessidades do presente, sem comprometer
a capacidade das novas gerações atenderem as suas próprias
necessidades” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p.46).
Mas se o tema desenvolvimento vem sendo associado, predominantemente, a crescimento e desenvolvimento econômico, isto não quer dizer que não existam outras abordagens
sobre o tema.
Ainda na década de 70, Furtado (1974, p.75) afirma:
a idéia de desenvolvimento econômico é
um simples mito. Graças a ela tem sido
possível desviar as atenções da tarefa
básica de identificação das necessidades
fundamentais da coletividade e das possibilidades que abrem ao homem os avanços
da ciência, para concentrá-las em objetivos abstratos, como são os investimentos,
as exportações e o crescimento.
Nas últimas duas décadas, no âmbito do pensamento
econômico, o foco da preocupação com os impactos do crescimento econômico se deslocou do meio ambiente para as
pessoas. Pensa-se hoje, cada vez mais, se os incrementos positivos no produto e na renda total estão sendo utilizados ou
direcionados para promover o desenvolvimento humano,
definido por Sen (2000), como a expansão das capacidades
das pessoas de exercer, ponderadamente, sua condição de
agente e de levar o tipo de vida que valorizam.
161
Por outro lado, Wolfe (1991) postula que desenvolvimento deve ser pensado não apenas em termos de desenvolvimento econômico, mas em termos de desenvolvimento social.
Ele acredita que seres humanos e seus desejos são capazes de
alterar estruturas, de encontrar caminhos entre o que é dado
pelas circunstâncias de tempo, lugar e cultura e o que é possível fazer nesse contexto, através do poder da cooperação e da
escolha social.
Uma outra abordagem sobre desenvolvimento, encontra-se no Relatório da Comissão Mundial de Cultura e
Desenvolvimento da UNESCO, formada por um grupo
independente de importantes economistas, cientistas sociais,
artistas e pensadores, sob a coordenação do ex-secretário geral
das Nações Unidas, Javier Pérez de Cuéllar, publicado em
1997. Qual seja:
O desenvolvimento divorciado do seu
contexto humano e cultural não é mais do
que um crescimento sem alma. O desenvolvimento econômico, em sua plena realização, constitui parte da cultura de um
povo. Essa ideia, contudo, não é comumente aceita. A visão convencional trata
a cultura como fato catalisador ou como
obstáculo ao desenvolvimento econômico (...) a tese contida nesse relatório é
a de que desenvolvimento compreende
não apenas o acesso a bens e serviços, mas
também a possibilidade de escolher um
estilo de coexistência satisfatório, pleno e
agradável. Os bens e serviços presentes na
visão convencional e estreita do desenvolvimento só têm valor porque contribuem
para nossa liberdade de viver de acordo
162
com nossos próprios valores. A cultura,
por conseguinte, mesmo tendo em vista
sua importância como instrumento do
desenvolvimento (ou obstáculo a ele), não
pode, em última instância, ser reduzida à
posição subsidiária de mera promotora
(ou freio) do crescimento econômico. O
papel da cultura não se esgota no de servir
a certas finalidades – embora o conceito,
em seu sentido estrito, possa ter efetivamente essa função; constitui, de forma
mais ampla, o fundamento social das próprias finalidades (...). ,
Ao contrário do meio ambiente físico,
onde não poderíamos ousar aprimorar o
que a natureza já fornece de forma perfeita,
a cultura é fonte permanente de progresso
e de criatividade. Quando tivermos superado nossa visão do papel instrumental da
cultura, e tivermos reconhecido seu papel
construtivo, constitutivo e criativo, teremos
de pensar o desenvolvimento de maneira a
englobar o crescimento cultural” (Nossa
Diversidade Criadora, 1997, p.21-22).
A autora concorda com as ideias de Furtado, Wolfe,
Sen e do Relatório da Comissão Mundial de Cultura e
Desenvolvimento da UNESCO. E, para fins da reflexão
proposta nesse trabalho, entende por desenvolvimento: um
processo social e não econômico, um processo que deve levar
à ampliação das capacidades das pessoas e dos grupamentos
humanos de, ponderadamente, definir e tentar levar o tipo de
vida que valorizam. Um processo não divorciado do seu contexto humano e cultural. Um processo com alma.
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Desenvolvimento em locais nos quais a(s)
cultura(s) não esteja(m) submetida(s) à lógica
capitalista: posicionamento
Como dito na introdução ao texto, sua finalidade consistia em apresentar os seguintes subsídios para a construção de
posicionamentos teóricos criteriosos sobre a necessidade e/
ou as possibilidades de desenvolvimento em locais ainda não
inseridos, de forma competitiva, nos espaços econômicos globais ou, em outros termos, em locais nos quais a(s) cultura(s)
não esteja(m) completamente submetida(s) à lógica da economia capitalista: (i) conceitos de cultura e concepções de
desenvolvimento, presentes na literatura sobre o tema; (ii)
conceitos de cultura e desenvolvimento adotados pela autora
em suas reflexões; (iii) seu posicionamento atual em relação
ao assunto.
Uma vez apresentados conceitos de cultura e concepções
de desenvolvimento presentes na literatura sobre o tema, uma
vez apresentados os conceitos de cultura e desenvolvimento
da autora, passa-se a expor seu posicionamento em relação à
necessidade e /ou às possibilidades de desenvolvimento em
tais locais.
Sobre a necessidade de desenvolvimento
Considerando as definições de desenvolvimento e cultura adotadas para fins desse trabalho, acredita-se que o
desenvolvimento - se entendido como o processo que amplia
a capacidade das pessoas e grupos de definir e tentar levar o
tipo de vida que valorizam, ponderando sobre os impactos
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de suas escolhas na própria vida e na vida do grupo do qual
fazem parte, nos modos de viver que organizam e dão sentido a sua existência - é sempre necessário. E não apenas em
locais nos quais a(s) cultura(s) não esteja(m) completamente
submetida(s) à lógica e práticas capitalistas - lógicas e práticas
que, como afirma Santos (2005), produzem desigualdades de
recursos e de poder, formas de sociabilidade empobrecidas,
reduzidas ao intercâmbio e ao benefício pessoal produzido
pelas relações de concorrência, e esgotamento dos recursos
naturais. Mas em todos os locais do planeta.
O problema é como desencadeá-lo, promovê-lo, transformá-lo em resultados satisfatórios para a existência das pessoas
e a vida em sociedade.
Quanto à necessidade dos outros tipos de desenvolvimento, apresentados anteriormente com base na literatura
sobre o tema, acredita-se que esta deve ser definida a partir da
ponderação acima mencionada, por grupos que representem
a diversidade de ideias e expectativas presentes nos diversos
locais.
Os desenvolvimentos possíveis
Sobre os desenvolvimentos possíveis em locais nos quais
a(s) cultura(s) não esteja(m) completamente submetida(s) à
lógica e práticas capitalistas, acredita-se que estes irão depender dos interesses e da força dos agentes locais e, sobretudo,
das lideranças políticas e sociais locais.
Se essas lideranças reconhecerem a importância e valorizarem a cultura local, como definida neste trabalho, os
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processos de desenvolvimento resultarão em modos de viver
adequados às características e desejos da população local e na
ampliação da capacidade de todos de definir e tentar levar o
tipo de vida que valorizam.
Se essas lideranças não reconhecerem a importância e não
valorizarem a cultura local, os processos de desenvolvimento
poderão resultar na desintegração ou no apagamento de
“culturas” e, consequentemente, na desorganização da vida,
na perda do sentido da existência e em outros tantos problemas para parcelas da população que sob sua influência vivem;
parcelas estas maiores ou menores em função da estratégia
adotada.
Considerações Finais
Diante dessas reflexões, vislumbram-se pelo menos dois
cenários distintos para locais nos quais a(s) cultura(s) não
esteja(m) completamente submetida(s) à lógica e práticas
capitalistas e para as populações que neles vivem.
No primeiro cenário, os locais têm sua cultura reconhecida e valorizada e sua população lugar de agente ou partícipe de processos sociais e políticos, inéditos e criativos, que
resultem em modos de viver adequados às suas características,
necessidades e desejos.
No segundo cenário, os locais têm elementos de sua cultura identificados como mercadorias vendáveis no mercado
capitalista e sua população, lugar de objeto de processos que
podem trazer sérios problemas para ela.
166
Diante desse contexto, e no sentido de contribuir para
que o primeiro cenário se materialize, termina-se esse texto
com a informação de que se encontram em elaboração projetos de pesquisa e extensão que têm por finalidade identificar/
construir alternativas de desenvolvimento com base nas culturas locais.
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