UM ESTUDO SOBRE DESENVOLVIMENTO LOCAL SOLIDÁRIO:
CONCEITOS E ESTRATÉGIAS
Capitalismo Contemporâneo, Socialismo e Economia Solidária
Felipe Pateo e Vanessa Sígolo – ITCP-USP1
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Resumo: texto apresentado a seguir é fruto dos estudos e discussões do Núcleo
Rede da ITCP-USP, e apresenta e discute três conceitos de desenvolvimento, e a
proposta de desenvolvimento local solidário e estratégias locais envolvidas na Rede
Solidária da Zona Sul, que buscam novas perspectivas de desenvolvimento local
pautadas na Economia Solidária.
Palavras-chave: Desenvolvimento, Economia Solidária, estratégias locais.
1. Introdução
O Núcleo Rede da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da
Universidade de São Paulo (ITCP-USP) foi criado em 2005 com o objetivo de apoiar
o trabalho desenvolvido em campo, por meio da pesquisa sobre o tema de redes
solidárias e estratégias para o desenvolvimento local. Com este objetivo, o Núcleo
envolve formadores, colaboradores e professores no estudo e articulação do
trabalho em campo com a produção de pesquisa. Desde sua criação, a equipe
responsável estuda uma metodologia de desenvolvimento de estratégias locais,
contrapondo-se ao modelo de desenvolvimento vigente, buscando perspectivas para
o desenvolvimento local pautado nos princípios da Economia Solidária. Tendo como
importante base de reflexão o trabalho da ITCP-USP, ao longo desses 9 anos,
principalmente na zona sul de São Paulo, o Núcleo exerce atividades de pesquisa
teórica, leitura de textos, estudos de casos, intercâmbio de experiências com outras
instituições e reuniões e debates.
O texto apresentado a seguir é fruto desses estudos e discussões, e foi
escrito a múltiplas mãos, representando um esforço de diálogo e construção
1
Texto de autoria coletiva de: Felipe Pateo, Marcel Nicolau, Ricardo Buzzo, Werner Regenthal,
Vanessa Sígolo, Lúcia Araújo, Virgínia Luz, Bruno Villela e Gabriela Iglesias. Colaboradores: Felipe
Bueno, Ana Terra e Danilo Guirro. Todos os nomes citados compõem o Núcleo Rede da ITCP-USP
coletiva.
Nele,
buscamos
apresentar
um
estudo
sobre
o
conceito
de
desenvolvimento, a proposta de desenvolvimento local solidário e as estratégias
locais envolvidas na Rede Solidária da Zona Sul, que buscam novas perspectivas de
desenvolvimento local pautadas na Economia Solidária.
2. O conceito de desenvolvimento
O debate apresentado abaixo se baseia no estudo de José Eli da Veiga
(2005) e em discussões do Núcleo Rede. Pretendemos aqui fazer uma análise da
evolução histórica do conceito de desenvolvimento e apresentar alguns debates
atuais referentes ao tema. Para tanto, apresentamos a seguir três vertentes do
conceito de desenvolvimento.
2.1. Desenvolvimento como crescimento econômico
Até 1960, as nações desenvolvidas eram aquelas que tinham apresentado
grande crescimento econômico e se tornado mais ricas, o que levava a imensa
maioria dos economistas a igualar crescimento a desenvolvimento econômico. Esta
identidade entre os conceitos passou a ser questionada a partir da década de 60,
quando o rápido crescimento de alguns países periféricos, como o Brasil, não se
traduziu em maior acesso das populações pobres a bens materiais e culturais.
A partir da década de 90, essa visão tornou-se quase insustentável, dada a
publicação pela ONU do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que engloba
outras variáveis, como a taxa de mortalidade infantil, a expectativa de vida e o
analfabetismo, além da renda per capita. Ainda assim, os manuais de economia
mantêm uma postura de usar os termos como sinônimos ou simplesmente banir o
conceito de desenvolvimento de seu conteúdo. Da mesma forma, dentro do curso de
economia, as matérias sobre desenvolvimento são deixadas em segundo plano,
favorecendo aquelas sobre macro e microeconomia, um reflexo da posição da
academia sobre a não importância do estudo sobre o tema.
Na esquerda, a identidade entre os conceitos refletiu-se no pensamento
desenvolvimentista cepalino, incluindo autores como Prebisch e nos primeiros
escritos de Furtado. Esse pensamento enfatizava a substituição de importações
como motor para industrialização e crescimento econômico, que teria como objetivo
final alcançar o nível de modernização dos países considerados desenvolvidos.
2.2. Desenvolvimento como mito
No pensamento da esquerda, relatado anteriormente, a antiga interpretação é
substituída pela visão de que o desenvolvimento seria algo inalcançável, uma
quimera, um mito construído para iludir com falsas esperanças os povos do terceiro
mundo.
Um dos autores a incorporar essa idéia foi o próprio Furtado, em suas
palavras: “Como negar que essa idéia (o desenvolvimento) tem sido de grande
utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios,
para legitimar a destruição de formas de cultura arcaicas, para explicar e fazer
compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de
dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo” (FURTADO,
1974). Mesmo assim, Furtado prosseguiu estudando o desenvolvimento. Sua
análise era que esse mito tinha uma função para o cientista social, equivalente a de
um farol, fazendo com que este enxergasse certos problemas, e ignorasse outros.
O principal autor a popularizar esse conceito de desenvolvimento como mito
foi Giovanni Arrighi, marxista italiano, que enfatizava a presença de uma rígida
hierarquia na economia capitalista mundial. Hierarquia esta marcada: pela presença
de um núcleo orgânico, formado pelos países desenvolvidos; por uma semiperiferia,
formada pelos países chamados emergentes: e por uma periferia, formada pelos
países subdesenvolvidos. Arrighi, no entanto, ainda estava preso à vertente anterior,
visto que separava os países em esferas de acordo com o seu PIB per capita, não
fazendo, portanto, uma diferenciação entre desenvolvimento e crescimento. Pode-se
constatar desta forma que realmente as economias periféricas nunca serão
desenvolvidas – se considerarmos como desenvolvimento tornar-se similar às
economias que formam o centro do sistema capitalista.
Outra visão do desenvolvimento como mito é a do peruano Oswaldo de
Rivero, que faz uma análise histórica da inviabilidade dos países do terceiro mundo,
a começar pelo seu processo de surgimento como estado-nação, que, ao contrário
do que ocorreu nos países considerados desenvolvidos, não se deu a partir do
surgimento de uma burguesia e um mercado de dimensão nacional. Associado a
esse processo histórico, Rivero aponta a miséria científico-tecnológica e a explosão
demográfica desses países, o que geraria uma incapacidade de transferência de
recursos do mercado mundial para suas populações urbanas. Neste sentido, a
miséria dos países do terceiro mundo estaria associada a disfunções qualitativas,
estruturais, culturais, sociais e ecológicas, não somente econômicas. A solução para
Rivero, portanto, é que dada à inviabilidade destes países, eles se unam em uma
espécie de pacto pela sobrevivência das nações, que substituiria a agenda de busca
por riqueza e desenvolvimento.
2.3. Desenvolvimento como expansão das liberdades e criatividades
Pela predominância de uma visão que negava a possibilidade de
desenvolvimento dos países do chamado terceiro mundo à semelhança dos países
desenvolvidos, se passaram algumas décadas até que se propusesse uma agenda
positiva em busca de um tipo de desenvolvimento possível e desejável.
Envolvido nessa nova corrente, Furtado, já no ano 2000, redefiniu como um
tema central do estudo do desenvolvimento a questão da criatividade cultural e da
morfogênese social. A questão que ele se propõe é: porque uma sociedade
apresenta em certo período da sua história uma grande capacidade criadora?
Furtado explica essa capacidade criadora em torno de dois eixos: eficácia na ação
(técnica) e busca de propósito para vida (valores), e aponta um questionamento
sobre o fato de que nos últimos duzentos anos a humanidade tenha se focado
essencialmente ao aprimoramento apenas de técnicas (FURTADO, 2000).
Principalmente a partir dos anos 90, percebeu-se a importância de se refletir
sobre a natureza do desenvolvimento que se almeja e, com isso, o crescimento
econômico passou a ser entendido como elemento de um processo maior. O
principal nome propagador dessa nova concepção de desenvolvimento é o
economista indiano, ganhador do Nobel, Amartya Sen, que publicou, em 1997, o
livro Desenvolvimento como Liberdade. Nele, Sen define desenvolvimento como a
expansão das liberdades humanas e procura demonstrar o papel das diferentes
formas de liberdade no combate às privações, que podem ser encontradas tanto em
países pobres quanto ricos. Sen propõe que a liberdade individual seja um
compromisso social, e a expansão das liberdades o principal meio e o principal fim
do desenvolvimento. Por exemplo, uma política de orçamento participativo funciona
como fim, visto que expande a liberdade de participação política da população, e
também como meio, pois proporciona que as necessidades básicas da população
sejam mais bem atendidas, libertando-a de privações físicas.
O autor aponta ainda que não se alcança uma liberdade em detrimento de
outra, ou seja, privando uma liberdade para que outra seja alcançada. O maior
exemplo disso é a negação da proposição muito comum de que um regime de
ditadura seria mais propício para o crescimento econômico e, portanto, para o
desenvolvimento. Ora, não se pode chamar de desenvolvimento uma expansão das
liberdades econômicas às custas de uma retração nas liberdades políticas. Dessa
forma, o crescimento econômico pode ser uma forma de expandir as liberdades,
mas para que isso efetivamente aconteça outros fatores devem ser levados em
conta como educação, saúde e direitos civis.
A expansão da liberdade poderia ser dividida em 5 elementos constituintes:
liberdade política, facilidades econômicas, oportunidades sociais, empoderamento e
segurança protetora (em oposição à visão tradicional de segurança pública). Dados
esses elementos, Sen aponta 3 principais fatores para a negação de liberdades: a
pobreza econômica, causando fome, desnutrição, impossibilidade de moradia
adequada, vestimenta etc; a carência de serviços públicos e assistência social,
como saúde pública, educação e manutenção da segurança pública; e a privação
das liberdades civis, políticas ou restrições impostas à liberdade de participar da vida
social, política e econômica da comunidade, causada por governos repressivos ou
autoritários.
Esse novo conceito de desenvolvimento, proposto por Sen, torna o assunto
novamente relevante até para os países muito ricos, como os E.U.A. Nesse país
constata-se a presença de minorias, como a população negra, que apesar de ainda
apresentar uma renda per capita bem maior que a dos países pobres, apresenta
expectativa de vida muito menor que a China, Sri Lanka ou Índia, por exemplo.
Um aspecto apontado como determinante para o desenvolvimento, nessa
vertente, é a presença de coesão social no país. Essa correlação é apontada por um
estudo que mostra o aumento das taxas de longevidade em países industrializados,
como a Inglaterra, durante o período das duas guerras mundiais. Explica-se que tal
fato ocorreu devido a um maior compartilhamento dos meios de sobrevivência e um
aumento dos custeios públicos nos serviços sociais. Com isso, apesar da
disponibilidade per capita de alimentos ter diminuído significativamente, os casos de
subnutrição declinaram abruptamente durante o período da segunda guerra mundial.
Verifica-se nesse caso uma mudança comportamental causada pela guerra,
geradora de coesão social, que possibilitou a adoção de medidas públicas radicais
para a distribuição de alimentos e serviços de saúde (SEN, 1999).
Sen conclui seu livro apontando dois caminhos para a promoção do
desenvolvimento: o primeiro deles, a tradicional mediação pelo crescimento, e o
outro, a condução pelo custeio público. O primeiro caminho depende, para deixar de
ser apenas um discurso ideológico, de que o crescimento tenha forte orientação
para o emprego e que a maior prosperidade econômica seja utilizada na expansão
de serviços sociais. O segundo caminho depende fundamentalmente da condução
de um programa de custeio público para serviços sociais, que permaneça mesmo
em caso de baixo crescimento econômico. Como exemplo, são apontados o Sri
Lanka e o estado indiano do Kerala. O que se deve levar em conta na aplicação
dessa segunda estratégia é que o crescimento econômico é também importante e
que o desenvolvimento social sem ele é incompleto, por não necessariamente
expandir as liberdades econômicas.
Outra questão importante refere-se à relação entre crescimento e
distribuição de renda, foco de um debate acirrado que se inicia nos anos 50, a
partir de um estudo elaborado por Simon Kusnetz, defendendo a idéia de que
haveria uma tendência inicial de concentração de renda nos países em crescimento,
que depois se reverteria para um processo de maior distribuição. Com base nesta
teoria, Delfim Neto propôs o famoso “crescer o bolo para depois dividir”. Tal teoria foi
amplamente desmentida pela prática de crescimento concentrador, como visto nas
décadas de 60, 70 e 80 nos países latinoamericano, sem posterior distribuição de
renda. Há diversas vertentes, no debate atual a respeito desta relação entre
crescimento e distribuição de renda. Sen, por exemplo, aponta que a distribuição de
renda por si só não representa desenvolvimento, por relacionar-se apenas ao
aspecto econômico e não representa diretamente desenvolvimento social.
Uma contribuição interessante para o debate sobre desenvolvimento é o
estudo de Jane Jacobs, que, apesar de utilizar comparações questionáveis com o
processo biológico, traz a idéia de enxergar o desenvolvimento como um processo
de produção de coisas e não a coleção de coisas. Desta forma, a presença de
fábricas, barragens e tratores não pode ser entendida como indicador de
desenvolvimento, se forem apenas resultantes de um processo que ocorre em outro
lugar. Sendo o desenvolvimento um processo, é necessário para que ele ocorra
haver, efetivamente, como dizia Furtado, seres criativos, como o são naturalmente
os seres humanos. O grande problema é que atualmente uma grande parte da
população está impedida de exercer a criatividade econômica, segundo Jane
Jacobs, prioritariamente por discriminação em relação a gênero, cor, religião e à
presença de formas servis de trabalho e sistemas de castas. Procurando uma
abordagem mais ampla, podemos estender essa crítica a todas as formas de
trabalho alienado, em que o trabalhador não se realiza no trabalho e portanto não
tem incentivos ou mesmo meios para expressar sua criatividade nele, de forma que
se torna impossível o desenvolvimento (JACOBS, 2001).
Yunus, em seu livro O banqueiro dos pobres, apresenta uma perspectiva
semelhante a de Jacobs neste ponto, quando afirma que a causa do grande sucesso
do seu mundialmente famoso esquema de microcrédito, o Grameen Bank, é
possibilitar às pessoas exercerem sua criatividade através de empréstimos para que
estabeleçam negócios sem relações de tutoria ou capacitação. Essa questão da
criatividade e da não tutoria ou dirigismo, apontada por Yunus, leva à questão de
como é possível o fomento ao desenvolvimento que ocorra de maneira endógena,
ou seja respondendo às ansiedades da população, com objetivos por ela propostos,
e qual o papel das agências de fomento neste contexto.
3. Estudando uma proposta de desenvolvimento local solidário
A partir do estudo desses conceitos, buscamos, em nossas reuniões, iniciar a
elaboração de posições próprias. Nesse sentido, a seguir apresentaremos o atual
estágio das discussões sobre uma proposta de desenvolvimento local solidário, suas
concepções e estratégias.
3.1. Uma proposta de diálogo
O primeiro ponto no qual nos deparamos, no debate sobre desenvolvimento,
foi
a
problemática
da
elaboração
de
critérios
universais
para
medir
o
desenvolvimento. A partir de nosso estudo anterior e dos debates que fizemos
chegamos a proposta de que não há como elaborar um critério universal para medir
o desenvolvimento de um país, de um sistema, de uma comunidade ou aldeia, uma
vez que desenvolvimento pode ser algo a ser engordado por critérios particulares.
Com isso, enxergamos que os critérios e parâmetros de desenvolvimento podem
surgir, no mínimo, de três formas distintas: das próprias pessoas que vivem dentro
da região avaliada; por olhares e propostas externas; ou por uma mescla das duas
perspectivas.
Tal como numa certa localidade as pessoas podem levantar critérios variados,
baseados em um leque heterogêneo de idéias e desejos, os olhares e propostas
externas também. Nós, da ITCP-USP, achamos que para a construção de uma
proposta de desenvolvimento é imprescindível a consideração dos princípios da
Economia Solidária, que buscaremos apresentar ao longo deste capítulo.
Constata-se, no diálogo da proposta política da Economia Solidária com o
cotidiano de trabalho, que no dia-a-dia há uma diferença entre os critérios de um
desenvolvimento que chamaríamos solidário, e aqueles comumente usados ou
levantados pelas pessoas da própria localidade. É equivocado não levar em
consideração as necessidades e demandas apresentadas, e é necessário saber se
a proposta do desenvolvimento solidário que apresentamos corresponde ao projeto
das pessoas daquela localidade.
Apesar da sistematização de critérios gerais ser muito orientadora para uma
análise de desenvolvimento (como taxa de mortalidade infantil, expectativa de vida,
analfabetismo, renda per capita etc.), para cada região deve-se levar em
consideração critérios regionais e locais, e para isso ser realizado é necessário que
as pessoas do local contribuam na sua elaboração.
A partir do diálogo com a localidade consegue-se listar as demandas mais
explícitas que orientam as ações para o desenvolvimento daquela região,
envolvendo-a na proposta de desenvolvimento local solidário, buscando estratégias
e caminhos que correspondam aos princípios democráticos e igualitários que propõe
a Economia Solidária. Todavia, essa proposta de diálogo no contexto das relações
sociais capitalistas alienantes enfrenta inúmeras dificuldades de se realizar, uma vez
que estas relações pautam-se na separação das pessoas e do mundo na qual elas
vivem, ou seja, ignorando, por exemplo, as conseqüências dos seus modo de
consumir e produzir, como buscamos apresentar a seguir. Nesse sentido, o diálogo
é prejudicado pela predominância de um olhar fragmentado da sociedade.
3.2. Uma proposta de transformação social
A palavra desenvolvimento, mesmo quando se expande para fora do campo
estritamente econômico, se liga muito fortemente, mesmo hoje em dia, às idéias de
“crescimento, progresso, adiantamento”, ou seja, ao aumento quantitativo de
determinadas características ou elementos. Ao se falar em “desenvolvimento local”
ou “desenvolvimento humano”, logo nos vem à cabeça a idéia de “melhora de vida”.
“Se desenvolver” é “melhorar de vida”. Mas o que é isto? Supostamente, a melhora
das condições de vida é um avanço quantitativo: determinadas coisas e fatores
fazem da vida “melhor”; quanto mais dessas coisas e fatores estejam presentes na
vida de uma pessoa ou comunidade, “melhor” é essa vida.
Essa perspectiva é correta sob uma apreensão individualista da realidade,
segundo a qual o mundo é do jeito que é. Os indivíduos têm que melhorar dentro
daquele mundo, que se organiza de maneira muito bem determinada, e tem como
base de sustentação a alienação, ou seja, a separação entre as pessoas, cada uma
com seu apartamento, sua televisão, sua vida... Cada um tem a sua coisa, ou o seu
pedaço, e se não tem, não tem. Outra separação fundamental para a organização
do mundo contemporâneo é aquela entre o trabalhador e o seu trabalho, de maneira
que não seja possível ao trabalhador decidir o que ou como produzir, e muito menos
que possa se reconhecer naquilo que produz e se sentir bem com seu trabalho,
exercendo sua criatividade e realizando-se naquilo que faz.
Outra perspectiva de entender a palavra desenvolvimento é justamente a de
olhar para a sociedade (ou para a localidade) como um todo. Em primeiro lugar,
nessa perspectiva, falar em desenvolvimento não pode se restringir ao de uma única
pessoa. O entorno deve fazer parte da vida de um indivíduo, e seu bem-estar deve
estar ligado ao daqueles que estão à sua volta: a baixa qualidade de vida de alguém
com quem se é solidário deve logicamente causar desconforto.
Em segundo lugar, olhar para as relações sociais de uma comunidade nos
leva a pensar “desenvolvimento” como tendo um duplo aspecto, quantitativo e
qualitativo. Desenvolvimento seria o acesso a bens materiais e culturais de cada
uma das pessoas da localidade que se desenvolve, e seria também a alteração
qualitativa das relações sociais, o que pode inclusive alterar o modo como se tem
acesso àqueles bens, ou mesmo quais desses bens se deseja.
Mas o que queremos dizer com “alteração qualitativa das relações sociais”, e
por que isso deve ocorrer ao mesmo tempo em que se tem acesso a mais bens?
Partimos do princípio que a forma atual das relações sociais, e não só de produção,
deva se pautar em novos valores e princípios, democráticos e igualitários, por isso
não competitivos, e voltadas para a coletividade.
A separação entre os que trabalham e os proprietários dos meios necessários
para produzir obriga as pessoas a vender sua força de trabalho. Os trabalhadores
são assim separados de seu trabalho e das decisões que lhes diz respeito, bem
como de seu produto. Para além disso, hoje em dia, esse processo de alienação se
infiltrou em todos os campos da vida social, e agora as pessoas são apartadas do
seu próprio auto-conhecimento, submetidas à publicidade que atingiu os momentos
mais cotidianos. Nessa sociedade, a grande parte das pessoas é também afastada
das decisões sobre a estrutura que as cerca, relegadas a especialistas (técnicos de
estado e governantes eleitos), de maneira que cada um fica no seu lugar, e cada um
fazendo a sua parte reproduz o mundo tal qual ele é.
Reconhecendo que a alienação é fundamental para que o capitalismo exista,
o simples acesso a bens de qualquer tipo não muda essa característica básica da
sociedade, e marca profundamente a relação entre as pessoas. Além disso, o
acesso isolado a bens é uma alteração profundamente efêmera e descolada dos
outros componentes da sociedade, uma vez que não altera as bases do sistema
social
e
especificamente
o
sistema
produtivo.
Portanto,
para
que
haja
desenvolvimento, é preciso romper com a lógica das relações sociais, políticas e
econômicas dominantes, para que seja possível superar a estratificação e
desigualdade social de maneira a possibilitar o desenvolvimento da sociedade como
um todo, sem o quê o desenvolvimento solidário perde seu sentido.
Desenvolvimento, para nós, é então a instauração de uma cultura solidária,
desde a forma de produção dos bens materiais necessários ou desejáveis até os
espaços de moradia, lazer, educação etc. O acesso a bens materiais e culturais faz
sentido dentro de uma experiência comunitária, operada por uma organização
solidária das pessoas, de maneira que elas possam se relacionar diretamente entre
si, sem a intermediação do dinheiro ou de mercadorias, e possam se reconhecer
naquilo que fazem, exercer sua criatividade e, em última instância, sua própria
humanidade.
Se a experiência local não percebe sua inserção no mundo, e não se coloca
como um projeto para além do local, solidário com o todo da sociedade, ela não
conseguirá mudar amplamente as relações sociais de maneira que sua própria
experiência supere de forma solidária a alienação que hoje governa todas as
relações sociais.
A partir disso, acreditamos, apostamos (no sentido de otimismo), que a
participação em ambientes autogestionários e a posse coletiva dos meios de
produção fomentam o exercício de valores humanistas pouco incentivados (ou
mesmo execrados) nas relações hierárquicas, capitalistas vividas no trabalho
subordinado. Esses valores – pautados na democracia, na igualdade, na liberdade,
na diversidade e na coletividade – buscam romper com as relações sociais
alienantes e possibilitar o efetivo diálogo entre as pessoas, porque permitem o
autoconhecimento, o uso da criatividade e ampliam a consciência da sociedade
como um todo.
Assim, como a soma de diversos vetores produz um vetor resultante, o
desenvolvimento solidário, como vetor resultante, para acontecer necessita da
somatória de diversas ações práticas; necessita da elaboração de estratégias e
ferramentas (intercooperação, moedas sociais, clubes de compras, entre outros) e
da participação de pessoas dispostas a tornar a Economia Solidária uma alternativa
possível a todos. Acrescenta-se também que a proposta de desenvolvimento
solidário, suas ações e estratégias, deve ser constantemente avaliada em sua
efetividade, o que envolve essencialmente a opinião das pessoas envolvidas no
processo e que vivem em seus cotidianos os resultados – vitórias e fracassos –
obtidos no exercício da Economia Solidária.
3.3. Estratégias Locais para o desenvolvimento solidário
A seguir, apresentaremos um estudo sobre algumas estratégias locais,
desenvolvidas pela ITCP-USP e suas potencialidades e limites para gerar
desenvolvimento local solidário.
3.3.1 - A incubação de empreendimentos autogestinários
A prática de incubação caracteriza-se pelo acompanhamento de grupos
populares para fomentar sua emancipação política e a geração de renda de forma
autogestionária. O trabalho do formador consiste na orientação do grupo no que se
refere à gestão, comercialização, produção e formação de práticas que permeiam a
Economia Solidária, tais como autonomia individual e coletiva, desalienação das
formas de produção capitalista, emancipação social, política e econômica.
Quando pensamos no desenvolvimento local de dada comunidade, a
incubação pode ser vista como um instrumento eficaz no decorrer de seu processo.
Para tanto, é necessário que haja um trabalho com vários grupos, pois temos que
pensar na comunidade como um todo e não de forma isolada, isto é, a incubação de
poucos grupos de forma isolada, desarticulada e sem integração produtiva ou
política não teria o mesmo efeito do que pensar na incubação de vários grupos
interligados entre si por meio de redes de compra, venda, trocas e unidos
politicamente com objetivos em comum.
Nesta segunda perspectiva, podemos visualizar o contexto econômico e
político do local se alterar, na medida em que os indivíduos envolvidos com o
processo de incubação se desenvolvem e conseqüentemente modificam o local em
que vivem. Os impactos econômicos podem ser sentidos tanto na movimentação de
trocas
da
produção
quanto
nas
redes
estabelecidas,
uma
vez
que
o
empreendimento, ou melhor, os vários empreendimentos da comunidade alcancem
uma efetiva produção e uma conseqüente geração de renda. Sendo assim,
aumenta-se também o poder de acesso aos bens materiais e culturais, tanto do
grupo quanto da comunidade na qual ele está inserido.
Já no âmbito político, visualizamos uma comunidade que interaja mais a partir
de lutas por melhorias em comum, ocasionado na medida em que os sujeitos
envolvidos se voltem para reflexões pertinentes a suas reais necessidades dentro de
uma
cultura
solidária.
Portanto,
no
desenvolvimento
de
empreendimentos
autogestionários, a integração da comunidade se completa em níveis econômicos e
culturais, pois reconhecida e estabelecida uma rede de compras e trocas entre os
empreendimentos, a comunidade local cria uma cumplicidade que parte do aspecto
econômico e abrange o político, o cultural, pois reconhecem objetivos, necessidades
e reivindicações em comum.
3.3.2 - Clubes de trocas e bancos comunitários
Os clubes de trocas são empreendimentos de economia solidária no qual
pessoas e grupos produtivos se reúnem para trocar produtos, serviços ou saberes
entre si, através da moeda social, uma moeda gerida democraticamente pelo grupo.
Esta idéia surge em diferentes locais e com diferentes ênfases. No Canadá,
nos anos 80, o clube de trocas surge como proposta de uma troca mais justa, onde
o preço dos produtos e serviços é dado pelo trabalho incorporado a eles. Neste
sentido ele é uma proposta claramente política de reversão de valores capitalistas e
de proposição de um comércio justo, cuja moeda não assume caráter especulativo,
mas puramente de meio de troca, sem a existência de juros ou de um valor
intrínseco para a sua acumulação.
Na Argentina, com a crise da conversibilidade do peso, o clube de trocas
surgiu como resposta a enorme escassez de moeda presente na economia. Neste
caso, ele apresenta uma contribuição claramente econômica, de permitir a
circulação de mercadorias que estavam barradas pela escassez de meios de troca.
Cabe ressaltar sua contribuição neste sentido para o desenvolvimento de qualquer
localidade, dado que a escassez de recursos cria situações de oferta e demanda
reprimidas, existentes em potencial, mas que podem se realizar mesmo na falta de
moeda oficial.
Um
empreendimento
dentro
do
clube
pode
trocar
com
outros
empreendimentos produtos necessários até mesmo a sua própria produção, de
modo a criar um movimento de sustentabilidade. Tomamos, por exemplo, um grupo
de saboeiras que necessita de uma bolsa para carregar seus sabões, que pode ser
produzida por um grupo de costureiras. Este grupo de costureiras, que trabalha
longe de casa, necessita de pães para lanchar, que podem ser produzidos por um
grupo de alimentação, que por sua vez, necessita de sabão para lavar a louça
utilizada na produção, que podem ser produzidos pelo grupo inicial. Esta
movimentação independe da moeda “Real” para dar origem ao processo de trocas,
representando um grande ganho econômico e de potencial criativo humano.
Dessa maneira, em um plano ideal, pode-se considerar o clube de trocas
como um meio de expandir a liberdade de trocar, a qual é reprimida sobretudo pela
imposição de políticas autonomizantes do Banco Central, órgão emissor de moeda.
No plano da economia local, a moeda social pode contribuir para a articulação
dos empreendedores da região possibilitando a atuação de forma integrada, além de
favorecer o consumo interno, dada a facilidade de aceitação da moeda. No plano de
liberdades civis e políticas, o clube de trocas como espaço de tomada de decisões
democráticas e de autogestão apresenta um caráter pedagógico de habituar as
pessoas a participarem de assembléias e coletivos, participando da tomada de
decisões que influirão em sua vida. No plano comunitário, o clube de trocas é um
espaço de integração, lazer e construção de amizades, reforçando a identidade do
bairro para todos os envolvidos.
No caso brasileiro e especificamente do clube de trocas acompanhado pela
ITCP-USP, no subdistrito do Jardim Ângela, constatou-se um maior sucesso no
plano de liberdade civil, política e comunitário, mas certa deficiência na questão
econômica, sobretudo pela falta de matéria-prima com a qual os participantes do
clube de trocas podiam trazer produtos de qualidade produzidos por eles mesmos. A
partir deste diagnóstico, foi proposta a criação de um banco de trocas solidárias, que
ainda está em fase de estruturação, mas tem conseguido ampliar a utilização do
potencial dos participantes do clube de trocas, através de um empréstimo em
matéria-prima, cujo pagamento é feito em moeda social conseguida no clube.
Outras localidades encontraram outras saídas para a questão da busca de
resultados efetivos em termos econômicos através da moeda social. O caso mais
notório é o do banco Palmas, atuante em um bairro da periferia de Fortaleza, que
garante empréstimos em Reais a pequenos comerciantes, postos de gasolina entre
outros, que podem ser pagos em moeda social. Com esta estratégia garante-se
grande aceitação da moeda social, financiando produtores considerados capitalistas,
contudo há uma grande chance que a maior aceitação da moeda acabará por
beneficiar mais ainda os pequenos produtores solidários da região, cuja renda em
moeda social poderá satisfazer mais necessidades.
Mesmo vislumbrado a perspectiva de um maior desenvolvimento local em
termos econômicos, resta ainda a pergunta sobre o caráter político-emancipatório
nesta alternativa, totalmente dependente do entendimento da população sobre o
processo vigente e a possibilidade desta participar da tomada de decisão no que
concerne à gestão deste banco.
Portanto, o uso da moeda social em suas diferentes formas pode apresentar
várias contribuições para o desenvolvimento local de uma comunidade. A
experiência particular da ITCP-USP encontrou, até o momento, dificuldades tanto de
geração de renda como de mudança nas relações de compra e venda, mas obteve
sucesso na construção de um espaço democrático e de integração comunitária.
3.3.3 - Formação de agentes locais
Pensar a formação de agentes locais como um dos instrumentos eficazes
para a promoção do desenvolvimento local de uma determinada região requer
pontuar basicamente dois estágios: 1 - qual seria o papel demarcado desse agente
na região; e 2 - o caráter da sua formação (como ela se daria).
Mas como não entraremos a fundo na discussão, e sim nos propomos a
realizar pequenos apontamentos e levantar algumas questões, cabe levantarmos
inicialmente que sua formação e seu papel não são instrumentais e sim reflexivos e
críticos. O agente local como estratégia antes de tudo só é eficaz se pensarmos que
ela está atrelada a outras e depende da estratégia de formação dos agentes, e, mais
ainda, está relacionada à construção do “local” que sustenta e atualiza essas
estruturas de desenvolvimento. Assim, a grosso modo, essa estratégia seria como a
de um instrumentista que age, interfere e constrói a sinfonia junto com os outros.
O agente local atua na região como um articulador e um aglutinador da
comunidade; para isso é necessário que ele seja obviamente do local ou que
conheça ou tenha um contato efetivo com a região, além de trabalhar nela. O papel
do agente local para a promoção e complementação de estratégias para uma
política pública de desenvolvimento local é o de justamente levar adiante essa
política na comunidade. Se determinado projeto, além de incubação de grupos ou de
criações de Centros de Referências, por exemplo, envolve a formação de agentes
locais não é só para o trabalho imediato e sim para seguir com esse trabalho
adiante, depois que a incubadora ou outra agência de fomento “de fora” deixar o
local. A partir daí inclusive poderia ser formada uma nova instituição na região,
composta por seus moradores.
É imprescindível entender essa questão da localidade e do pertencimento ao
grupo para que fique mais claro como seria o caráter da formação de um agente
local. O agente local formado atua como o formador “de fora” atuava, só que com a
linguagem própria da sua comunidade, e já que pertence ao grupo, teria maior
facilidade em articular as demandas da região para o desenvolvimento e em
estruturar definitivamente o coletivo. Este formador pode estabelecer um diálogo
mais efetivo, abrangente, crítico e ao mesmo tempo objetivo por trazer, filtrar e
adaptar a formação que teve. Para isso, a formação de um agente local deve ser
pautada na educação popular. Não entraremos logicamente nas questões
conceituais de educação popular e outras práticas afins, mas o que podemos citar
de fundamento é que o educador não pode atuar transformando o educando
isoladamente para uma participação e reflexão do local, mas sim transformar com
ele e participar com ele na construção do seu espaço dentro da comunidade.
Relembrando o caráter do papel do agente local, como aglutinador e
articulador da comunidade, levando o projeto adiante, a sua formação é inteiramente
dependente disso. Cabe assim uma proposta que envolva as seguintes ações: 1)
identificar lideranças locais (pessoas que já tem uma participação decisiva na
comunidade); 2) construir conjuntamente um diagnóstico dos grupos (no caso de
possíveis empreendimentos solidários) e um plano de trabalho; 3) organizar oficinas
conjuntas sobre temas que enfoquem questões relacionadas à organização coletiva
autogestionária, à educação popular e à economia solidária; e 4) construir
intercâmbios de espaços, nos quais os agentes locais freqüentam reuniões de
formação da incubadora, e outros formadores da incubadora participem de reuniões
de trabalho dos agentes locais.
Pensando que a formação do agente local ultrapassa a constituição de
grupos para uma determinada política pública de geração de renda, contendo a
dimensão de formação de educadores populares locais, vemos assim uma
estratégia mais efetiva e necessária para o desenvolvimento local.
3.3.4 – Centro de Referência Local de Economia Solidária
Durante muito tempo a ITCP-USP buscou um espaço físico que pudesse
sediar um Centro de Referência em Economia Solidária na Zona Sul de São Paulo.
Isso se devia ao fato de que a partir do início das atividades da Incubadora na Zona
Sul de São Paulo, em 2000, em parceira com o Programa Oportunidade Solidária
(política pública da gestão municipal da época), sentimos a necessidade de uma
maior aproximação com a comunidade e de um marco local, abrangendo
principalmente a região de Capão Redondo, Jardim Ângela, Campo Limpo, e parte
do Jardim São Luis.
O Centro de Referência (CR) é uma das estratégias que visam auxiliar o
Desenvolvimento Local, mantendo as portas abertas e chamando a população para
discutir as práticas e os valores da Economia Solidária. Diante disso, a ITCP-USP
apresentou um projeto para a construção desse Centro, que só se consolidou
posteriormente, no final de 2005, através de uma parceria com a Cáritas
Arquidiocesana de São Paulo.
O Centro de Referência é um espaço de formação em temas da Economia
Solidária, tanto para as lideranças locais, quanto para a população em geral, um
local para uma maior convivência entre os empreendimentos, envolvidos na Rede
Solidária (que se reúne quinzenalmente), para discutir temas como comercialização
e capacitação, problemas comuns a todos os grupos. O local pode abrigar também,
por tempo limitado, alguns grupos enquanto estes não têm outro espaço adequado
para a produção. Através do Centro de Referência também se busca firmar
parcerias com as entidades locais, através da apresentação dos projetos
fomentadores e dos grupos produtivos envolvidos, visando a inserção de parceiros
na Rede Solidária.
Uma outra estratégia de desenvolvimento local ligada ao Centro de
Referência é o Clube de Compras do Campo Limpo, que tem potencialidades para
contribuir para uma maior visibilidade na atuação e concretização da proposta da
Economia Solidária. O Centro de Referência busca se constituir como um espaço de
divulgação da proposta de uma nova cultura solidária e de fortalecimento das
demais estratégias, em busca de melhores possibilidades de crescimento, bem
como de desenvolvimento social e econômico, preservando o direito de cidadania.
3.3.5 - Organização coletiva para o consumo:
A organização coletiva para o consumo é também uma ferramenta para o
desenvolvimento local solidário. Ela pode ser usada para proporcionar benefícios em
alguns aspectos destacados a seguir:
1 - Redução dos preços dos insumos - pela possibilidade de compra em
atacado, da zona cerealista ou mesmo a compra direta do produtor, ou pela
concentração monetária, que permite maior poder de barganha. Ou mesmo pela
redução do gasto com os insumos já consumidos, a partir do qual as pessoas têm a
possibilidade de ampliar seu acesso a maior quantidade e também qualidade dos
alimentos.
2 - Geração de trabalho e produção - uma vez que parte do dinheiro pode ser
direcionada ao pagamento de algumas pessoas que trabalhem pela execução do
processo; e pela compra que pode ser orientada para produtos dos produtores
locais, ou solidários.
3 - Mudanças das relações sociais - uma vez que a organização coletiva
necessita da participação, do empenho de uma maioria, da divisão de
responsabilidades, podendo assim trazer novas relações entre as pessoas.
Acrescenta-se também a aproximação dos consumidores com os produtores e ao
processo de produção dos insumos consumidos.
4 - Novos hábitos alimentares e outra lógica da produção - através de acordos
entre consumidores e produtores que podem proporcionar a possibilidade da
produção realizar-se de forma diversificada, de modo que os produtores possam
superar a lógica da maximização da produção de mesmo bem. Também, frente a
alguma dificuldade pontual por parte dos produtores, os consumidores podem
adequar suas exigências (pedido dos produtos). Outro aspecto se refere à garantia
da compra por parte dos consumidores, que pode tranqüilizar os produtores para a
produção de produtos orgânicos, por outros tipos de produção com preocupações
ecológicas, entre outras.
5 - Criação de fundos e outros benefícios - uma vez que a organização das
compras permite o aglutinamento de capital.
Parte deste pode ser poupada na
forma de algum fundo, e a organização coletiva pode fazer uso deste dinheiro para o
investimento de outros benefícios aos associados que não os já listados, tais como:
auxilio odontológico, médico, mutuário, etc.
Uma das garantias do êxito desta estratégia é alcançar uma escala, ou seja,
um número de associados suficientes para a execução de todo o processo da
compra e distribuição. Das dificuldades enfrentadas, a concorrência imposta pelos
hipermercados é a maior delas, tanto pelo poder que possuem em submeter os
produtores a suas regras e lógicas de pagamento, como as facilidades e
comodismos oferecidos aos consumidores.
Frente as mais diversas dificuldades enfrentadas, a organização coletiva para
o consumo, como outras estratégias do desenvolvimento solidário, necessita ser
constantemente avaliada para saber se está ou não tendo eficácia e assim dando
respostas às necessidades das pessoas envolvidas.
3.3.6 – Rede Solidária Local
A palavra Rede remete a relações entre partes, portanto trabalhar em Rede
significa deslocar o olhar das coisas para a relação entre elas. A proposta de
constituir uma Rede na Zona Sul surge justamente a partir da percepção e avaliação
da ITCP-USP de que o trabalho de incubação, quando realizado de forma isolada,
não alcança os objetivos de forma satisfatória. É preciso ir além do foco na formação
do empreendimento e olhar para o todo, onde este grupo está inserido,
principalmente para as relações que mantém este todo. Existe uma necessidade
maior do que a incubação propriamente dita, a de se pensar não só a relação dos
empreendimentos solidários entre eles, mas deles com o mundo no qual estão
inseridos e mais ainda no mundo que estão construindo.
Ora, o mundo, a natureza, a sociedade, o capitalismo etc. só funcionam
porque há uma série de relações fundamentais para sua manutenção e o Homem
não está isento da participação neste processo. Com isso, nada faz mais sentido
para quem pretende mudar a relação do Homem com o seu trabalho, e ampliar essa
mudança para como ele se relaciona com o mundo, do que pensar em estratégias
que foquem a transformação das relações e não o fenômeno em si. Ou seja, para
viabilizar uma mudança no modo como o trabalho está organizado atualmente não
basta mudar o trabalho em si, é preciso propor mudanças que vão além disso e
estão diretamente relacionadas à Economia, ao Mercado, à comunidade na qual o
trabalho está inserido, entre outros.
A proposta da Rede Solidária vem ao encontro de todas essas mudanças. É
uma estratégia primordial, pois ao mesmo tempo em que é ponto de partida de
propostas e encaminhamentos das estratégias colocadas anteriormente, é também
o ponto de convergência destas e outras possíveis estratégias.
A Rede pode ainda ser considerada a melhor imagem da Economia Solidária,
justamente porque ela não tem um centro, ao contrário, qualquer ponto de
convergência (ou nó, se visualizarmos uma rede concreta) é um centro em potencial.
Essa descentralização, ou “centralização móvel” se assim preferirem, deve ser à
base de qualquer Rede Solidária porque a autogestão é intrínseca à idéia dos
centros potenciais, das lideranças momentâneas. Como afirma Manuel Castells: “A
morfologia da rede (...) é uma fonte de drástica reorganização das relações de
poder”.
Além disso, é interessante que a Rede tenha capilaridade para que possa
dar conta de promover as estratégias e se enraizar no local onde está inserida. Para
isso os parceiros envolvidos devem ser flexíveis e ter certa autonomia de
representação e ação.
Finalmente, a Rede Solidária da Zona Sul ainda está em processo de
construção, entretanto ela se mostra uma importante ferramenta de desenvolvimento
local já que aponta para uma horizontalidade no processo de empoderamento da
comunidade em relação à construção e consolidação da Economia Solidária na
região. Além de provocar as pessoas para pensarem transformações em âmbitos da
vida que não apenas o trabalho, como o consumo, a saúde, a educação, a cultura.
4. Considerações Finais
Este estudo introdutório
apresentou
algumas
estratégias
para
o
desenvolvimento local solidário, entre diversas outras que podem ser criadas e
experimentadas. Articuladas em uma rede de intercooperação, estas estratégias têm
a potencialidade de mobilizar recursos, pessoas, idéias e ações de uma localidade
para um projeto de desenvolvimento pautado em novos princípios. Na Rede
Solidária da Zona Sul, projeto em desenvolvimento pela ITCP-USP em São Paulo,
vivenciamos cotidianamente dificuldades e conquistas, buscando construir um
espaço coletivo, com a participação da comunidade envolvida, de reflexão,
construção e avaliação destas estratégias.
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_______ É possível levar desenvolvimento para comunidades pobres?
Disponível em: www.mte.gov.br/Empregador/EconomiaSolidaria/TextosDiscus
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Janeiro: Garamond, 2005
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um estudo sobre desenvolvimento local - NESOL