IMAGENS DE NORDESTINOS EM LONDRINA: IDEIAS DE ALUNOS DO
ENSINO FUNDAMENTAL E NARRATIVAS DE MIGRANTES.
Gisele da Silva Oliveira
(PPGHS-UEL/Bolsista: CAPES)
Resumo: O presente texto estuda ideias de estudantes do ensino fundamental
sobre a presença nordestina na cidade de Londrina. As narrativas históricas
que figuram na cidade estão associadas à memória de indivíduos e grupos
detentores de poder na região e são encontrados nos lugares remetentes à
memória da cidade. Diante deste silêncio o texto explora três entrevistas de
nordestinos e um questionário aplicado a estudantes da rede pública de ensino
com seis questões, sendo que somente uma será analisada aqui. A questão
tomada como fonte apresenta doze imagens, entre elas estão as de lugares da
cidade de Londrina como o Museu Histórico, a rodoviária, o Shopping Catuaí e
o Estádio do Café. Quatro imagens ligadas à profissão: médico, operário da
construção civil, trabalhador rural e um homem de negócios, e ainda, uma
favela, uma feira nordestina e a de um grupo musical. A análise se ampara em
estudos sobre o norte do Paraná e as origens de Londrina, sobre o conceito de
estereótipo elaborado por Erving Goffman, assim como na metodologia da
análise de conteúdo conforme descrita por Roque Moraes. Os resultados
apontam que os alunos concebem o nordestino como o migrante pobre que
vem para a cidade em busca de trabalho na cultura do café ou na construção
civil. O nordestino não está presente na origem de Londrina. Contextualizando
essa concepção, as entrevistas de Dalton Paranaguá, Kepler Palhano e Meton
de Souza Araújo indicam a presença de nordestinos na origem da cidade e
exercendo funções variadas, além de status social variado. Conclui-se que é
preciso intervir na aprendizagem dos alunos em vista do reconhecimento da
diversidade de sujeitos que caracterizou a formação de Londrina.
Palavras-chave: Ensino de História; Nordestinos em Londrina; Aprendizagem
de História
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As origens da cidade de Londrina, sua história e formação, não raro são
associadas à presença inglesa na cidade, a ideologia do pioneiro e do
progresso. É possível perceber esta afirmação nos espaços de memória da
cidade como o Museu Histórico, que confirma e dissemina de certa maneira
este mito de fundação (LEME, 2013). A historiografia a respeito do Norte do
Paraná também já questionou estes ideais (ARIAS NETO, 1994, 2008;
TOMAZI, 2000). Quando se tem um discurso como modelo alguns
personagens mostram-se excluídos desta narrativa oficial, o presente trabalho
trata do silêncio a respeito da presença nordestina na história da cidade de
Londrina, e para isto tem como base o pensamento de alguns jovens sobre a
colonização da cidade e as narrativas de nordestinos que vieram para cidade
em diferentes momentos.
O discurso a respeito do “Norte do Paraná” tem uma ideia base, o
progresso, e apresenta como fundamento os ideais republicanos, ordem,
progresso, civilização e racionalidade, a adoção destes por parte das elites
propicia a construção de uma imagem progressista, sempre buscando o
desenvolvimento da vida urbana.
Não se pode construir um futuro baseado em um passado “pouco
glorioso”. É neste sentido que o autor afirma que o passado foi “congelado”, ou
seja, não deve ser questionado, e no presente se tornou um modelo para as
futuras gerações. Pode-se perceber assim a construção de um passado ideal,
uma classificação de quem é digno de memória na localidade e quem não é.
Contextualizando o papel da Companhia de Terras Norte do Paraná
(CTNP), e sua responsabilidade na criação da ideia de Eldorado, Arias Neto
(1994) fala da crise dos anos vinte que afetou o ramo mais importante da
economia brasileira naquele momento, a exportação de café. O convênio de
Taubaté assinado em 1907 limitava a produção cafeeira nos estados de São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O Paraná com sua produção
insignificante no ramo torna-se um espaço importante para os paulistas, que
veem no norte do estado um novo espaço para esta expansão. É neste
momento que surge a CTNP, que implanta um projeto baseado na venda de
pequenos lotes de terra.
A companhia espalha propaganda, para isto a companhia utilizou o meio
de comunicação de maior alcance na época, o jornal, atraindo pessoas de todo
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os cantos do país e do exterior. De início a propaganda tinha um público alvo,
os migrantes compradores, ou seja, não estavam interessados na vinda de
trabalhadores, mas na venda de terras.
Apesar do grande investimento em propaganda da CTNP, e da ideia de
eldorado já existir no imaginário da população, a região não consolidou o
desenvolvimento esperado até o final dos anos trinta, só após 1945, com o fim
da 2ª Guerra Mundial, que se observam mudanças. Começa-se a desenhar um
novo quadro econômico mundial, os Anos Dourados. O preço do café sobe e
com ele aumenta a convicção de que o Paraná é o lugar do futuro. É neste
momento que as tradições e os mitos fundadores a respeito da história da
cidade começam a ser construídos, tendo como base a CTNP e o pioneiro,
primeiro os desbravadores da mata (funcionários da CTNP) e depois o
fazendeiro produtor de café que tomou para si esta herança. (ARIAS NETO,
1998)
É neste quadro que se delineia o objetivo principal deste trabalho,
estudar o que pensam alguns jovens em processo de escolarização a respeito
da presença nordestina na cidade. Esta questão pode contribuir para o
desvendamento de práticas e identidades que aparecem como naturalizadas
nas lembranças do cidadão comum.
Para pensar essa questão vamos buscar referenciais no pensamento de
Goffman (1978) sobre os estereótipos e como as relações sociais se organizam
a partir deles. Segundo o autor, a sociedade estabelece um modelo e tenta
catalogar as pessoas conforme os atributos considerados comuns e naturais
pelos membros de certa categoria. Estabelece também as categorias a que as
pessoas devem pertencer, bem como os seus atributos, o que significa que a
sociedade determina um padrão externo ao indivíduo que permite prever os
atributos, a identidade social e as relações com o meio. Os atributos,
nomeados como identidade social real, são, de fato, aquilo que podem
demonstrar a que categoria o indivíduo pertence, ou seja, somos aquilo que os
outros veem.
Alguém que demonstra pertencer a uma categoria com atributos
incomuns ou diferentes é pouco aceito pelo grupo social, que não consegue
lidar com o diferente e, em situações extremas, o converte em uma pessoa má
e perigosa, que deixa de ser vista como pessoa na sua totalidade, na sua
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capacidade de ação e transforma-se em um ser desprovido de potencialidades.
Esse sujeito é estigmatizado socialmente e anulado. No caso aqui estudado,
imagina-se que a “ausência” do nordestino na história e no ensino da história
local ampara-se, entre outras variáveis, num estereótipo do migrante
nordestino já existente na sociedade brasileira e que se repete na cidade de
Londrina em formação e nas representações dos alunos na atualidade.
Para pensar como os alunos em fase de escolarização veem a presença
e participação de nordestinos na história da cidade foi feita uma pesquisa
qualitativa em dois colégios estaduais. Participaram da pesquisa quarenta e
seis alunos das séries finais do ensino fundamental, sexto, sétimo e oitavo ano,
com idade variando entre doze e quinze anos. Estudam em dois
estabelecimentos de ensino: um na zona norte de Londrina, Colégio Estadual
Dr. Fernando de Barros Pinto, e o segundo, da zona leste da cidade, Colégio
Estadual Nossa Senhora de Lourdes. Os dois colégios localizam-se em bairros
periféricos. A questão tomada como fonte consiste em doze imagens entre elas
estão as de lugares da cidade de Londrina como o Museu Histórico, a
rodoviária, o Shopping Catuaí e o Estádio do Café. Quatro imagens ligadas à
profissão: médico, operário da construção civil, trabalhador rural e um homem
de negócios, e ainda, uma favela, uma feira nordestina e a de um grupo
musical. A primeira questão: Marque os lugares onde encontramos nordestinos
em Londrina. Use os números para mostrar onde é mais fácil ou mais difícil
encontrá-los.
Onde o nordestino pode ser mais facilmente encontrado: na rodoviária,
no forró, na construção civil, feira nordestina, no médico. Como espaço
intermediário temos: a UEL, o Shopping Catuaí, o Estádio do Café e o Museu
Histórico de Londrina. Em hipótese alguma o nordestino pode ser observado
como empresário. Excluindo o “médico” o restante dos lugares confirmam a
descrição que fizeram do nordestino quando solicitados em outras questões. O
trabalhador rural, a favela, o operário da construção civil, a rodoviária e a feira
nordestina são lugares onde a parcela menos abastada da população seria
encontrada com facilidade.
Na primeira imagem, rodoviária da cidade de Londrina, 76% das
respostas concentram-se entre as opções fácil encontrar e muito fácil encontrar
sendo 27% na primeira e 49% na segunda. Esta informação vem reforçar o
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resultado obtido em outras questões nas quais a figura do nordestino esta
associada à camada social mais empobrecida. A rodoviária é um lugar onde
encontra-se uma grande quantidade de pessoas e diferente de outros modos
de transporte, como o avião, a viajem de ônibus é associada a pessoas com
baixo poder aquisitivo. Além disso, pode ser associado ao estereótipo do
migrante nordestino chegando a uma nova cidade em busca de melhores
condições de vida.
A imagem do grupo de forró concentrou 57% das respostas entre fácil
encontrar e muito fácil encontrar, 11% e 46% respectivamente. O resultado das
respostas obtidas nesta imagem associadas a resposta obtida nas questões
descritivas revela que para o aluno o povo nordestino é “alegre” e “gosta de
dançar”.
A próxima imagem é a de uma “favela” e a maior quantidade de
respostas concentrou-se na alternativa muito fácil encontrar, com 35%. Em
seguida aparece a resposta intermediária com 28% e a opção muito fácil
encontrar com 20%. As alternativas difícil encontrar e muito difícil encontrar
somam 17%, respectivamente 11% e 6%. Aqui novamente o estereótipo do
nordestino é visível. Ainda tomando como apoio as respostas descritivas o
nordestino é em grande parte das vezes retratado como pobre, a imagem da
favela é a tradução desta condição. A favela é o local onde o setor da
sociedade menos privilegiado se concentra o pobre, o negro, o nordestino.
A imagem do médico é a que mais foge do padrão encontrado nas
respostas obtidas até aqui, principalmente as descritivas. A maioria opta pela
alternativa muito fácil encontrar, são 30% do total. Somando o resultado da
alternativa fácil encontrar, 17%, obtemos 47% das respostas. A profissão de
médico é uma das mais admiradas pela população e considerada de elite,
portanto este resultado não concorda com os demais. É possível que este
resultado tenha se concretizado a partir de uma interpretação diferente da
imagem proposta. O aluno pode ter interpretado que o nordestino frequenta o
médico, e não o encarou como o profissional médico. Os dados a seguir da
mesma imagem já seguem o padrão encontrado até aqui, as respostas difícil
encontrar e muito difícil encontrar somam 42%, 22% e 20%. Apenas 11%
escolheram a alternativa intermediária.
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A imagem dos operários da construção civil continua com o padrão de
respostas, fácil encontrar e muito fácil encontrar somam 63%, 24% e 39%
respectivamente. Estes dados indicam que para os alunos o nordestino é o
sujeito que realiza trabalhos pesados e é mal remunerado se comparado com o
homem de negócios por exemplo. Difícil encontrar e muito difícil encontrar
somam 26%, 13% cada, enquanto a resposta intermediária conta com 11% do
total.
Ainda no padrão do trabalhador da construção civil temos a imagem de
um trabalhador rural que apresentou um resultado parecido, 63% somando fácil
encontrar e muito fácil encontrar, 13% a primeira e 50% a segunda. No caso do
trabalhador rural as respostas descritivas concordam com os dados obtidos
aqui. Para boa parte dos alunos o nordestino vem para Londrina para trabalhar
nas lavouras, o trabalho no meio urbano também é lembrado, porém o trabalho
no campo apresentou resultados mais expressivos. Difícil encontrar tem 13%
do total e muito difícil encontrar 4%, somando 17%. A resposta intermediária
obteve 20% das respostas.
Na última imagem temos uma feira nordestina com 56% das respostas
divididas entre fácil encontrar e muito fácil encontrar. Aqui podemos associar
estes dados aos obtidos com a imagem do grupo de forró. Nestes casos o que
sobressai é a imagem do nordestino alegre que gosta de se divertir. As
alternativas difícil encontrar e muito difícil encontrar somam 20%, 11% e 9%. A
resposta intermediária obteve 20% das respostas.
Aqui apresentam-se reunidos os lugares em que o aluno escolheu a alternativa
intermediária no que diz respeito a presença de nordestinos.
Lugares como o shopping imaginava-se que a resposta seria negativa,
ou seja, não se pode encontrar nordestinos, e obtivemos um resultado
diferente. O mesmo se pode dizer do estádio que esperava-se que
respondessem fácil ou muito fácil de encontrar.
A imagem da Universidade Estadual de Londrina obteve o maior número
de respostas, 48% do total, na opção intermediaria. À partir deste resultado
podemos levantar uma hipóteses, o aluno não conseguiu afirmar a presença
nordestina na universidade por desconhecimento do significado do espaço.
Mas o aluno não afirma a inexistência de nordestinos por considerar a
universidade um local onde se encontra diferentes tipos de pessoas.
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As opções difícil encontrar e muito difícil encontrar somam 22% das
respostas, sendo 9% a primeira e 13% a segunda. Estas respostas concordam
com o resultado obtido nas outras questões. Para estes a universidade aparece
como um local no qual somente a elite tem acesso e o nordestino não se
enquadra neste quesito.
Na imagem do museu histórico 39% afirmam que é possível encontrar
nordestinos. Depois 29% do total das respostas se dividem entre fácil encontrar
e muito fácil encontrar, sendo 11% da primeira e 18% da segunda. As
afirmações negativas, difícil encontrar e muito difícil encontrar somam 30%. A
partir do equilíbrio verificado entre as afirmações negativas e positivas e
associando este resultado com os de outras questões podemos pensar na
mudança no modo decorrente do ensino de história. Atribui-se esta mudança
principalmente pela maneira como a disciplina se apresenta aos alunos. A
história ensinada nas escolas cada vez mais procura se distanciar da história
de grandes heróis e grandes feitos. Assim os nordestinos que claramente são
descritos pelos alunos como uma camada inferior da sociedade ganham a
possibilidade de serem contemplados no museu que se constitui como uma
referência na história da cidade.
Na imagem do estádio do café 50% das respostas concentram-se entre
as alternativas difícil encontrar e muito difícil encontrar. A dificuldade em
encontrar nordestinos no estádio do café pode estar ligada ao custo do
ingresso que muitas vezes não é acessível. Porém a alternativa que sozinha
acumulou o maior número de respostas foi a intermediária que nos mostra o
estádio de futebol como um local onde um nordestino seria facilmente
encontrado por ser um espaço que o “povo” frequenta ainda assim os que
optam por esta alternativa não excluem totalmente a primeira hipótese
apresentada, apesar de ser um local frequentado pela massa nem todos
podem ocupá-lo. Os que optam pelas alternativas fácil encontrar e muito fácil
encontrar confirmam a ideia do estádio como espaço destinado a massa.
Na imagem do shopping catuaí novamente encontramos um equilíbrio. A
alternativa com maior quantidade de respostas é a intermediária com 26% do
total, em seguida as alternativas muito fácil encontrar e muito difícil encontrar
empatam com 20% cada. Difícil encontrar e fácil encontrar tem 15% e 17%. O
resultado aqui nos mostra uma mudança que está ocorrendo. O shopping ainda
370
é visto como um local frequentado pela elite, porém o acesso ao consumo
torna o shopping um local frequentado pelo povo. Além da questão do
consumo o shopping também é um espaço destinado ao lazer, principalmente
para a faixa de idade que este questionário atingiu.
A partir daqui serão apresentadas as entrevistas de três nordestinos que
vieram para a cidade de Londrina em períodos diferentes. As três entrevistas
estão sob a guarda do Museu Histórico de Londrina “Pe. Carlos Weiss”. A
primeira de Kepler Palhano maranhense, a segunda de Meton Araújo de Souza
cearense e a terceira do Piauiense Dalton Fonseca Paranaguá. Estes registros
serão categorizados conforme a metodologia de análise de conteúdo proposta
por
Roque Moraes e comparados com as respostas obtidas através do
questionário aplicado aos alunos. Alertamos o leitor que foi realizada uma
categorização dos conteúdos das entrevista relativos apenas aos tópicos de
interesse dessa pesquisa e não do sue conteúdo total. As categoria criada e
analisada aqui diz respeito aos trabalhos que estes nordestinos exerceram.
Considera-se este recorte significativo, diante da ideologia do progresso e do
pioneiro que foi brevemente abordada acima, o discurso oficial apresenta o
trabalho como base para estas ideologias.
Kepler:
WS: Essas entradas dos ingleses, pelas trilhas já tinham sido
abertas? Foram quantas entradas? O senhor acompanhou, foram
quantas vezes?
KP: Foi uma única vez.
WS: Isso foi em 27 senhor e aí estava aqui, foi antes de 30 é claro?
KP: Uma só, esse 30 já estava abrindo, foi em 30, foi em 28,29 em
quanto fazia o levantamento para fazer as demarcações. Comecei
pelas terras de Nova Esperança que é juntamente do vale do Jataí
com Piquiri, com o Ivaí aliás. É onde tinha as maiores concessões.
Quando demarcaram, retirava a cada,Quilometro um pouco de Terra
que foi mandada para a Inglaterra.
WS: O senhor e os irmãos. Todos são engenheiros e geólogos né ?
WS: Se formaram em... na univer... Sim. Mas lembra da
universidade? A universidade do Rio de Janeiro .
KP: É no Rio ? É eu, eu me formei em Niterói.
KP: Não era universidade. Era escola de agronomia... era
agronomia... Ah nem me lembro mais. Interessante eu não queria
estudar nada disso, não sabe? Eu queria estudar medicina. Mas o
vestibular de medicinas, naquele tempo era duro, muito duro... e...eu
me matriculei na escola de farmácia e odontologia do estado do Rio.
Porque naquele tempo existia transferência do segundo ano de
farmácia para o terceiro ano de medicina, que era equivalente. Mas
entrou o tal de Chico Sapiência né. Nós o chamava de Chico
Sapiência. Não me recordo o nome dele não. Era Francisco não sei
de que. Fez uma reforma do ensino e cortou essa transferência. Ai eu
abandonei.
371
Meton:
M: vim para Presidente Prudente, nessa época eu me empreguei num
hospital sendo enfermeiro. Hospital... Hospital, primeiro hospital de
Presidente Prudente dum médico muito famoso de Pernambuco,
daquela família de Cavalcante, descendente de judeus né? Ele
fundou aquele hospital e eu fiquei 6 anos trabalhando como
enfermeiro. Então depois eu trabalhava como enf... eu tava cansado
e vieram me oferecer um trabalho, que abriram um porto na divisa de
São Paulo com o Paraná.[...] É, eu fui barquero ali três anos[..]
M: depois eu fui pra Pelotas, me empreguei na Santa Casa de
Pelotas como enfermeiro [trabalho de máquinas de escrever].
B: então este tempo depois que o senhor foi balseiro, três anos o
senhor fez o que dai?
M: depois eu fui pra Pelotas, me empreguei na Santa Casa de
Pelotas como enfermeiro [trabalho de máquinas de escrever].
M: é, em pelotas. Depois eu fui pro o [rio] é... eu tinha um primo que
era médico, mas ele era engenheiro químico também, e ele [o meu
pai que é aquele lá] [ aponta pra parede] eu fui trabalhar com ele, ele
tinha laboratório.
B: depois do Rio o senhor veio pra cá então?
M: não, depois eu fui, eu estudei ... estudava na escola [alemã] de
homeopatia, era professora alemã eu estudava homeopatia comecei
a estudar.
M: professores alemães. Eu até entrei naquela faculdade, na praia
vermelha também pra estudar.
M: mas eu não tinha recurso parei.
M: e dai eu voltei pra Presidente Prudente de novo. Levei uma
caderneta de acadêmico de medicina, eu já conhecia muito porque já
tinha sido enfermeiro, conhecia muito a medicina, e lá eles seguiam
muito os fiscais mas eu tinha a caderneta de acadêmico eles me
deixaram, mas peguei freguês ali [arrumei gente] [risos]
[incompreensível].
B: começou a fama do senhor dai?
M: ai aumentou a fama daí que eu vim pra Londrina.
B: isso lá em Presidente Prudente né? Dai em 1935 que o senhor
veio pro norte do Paraná, aqui pra Londrina?
M: é, dai eu comecei a trabalhar com jornais não tinha distribuição.
Dalton:
C: interessante, ai o senhor chegou em Londrina atuando como
médico, o senhor era clinico geral ou já veio como especialista?
D: é, eu cheguei preparado porque é a melhor medicina de então no
Brasil era a do Rio de Janeiro, e eu tive a oportunidade de ser diretor
de cadeira de clinica de cirurgia chefiada pelo professor
[incompreensível Vieira Guimarães, era então diretor do Instituto
Nacional do Câncer e eu aprendi a trabalhar em grupo, e eu
preparava os pacientes pros docentes e pros professores operarem
então, isso me deu uma experiência muito grande e quando eu aqui
cheguei, não havia nenhum grupo constituído, eu formei o primeiro
grupo, que chamava Pentágono, e esse grupo funcionou inicialmente
no Hospital Evangélico. A partir desse grupo surgiram inúmeros,
incontável de grupos, hoje nós temos na cidade duas avenidas de
grupos médicos, duas avenidas, a Souza Naves e a Bandeirantes, ali
que tudo, todo aquele... vamos dizer toda essa infraestrutura na área
de saúde fez parte de um planejamento meu a curto, a médio e a
longo prazo que permitia essa realidade que nós temos não apenas
em Londrina, mas no Paraná, essa interação e a presença da saúde
em todos os municípios e a qualidade de vida com a agua tratada em
todos os municípios[...]
372
Kepler Palhano foi funcionário da Companhia de Terras Norte do Paraná
tendo chegado na região ainda na década de vinte. Maranhense sai de sua
cidade para estudar, não sai fugindo da seca e também não é analfabeto. É
engenheiro e se não o fosse buscaria profissões que em nenhum momento
foram citadas pelos alunos. A ideia de que todo nordestino é pobre também é
quebrada a partir deste relato. Palhano descreve a situação de sua família no
estado do Maranhão como detentora de grandes posses. Não estavam
deixando sua terra natal por “passar fome”.
Meton Araújo de Souza vem para a cidade de Londrina na década de
trinta após residir em outras localidades. Durante este período exerce trabalhos
de enfermeiro e de barqueiro, sendo que na cidade de Londrina foi vendedor
de jornais e posteriormente médico homeopata. Em seu depoimento “Doutor
Meton”, como era conhecido na cidade, relata trabalhos que exerceu durante a
sua vida, passando por período de estudos no estado do Rio de Janeiro. Mais
uma vez apresentando relatos que fogem ao que foi apresentado pelos alunos.
Dalton Fonseca Paranaguá, assim como Kepler Palhano, descreve a
vida de sua família no estado do Piauí como detentora de grandes posses e de
grande nome principalmente no meio político. Dalton Paranaguá que foi
prefeito da cidade de Londrina e secretário de saúde do Estado do Paraná em
a todo momento ressalta a formação que recebeu no Rio de Janeiro e que
como ele diz “chegou preparado”.
Por ora constata-se nas respostas dos alunos a hipótese que
levantamos ao início desse trabalho: os estudantes, embora jovens e iniciando
a vida escolar, apresentam ideias acerca do nordestino como sujeito da história
de Londrina.
Inferimos que os alunos se apropriam de ideias e práticas disseminadas
na sociedade e das quais participam os seus grupos de pertencimento (família,
amigos, etc.).
Esses jovens nem sempre percebem as ideias que possuem. Mesmo
seus professores podem não percebê-las. Assim é preciso destacar e analisar
as ideias dos alunos para efetivamente construir o múltiplo naquilo que parece
unívoco.
Quando esses jovens não possuem informações suficientes para dar
suporte às suas idéias, não se furtam a opinar, a responder ao que lhe é
373
perguntado. Mas, buscam em outras referências, ou informações sobre outros
assuntos, e por analogia ou outros mecanismos, estruturam o seu pensamento
e o seu juízo de valor, gerando, quase sempre, estereótipos.
Nesse caso é fundamental a organização do ensino a partir daquilo que
o aluno já sabe. Ainda mais quando o tema pode trazer conseqüências como
as constatadas ou inferidas nessa pesquisa.
Referências
ARAÚJO, Meton Souza.Nome do entrevistador: Barbara Daher Belinati.
Legendas utilizadas: B= Barbara Daher Belinati; M: Meton Araújo de Souza; R:
Rui Cabral (fotógrafo do M.H.L); F: Filho de Meton Araújo de Souza; S: Silvana.
Data: 16/11/2005. Local: Rua Euclides da Cunha, 340- Jardim Shangrilá- Zona
A Transcrita: Gisele da Silva Oliveira. Revisada: Aline Fernanda Souza de
Oliveira. Acervo do Museu Histórico de Londrina “Pe” Carlos Weiss.
ARIAS NETO, José Miguel. O Eldorado: representações da política em
Londrina –1930/1975. Londrina: EDUEL, 1998.
ARIAS NETO, José Miguel. O pioneirismo: discurso político e identidade
regional. In: Revista Brasileira de História. Vol.14, nº.50. São Paulo: ANPUH,
1994
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada. São Paulo: ZAHAR EDITORES, 1978.
LEME, Edson José Holtz. O Teatro da Memória: o Museu Histórico de
Londrina – 1959-2000.276 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de
Ciências e Letras, UniversidadeEstadual Paulista, Assis, 2013
MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela
análise textual discursiva. Ciência & Educação: Bauru, SP, v. 9, n. 2, p. 191210, 2003.
PALHANO, Kepler. Nome dos Entrevistadores: Sr. Widson Schwartz; Sra.
Rosangela Ricieri Haddad;Data: 12/01/98; Tempo da Fita: 1h 38 m 50s; Local
de Gravação: Residência do Sr. Kepler Palhano Rua: Vereador José Felipe
Elias, 485 CEP: 87.600-000 Fone: (044) 252-4556 Nova Esperança - PR.;Apoio
Técnico: NTE Legendas Utilizadas: KP:- Kepler Palhano; CON:- Profª.
Conceição A. D. Geraldo; WS:- Widson Schwartz; RRH:- Rosângela Ricieri
Haddad; MP:- Maria Palhano; Transcrito e Digitado por: Anelise Herden;
Revisado por: Elaine A. Garcia de Oliveira. Acervo Museu Histórico de
Londrina “Pe” Carlos Weiss.
PARANAGUÁ, Dalton Fonseca. Nome dos entrevistadores: Professor Olympio
Luiz Westphalen e Professora Conceição Aparecida Duarte Geraldo. Legendas
utilizadas: D: Dalton; O: Olympio; C: Conceição; M: Marta Data: Não informada.
Local: Não informado. Fita: FC.0156-A. Transcrita: Gisele da Silva Oliveira.
374
Revisada por: Aline Fernanda Souza de Oliveira. Acervo do Museu Histórico
de Londrina “Pe” Carlos Weiss.
TOMAZI, Nelson Dacio. “Norte do Paraná” histórias e fantasmagorias.
Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000.
375
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