PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
TURMA - PDE/2012
Título: Trabalhando a história e cultura africana e afrobrasileira com textos não escolares
nas aulas de Sociologia.
Autor
Vera Lucia do Rosario
Disciplina/Área
Sociologia
Escola de Implementação do
Projeto e sua localização
Colégio Estadual Juscelino Kubitschek de Oliveira
Rua Joaquim Ferreira Claudino, 900 – Jd. Cruzeiro, São
José dos Pinhais.
Município da escola
São José dos Pinhais
Núcleo Regional de Educação
Área Metropolitana Sul
Professor Orientador
Rafael Ginane Bezerra
Instituição de Ensino Superior
Universidade Federal do Paraná
Relação Interdisciplinar
Sociologia, História.
Resumo
A Lei 10.639/03 obrigou o ensino da história e cultura africana
e afrobrasileira em todos os níveis de ensino. Incluir esses
conteúdos tornou-se um desafio para o ensino no Brasil. A
Sociologia já aborda no currículo os aspectos antropológicos
da Cultura, mas ainda não absorveu a demanda imposta pela
referida lei. Como os conteúdos da história e cultura africana e
afrobrasileira ainda não aparecem de forma satisfatória nos
livros didáticos, esta Produção Didático-Pedagógica traz
alguns recursos temáticos e conceituais que podem auxiliar
professores e alunos a problematizar e debater estas
questões em sala de aula. Os textos procuram apresentar a
história e cultura africana numa perspectiva não eurocêntrica,
a partir dos conceitos das ciências sociais, tais como o mito da
democracia racial, identidade e pertencimento, etnocentrismo,
características históricas e culturais da afrodescendência,
discriminação, racismo, exclusão social. As propostas de
atividades presentes neste Caderno Pedagógico contemplam
o uso de textos não escolares: jornais, charges, pinturas,
filmes e músicas. A opção de atividades com essas
linguagens reforça a possibilidade de aproximar a realidade
cotidiana dos alunos com os conteúdos acadêmicos,
procurando sensibilizar os educandos para a construção de
uma postura que valorize, respeite e afirme positivamente a
afrodescendência no Brasil.
Palavras-chave
Ensino de Sociologia; textos não escolares; história e
cultura africana e afrobrasileira.
Formato do Material Didático
Caderno Pedagógico.
Público Alvo
Alunos da 2ª Série do Ensino Médio.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
VERA LUCIA DO ROSARIO
PDE / 2012
Trabalhando a história e cultura
africana e afrobrasileira com textos
não escolares
colares nas aulas de Sociologia
CURITIBA
2012
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----------------------------------------------------Caro(a) Educador(a),
Esta Produção Didático-Pedagógica é resultado do trabalho desenvolvido durante a segunda fase
do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola do PDE 2012, promovido pela Secretaria de Estado da
Educação do Paraná.
A obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afrobrasileira em todos os níveis de
ensino estabelecida pela Lei 10.639/03, juntamente com a carência de materiais didáticos direcionados aos
alunos e que trabalhem esta temática em sala de aula, foram os motivadores da produção deste Caderno
Pedagógico.
O tema Cultura faz parte dos conteúdos estruturantes estabelecidos pelas Diretrizes Curriculares
Estaduais de Sociologia. Por isso, entende-se que a temática história e cultura africana e afrobrasileira deva
ser trabalhada no momento em que se discute a concepção antropológica de cultura e os subtemas dela
resultantes, como por exemplo, a questão da identidade e da etnicidade do povo brasileiro. A temática
africana e afrobrasileira pode ser inserida nesse contexto teórico.
Este Caderno Pedagógico está organizado em seis capítulos: 1. História da África antes da
colonização; 2. Colonização e escravização; 3. Trabalho escravo e resistência; 4. Preconceito, discriminação
e exclusão social; 5. Etnicidade, identidade e Pertencimento; e 6. Cultura afrobrasileira. Embora fosse
interessante que o professor trabalhasse todo o conjunto dos seis capítulos, nada impede que escolha um
ou dois apenas para serem trabalhados individualmente. Tudo depende do seu interesse ou necessidade. A
forma como os textos e atividades está organizado não impede esta possibilidade.
Cada capítulo apresenta a seguinte estrutura: um texto construído a partir das leituras realizadas
para a confecção deste material e fragmentos de textos de pensadores brasileiros especialistas na questão
afrobrasileira (que aparecem em destaque nas caixas de texto ou Box), e um conjunto de atividades que
pressupõem visualização, audição e interpretação de textos não escolares, tais como jornais, charges,
pinturas, trechos de filmes e músicas.
A escolha do trabalho com linguagens ou textos não escolares se deu pela tentativa de tornar o
conteúdo teórico mais atrativo, interessante e de fácil compreensão. Esse recurso didático-metodológico se
apresenta como uma oportunidade de aproximar o saber acadêmico do conhecimento tácito dos alunos. É
preciso considerar, conforme diz Paulo Freire, que o aluno encontra-se inserido numa cultura e carrega
consigo suas experiências. E é a partir da reflexão crítica sobre essas experiências que os sujeitos podem
transformar e recriar a realidade que os cerca. Ao usar textos não escolares, portanto, espera-se que o
aluno construa um novo saber, uma vez que passa a refletir sobre determinados conceitos a partir da sua
própria vivência.
Ao final de cada exercício, você encontrará algumas sugestões extras de atividades que aparecem
com o indicativo “outras possibilidades de trabalho”. Estas atividades podem ou não ser realizadas,
dependendo da organização, do tempo, das possibilidades e objetivos dos educadores que utilizarão este
caderno.
Encerrando o capítulo, são apresentadas “sugestões para ler e ver”. Trata-se de uma pequena
relação de textos, artigos, links, vídeos ou filmes que irão contribuir para a formação teórico-metodológica
dos educadores. Estas sugestões podem ser acessadas tanto por vocês, quanto pelos alunos que se
interessarem em aprofundar os temas abordados.
O trabalho com a temática africana e afrobrasileira é importante no sentido de se estabelecer no
espaço escolar e na sociedade, uma cultura de respeito às diferenças e de valorização do africano na
formação histórica, étnica e cultural do Brasil. Vivemos numa sociedade em que diariamente os direitos
humanos mais elementares são violados, sendo imprescindível, nesse sentido, sensibilizar os alunos para o
reconhecimento do outro. Reconhecendo a humanidade no outro, reconhece sua própria humanidade e
contribui, assim, para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática onde, todos os
indivíduos, independentemente do seu pertencimento étnico são ouvidos, considerados e respeitados.
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----------------------------------------------------Caro(a) Aluno(a),
Este material foi preparado com muito carinho e dedicação para você. Ele é resultado do trabalho
desenvolvido durante a segunda fase do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola do PDE 2012,
promovido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná.
Houve uma tendência da escola e da ciência em compreender o mundo a partir do ponto de vista
europeu. A história da África e do povo que veio desse continente para o Brasil deixou de ser contada.
Assim como, sempre se difundiu o mito de um Brasil sem preconceito, onde todos, independentemente da
cor são tratados como iguais. Num país onde, segundo dados do IBGE de 2011, os negros e pardos somam
50,7% da população total, chegaria um momento em que essa situação deveria ser revertida.
Com o crescimento das demandas sociais reivindicadas pelos movimentos sociais negros, teve
início no país uma série de medidas que procuraram resgatar o papel histórico do negro na formação étnica
e cultural do país, bem como o desenvolvimento de estudos que visavam compreender os processos de
exclusão social, suas causas e consequências.
Em 2003 o governo sancionou a Lei 10.639 tornando obrigatório o ensino da história e cultura
africana e afrobrasileira em todos os níveis de ensino. Já, em 2010, com a Lei 12.288, instituiu o Estatuto da
Igualdade Racial, que objetiva “garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a
defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas
de intolerância étnica”. Várias universidades federais começaram a estabelecer uma política de cotas para
negros, procurando reverter a ausência história desse grupo étnico nos meios acadêmicos. Como resultado
dessa demanda, em agosto de 2012, a Presidente Dilma Rousseff sancionou a lei de cotas raciais e sociais
para as universidades e institutos técnicos federais, reservando 50% das vagas para os alunos que tenham
cursado todo o ensino médio em escola pública, negros, pardos e indígenas.
Neste Caderno Pedagógico, você vai encontrar seis capítulos que versam sobre: 1. História da África
antes da colonização; 2. Colonização e escravização; 3. Trabalho escravo e resistência; 4. Preconceito,
discriminação e exclusão social; 5. Etnicidade, identidade e Pertencimento; e 6. Cultura afrobrasileira.
Cada capítulo apresenta-se organizado com um texto básico produzido pela autora e textos
copilados de pensadores brasileiros especialistas na questão afrobrasileira (que aparecem em destaque nas
caixas de texto ou Box), e um conjunto de atividades com textos não escolares, tais como jornais, charges,
pinturas, trechos de filmes e músicas.
Com isso, vai se construindo uma nova concepção de educação para as relações étnico-raciais. Este
material foi produzido justamente com a intenção de que, você, aluno(a) do Ensino Médio, possa
conhecer, compreender e posicionar-se criticamente sobre a história e a cultura africana e afrobrasileira
durante as aulas de Sociologia.
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Introdução
Atividade Inicial: Caixa de Questões
Para que você possa compreender minimamente a questão da história e cultura africana e
afrobrasileira, é preciso considerar primeiramente sua experiência.
Você precisa primeiro se autodizer, ou seja, dizer o que você conhece sobre este tema, de que
maneira ele lhe afeta e quais são suas dúvidas iniciais.
Para isso, escolha algumas questões e escreva seus comentários, depositando as respostas numa
caixa. Você pode também escrever sobre qualquer assunto que não esteja neste roteiro e que esteja
vinculado ao tema:
• O que você conhece sobre a África Antiga?
• O que você conhece sobre a África atual?
• O continente africano é formado por tribos ou países?
• Existem apenas negros na África?
• Quem eram os africanos que vieram para o Brasil?
• Quando chegaram aqui, o que fizeram, no que trabalhavam? Como era esse trabalho?
• O que você conhece sobre as condições de vida dos escravizados?
• Após a abolição, como ficaram as condições de vida dos ex-escravizados?
• Existe racismo no Brasil?
• Como o racismo se manifesta?
• O que são políticas afirmativas?
• Quais são as maiores expressões da cultura africana presente na cultura brasileira?
• Que palavras você associa espontaneamente quando lhe vem à mente: África, Africano,
Afrobrasileiro, negro?
Pempamsie – simboliza a prontidão, perseverança e resistência.
A nação africana Ashanti e os Gyaman da Costa do Marfim, na África, possuem uma riqueza de símbolos
impressos que decoram tecidos e estampam peças do vestuário. A simbologia adinkra, como a deste
desenho, “representa um sistema de valores humanos universais, como a família, integridade, tolerância,
harmonia e determinação, entre outros”.
Fonte - Disponível em: < http://negromostraatuaface-atividades.blogspot.com.br/2009/09/aula-2-arte-africanaadinkra.html>.
Acesso em 17 dez. 2012.
Capítulo
1
História da África Antes da Colonização
“A memória onde cresce a História, que por sua vez a alimenta, procura
servir o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de
maneira que a história sirva para a libertação e não servidão dos homens.”
(Jacques Le Goff, Historiador)
As civilizações da África Antiga...
A descoberta e análise de fósseis de hominídeos no continente africano e
dos ancestrais do gênero Homo entre os anos 1960 e 1970, comprovaram
Hominídeos
Primatas ancestrais do
cientificamente que o homem moderno surgiu e evoluiu no continente africano e
Homo sapiens que teriam
de lá migrou para ocupar e povoar o restante do planeta.
surgido na África há
cerca de 70 milhões de
Apresença dos humanos mais antigos e a localização de vestígios
anos.
tecnológicos, como o início da atividade agrícola, a domesticação de animais, a
metalurgia (cobre, bronze, ferro), a escrita, a arquitetura e o desenvolvimento do
comércio, constituem um conjunto de características históricas que, atribuídas ao continente africano, lhe
conferem o título de berço histórico da humanidade. Também é notório o desenvolvimento da África antiga no
que diz respeito à navegação.
“Os povos antigos, até mesmo africanos, navegavam os mares à procura da rota para as índias, milênios
antes das caravelas portuguesas e espanholas. Os egípcios construíam navios de grande porte desde o
terceiro milênio a.C., e há indícios de que enviavam frotas até a Irlanda à procura de estanho para fazer o
bronze. O mundo antigo caracterizava-se por ativo comércio e intercâmbio cultural entre a África, a Europa,
Sumer e Elam, a Índia, a China e a Ásia Oriental, e provavelmente as Américas.”
NASCIMENTO, E. L. Introdução à história da África. In: Educação Africanidades Brasil. MEC – UNB – CEAD. [S.L.: s.n.], [200?], p.35
No continente africano surgiram inúmeras civilizações, mas pouco se conhece sobre a história desses
povos, isto porque, historicamente, a literatura didático-científica sempre privilegiou a Europa como o centro de
todo o processo civilizatório. Qualquer agrupamento humano não europeu, por mais desenvolvido que fosse,
era tido como atrasado, inferior e incapaz de produzir conhecimento. A única civilização da África Antiga que
recebeu um espaço considerável nos livros didáticos de história foi a egípcia e, mesmo assim, foi sempre
retratada com “ares” europeus, clareando-se a pele do povo nas gravuras e desenhos ou não relacionando a sua
história à do continente africano, numa espécie de europeização de tudo o que fosse egípcio em função da
inegável grandiosidade dos seus feitos, construções e domínios.
Contar a história da África (tendo a própria África como protagonista) é uma tarefa extremamente
complexa por duas razões: primeiro, pela grande diversidade e riqueza de
povos, culturas e civilizações que existiram no continente, pois se corre o
Protagonismo africano
Busca-se resgatar o papel central da
risco de se ignorarem fatos importantes ou de se cometerem erros
África como detentora de sua
históricos, dada a amplitude da história africana; e, segundo, pela
própria história, superando-se a
visão do continente como
dificuldade de se encontrar uma literatura científica que dê conta de
economicamente atrasado,
miserável, mero fornecedor de
sintetizar didaticamente as características históricas das principais
escravos e sem capacidade
civilizações que habitaram o continente. Ainda que cercado dessas
civilizatória de produzir
conhecimento.
limitações e correndo os riscos anteriormente assinalados, o quadrosíntese seguinte tem o intuito de apresentar, de uma maneira bastante
didática, um panorama sobre as principais civilizações antigas da África.
Quadro 1 – As civilizações antigas do continente africano.
Civilizações
ou Reinos
Período
3000 a.C. a 330 da
Era Cristã.
Egito
Localização
Vale do rio Nilo / região
Nordeste da África.
Principais características
•
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•
•
•
•
Núbia / Kush
Axum
Bérberes
Nok
Bantos
200 a.C. a 400 da
Era Cristã.
Sul do Egito.
Século V a.C.
Norte da atual Etiópia.
Norte da África / Saara.
Século III da Era
Cristã.
África Ocidental.
Atual Nigéria e Camarões.
Mali
Século VIII até XIV
da Era Cristã.
África subsaariana (regiões
que abrangem o delta do
rio Níger Senegal).
Songai
Século XV da Era
Cristã.
África subsaariana (região
do médio rio Níger).
Benin / Ifé
Vestígios datam
desde o século
VIII até XV e XVI,
quando os
portugueses
chegaram nessa
região da África.
Região do rio Volta e do
baixo rio Níger.
2.
•
•
•
•
Sem data precisa.
Seus
descendentes
ainda vivem na
região.
Século V a.C.
1.
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Império que se desenvolveu pela sucessão de várias dinastias.
Invenção da escrita (hieroglífica, hierática e demótica).
Matemática, engenharia, arquitetura avançadas: Pirâmides e Templos.
Desenvolvimento agrícola: canais de irrigação
Conhecimentos médicos: suturas, antissepsia com sais de cobre,
conhecimento da anatomia humana, mumificação.
Segundo estudos recentes (do antropólogo senegalês Cheikh Anta Diop)
o Egito influenciou o desenvolvimento da Grécia e da civilização
ocidental.
No período da 25ª dinastia (750 a 660 a.C.) lideraram o Egito.
Possuía sua própria escrita, pirâmides e templos.
Comercializava com Índia e China.
Metalurgia.
Relações com o sul da Arábia.
Aliança entre a rainha de Sabá e Salomão (lenda do filho Menelik como
fundador da Etiópia).
Porto de Adulis – Centro mundial do comércio com a Ásia.
O Reino tornou-se cristão no século IV da Era Cristã.
As dinastias do reino de Axum sucumbiram apenas no século XX (1935)
com a invasão da Itália fascista, mas restaurado em 1941 com o
imperador Haile Selassie.
Não apresentam uma unidade política própria, pois são povos nômades
que habitaram e habitam o Saara.
Não compõe um grupo étnico e sim linguístico.
Intensa atividade comercial pelo deserto do Saara (sal, ouro, marfim).
Mantiveram relações comerciais com os Fenícios (povos que dominaram
o comércio pelo mar Mediterrâneo no período de 1500 a.C. até 300 a.C.
• Civilização conhecida pelas suas obras de arte e pelo uso do ferro.
• Grupo linguístico que deu origem a centenas de línguas africanas
modernas.
• Tecnologia do ferro.
• Migrou para outras regiões da África (bacia do rio Congo).
• Cidades que se destacaram: Tombuctu, Jené e Gaô.
• Vasto império que se estendeu até o delta do Níger.
• No ano de 1230 o chefe supremo Sundiata, mansa tornou-se soberano
sobre vários povos da região.
• Compunha-se de várias etnias (povos da região do rio Senegal, como
jalofos, sereres, tucolores e fulas; da região do rio Níger, como bambaras
e soninquês; assim como os songais e hauçás).
• Comercializou com os povos da floresta, mantendo um intercâmbio
comercial com os mercadores uângaras.
• Império que se tornou poderoso após o reinado de ásquia (chefe
supremo) que por volta de 1470 conquistou Tombuctu e Jené.
• Dominou cidades hauçás quando se expandiu para o leste.
• Permaneceu dominante na região até 1591, quando foi invadido por
exércitos oriundos do Marrocos.
• Grande parte dos dados sobre esse reino foi obtida pelos mitos (relatos
orais) dos povos da região.
• Vestígios de muros de pedra que cercavam as cidades do reino de Benin,
como os de Ifé (terra dos Iorubás).
• Formavam uma monarquia divina (dirigida pelo oni, representante da
divindade Odudua que governava as várias aldeias que compunham o
reino).
Fonte - dados e informações coletados de:
NASCIMENTO, Elisa Larkin. Introdução à história da África.In: Educação Africanidades Brasil. MEC – UNB – CEAD. [S.L.: s.n.],
[200?], p.40-43.
SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2007, p. 31-37.
Para saber mais...
É bem provável que você imaginasse que o continente africano
era historicamente formado apenas por um imenso conjunto de tribos ou
aldeias e que nem tenha passado por sua cabeça que lá existiram impérios
e reinos. Isto porque sempre quiseram que o imaginário social fosse
moldado segundo os padrões científicos europeus. Ao ignorar que o
continente africano apresentava Estados ou formas de governo mais
complexas, a perspectiva de análise eurocêntrica construía uma visão
deturpada do continente como inferior, atrasado, desorganizado e sem
relevância histórica.
As sociedades africanas apresentavam uma organização política
diferenciada dos moldes europeus, mas nem por isso menos importante.
Sobre esse aspecto, a pensadora Elisa Larkin Nascimento (2006, p. 38),
destaca que na África “prevalecia na maioria dos casos a monarquia
espiritualmente fundada, ou seja, os poderes políticos procediam da
sanção espiritual coletivamente reconhecida, e a pessoa do monarca (que
não era considerado divino) incorporava o sentimento de Deus ao bemestar do seu povo”.
Não existia entre as sociedades africanas a propriedade privada da
terra, nem o feudo enquanto sistema de organização social, econômica e
política.
Figura1 - Grandes muralhas de pedra construídas a partir do
século XIII na região do Grande Zimbábue
Fotografia disponível em: <http://nalupa.com/africa-livre-02-o-grande-zimbabue/>. Acesso
em 21 ago 12.
1. Reflita e responda:
1.1. Após a leitura deste capítulo, escreva um pequeno texto
demonstrando as novidades que você aprendeu a respeito do continente
africano que até então você não conhecia.
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Sobre a história africana é
preciso também saber que...
1. O reino do Congo, na porção
sul do rio Congo, segundo relatos
dos europeus que colonizaram a
região por volta do início do
século XV, era constituído por
povos agricultores bantos. Esses
povos viviam em aldeias,
submetidos à autoridade de um
chefe regional que, por sua vez,
obedecia à autoridade de um
chefe geral do reino, o ntotila ou
mani. Organizado em aldeias e
cidades, numa complexa rede que
incluía o pagamento de impostos
ao chefe supremo (mani Congo),
eram produtores de alimentos,
tecidos, cobre e realizavam um
intenso comércio entre as cidades
e aldeias. “Banza Congo, assim
como a capital do Benin, era uma
cidade do tamanho das capitais
europeias da época (...). Quando
os portugueses conheceram esse
reino, logo viram que seria um
bom parceiro comercial, e
trataram de manter relações
amistosas com ele” (SOUZA,
2007, p. 39-40).
2. Os bantos também formavam o
reino de Monomotapa, na região
do rio Zambéze, constituído por
agricultores e criadores de gado,
e que ficou famoso pelas
construções circulares de pedra
chamadas
de
zimbabués
(prováveis centros religiosos –
veja fotografia ao lado). Nesse
reino também existiam jazidas de
ouro, que despertaram o interesse
dos portugueses que se fixavam
na região e se casavam com as
filhas dos chefes locais com o
intuito de estreitar os laços entre
eles.
Fonte: SOUZA, Marina de Mello e.
África e Brasil africano. São Paulo:
Ática, 2007, p. 39-41.
1.2. Leia o fragmento seguinte:
“Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros
são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano
intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de
estranheza, medo, hostilidade, etc.” Fonte: ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo:
Brasiliense, 1988, p. 5.
A existência de diversos reinos antigos no continente africano revela uma história rica, complexa e diversificada. Por
que os europeus não tinham interesse que essa história fosse contada? Qual a relação entre o etnocentrismo e a
postura dos europeus com os africanos?
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2. Trabalhando textos não-escolares:
2.1. Primeiro vamos ouvir, depois analise a letra da música seguinte:
LÁGRIMA DO SUL
Milton Nascimento
Letra disponível em: <http://www.vagalume.com.br/milton-nascimento/lagrima-do-sul.html#ixzz24KJbFmuk>. Acesso em 22 ago 2012.
A letra desta música apresenta-se numa linguagem poética, porém ela possibilita a compreensão de algumas questões
a respeito do continente e dos afro-descendentes. Por exemplo, ao se referir à possibilidade da África possuir “mil
asas pra voar, que haverão de vir um dia”, o autor demonstra a esperança de superação da miséria, da fome, da
exploração e de todos os vestígios de preconceito e tristeza que permearam a história do continente e de seus povos.
Partindo desta referência, interprete a música:
a. Como a África é retratada pelo compositor? Explique sua resposta.
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b. Milton Nascimento se refere à África como “Berço de meus pais”. Por quê?
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c. Que aspectos culturais especificamente africanos são mencionados na música?
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3. Localizando-se no tempo e no espaço:
3.1. No mapa do continente africano abaixo, circule todas as cidades e reinos antigos que foram mencionados neste
capítulo:
Figura 2: Mapa da África com cidades e reinos antigos
ESCALA
0
748
1496 km
Fonte: SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2007, p. 15.
Outras possibilidades de trabalho...
1. O(a) professor(a) após analisar o Quadro 2 – As civilizações antigas do continente africano, pode dividir a
turma em grupos, para que cada um pesquise mais informações e imagens sobre as civilizações listadas,
monte cartazes, slides ou vídeos e apresentem para a turma.
2. Outra possibilidade é montar um painel sobre a África na atualidade. Pedir para os alunos pesquisarem
em jornais escritos, falados ou mesmo na Internet, notícias sobre países africanos. Fazer um levantamento
dos principais temas, localizar os países onde as notícias foram encontradas e montar um quadro ou painel
sobre os resultados dessa pesquisa.
Neste capítulo discutimos:
o História da África.
o Antigas nações africanas.
o Etnocentrismo.
Sugestões para ler e ver
Para o aluno:
1. Livro: ”História do negro no Brasil”. Autoria de Wlamyra R. de Albuquerque e
Walter Fraga Filho, livro de fácil leitura lançado pela Fundação Cultural Palmares em
2006, promove um resgate histórico do negro no Brasil desde a colonização e escravização,
passando pelas questões culturais, o preconceito e o movimento negro na atualidade.
Download gratuito no link: <http://pt.scribd.com/doc/7108249/Historia-Do-Negro-NoBrasil>. Acesso em 18 out. 2012.
2. Vídeo Documentário: “A Origem do Homem” (Título original: The Real Eve).
Produzido pela Discovery Channel em 2002, este documentário de 90 minutos, discute as
teses científicas (no campo da Genética e da Antropologia) sobre a origem do homem na
África Oriental, a formação das diferentes etnias e a diáspora humana pelo mundo.
Para o professor:
1. Livro: “História Geral da África”. Coleção de oito volumes, editado por Joseph
Ki-Zerbo, dedicados à história do continente Africano. É de domínio publico e está
disponível para consulta e download em pdf no link:
< http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000318.pdf>. Acesso em 18 out.
2012.
2. Filme: “A Massai Branca”. Uma produção alemã de 2005, dirigida por Hermine
Huntgeburth. Baseia-se nas memórias de Corinne Hofmann, uma suíça que, em viagem pelo
Quênia, conhece um guerreiro da tribo samburu, casa e passa a viver com ele na aldeia. O
filme aborda o choque cultural, as dificuldades de se lidar com costumes tão diferentes e o
conflito resultante da interferência que um exerce sobre a cultura do outro. Trata-se de um
belo retrato da riqueza cultural existente nas diversas Áfricas existentes.
Capítulo
2
Colonização e Escravização
“Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que
foram escravizados.” (Makota Valdina, Religiosa do Candomblé)
Afinal, o que foi a Colonização?
As chamadas grandes navegações do século XV surgiram para reforçar
as práticas mercantilistas que objetivavam o desenvolvimento econômico dos
Produtos
países europeus. A colonização da América, e mais especificamente a
Os produtos mais buscados
pelos portugueses eram os
colonização portuguesa no Brasil, teve como objetivos básicos: a obtenção de
metais preciosos (ouro e
prata).
lucro com os novos produtos que seriam comercializados na Europa, a
disseminação do catolicismo, a conquista de novos territórios “além-mar” e a
superação dos perigos (reais e imaginários) que o mar oferecia.
Para conquistar esses objetivos, os portugueses conquistaram, dominaram, povoaram, exploraram e
exterminaram em nome da colonização. A conquista e a escravização dos indígenas e mais tarde dos africanos
(como veremos adiante), submeteram povos e estabeleceram na América aquilo que os europeus denominavam
de “a civilização”. O processo de colonização, nesse sentido, refletiu as relações de poder de um povo sobre
outro. Por isso, podemos dizer que em 1500 não ocorreu a descoberta do Brasil, mas a instauração do domínio,
da conquista e do extermínio dos indígenas que aqui viviam pelos portugueses.
Observe alguns dados históricos sobre a ocupação portuguesa no Brasil:
• A partir de 1500 os “selvagens” (que era como os portugueses se referiam aos indígenas) começaram a
ser exterminados, principalmente por doenças como a gripe e a sífilis transmitidas pelos europeus.
• Entre 1500 e 1530 foram realizadas expedições de reconhecimento do território. Nesse momento são
nomeadas localidades no litoral e confirmar a possibilidade de exploração do pau-brasil.
• No comando do governo absolutista português o rei Dom Emanuel I, para efetivar a exploração sobre o
novo território conquistado, determinou em 1516 o envio de novos navios. Essa nova leva de
colonizadores provocou a expulsão de indígenas do litoral, instalando-se em Porto Seguro (Bahia).
• Em 1531, já sob o domínio do monarca absolutista Dom João III, a coroa portuguesa enviou Martin
Afonso de Souza (capitão-mor da esquadra e das terras coloniais) para distribuir as sesmarias (lotes de
terras) aos portugueses que estavam sob a proteção do rei e efetivar a exploração econômica das terras
conquistadas.
• Martin Afonso de Souza funda os primeiros povoados em 1532: no litoral
Cana-de-açúcar
O
contato
dos
as Vilas de São Vicente mais para o interior Piratininga – atual cidade de São Paulo.
portugueses com a
Verificando a abundância de terras e o clima que aqui existia, ele dá início ao
cana-de-açúcar ocorreu
plantio da cana-de-açúcar que tinha um alto valor comercial na Europa. Os
durante as Cruzadas na
Idade
Média.
Eles
primeiros engenhos de açúcar surgiram no litoral de São Paulo e do Nordeste.
começaram a cultivá-la
Neste momento tem início a escravização: primeiramente dos indígenas e
na Ilha da Madeira
posteriormente dos africanos. O tráfico negreiro torna-se um empreendimento
(litoral da África).
necessário e rentável que dá apoio à dominação e à exploração das terras
brasileiras pelos portugueses.
Não existem escravos, existem escravizados...
O governo absolutista, bem como a nobreza e os comerciantes portugueses sabiam que para efetivar o
domínio colonial sobre o Brasil precisariam de mão de obra. Os portugueses já exploravam o trabalho do
africano escravizado nas colônias das Ilhas dos Açores e da Madeira (litoral africano), não demorando muito para
perceber que após o uso da mão de obra do indígena durante o século XVI1, seria possível substituí-la facilmente
1
A mão-de-obra do indígena escravizado foi utilizada até o final do século XVIII nas capitanias do Pará e do Maranhão e até o século XIX na
pela mão de obra do africano. Mesmo porque, grande parte da burguesia mercantil portuguesa acumulava
grandes somas de dinheiro com o comércio de escravizados.
Os ganhos de capital com o tráfico de escravizados e a necessidade de um grande contingente de mão
de obra para suprir o modelo de produção agroexportadora, foram as principais motivações para a substituição
do indígena pelo africano. Todavia, não há como negar que a insubordinação do indígena ao trabalho forçado
também gerou descontentamento aos colonizadores.
A “decepção” dos colonizadores com a mão de obra indígena se deu, em grande parte, pela rebeldia
desses povos que nunca aceitaram passivamente o cativeiro. São inúmeras as narrativas de fugas, rebeliões e
ataques às vilas provocadas pelos indígenas. A ideia do “índio preguiçoso” foi uma invenção portuguesa para
justificar a insubordinação do indígena ao trabalho compulsório.
A capitania de Porto Seguro
“O regime de Capitanias hereditárias inaugura verdadeiramente o processo de colonização do Brasil. O
território brasileiro foi dividido em 15 amplas faixas de terra que se estendiam da costa atlântica até a linha de
Tordesilhas.
No entanto poucos foram os donatários que realmente investiram na colonização de suas terras, um
deles foi Pero do Campo Tourinho, donatário da capitania de Porto Seguro. Pero do Campo recebeu da Coroa
Portuguesa 50 léguas de costa para administrar, que se estendiam do Rio Grande, atual Jequitinhonha ao Rio Doce.
Vendeu todas as suas propriedades em Portugal e rumou para o Brasil, em 1535, trazendo consigo sua família e
600 homens (colonos acompanhados de suas esposas, homens de arma e funcionários cíveis e eclesiásticos).
Tão logo desembarca funda a Vila de Nossa Senhora da Pena, situada numa colina próxima ao local onde
Cabral plantara a cruz (cidade histórica de Porto Seguro). Funda outras vilas, constrói engenhos e estabelece a paz
com os indígenas. No entanto a prosperidade inicial cede espaço a uma forte crise econômica e política, os ataques
indígenas cada vez mais constantes impediam o crescimento econômico e, agravando ainda mais a situação, os
colonos entram em choque direto com o donatário. O resultado deste processo é a denúncia contra Tourinho feita
ao tribunal do Santo Ofício em 1543, sob a acusação de heresia.”
Disponível em: < http://www.portonet.com.br/portoseguro/capitania.htm>. Acesso em: 02 out. 2012.
O africano escravizado estava presente em todos os tipos de trabalho compulsório existentes no Brasil
Colônia: nas plantações, na manufatura do açúcar, no comércio, nos serviços domésticos, nas estradas, na
criação de gado, nas minas de ouro, nas oficinas de carpintaria, ferraria e sapataria... Mas quem eram esses
homens e mulheres que atravessavam o Atlântico para vir aqui e involuntariamente realizar um trabalho que
enchia de riquezas os bolsos dos colonizadores?
Nenhum ser humano nasce escravo, ele se torna escravo na medida em que outro ser humano o
escraviza. Portanto, precisamos primeiramente apagar do nosso imaginário aquela ideia de que o africano é
naturalmente escravo. Em função disso, você verá em todo o texto
originalmente de nossa autoria, utilizaremos o termo escravizado ao invés de
Raça
escravo, para deixar claro que os africanos eram homens livres, mas se tornaram
A comprovação científica de
escravizados em função de vários processos.
que não existem raças
É comum que se imagine a escravidão como um processo natural e até
diferentes e que a cor da pele,
dos olhos e o formato do
“romântico”, como se a relação entre dominador e dominado fosse harmoniosa,
rosto são determinados pelos
necessária e inevitável. Este fundamento se estabelece com base numa
genes que integram o DNA,
2
concepção aristotélica de mundo , na qual uns nasceram para serem livres e
torna os seres humanos
(negros,
brancos
ou
outros nasceram para serem escravos. Os argumentos do colonizador ou da
amarelos) todos iguais e
historiografia tradicional de base europeia presente nos livros didáticos, no
pertencentes
à
espécie
humana. Raças não existem.
cinema e na literatura, e que, portanto, constituem o nosso imaginário,
O que existe são diferentes
caminham nessa linha: o fato de muitos africanos durante as guerras internas
experiências humanas que se
venderem os prisioneiros desses conflitos como escravos ou de existirem formas
expressam
em
culturas
diversificadas.
diferenciadas de escravidão no continente (conforme Box da página seguinte),
revestia o processo de escravidão realizado pelo europeu de uma “normalidade”
e “naturalidade” que não dava espaço para a indignação. Nesse sentido, é que
região hoje correspondente ao estado do Amazonas. Isto demonstra que não houve uma substituição imediata do trabalho do indígena pelo
do africano escravizado em todas as áreas do Brasil dominadas pelos portugueses.
2 Para o pensador grego Aristóteles (384 a.C-322 a.C.), a escravidão é um processo natural no qual alguns indivíduos nasceram para
comandar e outros para serem escravos. Lógico que essa concepção tem ligação com a ideia que este autor fazia sobre a Política, mas não nos
cabe aqui entrar no mérito desse debate.
muitos ainda permanecem com a ideia de que todos os africanos
eram naturalmente escravos, não se relativizando o fato de que
“as formas de servidão praticadas na África que se baseavam na
captura de prisioneiros de guerra”, eram diferentes da prática do
colonizador que prendia, comprava e escravizava o africano
porque não o considerava gente, mas “selvagem” e pertencente
a uma “raça inferior”. O europeu destituía de humanidade o
africano e o rebaixava à condição de animal, transformando
gentes em mera mercadoria ou peça para gerar ou produzir
riquezas.
Sobre esse processo de desumanização do africano,
vejamos o que nos diz o antropólogo Darcy Ribeiro:
“A
empresa
escravista,
fundada
na
Bem semovente
apropriação
de
seres
Significa “aquele que anda ou se
humanos através da violência
move por si” e diz respeito aos
animais de rebanho. É aplicado
mais crua e da coerção
pelo Direito para se referir
permanente, exercida através
àqueles animais que constituem a
propriedade ou o patrimônio do
dos castigos mais atrozes,
sujeito; são objetos capazes de
atua
como
uma
mó
serem vendidos, trocados ou
desumanizadora
e
penhorados.
desculturadora de eficácia
incomparável. Submetido a
essa compressão, qualquer povo é desapropriado de si, deixando
de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém ao ver-se reduzido
a uma condição de bem semovente, como um animal de carga;
depois para ser outro, quando transfigurado etnicamente na
linha consentida pelo senhor, que é a mais compatível com a
preservação dos seus interesses.
O espantoso é que os índios como os pretos, postos
nesse engenho deculturativo, consigam permanecer humanos.
Só o conseguem, porém, mediante um esforço inaudito de autoreconstrução no fluxo do seu processo de desfazimento. Não têm
outra saída, entretanto, uma vez que da condição de escravo só
se sai pela porta da morte ou da fuga. Portas estreitas, pelas
quais, entretanto, muitos índios e muitos negros saíram; seja
pela fuga voluntarista do suicídio, que era muito frequente, ou
da fuga, mais frequente ainda, que era tão temerária porque
quase sempre resultava mortal. Todo negro alentava no peito
uma ilusão de fuga, era suficientemente audaz para, tendo uma
oportunidade, fugir, sendo por isso supervigiado durante seus
sete a dez anos de vida ativa no trabalho. Seu destino era morrer
de estafa, que era sua morte natural. Uma vez desgastado,
podia até ser alforriado por imprestável, para que o senhor não
tivesse que alimentar um negro inútil”.
Fonte: RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e o sentido do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 118.
Se o africano escravizado passava por todo esse
processo de desumanização, além da esperança de fuga e de
liberdade, quais os demais mecanismos que criou para manter
sua humanidade e a sua dignidade? Quando Darcy Ribeiro, no
texto acima, se refere à auto-reconstrução está falando das
possibilidades que o africano escravizado encontrou ao resistir e
manter sua humanidade diante de tantas atrocidades contra seu
corpo, sua vida e sua cultura. A manutenção de costumes e
hábitos, como a religiosidade e os movimentos de resistência
foram alguns deles, conforme veremos nos capítulos seguintes.
A escravidão na África
“Desde os tempos mais antigos alguns
homens escravizaram outros homens, que
não eram vistos como seus semelhantes,
mas sim como inimigos ou inferiores. A
maior fonte de escravos sempre foram as
guerras, com os prisioneiros sendo postos
a trabalhar ou sendo vendidos pelos
vencedores. Mas um homem podia perder
seus direitos de membro da sociedade por
outros motivos, como condenação por
transgressões e crimes cometidos,
impossibilidade de pagar dívidas, ou
mesmo de sobreviver independentemente
por falta de recursos. Pelo menos assim
era na África, onde acontecida de pessoas
se entregarem como escravos a quem
pudesse salvar a si e a sua família da
morte por falta de alimento, caso a seca ou
os gafanhotos tivessem arruinado toda a
colheita.
Se considerarmos a escravidão como:
situação na qual a pessoa não pode
transitar livremente nem pode escolher o
que vai fazer, tendo, pelo contrário, de
fazer o que manda seu senhor; situação na
qual a pessoa pode ser castigada
fisicamente e vendida caso seu senhor
assim ache necessário; situação na qual o
escravo não é visto como membro
completo na sociedade em que vive, mas
como ser inferior e sem direitos, então a
escravidão existiu em muitas sociedades
africanas bem antes de os europeus
começarem a traficar escravos pelo
oceano Atlântico.
(...) A escravidão estava mais presente nas
capitais dos reinos, nas cidades-estado e
nos grandes centros de comércio, onde
havia maior circulação de riquezas, mais
marcadas entre os grupos sociais. Além de
os escravos serem integrados nessas
sociedades, também eram uma mercadoria
importante nas rotas do Saara. Parte dos
cativos, obtidos geralmente por meio de
guerras
ou
ataques
a
aldeias
desprotegidas, era negociada com os
comerciantes que os levariam para o norte
da África. (...)”
Fonte: SOUZA, Marina de Mello e. África e
Brasil africano. São Paulo: Ática, 2007, p. 4749.
A diáspora africana: quem eram os africanos que vieram para o Brasil?
A diáspora é um processo que ocorre quando um povo e sua
cultura se espalham pelo mundo. Podemos dizer que ocorreram dois
grandes momentos de dispersão na diáspora africana: o primeiro na préhistória, já que os achados arqueológicos comprovam que o povoamento
do mundo teve início na África, daí a expressão “somos todos filhos da
África” ou “África: berço da humanidade”; e o segundo ligado ao processo
de tráfico involuntário dos africanos escravizados durante a colonização da
América.
Interessante notar que um povo, mesmo submetido, carrega junto
de si a cultura que possui. Por isso a cultura brasileira é constituída
também por elementos trazidos pelos africanos. Elementos estes que se
As escarificações (sinais ou marcas
expressam na religiosidade, na música, na dança, na culinária, nos
esculpidas no rosto) foram alguns dos
elementos utilizados para indicar a
conhecimentos, no uso medicinal das ervas... Isto foi possível porque
origem étnica do africano escravizado
quando chegaram ao Brasil, até como forma de resistência, procuraram
quando chegava ao Brasil.
manter aspectos da sua cultura, mesmo estando proibidos de praticá-la,
Fonte da imagem: Fonte: SOUZA,
ainda que para isso tivessem que modificá-la ou adaptá-la. Manter a
Marina de Mello e. África e Brasil
identidade é manter a própria vida. Garantir que sua cultura não fosse
africano. São Paulo: Ática, 2007, p. 62.
esquecida ou negada era uma forma de manter vivas as lembranças, a
família, os costumes, as crenças e trazer de alguma maneira o território africano para dentro de outro espaço
que não havia escolhido habitar.
A diáspora africana, portanto, além de constituir-se no deslocamento involuntário de pessoas, é
também caracterizada pela necessidade de manter viva a história, a identidade e garantir algum vínculo com sua
origem africana.
Mas de que lugares saíram os africanos que vieram para o Brasil? Observe o mapa seguinte:
Conforme podemos observar, para
Belém (PA) vieram escravizados da Guiné.
Para São Luís (MA) e Rio de Janeiro (RJ)
vieram da Costa do Ouro (onde hoje estão
Gana, Benin, Togo e Nigéria). Para Recife
(PE), Salvador (BA) e também Rio de Janeiro
vieram africanos de Angola (Loango Cabinda
e Luanda). Os africanos de Moçambique
também foram trazidos para o Rio de
Janeiro.
Importante lembrar que o tráfico
ocorreu do século XVI ao XIX, sendo que,
neste último vieram em maior número para
o Brasil os escravizados de Angola e
Moçambique, justamente as regiões que se
transformaram em colônias portuguesas na
África. Cerca de 40% do total de africanos
escravizados foram trazidos para o Brasil.
Fonte do mapa: SCHMIDT, Mário Furley. Nova
história
crítica:
ensino médio.
Vol. único. São Paulo: Nova Geração, 2005, p. 198.
O continente africano abriga uma imensa diversidade étnica,
cultural e linguística nos dias atuais que não é diferente daquela que existia
na época da colonização. Portanto, explicar as origens dos povos
escravizados que vieram para o Brasil não é uma tarefa fácil, mesmo porque,
o processo de transformação do africano em escravo, é fruto de uma rede
complexa de relações.
“As formas de servidão praticadas na África que se baseavam na
Diversidade Étnica
O termo Etnia se refere a um
grupo de pessoas ou sociedade
que possui em comum a língua, a
história, um sistema de crenças,
costumes, valores etc.
A diversidade étnica, portanto, diz
respeito a um grande número de
povos de diferentes culturas e
línguas que existiu e existe no
continente africano.
captura de prisioneiros de guerra” acabaram por
contribuir para que o africano aprisionado fosse
mais facilmente vendido aos traficantes de
escravizados.
Descobrindo esse vilão, os
traficantes europeus estimularam as guerras
entre os reinos com o objetivo de conseguir mais
escravos. Além deste fato, muitos portugueses
que lidavam com o tráfico de seres humanos para
a América, penetravam no interior do continente
e “caçavam” os africanos, como se animais
fossem, na mata, na tribo, dentro de suas casas.
Sobre o aprisionamento dos africanos,
sua trajetória desde a África (as viagens duravam
entre 30 e 45 dias) e as condições de trabalho a
que eram submetidos, leia o que escreveu o
antropólogo Darcy Ribeiro:
“Apresado aos quinze anos em sua terra,
como se fosse uma caça apanhada numa armadilha,
ele era arrastado pelo pombeiro – mercador africano
de escravos – para a praia, onde seria resgatado em
troca de tabaco, aguardente e bugigangas. Dali
partiam em comboios, pescoço atado a pescoço com
outros negros, numa corda puxada até o porto e o
tumbeiro. Metido no navio, era deitado no meio de
cem outros para ocupar, por meios e meio, o exíguo
espaço do seu tamanho, mal comendo, mal cagando
ali mesmo, no meio da fedentina mais hedionda.
Escapando vivo à travessia, caía no outro mercado,
no lado de cá, onde era examinado como um cavalo
magro. Avaliado pelos dentes, pela grossura dos
tornozelos e dos punhos, era arrematado. Outro
comboio, agora de correntes, o levava à terra
adentro, ao senhor das minas ou dos açúcares, para
viver o destino que lhe havia prescrito a civilização:
trabalhar dezoito horas por dia, todos os dias do
ano. No domingo, podia cultivar uma rocinha,
devorar faminto a para e porca ração de bicho com
que restaurava sua capacidade de trabalhar no dia
seguinte até a exaustão.
Sem amor de ninguém, sem família, sem
sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma
identificação possível com ninguém – seu capataz
podia ser um negro, seus companheiros de
infortúnio, inimigos – maltrapilho e sujo, feio e
fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou
orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer
todo o dia o castigo diário das chicotadas soltas,
para trabalhar atento e tenso. Semanalmente vinha
um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar
em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre
ele um castigo exemplar, na forma de mutilações de
dedos, do furo de seios, de queimaduras com tição,
de ter todos os dentes quebrados criteriosamente,
ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas
chicotadas de uma vez, para matar, ou cinquenta
chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era
apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa,
Quem eram os escravizados
Os africanos escravizados que vieram para o Brasil
pertenciam a diferentes etnias. Ainda que fossem capturados
juntos, muitos eram posteriormente separados dos seus
familiares, parentes ou amigos. Isso dificultava as relações
sociais, a fuga e a organização dos escravizados, visto que
pertencendo a diferentes etnias, possuíam culturas, religiões
e línguas diferenciadas. Sobre a origem dos escravizados,
vamos ler o que escreve Marina de Mello e Souza:
“Os escravos que chegaram ao Brasil eram embarcados em
alguns portos africanos como Luanda, Benguela e Cabinda,
na costa de Angola, Ajudá e Lagos, na Costa da Mina, e
mais tarde no porto de Moçambique. De Benguela vinham
principalmente ovimbundos; de Luanda, dembos, ambundos,
imbangalas, quiocos, lubas e lundas; de Cabinda vinham
congos e tios. Todos pertencentes ao grupo linguístico banto.
No Brasil, essas diferentes etnias foram reagrupadas como
os nomes de angola, congo, benguela e cabinda,
identificando os africanos pelos portos nos quais haviam sido
embarcados ou pela região na qual eles se localizavam. (...)
Quanto aos escravos embarcados no golfo da Guiné, eles
passaram a ser, a partir do século XVII, conhecidos como
minas. Mais tarde, além das designações mais gerais de
negro mina, ou negro da Guiné, na Bahia, os escravizados
vindos de áreas mais a oeste eram chamados de jejês, e os
iorubas de regiões mais a leste de nagôs. Os primeiros
cultuavam os voduns, ligados a ancestrais fundadores de
linhagens, e os segundos os orixás, mitologicamente ligados
à cidade-mãe de Ifé, de onde teriam se originado todos os
reinos da região do golfo da Guiné. No século XIX chegaram
à Bahia muitos hauçás, aprisionados nas guerras contra os
iorubas, seus vizinhos do sudoeste. Os hauçás eram
islamizados, assim como alguns iorubas de Óio, e a partir de
Salvador fizeram que os islã marcasse sua presença entre a
população negra do Brasil do século XIX.
A maioria dos africanos trazidos para o Brasil veio da região
de Angola (...). Já os vindos da África Ocidental, entre os
quais os iorubás eram os mais numerosos, se concentraram
principalmente na Bahia e no Maranhão, e em menor
quantidade em Minas Gerais (onde trabalharam na
mineração). Ao Rio de Janeiro chegaram em maior número
após 1850, pois quando o tráfico pelo Atlântico foi proibido,
escravizados do Nordeste foram vendidos para o Sudeste
para trabalhar nas lavouras de café em função da
decadência dos engenhos de açúcar. A influência banto é a
mais disseminada por todo o Brasil, ao passo que a ioruba é
mais forte na região de Salvador, que manteve fortes laços
com a Costa da Mina até o período final do tráfico.
Ali, os africanos e seus descendentes refizeram suas
religiões, mantendo-as mais perto das suas matrizes
africanas. Já as manifestações culturais de influência banto
são resultado de misturas mais antigas, incorporando
elementos das culturas indígena, portuguesa e ioruba.”
Adaptado de: SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano.
São Paulo: Ática, 2007, p. 85-87.
tendo um tendão cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da
fornalha ou, de uma só vez, jogado nela para arder como um graveto oleoso.”
Fonte: RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 119-20.
1. Reflita e responda:
“Muita violência, espanto e perplexidade iriam regular as relações entre povos, sociedades e culturas tão
impressionantemente diferentes a ponto de uma negar, frequentemente, à outra a própria natureza humana.”
“(...) a diferença que se travestia em espanto e perplexidade, nos séculos XV e XVI, encontra, nos séculos XVIII e XIX,
uma nova explicação: o outro é diferente porque possui diferente grau de evolução.”
Fonte: ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 11-12.
Nos fragmentos acima, encontram-se duas “justificativas” ideológicas para que os europeus escravizassem os
africanos. Explique-as.
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2. Trabalhando textos não-escolares:
2.1. Vamos assistir agora um trecho do filme AMISTAD (1:16:55 – 1:26:01), de
produção estadunidense de 1997, com roteiro de David Franzoni e direção de
Steven Spielberg. A história de Amistad é baseada em fatos reais que teriam
ocorrido no ano de 1839, quando escravizados após organizarem uma revolta no
interior do navio La Amistad, chegam à costa norte-americana onde são julgados e
libertados. O trecho selecionado mostra a captura e o transporte de escravizados
para realizar trabalhos na América do Norte.
Nos dez minutos de filme, você percebeu como era realizado o tráfico de
africanos para a América. Escreva um texto, na forma de narrativa histórica que
conte os principais fatos que você considerou mais significativos, marcantes e
impressionantes no trecho selecionado do filme.
Narrativa histórica
Narrar, neste caso, consiste em
realizar não só uma sequência
de fatos, incluindo personagens
localizados num determinado
espaço e tempo. Mas também
registrar
as
impressões
pessoais sobre o fato, o que foi
significativo e que ajudou a
compreender o fenômeno
estudado.
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2.2. Observe as imagens abaixo e responda:
Imagem 1
Fonte: <http://tribunodahistoria.blogspot.com.br/2011/07/o-comercio-de-escravos-africanos.html>. Acesso em: 17 out. 2012.
Imagem 2
Fonte: MORIER, Luiz. Todos negros. Jornal do Brasil, 1983.
Luiz Morier recebeu o Prêmio Esso de fotografia em 1983 por esta foto.
a. O que existe de diferente e de semelhante entre as duas imagens?
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b. Em 1983, Luiz Morier trabalhava para o Jornal do Brasil e se dirigia à redação pela estrada Grajaú-Jacarepaguá no
Rio de Janeiro, quando observou uma viatura da Polícia Militar estacionada na estrada próxima a uma comunidade
(“favela”) , desceu do carro, penetrou na mata e encontrou a “cena” fotografada (Imagem 2). Situações como esta
ainda podem ser percebidas no nosso dia a dia? Por quê? Se possível dê exemplos.
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2.3. As pinturas do francês Jean-Baptiste Debret sempre foram utilizadas pelos livros didáticos para ilustrar a
escravidão no Brasil. A imagem a seguir chama-se “Um jantar brasileiro” (Aquarela de 1827). Após analisá-la
responda:
a. A aquarela pintada por Debret representa as
condições reais do escravizado doméstico no Brasil
colônia? Justifique utilizando argumentos dos textos
que você leu neste capítulo.
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Fonte: <http://historiaporimagem.blogspot.com.br/2011/10/jean-baptiste-debret-um-jantar.html>. Acesso em: 10 nov. 2012.
b. Qual o conteúdo ideológico que a imagem transmite a respeito das relações entre senhores e escravos? Explique.
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2.4. Leia o fragmento escrito pelo antropólogo Darcy Ribeiro: “O espantoso é que os índios como os pretos,
postos nesse engenho deculturativo, consigam permanecer humanos. Só o conseguem, porém, mediante um
esforço inaudito de auto-reconstrução no fluxo do seu processo de desfazimento. Não têm outra saída,
entretanto, uma vez que da condição de escravo só se sai pela porta da morte ou da fuga.”
O que você compreendeu a respeito da ideia de auto-reconstrução destacada no texto?
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2.5. Leia e observe os documentos a seguir e responda:
Documento 1
Relato de Mahommah Gardo Baqua, ex-escravo do reino de Bergoo na África Central enviado aos Estados Unidos. Ele
faz esta declaração ao abolicionista Samuel Moore em 1854, descrevendo as condições absurdas pelas quais havia
passado no navio negreiro:
“Fomos arremessados, nus, porão adentro, os homens apinhados de um lado e as mulheres do outro. O porão era
baixo que não podíamos ficar em pé, éramos obrigados a nos agachar ou a sentar no chão. Noite e dia eram iguais
para nós, o sono nos sendo negado devido ao confinamento de nossos corpos. Ficamos desesperados com o sofrimento
e a fadiga. Oh! A repugnância e a imundície daquele lugar horrível nunca serão apagadas de minha memória. Não:
enquanto a memória mantiver seu posto nesse cérebro distraído, lembrarei daquilo. Meu coração até hoje adoece ao
pensar nisto.” Fonte: ALBUQUERQUE. Wlamyra R. de. Uma história do negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006, p. 48.
Documento 2
Fonte: ALBUQUERQUE. Wlamyra R. de. Uma história do negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006, p.49.
Documento 3
Música: TODO CAMBURÂO TEM UM POUCO DE NAVIO NEGREIRO
O Rappa
Letra disponível em: <http://www.vagalume.com.br/o-rappa/todo-camburao-tem-um-pouco-de-navio-negreiro.html#ixzz28kGbTv8q>.
Acesso em: 10 out. 2012.
a. O primeiro documento é um relato em forma de história oral, o segundo é uma ilustração e o terceiro documento
trata-se de uma música (linguagem poética). Embora sejam linguagens distintas, existe uma relação entre os três
documentos. Explique essa relação.
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b. Por que a música (documento 3) usa a máxima “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”? Copie um
trecho da música que justifique sua resposta.
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c. Que trecho da música é possível relacionar com a segunda imagem da questão 2.2? Por quê? (copie o trecho, antes
de justificar).
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Outras possibilidades de trabalho...
O(a) professor(a) pode solicitar uma pesquisa para os alunos com a temática “A Igreja Católica e a escravidão”, no
sentido de compreender o papel da instituição religiosa católica no processo de escravização.
Neste capítulo discutimos:
o Colonização do Brasil.
o Escravização.
o Diversidade étnica na África.
o De onde vinham e quem eram os africanos que vieram para o Brasil.
o Diáspora africana.
Sugestões para ler e ver
1. Livro: “Negras Raízes”. Trata-se de uma das descrições mais incríveis sobre a
captura e aprisionamento de africanos pelos traficantes de escravizados, a trajetória no
navio negreiro e a vida na América. O romance foi escrito por Alex Haley como resultado
de um trabalho de investigação de suas origens africanas. Veja o que diz a nota do
tradutor para a edição brasileira:
“Poucas narrativas despertam tanta inquietação e desconforto como Negras
Raízes, a saga do negro nos Estados Unidos, que merece ser considerada a saga do negro
nas Américas. O trabalho de doze anos de pesquisa, ao qual se dedicou Alex Haley, resultou
na autobiografia mais coletiva de que se teve notícia. Kunta Kinte, dito o “Africano”, pela
avó e as tias velhas de Haley, não é apenas o mais remoto ancestral do autor, é também o
mais remoto ancestral na genealogia de uma raça inteira, caçada nas matas ou à beira dos
rios, amontoada nos porões infectos dos navios negreiros e vendida a retalhos num ponto
qualquer dos Estados Unidos, Cuba, Haiti ou Brasil . (...)
(...) Alex Haley reconstituiu biblicamente a trajetória de sua família, a partir das
histórias repetidas por sua avó, depois de percorrer arquivos, bibliotecas, coleções de
documentos oficiais e particulares, realizar várias viagens à África, particularmente a
Gâmbia – terra dos mandingas, cujos contingentes também aportaram no Brasil -, onde
detectou os passos do seu parente Kunta Kinte, que – mais do que uma personagem – é o
símbolo e o protótipo do preto capturado pelos negociantes negreiros.”
HALEY, Alex. Negras Raízes. São Paulo: Círculo do Livro, [198?], p.9 e 11.
2. Vídeo: “Escravidão no Brasil em fotos reais inéditas”. Montagem feita com
fotografias do acervo do Instituto Moreira Salles. Disponível no youtube.com, conforme o
link: <http://www.youtube.com/watch?v=jRZRa4H8674&feature=related>. Acesso em 17
out. 2012.
Capítulo
3
Trabalho Escravo e Resistência
“E na senzala / o contraste se fazia / enquanto o negro apanhava / a mãe
preta embalava / o filho branco do senhor que adormecia.” (Samba Enredo
da Unidos da Tijuca, 1961).
O trabalho escravo
Até que fossem encontrados metais preciosos em terras brasileiras, Portugal precisava estabelecer o
domínio colonial sobre o território, ao menos na faixa que lhe pertencia segundo os domínios do Tratado de
Tordesilhas. Para que esse domínio se efetivasse, estabeleceu um modelo econômico no Brasil fundado na
monocultura da cana-de-açúcar.
Os pilares básicos da colonização de exploração estão na monocultura, no latifúndio e na extração de
recursos para serem destinados à metrópole europeia. Terra havia em abundância, mesmo porque já havia sido
pilhada dos povos indígenas, assim, inúmeros engenhos foram se espalhando pelo território, edificando um
modelo de produção agrícola que necessitava de um grande contingente de trabalhadores.
Os indígenas que já tinham sido explorados na extração do pau-brasil seriam “naturalmente” utilizados
no trabalho das grandes fazendas de cana. Todavia, a mão de obra indígena foi substituída pela do africano
escravizado. Mas por que isto ocorreu? Assim como os africanos não se
submeteram à escravidão (neste capítulo veremos as formas de resistência), os
Genocídio
indígenas ficavam doentes, recusavam-se executar um trabalho extenuante,
O genocídio pode ser definido
degradante e extremamente diferente dos seus hábitos e costumes. Tudo era
como o extermínio em massa
de um grupo de pessoas, povo
diferente da sua relação com a natureza, por isso organizavam levantes e
ou sociedade, motivado por
ataques às vilas dos colonizadores.
questões étnicas, religiosas ou
Estes conflitos e guerras, aliados às epidemias e pestes transmitidas
políticas. A “limpeza” étnica é
um exemplo de genocídio.
pelos colonizadores, contribuíram para que se configurasse o genocídio dos
Estima-se que existiam cerca
povos originários do Brasil, o que provocou um assustador decréscimo da
de cinco milhões de indígenas
no Brasil em 1500. Hoje, são
população indígena no século XVI (alguns pesquisadores afirmam que em 1574,
230 povos reconhecidos com
dos 93% de escravizados indígenas, passaram para 63% em 1591,
mais de 80 línguas diferentes,
demonstrando uma queda no número de indígenas cativos).
somando um total de 800 mil.
Destes cerca da metade ainda
Como os portugueses já usavam mão de obra africana nas ilhas da
vive em aldeias.
Madeira e Açores na África e havia a oportunidade de aumentar os ganhos de
capital com o comércio de escravizados, encontraram rapidamente uma
maneira de solucionar o problema da mão de obra e começaram a trazer, via
tráfico, um grande contingente de africanos para o Brasil.
Não existe um dado estatístico exato sobre a quantidade de africanos que vieram para o Brasil ou
mesmo sobre a quantidade de escravizados (visto que aqueles que nasciam aqui também carregavam a sina da
escravidão), mas estima-se que vieram cerca de quatro milhões de africanos para o Brasil3. Foram esses estes e
seus descendentes que produziram a riqueza consumida e exportada que se produziu aqui por mais de trezentos
anos.
O africano realizava todo tipo de trabalho, mas para uma melhor compreensão vamos fazer uma divisão
do trabalho segundo os espaços e territórios específicos onde ocorria: o espaço rural e o espaço urbano. Esta
divisão facilita a compreensão de algumas características específicas do modo de vida e a organização do
trabalho própria de cada espaço.
3 Na maior parte da história do Brasil colonial e imperial a população negra urbana e rural era maior do que a branca. Para se ter uma ideia,
“no início do século XIX, o Brasil tinha uma população de 3.818.000 pessoas, das quais 1.930.000 eram escravas”. Em alguns locais o número
de escravizados superava o número de pessoas livres. Quando foi abolido o tráfico de escravos (Lei Eusébio de Queiroz) a maior parte dos
africanos escravizados do Brasil era nascida na África. Fonte: ALBUQUERQUE. Wlamyra R. de. Uma história do negro no Brasil. Brasília: Fundação
Cultural Palmares, 2006, p. 66.
Trabalho escravo no espaço rural
No engenho e nas fazendas de café
O engenho de açúcar era uma grande propriedade agrícola que abrigava entre sessenta e oitenta
escravizados (os maiores chegavam a possuir duzentos) que realizavam um trabalho árduo, pesado e contínuo.
Acordavam às cinco da manhã, reuniam-se no terreiro para receber as ordens, muitas vezes realizavam uma
oração e seguiam para o canavial. Realizavam duas refeições (feijão, angu, farinha de mandioca e às vezes um
pedaço de charque), uma no meio da manhã e outra no meio da tarde.
“Nos engenhos o índice de mortalidade era alto e o de nascimentos baixo, por isso havia a necessidade
permanente de adquirir novos escravos para substituir os que morriam ou envelheciam. No século XIX, cerca de 6
por cento dos escravos dos engenhos padeciam de “cansaço”, possivelmente uma doença relacionada ao desgaste
ou exaustão que os impedia de trabalhar. No engenho de Sergipe do Conde, no Recôncavo Baiano, entre 1622 e
1653, cerca de cinco escravos eram comprados por ano para manter o grupo de aproximadamente setenta cativos.
O trabalho na lavoura era extremamente penoso para as mulheres, especialmente se estivessem em
período de gestação ou amamentando. As altas taxas de aborto e mortalidade infantil nos engenhos estavam
relacionadas à sobrecarga de trabalho, principalmente nas épocas de colheita, quanto se intensificavam as
atividades.”
Fonte: ALBUQUERQUE. Wlamyra R. de. Uma história do negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006, p.74.
O trabalho no canavial era realizado por homens, mulheres e crianças. Cada escravizado recebia uma
cota diária de cana para cortar. As crianças menores de dez anos realizavam trabalhos domésticos na casa do
senhor. A todo momento um feitor (que em alguns casos podia ser até um escravizado de confiança ou um
negro livre) vigiava e supervisionava o trabalho. Muitos desses feitores ou escravizados especializados se
tornavam líderes de revoltas.
Os escravizados também trabalhavam na moenda e no beneficiamento do açúcar e realizavam todas as
benfeitorias no engenho, como reparar cerca e pontes, pastorear o gado e cuidar do pomar.
Sabe-se que a exploração não se limitou ao trabalho braçal, também explorou-se a inteligência e a
criatividade, pois muitos africanos desenvolveram técnicas de fabrico do açúcar e técnicas de cultivo e
instrumentos agrícolas que foram sendo apropriados pelos senhores e lhes renderam mais riqueza.
Nas fazendas de café do sudeste brasileiro o trabalho também era árduo e com quase as mesmas
características do engenho. Trabalhavam entre quinze e dezoito horas por dia.
No final da tarde, após o
trabalho duro, muitos escravizados ainda tinham
que preparar os alimentos para o dia seguinte (moer
a farinha, por exemplo) e se recolhiam às senzalas
em torno das dez horas da noite.
Nas minas
A mineração ocorreu principalmente em
Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. No auge da
exploração do ouro, no século XVIII, 30 por cento da
população de Minas Gerais era constituída por
escravizados.
O trabalho nas minas também era
extremamente desgastante, pois além de trabalhar
Fonte: autoria própria.
Ouro Preto, Minas Gerais.
O estado de Minas Gerais abrigou o maior número de negros
durante o século XVIII. Para se ter uma ideia, em Vila Rica, antigo
nome da cidade de Ouro Preto, no ano de 1721 foram listados
10.741 escravos pertencentes a 1.757 proprietários. Boa parte dos
escravizados das minas já dominavam técnicas de extração do ouro
desde África. Muitos trabalhavam em antigas minas no continente
africano, eram aprisionados e enviados ao Brasil.
o dia inteiro com parte do corpo mergulhado na
água dos rios, ele tinha que se posicionar de frente
para o capataz, curvado, para que não escondesse o
ouro ou o diamante que encontrasse. Além disso, o
escravizado tinha que construir açudes ou tanques
para facilitar o trabalho de garimpo.
Acredita-se que o trabalho na mineração
era até mais desgastante que o da lavoura, por isso
as mortes eram prematuras e, muitas vezes, evitadas
por meio da cura realizada com ervas típicas utilizadas
na medicina africana ou indígena.
No pastoreio de gado e nas charqueadas
A partir do século XVIII, a criação de gado e a
produção de charque no Rio Grande do Sul também se
utilizaram da mão de obra escravizada. Segundo a
pesquisadora Wlamyra Albuquerque (2006), “nos
períodos de maior atividade, entre outubro e maio, os
cativos chegavam a trabalhar dezesseis horas seguidas
sob a vigilância dos capatazes, como eram chamados os
feitores gaúchos”.
Em todos os três territórios de exploração rural
do trabalho escravo, era comum que os senhores
servissem aguardente para estimulá-los ao trabalho.
A vida na senzala
Existiam dois tipos básicos de senzala: a) uma
na forma de barracão retangular e alongado,
construídos pelos senhores e repartido em vários
cubículos que se localizavam atrás das casas-grandes.
Normalmente homens e mulheres ficavam separados,
mas havia casos em que alguns compartimentos eram
reservados para casais com filhos. A senzala era
trancada à noite como medida disciplinar,
estabelecendo o horário para que todos se recolhessem
e como medida preventiva, para evitar fugas de
escravizados; b) o segundo tipo de senzala era
constituído por barracos de barro batido e cobertos por
telhas de cerâmica ou sapê construídos pelos próprios
escravizados, de modo que lhes permitia uma certa
privacidade, pois cozinhavam a própria comida e
ficavam mais distantes da vigia do senhor.
Trabalho escravo no espaço urbano
Nos centros urbanos também se utilizava a
mão de obra do escravizado. Havia uma diversidade
enorme de tarefas que eram exercidas no espaço
urbano. Como a atividade laboral era considerada
degradante e aviltante numa sociedade escravocrata,
os negros, libertos ou não, executavam todo tipo de
trabalho braçal existente: estivador, sapateiro,
carroceiro, pintor, ferreiro, costureira, bordadeira etc.
Mas também executavam trabalhos especializados,
como a enfermagem, por exemplo. Sem contar que nas
cidades era comum um tipo especial de trabalho que
era o chamado “escravo de ganho”, que consistia no
transporte de mercadorias, de pessoas e de água nos
centros urbanos.
Além do trabalho externo à casa do senhor,
existiam os escravizados domésticos, geralmente
realizados por mulheres, cujas atividades iam desde o
trabalho como carregadoras de água, cozinheiras,
arrumadeiras, até as amas de leite que ficavam
Pelourinho
“Nas cidades os senhores podiam recorrer ao poder
público pra castigar os escravos desobedientes ou
que não cumpriam suas obrigações. Durante a colônia
o castigo era aplicado publicamente, em local
determinado pela municipalidade. Este local era
chamado de pelourinho. Mas, em torno de meados
do século XIX, quando a escravidão passou a ser
condenada abertamente por alguns setores da
sociedade, o castigo veio a ser aplicado em locais
fechados e que não despertassem a atenção das
pessoas. Para punir os cativos desobedientes ou que
fugiam, os senhores pagavam uma taxa à polícia para
executar o castigo no interior das cadeias públicas,
geralmente açoites e palmatoadas.”
Fonte: ALBUQUERQUE. Wlamyra R. de. Uma história do
negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares,
2006, p.88.
Cidade de Mariana, Minas Gerais. Na praça, em frente à
igreja pode se avistar o pelourinho. Local onde o
escravizado era punido publicamente.
Fonte: Autoria própria.
Detalhe das argolas que prendiam as mãos do
escravizado enquanto recebia o castigo público no
pelourinho. Fonte: Autoria própria.
responsáveis pela amamentação e o cuidado das crianças.
Em geral, os senhores que não eram ricos ou passavam por dificuldades financeiras, alugavam seus
escravos para outros senhores, ou os utilizavam para a venda de doces, bolos ou quitutes de origem africana
pelas ruas da cidade.
No século XIX, com o surgimento de pequenas fábricas, como as de pólvora, tecido, sabão e chapéus, o
trabalho escravo também foi utilizado. Para se ter uma ideia, “em 1836, a fábrica de ferro São João de Ipanema,
sediada em São Paulo, chegou a empregar 141 escravos” (Wlamyra, 2006).
A vantagem (se é que se pode dizer que havia alguma vantagem em ser escravizado em qualquer lugar
que fosse), de viver nas cidades é que havia certa liberdade de movimento, pois os “escravos de aluguel” ou
“escravos de ganho”, às vezes não moravam com seu senhor, o que lhes permitia uma possibilidade maior de
realizar atividades extras que lhes garantisse uma renda, esta poderia ser utilizada mais tarde na compra de sua
liberdade (a alforria).
Grande parte dos escravizados urbanos moravam em alguns prédios abandonados (cortiços), numa
espécie de senzala urbana. Isto permitia maiores possibilidades de casamento sem a intervenção do senhor ou
de viver junto de suas famílias. Estes locais abrigavam também negros libertos.
Isso não quer dizer que não havia controle sobre suas vidas. Era comum a interferência da polícia e dos
vizinhos sobre atividades “indesejadas” como festas, batuques, cantigas ou mesmo atividades religiosas.
Os escravizados, após o toque de recolher (por volta das vinte horas), eram proibidos de circular pelas
ruas da cidade durante a noite ou de portar armas, pois se temiam os “ajuntamentos” de negros e as
possibilidades de insurreições, rebeliões, crimes ou fugas (o que era, de fato, bem possível acontecer, conforme
veremos mais adiante).
Havia também um grande controle sobre as atividades religiosas. Os locais de culto afro-brasileiro
geralmente eram fechados, os seus membros presos e os objetos sagrados destruídos.
Mão de obra especializada
O descaso com que sempre foram tratadas as formas de resistência (conforme veremos a seguir)
também se refletiu na desconsideração ou não valorização do conhecimento
tecnológico que o africano trazia consigo desde a África. De acordo com Cunha
Estigmatizada
Estigmatizar
é
condenar,
Junior (2010, p. 11-12), “os conhecimentos técnicos e tecnológicos tiveram
tachar, marcar alguém com
sempre difusão por todo o continente africano devido às rotas de comércio
uma característica de origem
entre os diversos países africanos e entre as diversas regiões do mundo antigo.
preconceituosa. O estigma gera
preconceitos e ideias falsas, tais
As agriculturas tropicais tiveram grande desenvolvimento na África antes do
quais aquelas difundidas pelos
século 16. Culturas como cana-de-açúcar, banana, café, algodão, arroz e
colonizadores que os indígenas
são preguiçosos ou que os
amendoim eram bastante desenvolvidas em regiões africanas. Como também
africanos eram inferiores por
produtos como açúcar e tecidos. A tecelagem africana era exportada para a
não possuírem conhecimentos,
Europa no século 17, de países como o Congo e o Kano”. Lógico pensar então
mas apenas força bruta.
que, se havia tanto desenvolvimento tecnológico na África, aqueles que vieram
para o Brasil eram detentores desse conhecimento e, portanto, geraram a
produção e acumulação de riquezas nesse período da história.
Assim, além do desconhecimento histórico sobre o continente africano, produziu-se a ideia
preconceituosa e estigmatizada que o escravizado apenas detinha a força bruta que o tornava capaz de exercer
“No campo dos trabalhos profissionais, nós temos às populações africanas e afrodescendentes realizando
todos os tipos de trabalhos existentes na época. As profissões de ofícios que dependiam de formação ao lado de
um mestre do ofício muitas vezes têm estes mestres africanos. Um exemplo importante é das forjas de ferro em
Sorocaba, no início da metalurgia brasileira. Outros exemplos são os de marceneiros, carpinteiros, ferreiros,
oleiros, artistas, professores e construtores existentes no Rio de Janeiro no século 19 (Karasch, 2000), (Silva,
2000).
No Brasil mesmo, a cultura das elites portuguesas e brasileiras tem um grau elevado de dependência dos
africanos e afrodescendentes. Visto que os trabalhos nas áreas da música clássica, do teatro e das artes foram
realizados como trabalhos anônimos de africanos e afrodescendentes ilustrados. A própria instrução dessas elites
dependeu em muito de afrodescendentes. A mão de obra africana e afrodescendente no Brasil foi em parte um
conjunto de trabalhadores com formação profissional esmerada e com especializações importantes para a
economia da época em diversas áreas de ofícios.”
Fonte: CUNHA JUNIOR, Henrique. Tecnologia africana na formação brasileira. Rio de Janeiro: CEAP, 2010, p. 18-20.
um trabalho extenuante, repetitivo e não-especializado.
Como reflexo da dominação e preconceito, anulava-se o
fato que ele era um ser pensante, dotado de conhecimento
e sabedoria.
Resistência
Vimos anteriormente que o processo de escravidão
conduziu o africano a uma condição de “não-gente”,
retirando-lhe sua humanidade. Eram expropriados do
escravizado os sentimentos, vontades, desejos e impunhase a obediência. A princípio, esse projeto tornava-se
totalmente eficaz para o sistema, pois o senhor passava a
dominar e coagir o escravizado, já que este era sua
propriedade e que, por isso, poderia dispor, vender, trocar,
castigar e punir quando bem entendesse. Diante da força,
acreditava-se que o escravizado ficava inerte a qualquer
reação. Mas será que ele reagiu passivamente à
exploração? Veremos que não foi bem assim que
aconteceu.
Embora sujeito a todo tipo de crueldade,
humilhação e dominação e, muitas vezes sem condições de
ir contra a exploração cruel e degradante no trabalho e os
castigos recebidos, existiram várias alternativas de
resistência à escravidão.
As formas ou mecanismos de resistência variavam
bastante. Vejamos algumas:
Simples desobediência às ordens do senhor,
mesmo que castigados depois.
Envenenamento dos senhores pela água ou
alimentação (geralmente realizado com a ajuda das
cozinheiras).
Lentidão na execução dos trabalhos ou tarefas.
Simulação de doenças.
Banzo: doença motivada pela depressão, tristeza e
apatia. Muitos paravam de falar, de se alimentar,
vindo a falecer tempos depois.
Suicídio (embora existissem casos em que o senhor,
para encobrir o assassinato do escravizado, dizia
que este havia se suicidado).
Sabotagem da produção. Muitos também se
apropriavam de parte da colheita (café), de
galinhas ou porcos para venderem e comprarem
bens que lhes faltavam.
Nas minas, embora com todo o risco e controle,
escondiam pepitas de ouro para venderem e
comprarem a alforria.
Improvisavam cantos (jongos) para ritmar o
trabalho nas fazendas de café ou para alertar os
companheiros da presença de feitores ou senhores.
Pequenas fugas para simplesmente descansar da
massacrante jornada de trabalho de 15 horas
diárias. Muitas fugas também eram utilizadas como
luta e reivindicação da diminuição da jornada de
trabalho, tanto que quando conseguiam negociá-la,
retornavam ao trabalho.
Quilombos
“Quilombos, palenques, marrons são
diferentes denominações para o mesmo
fenômeno nas diversas sociedades escravistas
nas Américas: os grupos organizados de negros
fugidos. No Brasil, esses agrupamentos também
eram chamados de mocambos. Fugir do senhor
e se ajuntar a outros rebeldes foi uma estratégia
de luta desde que os primeiros tumbeiros
apontaram na costa brasileira até vésperas da
abolição.
Ao se referir a quilombo é comum as pessoas
imaginarem
comunidades
exclusivamente
negras formadas por choupanas de palha
escondidas no meio da floresta, no alto das
montanhas, longe das cidades, fora do alcance
dos senhores e onde se vivia apenas da própria
lavoura, da caça, peça e extrativismo. Mas não é
bem essa a história de um grande número de
quilombos no Brasil. Em todo o país foram
muitos os negros rebeldes reunidos em
pequenos grupos nos arredores dos engenhos,
fazendas, vilas e cidades, em lugares
conhecidos por seus senhores e autoridades.
(...) Era exatamente por se localizarem perto de
núcleos de povoamento que os quilombos
inquietavam as autoridades e causavam tantos
transtornos aos proprietários de terras e
escravos. Além disso, um grande número de
quilombos reunia não só escravos em fuga, mas
também negros libertos, indígenas e brancos
com problemas com a justiça.”
Era grande a quantidade de quilombos
pelo Brasil. Para se ter uma ideia, “Vila Rica,
atual Ouro Preto, capital da capitania de Minas
Gerais, era cercada por pequenos quilombos,
que traziam preocupação para os proprietários
de escravos ocupados com a mineração. Entre
1710 e 1798, pelo menos 160 quilombos foram
identificados em Minas Gerais”.
Fonte: ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. Uma
história do negro no Brasil. Fundação Cultural
Palmares, 2006, p. 120 e 126.
Vocabulário:
Tumbeiros: nomes dos navios de pequeno porte
que realizavam o tráfico de escravizados entre a
África e o Brasil. A palavra tumbeiro vem de
tumba e eram assim chamados porque durante o
trajeto metade dos viajantes morriam devido às
péssimas condições às quais estavam sujeitos
os escravizados.
Para enfrentar a distância e a ausência dos parentes deixados na África, criavam uma extensão para os
laços de parentesco. Além do laço consanguíneo, se estabelecia um parentesco simbólico, onde
padrinhos, afilhados, parceiros de trabalho também eram considerados membros da família.
Os senhores, quando escolhidos para apadrinhar seus escravizados, tinham a obrigação moral de
alforriar o afilhado católico, por isso, muitos escolhiam seus senhores para apadrinhar os filhos com a
esperança de que este lhes concedesse a liberdade.
Para poderem praticar suas crenças religiosas adotavam o catolicismo (mesmo porque eram obrigados a
se converter ao cristianismo católico), porém, aos poucos incorporavam elementos da religiosidade
africana.
Fundaram irmandades religiosas que abarcavam diferentes funções: a manutenção da religiosidade
africana em conjunto com as práticas do catolicismo; organização de festas e comemorações onde
podiam se reunir com seus companheiros; promoção de ajuda aos escravizados incapacitados para o
trabalho ou abandonados pelos senhores; união de grupos com a mesma origem étnica; afirmação
cultural e étnica, buscando reunir ou estabelecer alianças entre negros de diferentes origens.
Fugas coletivas ou individuais.
A formação dos quilombos (Box da página anterior). Sobre os quilombos é importante fazer uma
ressalva. O quilombo nem sempre está vinculado à fuga da escravidão, mas também constitui um
espaço de liberdade onde a comunidade negra pode reconstruir seu modo de vida, preservar a cultura e
os costumes africanos.
Revoltas e rebeliões.
As fugas, as revoltas e rebeliões merecem destaque enquanto formas de resistência à escravidão. Uma
vez que elas não se restringiam a um escravo individualmente, mas constituíam-se num projeto coletivo de
resistência e luta contra a dominação dos senhores.
O quadro seguinte apresenta uma síntese das principais revoltas e rebeliões de negros (escravizados ou
não) que ocorreram em diferentes momentos na história do Brasil, inclusive após a abolição da escravatura.
Rebeliões
1. Rebelião
escrava em
Salvador,
Bahia.
2. Plano de
fuga em massa,
Salvador e
Recôncavo
Baiano.
3. Trinta
revoltas na
Bahia.
4. Revolta de
Carrancas,
Minas Gerais.
5. Revolta dos
Malês, Bahia.
6. Revolta de
Manoel Congo,
Rio de Janeiro.
Ano
Onde e como ocorreu
Desfecho
1807
No dia 28 de maio de 1807, em meio às comemorações
de Corpus Christi os escravizados planejaram incendiar a
Casa da Alfândega e uma igreja. A ideia era que
eliminariam os brancos e teriam o seu próprio
governador. Os rebeldes eram de origem haussá (do
norte da atual Nigéria), portanto, eram de origem
muçulmana. Por isso, essa rebelião combinava motivos
políticos e religiosos.
Um escravizado leal ao seu senhor denunciou os
chefes rebeldes que foram presos. Alguns foram
açoitados em praça pública, outros foram
transferidos para Angola. Também foram proibidas
festas africanas e limitada a circulação de negros
libertos pela cidade.
1809
Em janeiro de 1809, havia o plano de uma fuga em massa
de escravizados de Salvador e do Recôncavo para os
quilombos.
Soldados e capitães-do-mato prenderam cerca de 80
homens e mulheres. Como castigo, muitos foram
mortos, marcados a ferro ou açoitados publicamente.
Os rebeldes que conseguiram escapar incendiaram
fazendas, roubaram e mataram pelo interior da
capitania.
Entre
1814 e
1835
Em 1814 em 1835 ocorreram cerca de trinta revoltas na
Bahia. A maior parte dessas rebeliões foi iniciativa dos
africanos de origem haussá e nagô (iorubá).
O desfecho era praticamente o mesmo. Os líderes
eram presos, condenados à morte ou castigados em
praça pública.
1833
Carrancas ficava ao sul de Belo Horizonte a uma distância
de cerca de 286 quilômetros. Entre 1833 e 1835 a região
tinha uma população de 4.053 pessoas, sendo 61,5%
escravizados. As ações dos rebeldes foram marcadas
pelos ataques às fazendas, com o objetivo de matar os
brancos e tomar suas propriedades.
Após a prisão dos envolvidos, dezessete deles foram
condenados à morte por enforcamento.
1835
Em janeiro de 1835 foi denunciado que os malês (nagôs
de origem muçulmana) estavam planejando uma grande
revolta em Salvador na Bahia. A ideia era construir
estabelecer um território governado por africanos.
1838
Em Vassouras, Rio de Janeiro, em novembro de 1838
teve início a fuga de quase duzentos escravizados de
várias fazendas da região. Eles se esconderam nas matas
carregando alimentos, munição e ferramentas saqueadas
das fazendas e rumaram para o quilombo Manoel Congo.
Alguns negros libertos denunciaram o plano às
autoridades. Os rebeldes enfrentaram a polícia
quando foram descobertos planejando a rebelião no
centro da cidade. Os tiros, a gritaria e a confusão
acordaram outros africanos que atacaram a cadeia
pública e mais tarde, em meio às orações para Alá,
foram derrotados. Cerca de setenta mortos ficaram
expostos pelas ruas de Salvador.
A Guarda Nacional e o Exército, sob o comando de
Luís Alves de Lima e Silva (aquele que seria no futuro
o Duque de Caxias) pôs fim ao quilombo Manoel
Congo, condenando seu líder à morte por
enforcamento.
7. A Balaiada,
Maranhão.
8. Insurreição
em Recife,
Pernambuco.
9. Revoltas dos
Quilombolas,
Maranhão.
10. Revolta da
Chibata, Rio de
Janeiro
1838 a
1841
1846
1867
1910
Esta revolta foi caracterizada por uma série de ações que
o correu no Maranhão: assassinatos de feitores, roubos e
assaltos levaram às autoridades a acreditar que estava
sendo organizada uma grande revolta. As suspeitas não
eram infundadas, pois em 1839, liderados por Cosme
Bento das Chagas (um negro liberto), cerca de dois mil
negros dominaram uma fazenda às margens do Rio Preto
e obrigaram seu dono a assinar as cartas de alforria dos
seus 200 escravizados antes que fosse morto.
Em Recife, Pernambuco, uma seita constituída por negros
e liderada por Divino Mestre (o crioulo Agostinho José
Pereira) que fazia uma leitura muito particular da Bíblia,
dizendo que este livro sagrado anunciava o fim da
escravidão. Isso abalou as estruturas da Igreja Católica,
mas foram as autoridades que ficaram mais preocupadas,
pois os versos poéticos e subversivos do Divino Mestre
citavam a revolução no Haiti (em 1791 ocorreu a abolição
neste país da América Central, mas Napoleão ao assumir
o poder restaurou a escravidão. Revoltados, os exescravos realizaram uma revolução, expulsaram os
franceses e assumiram o poder no país em 1804,
proclamando a independência e o fim da escravidão).
Como grande parte dos homens pobres e negros livres
foram convocados para a Guerra do Paraguai (18641870), a província do Maranhão ficou desguarnecida de
homens brancos e autoridades. Os quilombolas do
interior do Maranhão, em 1867, aproveitaram a situação
e começaram a organizar um levante contra os senhores.
Atacavam, ocupavam ou saqueavam fazendas e exigiam
a liberdade dos escravizados. Seguindo essas ideias,
vários escravizados passaram a desobedecer aos
senhores e resistir ao trabalho forçado.
Cerca de 90% do corpo básico da marinha brasileira era
composto por negros. Apesar de a abolição ter ocorrido
há mais de 20 anos, existia uma lei que punia com
chibatadas os marinheiros que descumprissem uma
ordem. Caso cometesse uma falta grave, a punição era
de 25 chibatadas (chicotadas). Porém às vésperas da
revolta, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes,
recebeu como castigo 250 chibatadas. No dia 22 de
novembro de 1910, sob a liderança de João Cândido (O
Almirante Negro), teve início uma insurreição dos
marinheiros contra essas punições. Eles tomaram o
controle de quatro grandes navios de guerra e
ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro, a capital da
república na época, exigindo o fim dos castigos corporais.
Em 1840 o Exército, novamente sob as ordens de Luís
Alves de Lima e Silva dominou a região. Ao tentar
ultrapassar os limites fronteiriços do Maranhão, mais
duzentos quilombolas foram capturados e o líder
Cosme Bento das Chagas executado em 1842.
Divino Mestre era seguido por cerca de trezentos
negros que se autodenominavam livres ou libertos.
Quando foi preso, juntamente com ele foram para a
prisão sete homens e sete mulheres letrados (que
sabiam ler e escrever). No seu julgamento foi
defendido por Borges da Fonseca, grande ativista
político do seu tempo. Não se sabe ao certo o que
ocorreu com Divino Mestre. Um jornal da época disse
que ele teria sido libertado pelo habeas corpus de
Borges da Fonseca. Alguns especulam que teria
ajudado a organizar algumas revoltas que se
sucederam.
O presidente da província e as autoridades locais
(delegados), tentando conter a rebeldia dos
escravizados, enviavam tropas para os locais de
revolta, ocorrendo muitas mortes de ambos os lados.
A reação das autoridades, todavia, não conteve
totalmente as rebeliões dos quilombolas da região,
que continuaram a lutar pela abolição da
escravatura.
Depois de negociações com o governo, em 27 de
novembro de 2012, a chibata tinha sido oficialmente
abolida da marinha brasileira. Uma das cláusulas do
acordo era anistiar os marinheiros revoltados, o que
ocorreu, mas 12 dias após inicia-se outra revolta de
marujos, e o governo passa a esmagar os rebeldes e
punir severamente os líderes rebeldes. João Cândido
e 18 marinheiros são presos na Ilha das Cobras.
Dezesseis desses marinheiros morreram na prisão
(consumidos pela cal que existia no cárcere, mas o
governo atestou insolação). Outros marinheiros são
enviados num navio para o litoral do Nordeste onde
alguns são fuzilados e outros vão trabalhar
compulsoriamente na extração da borracha na
Amazônia. João Cândido é mandado para um hospital
de loucos no bairro do Botafogo no Rio de Janeiro.
Recebeu alta, mas a marinha o prendeu novamente.
Em setembro de 1912, ele e 12 marinheiros foram
acusados pela revolta na Ilha das Cobras já que não
podiam ser condenados pela Revolta da Chibata
devido à Anistia. Após o julgamento, todos foram
absolvidos.
O período da escravidão foi significativamente marcado pela rebeldia escrava. Porém, prevalecia o
senso comum que os escravizados aceitavam passivamente sua condição. Isto porque a historiografia, e
consequentemente a escola, não reconheciam a resistência como uma forma de luta e de insubordinação do
negro frente à exploração desumana que sofria. O quilombo, sob esse aspecto, deve ser compreendido não
como resultante da simples fuga do escravizado que encontrava um local para se esconder, mas na possibilidade
que os negros tinham de construir um novo território que lhes garantisse a liberdade, a sobrevivência digna e a
vivência dos costumes e hábitos que trouxeram da África.
1. Trabalhando textos não-escolares:
1.1. Leia as manchetes retiradas da Internet:
I.
“MPT encontra paraguaios vítimas de tráfico de pessoas escravizadas em frigorífico. Segundo fiscalização,
71 imigrantes foram aliciados e submetidos a condições degradantes em Cambira, no Paraná.” (06 de
novembro de 2012).
II.
Fazendas de pecuária na Amazônia concentram mais de um terço das libertações de escravos. De 150
casos de escravidão contemporânea flagrados pela fiscalização de janeiro a outubro de 2012, 54 foram em
fazendas de gado dentro dos limites da Amazônia Legal. (01 de janeiro de 2012).
III.
Preparo de terreno para plantio de soja usava trabalho escravo. Em propriedade em Marianópolis (TO), 45
vítimas trabalhavam em condições degradantes no preparo de área destinada à cultura do grão. (03 de
outubro de 2012).
IV.
Fraude em documentos escondia trabalho escravo no interior de São Paulo. Fiscalização em propriedade
em Pirassununga (SP) libertou 26 trabalhadores em condições análogas à da escravidão. Eles foram
aliciados em Minas Gerais e trabalhavam há cinco meses sem receber.
V.
Trabalho escravo abastece produção da marca Tatita Kume. Grupo de oito pessoas, todas vindas da
Bolívia, foi libertado de trabalho escravo em oficina de costura precária e improvisada que produduzia
peças de roupa para a marca Talita Kume, com sede no bairro Bom Retiro, na capital paulista. (11 de julho
de 2012).
Disponível em: <http://www.reporterbrasil.com.br/noticias_agencia.php>. Acesso em 07 nov. 2012.
Lendo as notícias, podemos perceber que o sistema capitalista reinventou o trabalho escravo. Aponte algumas
semelhanças e diferenças entre o trabalho escravo no Brasil colonial e imperial e o trabalho escravo contemporâneo.
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1.2. Analise a charge abaixo.
Disponível em: <http://chibatas.blogspot.com.br/2010/11/tensao-traicao-e-expulsao.html>. Acesso em 07 nov. 2012.
a. Verifique se você consegue identificar sobre qual revolta ela se refere? Cite-a. ______________________________
b. O homem sentado com a caneta na mão é o sobrinho do Marechal Deodoro da Fonseca,
Fonseca Hermes da Fonseca
(Presidente do Brasil entre 1910 e 1914). Procure explicar o fato e como é retratado pela charge.
charge
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1.3. Analise as pinturas.
“O Sapateiro”- Jean Baptiste Debret (1768-1848)
(1768
“Negros Serradores” – Jean Baptiste Debret (1768-1848)
(1768
Disponível em: <http://www.ibamendes.com/2012/05/historia
http://www.ibamendes.com/2012/05/historia-do-brasil-atraves-da-arte-de.html>. Acesso em 20 nov. 2012.
As cenas do trabalho escravo retratadas por Debret confirmam qual tese levantada
vantada neste capítulo? Procure fazer uma
relação entre as imagens e o fragmento de texto de Cunha Junior “Tecnologia
“Tecnologia africana na formação brasileira”.
brasileira
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1.4. Vamos assistir o documentário “Quilombo
Quilombos”, realizado pelos Caminhos da Reportagem, da TV Brasil e exibido no
dia 24 de maio de 2012. “O programa percorreu a Bahia, o Maranhão e o Rio Grande do Sul para mostrar como vivem
esses brasileiros e como eles preservam suas culturas e tradições”.
tradições” O vídeo também mostra os problemas de algumas
comunidades quilombolas com relação aos conflitos pela terra e a pobreza.
(Disponível em: < http://tvbrasil.ebc.com.br/caminhosdareportagem/episodio/quilombos>.
http://tvbrasil.ebc.com.br/caminhosdareportagem/episodio/quilombos Acesso em 21 nov. 2012).
a. O que é uma “Comunidade Quilombola”? Cite algumas características.
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b. Por que as comunidades quilombolas ainda hoje representam uma forma resistência à opressão?
opressão
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c. Quais as principais dificuldades atuais encontradas pelas comunidades quilombolas?
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Outras possibilidades de trabalho...
O(a) professor(a) pode solicitar uma pesquisa sobre alguns temas significativos referentes às formas de resistência à
escravidão e ao Movimento Negro contemporâneo. Os resultados da pesquisa podem ser apresentados num
seminário ou debate os temas. Sugestões:
• O Quilombo de Palmares.
• Movimento Abolicionista.
• Quilombolas do Paraná.
• Movimento Negro no Brasil.
• Abdias do Nascimento.
Neste capítulo discutimos:
o Trabalho escravo no espaço rural.
o Trabalho escravo no espaço urbano.
o Especialização da mão de obra africana.
o Formas de resistência à escravidão.
o Rebeliões e revoltas escravas.
Sugestões para ler e ver
1. Artigo: “Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos”. Neste
artigo, Petrônio Domingues faz uma série de apontamentos sobre a trajetória do
movimento negro desde a proclamação da República. Texto bastante didático e de fácil
leitura. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_livres/v12n23a07.pdf>.
Acesso em 20 nov. 2012.
2. Livro: “Paraná Negro”. Pesquisa realizada pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura sobre
as 90 comunidades quilombolas do estado do Paraná. Apresenta um rico acervo
iconográfico e uma síntese das principais características culturas dos quilombolas do
Paraná. In: Paraná Negro / Jackson Gomes Júnior, Geraldo Luiz da Silva, Paulo Afonso
Bracarense Costa (orgs.); fotografia e pesquisa histórica: Grupo de Trabalho Clóvis Moura.
Curitiba:
UFPR/PROEC,
2008.
Disponível
para
download
em:
<http://www.direito.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/Parana_negro_atual.pdf>. Acesso
em 28 nov. 2012.
3. Vídeo/documentário: “Um olhar sobre os quilombos do Brasil - Mocambo”. (16 min.,
MG, 2006). Este curta apresenta alguns aspectos históricos e culturais sobre a comunidade
quilombola de Mocambo, em Sergipe.
Disponível em: < http://www.curtadoc.tv/curta/index.php?id=842>. Acesso em 21 nov. 2012.
4. Vídeo/documentário: “João Cândido – A luta pelos Direitos Humanos”. (1997). Vídeo
realizado pelo Projeto Memória da Fundação Banco do Brasil em conjunto com a
Petrobrás, ACAN, Ministério da Cultura e Governo Federal. Este DVD contém um Livro
Fotobiográfico, Vídeo Documentário, Almanaque histórico e Guia de Orientação para
Professor. É um material didático interessantíssimo para o professor passar em sala de
aula. Este DVD foi distribuído para as escolas e deve ser encontrado facilmente no acervo
do colégio.
5. Filme: “Quilombo”. (119min.) Co-produção brasileira e francesa de 1984, dirigido por
Cacá Diegues. Baseou-se nos livros Ganga Zumba, de João Felício dos Santos e Palmares, de
Décio de Freitas. Reconstitui a fuga e a organização do Quilombo de Palmares durante o
século XVII.
Capítulo
4
Preconceito, Discriminação e Exclusão Social
“Os preconceitos são a razão dos imbecis.” (Voltaire, Filósofo francês)
A ideia que havia submissão e aceitação passiva da escravidão por parte dos escravizados é fruto de
uma concepção tradicional e conservadora de história, na qual o papel do negro enquanto sujeito foi
negligenciado. Passou-se a falsa impressão que não ocorreram rebeliões e inexistiram diferentes formas de
resistência e insubordinação. Assim como ocorreu um processo de “desumanização” do africano, ao não
considerá-lo como um ser pensante e dotado de conhecimento, essas noções acabaram por construir o
imaginário social que estabeleceram as bases do preconceito e da discriminação no Brasil. Mas por que a
história do negro no Brasil não foi contada tal como deveria?
O conhecimento antropológico e histórico que se produziu sobre a história do Brasil até bem pouco
tempo atrás, considerava relevante apenas os fatos que retratassem as elites. O papel do povo, dos
trabalhadores, dos negros, escravizados, ex-escravizados, enfim, dos dominados ou pertencentes às classes
pobres, não era considerado relevante na construção da história, a tal ponto de nem aparecerem nos livros
didáticos das diferentes disciplinas do conhecimento. Isso impossibilitou que se produzisse um conhecimento
crítico sobre esse período, principalmente no que diz respeito ao papel do africano e do afrodescendente na
economia, na cultura, na arte, na música e formação étnica do povo brasileiro.
Desta forma, criou-se no imaginário social a ideia do negro como um indivíduo submisso, dócil e
resignado e, portanto, incapaz de adquirir o status de sujeito da história. Estigmatizado pela escravidão e pelo
modelo teórico que não valorizava o seu papel na história, a população afrodescendente passou a sofrer um
longo processo de preconceito e discriminação.
Brasil: paraíso racial?
Até a década de 1950 o Brasil era tido como um
país democrático do ponto de vista racial, uma vez que não
existiam leis racistas4 que impedissem a ascensão social do
negro e que as diferentes etnias, de modo especial o
branco e o negro, conviviam harmoniosamente, sem que
houvesse discriminação de qualquer espécie. Criou-se,
desta maneira, o que se convencionou chamar de mito da
democracia racial.
Durante muito tempo negou-se a discriminação
como uma das causadoras do processo de exclusão social
do negro na sociedade brasileira. Atribuía-se a dificuldade
de mobilidade social apenas a fatores econômicos, como os
de classe, considerando-se a discriminação “pela cor” como
um processo que não interferia na ascensão social5.
Mito da Democracia Racial
O termo mito é utilizado para expressar um conjunto de
crenças comuns que não tem fundamento científico. No
caso específico do mito da democracia racial quer dizer
que, principalmente na primeira metade do século XX,
difundiu-se nos meios intelectuais e na sociedade, a
ideia de um padrão ideal de relações étnicas no Brasil.
Esse ideal de relações entre o branco, o negro e o índio
partia do pressuposto que a relação entre esses grupos
era pacífica, harmônica e não conflituosa. Sendo assim,
negava-se o racismo e defendia-se a ideia de um país
onde as relações raciais eram equilibradas e
homogêneas.
4 Cabe lembrar que em 1948 foi legalmente implantado o Apartheid (segregação racial) na África do Sul, que estabelecia a desigualdade de
direitos entre negros e brancos. Nesse regime, os negros eram proibidos, por exemplo, de se casarem com os brancos, morar nos mesmos
bairros, frequentar as mesmas escolas, sentar no mesmo banco na praça ou no estádio de futebol, usar o mesmo banheiro ou o mesmo ônibus
dos brancos. O Apartheid acabou em 1991 graças à resistência organizada por grandes líderes como Nelson Mandela e Steve Biko e aos
boicotes internacionais contra a África do Sul. Nos EUA os negros não tinham direitos civis até a década de 1960. Por isso, nesse período
eclodiram vários movimentos pelos direitos dos negros nesse país. Martin Luther King, Rosa Parks e Malcom X foram grandes líderes contra
esse racismo institucionalizado.
Ricardo Henriques (2001), professor e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Universidade Federal
Fluminense (UFF), ao analisar dados sócio-econômicos da população brasileira de 1999, escreve que “o pertencimento racial tem importância
significativa na estruturação das desigualdades sociais e econômicas no Brasil”. Os dados revelam que o Brasil naquela data apresentava um
total de 53 milhões de pobres e de 22 milhões de indigentes. E deste contingente, os negros representavam 64% dos pobres e 69% dos
indigentes. Por sua vez, os brancos compunham 54% da população total e representavam 36% dos pobres e 31% dos indigentes. Ou seja, a
herança da escravidão ainda se reflete nas situações expressas de desigualdade entre brancos e negros no Brasil (In:
<http://desafios2.ipea.gov.br/pub/td/2001/td_0807.pdf>. Acesso em 22 mai. 2012).
5
Esta linha de raciocínio se deve, em boa parte,
às ideias de afirmadas por Gilberto Freyre nos livros
“Casa Grande & Senzala” (1933) e “Sobrados e
Mucambos” (1936). Embora não use literalmente a
expressão “democracia racial” nessas obras, ao
desenvolver a noção do “bom senhor” e do “escravo
conformado” (ou até de escravizados que desfrutavam
de conforto material ou de prestígio na hierarquia
social da colônia como se isso fosse comum a boa
parte dos negros), este pensador acaba por
estabelecer o mito de uma relação harmônica entre
senhor e escravizado. De modo que, vários autores
posteriores a Freyre, passaram a defender a premissa
que não havia discriminação contra o negro no Brasil.
Preconceito racial de marca
O pesquisador Oracy Nogueira (1985) realizou um
estudo comparativo entre as relações raciais no Brasil e
as relações raciais nos Estados Unidos, fazendo uma
distinção entre o preconceito à brasileira: o de marca
(vinculado ao fenótipo, isto é, à aparência física) e o
preconceito estadunidense: o de origem (vinculado à
hereditariedade).
“A distinção apresentada por Nogueira entre preconceito
racial de marca e de origem é essencial. No caso brasileiro,
é o preconceito racial de marca – isto é, aquele vinculado à
aparência física, manifestações gestuais, etc. – que
permite, em função do grau de mestiçagem, de indivíduo
para indivíduo, decidir a sua inclusão ou exclusão na
categoria negro. Isto é o que se torna impossível frente ao
preconceito racial de origem vivido nos Estados Unidos,
segundo o qual a definição étnica está dada pela
hereditariedade, independentemente do fato de o
indivíduo trazer ou não traços do fenótipo negro.”
Fonte: LOPES, Ana Lúcia. Currículo, escola e relações ético-raciais.
In: Educação africanidades Brasil. MEC – SECAD – UnB – CEAD –
Faculdade de Educação. Brasília, 2006, p. 19.
Existe, desta forma, uma peculiaridade do
preconceito no Brasil, pois ao vincular-se à aparência
física (conforme Box acima). Além da discriminação
pela cor propriamente dita, também ocorre uma série
de atribuições ou auto-atribuições que disfarçam a
origem étnica da população negra e que, em certa
medida, expressam uma forma de “amenizar a origem
ou branquear o conteúdo identificatório”, por isso a
existência de tantos termos, tais como escurinho,
moreno, mulato, café com leite etc.
Existe
outro
aspecto
do
processo
discriminatório que se expressa no fenômeno do
branqueamento, onde termos como preto e pobre
tornam-se sinônimos. Isto porque a discriminação
étnica historicamente construída e a consequente
exclusão social do negro, estabeleceu uma
As dimensões do preconceito racial
“O preconceito racial, no caso brasileiro, opera
fundamentalmente em três dimensões: 1. a moral; 2. a
intelectual; 3. a estética.
As atribuições, as piadas, as brincadeiras que
reforçam o preconceito racial quase sempre revelam
conteúdos racistas relacionados a essas três
dimensões. (...)
Um outro momento no qual o preconceito racial
se manifesta é o da situação de conflito, por meio de
xingamentos (...). Os apelidos e xingamentos fazem
parte da vida de crianças e adolescentes, mas apelidos
e xingamentos de cunho racial são característicos da
experiência de crianças e jovens negros, tanto no
convívio cotidiano quando na experiência escolar.
Xingamentos são, via de regra, expressões de
desqualificação e diminuição pessoal, que podem se
estender à família ou a outros grupos sociais de
pertencimento.
(...) O que o preconceito racial expressa é o
sentido histórico de inferioridade gestado a partir das
relações de dominação e subalternidade entre
senhores e escravos durante quase quatrocentos anos
de escravidão no Brasil que, côo modelo econômico e
social, fundou a sociedade brasileira. (...)
Os registros das situações de manifestação do
preconceito não precisam de atos inteiros para serem
compreendidas. Um olhar de desdém ou um sorriso de
escárnio já indicam o sentido da mensagem. O
portador do conjunto de características físicas visadas
pelo preconceito já sabe o que o espera e já tem de
antemão a expectativa de vê-lo manifestar-se. (...)
As expressões que denotam o preconceito racial
estão de tal forma impregnadas na nossa sociabilidade
que já ficaram naturalizadas no nosso cotidiano, como
padrão predominante de comportamento social e, por
isso mesmo, nos obrigam a ampliar a observação e a
interferência nessas situações. Essas expressões
atuam fortemente na construção identitária de crianças
e jovens negros e mestiços, e precisam ser
desmontadas, pois, ao veicular conteúdos de
inferiorização, dificultam encontros positivos de
identidade e auto-estima.
É fundamental, para o desenvolvimento
tranquilo, que a criança se sinta valorizada pelo seu
corpo, seu intelecto e sua moral e é essa experiência
de valorização da sua imagem que o preconceito racial
tenta impedir na criança e no jovem negro.”
Fonte: LOPES, Ana Lúcia. Currículo, escola e relações éticoraciais. In: Educação africanidades Brasil. MEC – SECAD –
UnB – CEAD – Faculdade de Educação. Brasília, 2006, p. 2122.
desigualdade social e econômica brutal entre negros e brancos.
Para exemplificar esse quadro, é só observarmos alguns dados do Censo
Pardos
2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os negros e pardos
O termo pardo diz respeito
somam 50,7% do total da população brasileira, ou seja, mais da metade. Apesar
a alguém que tenha origem
multirracial. Segundo o
de ser maioria em termos absolutos, estão entre os mais pobres, os analfabetos,
IBGE o pardo integra um
os com pior renda e os que sofrem mais diretamente com a violência.
dos cinco grupos de “Cor ou
O Censo de 2010 revela a imensa desigualdade social e econômica entre
Raça” junto com os negros,
brancos,
amarelos
e
brancos e negros quando se apresentam os dados sobre os rendimentos médios
indígenas.
mensais dos brasileiros: entre os brancos é de R$ 1.538 e entre os amarelos é de
R$ 1.574. Os rendimentos dos brancos e amarelos totalizam quase o dobro do
valor relativo aos negros e pardos que é de R$ 834 e R$ 845, respectivamente.
Os afrodescendentes ainda são minoria nas universidades e constituem a maioria dos analfabetos.
Segundo os dados, os brancos são a maioria no ensino superior: da faixa etária entre 15 e 24 anos, 31,1% dos
brancos frequentavam a universidade, enquanto que entre os pardos e negros, os índices são de 13,4% e 12,8%,
respectivamente. Do total de 9.6% de analfabetos existentes no Brasil, os brancos somam 5,9%, enquanto que
pardos e pretos somam 13% e 14,4%, respectivamente.
Existe uma série de dados estatísticos infindáveis que comprovam a desigualdade social e econômica
entre negros e brancos. Mas, o importante é que se perceba, nos poucos exemplos mencionados que, qualquer
indicador social que represente as condições de vida (moradia, saúde, lazer, educação, rendimentos...), os
brancos sempre se apresentam em condições mais favoráveis que os negros. Como bem escreve Wlamyra R. de
Albuquerque (2006, p. 302): “Esses indicadores deixam evidente que no Brasil o racismo não se resume a
episódios individuais de discriminação. O racismo está amplamente disseminado, tem raízes históricas profundas
e por isso representa um significativo obstáculo para que os negros possam progredir na vida, além de aumentar
o risco de morte prematura”.
Assim, percebemos que não existe uma democracia racial no Brasil. Conforme percebemos neste
capítulo, o racismo se reveste de diversas formas, transformando em um mito a convivência harmoniosa e sem
conflitos entre brancos e negros.
É importante que se considere também que, o racismo à brasileira, tem por base a negação de si
mesmo, uma vez que se questionando qualquer pessoa em relação ao preconceito racial, esta sempre se
colocará como sendo “não-racista”.
O racismo atualmente não se “justifica” mais pela noção de raça superior ou inferior (embora ele se
caracterize no Brasil como um racismo de marca), mas pelo preconceito que hierarquiza e desumaniza em
função da cultura e da identidade do afrodescendente. É sobre este aspecto que trataremos no capítulo
seguinte.
1. Trabalhando textos não-escolares:
1.1. Leia alguns artigos da Lei 7.716/1989 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional.
Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.
§ 1o Incorre na mesma pena quem, por motivo de
discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do
preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica:
I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao
empregado em igualdade de condições com os demais
trabalhadores;
II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar
outra forma de benefício profissional;
III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no
ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário.
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento
comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou
comprador.
Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de
aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de
qualquer grau.
Pena: reclusão de três a cinco anos.
Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel,
pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.
Pena: reclusão de três a cinco anos.
Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em
restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos
ao público.
Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em
estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes
sociais abertos ao público.
Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões
de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou
estabelecimento com as mesmas finalidades.
Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios
públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos
mesmos:
Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos,
como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou
qualquer outro meio de transporte concedido.
Você já presenciou, observou, leu ou assistiu na mídia a divulgação sobre a violação de algum desses crimes
estabelecidos na lei? Exemplifique. Caso sua resposta seja não, por que imagina que isso não ocorreu, sabendo que o
racismo se manifesta todos os dias na sociedade brasileira?
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1.2. Leia as duas informações e responda:
• “Até a década de 1930, jogadores negros não eram admitidos nos times de primeira divisão do campeonato
paulista.” (Albuquerque, 2006, p237).
• No início do século XX, muitos jogadores, para parecerem “mais brancos” esticavam o cabelo rente à raiz ou
cobria o rosto com pó-de-arroz. Foi o que ocorreu com o jogador Carlos Alberto, “que trocou o America pelo
Fluminense em 1914. Como a camisa branca do clube de elite da zona sul contrastava com sua pele mulata, Carlos
Alberto entrava em campo maquiado com pó-de-arroz, que, ao longo da partida, ia escorrendo junto ao suor. A
torcida então passou a gritar "pó-de-arroz", que posteriormente se tornaria um apelido dos adeptos tricolores.”
In: A inserção do negro no futebol brasileiro. Disponível em: <http://br.esporteinterativo.yahoo.com/noticias/spt-consci%C3%AAncia-negra--a-iser%C3%A7%C3%A3o-do-negro-no-futebol-brasileiro-143330079.html>. Acesso em 20 nov. 2012.
O racismo ainda é um elemento presente nos campos de futebol? Como você percebe que ele ocorre? Dê exemplos.
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1.3. Assista o vídeo “Racismo no Brasil – Preto no Branco – Nem tudo é o que parece”. Canal Futura. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=vqZIriXBeEw>. Acesso em 22 nov. 2012.
Após o vídeo e a leitura deste capítulo, apresente alguns argumentos que justifiquem a ideia de que a democracia
racial no Brasil é um mito.
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1.4. Leia o trecho da reportagem A violência contra jovens negros no Brasil, assinada por Paulo Ramos, na revista Carta Capital
on line do dia 15.08.12:
“A cada nova divulgação dos dados sobre homicídios no Brasil a mesma informação é dada: morrem por homicídio,
proporcionalmente, mais jovens negros do que jovens brancos no país. Além disso, vem se confirmando que a tendência é um
crescimento desta desigualdade nas mortes por homicídios.
O diagnóstico produzido pelo Governo Federal apresentado ao Conselho Nacional de Juventude – CONJUVE mostra
vetores importantes desta realidade, para além dos socioeconômicos: a condição geracional e a condição racial dos vitimizados. Em
2010, morreram no Brasil 49.932 pessoas vítimas de homicídio, ou seja, 26,2 a cada 100 mil habitantes. 70,6% das vítimas eram
negras. Em 2010, 26.854 jovens entre 15 e 29 foram vítimas de homicídio, ou seja, 53,5% do total; 74,6% dos jovens assassinados
eram negros e 91,3% das vítimas de homicídio eram do sexo masculino. Já as vítimas jovens (ente 15 e 29 anos) correspondem a
53% do total e a diferença entre jovens brancos e negros salta de 4.807 para 12.190 homicídios, entre 2000 e 2009. Os dados foram
recolhidos do DataSUS/Ministério da Saúde e do Mapa da Violência 2011.”
Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-violencia-contra-jovens-negros-no-brasil/>. Acesso em 20 nov. 2012.
Qual a relação entre os indicadores da violência contra negros que esta reportagem apresenta e o conteúdo deste
capítulo? Por que os negros estão mais vulneráveis à violência?
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1.5. Ouça e analise a letra do samba-enredo da Escola de Samba Mangueira, de 1988:
CEM ANOS DE LIBERDADE, REALIDADE E ILUSÃO
Hélio Turco, Jurandir e Alvinho
Letra disponível em: <http://www.vagalume.com.br/mangueira/samba-enredo-1988.html#ixzz2BZ8Nq1nP>. Acesso em 07 nov. 2012.
a. Por que os autores da música se perguntam se a libertação dos escravos em 1888, com a assinatura da Lei Áurea
não foi uma ilusão?
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b. Qual a concepção de liberdade dos autores da música? Você concorda com eles? Justifique.
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c. É possível fazermos uma relação entre a música e a charge de Angeli abaixo? Explique.
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Fonte - Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dbch20112006.htm>. Acesso em 27 nov. 2012.
1.6. “O racismo se expressa no estranhamento do branco em relação ao negro”. Explique esta frase e relacione suas
ideias com a crítica presente na charge abaixo.
Fonte - Disponível em: <http://riscoserabiscos-sandrynnha.blogspot.com.br/2012/07/algumas-charges.html>. Acesso em 27 nov. 2012.
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Outras possibilidades de trabalho...
O(a) professor(a) pode dividir a turma em equipes e, em conjunto com o(a) professor(a) de artes, pedir que os alunos
façam cartazes ou faixas (com logomarca, lemas, desenhos...) para uma campanha contra o racismo no Colégio. Expor
os cartazes para toda a escola.
Neste capítulo discutimos:
o Mito da democracia racial.
o Preconceito racial.
o Discriminação.
Sugestões para ler e ver
1. Artigo: “Preconceito de cor e racismo no Brasil”. Neste artigo divulgado na Revista de
Antropologia da USP, Antonio Sergio Alfredo Guimarães analisa o desenvolvimento dos
estudos sobre racismo realizados no Brasil nos anos 1940 e 1970. Interessante para o
Sociólogo ou o Historiador compreender como se deu a discussão acadêmica sobre o
preconceito e racismo e o surgimento de novos paradigmas sobre a questão racial. In:
GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. Preconceito de cor e racismo no Brasil. Rev. Antropol.
vol. 47, nº1, São Paulo, 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77012004000100001&script=sci_arttext>.
Acesso em 20 nov. 2012.
2. Documentário: “A Negação do Brasil”. 90 min. Direção de Joel Zito Araújo. Este vídeodocumentário faz uma análise da presença do negro na telenovela no Brasil. Apresenta
depoimentos de atores e faz uma crítica aos modelos estereotipados e negativos do negro na
teledramaturgia.
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Z9B9ryJP4t0&feature=watch-vrec>.
Acesso em 21 nov. 2012.
Capítulo
5
Etnicidade, Identidade e Pertencimento
“Então, meu coração
também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
Entre a vida e o fogo,
Meu coração cresce
Dez metros e explode.
- Ó vida futura! Nós te criaremos.
(Carlos Drummond de Andrade, Poeta)
Conforme observamos nos capítulos anteriores, pode-se dizer que no Brasil ocorreu uma espécie de
negação das origens, uma vez que desconhecemos parte da nossa história ao retirarmos da nossa memória
histórica e social a participação do negro na formação étnica e cultural brasileira.
A negligência em relação à história oficial do negro no Brasil, aliada aos processos discriminatórios e
racistas desde a escravização, só tem reforçado o “estranhamento” do branco em relação ao negro. E aí cabe um
questionamento: se a imagem do branco sempre apareceu como referência na qual todos devem se espelhar e a
imagem do negro quase nunca aparece, ou quando aparece é quase sempre numa posição estigmatizada ou
preconceituosa, como é possível construir uma identidade positiva da afrodescendência?
Para explicitar melhor essa questão, tomemos como exemplo a ausência dos afrodescendentes nos
meios de comunicação. Eles não apareciam na publicidade (pois não eram considerados como uma fatia
importante do mercado consumidor), bem como não recebiam papeis relevantes na dramaturgia. Geralmente
Sinhá Moça representa a Casa Grande
“A telenovela Sinhá Moça, produzida pela Rede Globo teve sua primeira versão em 1986. Escrita por
Benedito Ruy Barbosa foi readaptada em 2006, com novo elenco formado por Débora Falabella e Danton Mello,
entre outros. Em 2010, o folhetim foi reprisado em "Vale a Pena Ver de Novo".
No enredo busca-se representar o contexto que vivia o país principalmente em 1887, um ano antes da
abolição formal da escravidão no Brasil. A trama ocorre em uma cidade do interior de São Paulo chamada
Araruna, onde monarquistas e republicanos (abolicionistas) enfrentam-se, representando aqueles que buscam
conservar o trabalho forçado de negros e os que buscam abolir a escravidão.
Como todas as novelas de época, busca-se certo contexto histórico da realidade brasileira (na maioria
das vezes sem sucesso), vindo carregadas de muito romantismo para agradar aos paladares de quem as assiste
sem muito senso crítico.
Nesta novela, pode se perceber algo que esteve muito presente nas ciências sociais e na literatura do
século XX: velhas ideias e maneiras que fortaleceram a construção, no imaginário brasileiro, de um país mestiço e
de democracia racial.
O que pouco se vê nas novelas como Sinhá Moça é a ação e luta dos escravos para sua própria libertação,
talvez por esta ficar apagada e à sombra das boas intenções de brancos advindos do escravismo.
A ação do sinhozinho branco e abolicionista nos últimos anos até a efetivação formal (e não real) em
1888, em meio à efervescência internacional de ver a última e sofrida abolição efetuada, na teledramaturgia fica
acima de milhares de revoltas de negros que pipocavam em todo o território brasileiro. Sinhá Moça representa a
visão da casa grande (senhores) acerca do processo de abolição.
Levantes como em 1756 e 1864 em Minas Gerais, a revolta dos Malês em 1835, na Bahia, e os milhares
de quilombos formados a partir de fugas e conflitos contra o escravismo ficam abafados pela TV comercial
brasileira, na tentativa de enganar a todos com o velho discurso de passividade dos negros com sua situação,
negando-os como sujeitos históricos em meio à bondade de senhores brancos em um sistema já falido social e
economicamente.
Sinhá Moça, como tantas outras novelas, busca apagar de nossa memória e história a luta de resistência
dos escravos que ajudaram a construir este país. Ainda hoje, seus descendentes sofrem os reflexos de quase
quatro séculos de dominação, e isso também querem apagar.”
Adaptado de: CONCEIÇÃO, Willian Luiz da. Sinhá moça representa a casa grande. Disponível em:
<http://outraspalavras.arteblog.com.br/299306/Sinha-Moca-representa-a-Casa-Grande/>. Acesso em 16 nov. 2012.
se destacavam apenas nas telenovelas temáticas sobre a
escravidão (ler Box da página anterior) ou eram retratados
em
posições
caricatas
(engraçadas,
desdentadas,
Estereótipo
bobas,
ingênuas)
ou
É
uma
imagem
generalizada e falsa que se
subalternas,
como
constrói
sobre
algum
empregados
domésticos,
indivíduo ou grupo de
indivíduos. Geralmente é
motoristas ou bandidos.
baseada no sistema de
Assim sendo, podevalores e crenças de cada
se
dizer
que a mídia também
um.
O estereótipo do negro
contribuiu para que se
construído
socialmente
construísse um estereótipo
vincula-se a uma visão
racista e estigmatizado do
desfavorável,
preconceituosa e que o
negro, dificultando, assim, a
marginaliza.
construção de uma imagem
positiva da negritute.
Decorrente dessa imagem distorcida e
preconceituosa processou-se um fenômeno de
invisibilidade do afrodescendente. Isto ocorreu e ainda
ocorre nas diferentes esferas da sociedade brasileira, seja
no mundo da escola, da cultura, do trabalho, das
comunicações etc.
Assim sendo, é importante que se debata e se
reflita sobre a história, a cultura, a religiosidade e outras
manifestações que constroem a identidade do negro no
Brasil. Mas antes, vejamos alguns conceitos importantes
como os de etnicidade, identidade e pertencimento.
Etnicidade
Quando grupos étnicos ou grupos populacionais
específicos se tornam invisíveis na sociedade, precisando
ser reconhecidos e respeitados, torna-se importante que
se coloque em pauta o conceito de etnicidade.
Segundo Lima e Castilho (2010, p. 237-238) os
fenômenos étnicos podem ser abordados com base em
três vertentes teóricas: 1. A vertente primordialista
enfatiza os vínculos de base biológica (relações de
parentesco), características religiosas e linguísticas como
tendências dominantes num determinado grupo ou os
vínculos resultantes de um sentimento e afinidades
comuns, que caracterizam a cultura de cada sociedade ou
grupo étnico; 2. A segunda vertente, chamada de
instrumentalismo, refere-se à busca, por meio de
mecanismos políticos e através de lideranças, de
recuperar o “orgulho étnico perdido” e acessar certos
recursos e determinados patamares de poder. 3. A
terceira e última vertente teórica, estabelece que a
“etnicidade é uma construção histórica situacional” em
que certos grupos buscam estabelecer uma fronteira
cultural, onde as diferenças são marcadas e definidas com
o objetivo de conquistar determinados recursos e garantir
o reconhecimento perante a sociedade.
A etnicidade, do ponto de vista de Lima e Castilho
(2010, p. 233), designa, portanto:
Comunidades Remanescentes Quilombolas
“As comunidades quilombolas são grupos
sociais cuja identidade étnica os distingue do
restante da sociedade. A Associação Brasileira de
Antropologia define as comunidades quilombolas
como “grupos que desenvolveram práticas de
resistência na manutenção e reprodução de seus
modos de vida característicos num determinado
lugar”.
São comunidades que se constituíram a
partir de uma grande diversidade de processos,
tanto durante a vigência do sistema escravocrata,
que por mais de 300 anos subjugou negros
trazidos da África para o Brasil, quanto após sua
abolição no século XIX, enfrentando as
desigualdades que se arrastam até o presente
século.
Sua identidade se define “pela experiência
vivida e as versões compartilhadas de sua
trajetória comum e da continuidade enquanto
grupo. Trata-se, portanto, de uma referência
histórica comum, construída a partir de vivências e
valores partilhados”.
As
comunidades
quilombolas
se
caracterizam pela prática do sistema de uso
comum de suas terras, concebidos por elas como
um espaço coletivo e indivisível que é ocupado e
explorado por meio de regras consensuais aos
diversos grupos familiares que compõem as
comunidades, cujas relações são orientadas pela
solidariedade e ajuda mútua.
A definição normativa do conceito de
quilombo é veiculada no Decreto nº 4.887 de 2003,
quer seja “consideram-se remanescentes das
comunidades de quilombo, para fins deste
Decreto, os grupo étnico-raciais, segundo os
critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais
específicas, com presunção de ancestralidade
negra relacionada com a resistência à opressão
histórica sofrida”.
O conceito de remanescentes das
comunidades de quilombo, à luz do Art. 68º do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, da
Constituição Federal, refere-se “aos indivíduos,
agrupados em maior ou menor número, que
pertençam ou pertenciam a comunidades, que,
portanto, viveram, vivam ou pretendam ter vivido
na condição de integrantes delas como repositório
das suas tradições, cultura, língua e valores,
historicamente relacionados ou culturalmente
ligados ao fenômeno sócio-cultural quilombola”.
Fonte: BRASIL. Programa Brasil Quilombola.
Presidência da República. Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Subsecretaria de Políticas para Comunidades
Tradicionais. [S.L.:S.N.], [200?], p. 10-11.
Disponível em:
<http://www.seppir.gov.br/.arquivos/pbq.pdf>.
Acesso em 16 nov. 2012.
“(...) o sentimento de ser portador de atributos distintivos face aos integrantes de outros grupos,
atributos estes que são considerados os mais importantes pelos indivíduos que pertencem a um dado
grupo. Oscilando, portanto, no largo espectro do estigma imputado por outros e da falta de consciência
de sua singularidade, de um lado, ao orgulho e à consciência de sua diferença, de outro, a etnicidade,
como marcador de diferença, é um fenômeno de ordem essencialmente cultural. Os grupos étnicos
diferem, assim, de classes sociais, grupos de status, ordens ou raças.”
Desta forma, estabelecer as diferenças entre os grupos étnicos, e mais especificamente da etnia negra
em relação à branca, não se funda na diferenciação pura e simples das características fenotípicas, pois,
conforme visto no primeiro capítulo já se encontra superada pela Antropologia e pela Biologia a noção de raça.
Muito além das características físicas (embora elas estejam na base do racismo e discriminação), a etnicidade
aparece como uma possibilidade de tornar visível a cultura afrodescendente, estabelecendo determinadas
diferenças que garantem a visibilidade, o reconhecimento e o acesso aos direitos de cidadania.
A demarcação étnica ou etnicidade é posta como uma possibilidade de redefinir o sujeito, na medida em
que contribui para a construção da identidade daquelas pessoas que compartilham da mesma trajetória
histórica e social. Funciona para o afrodescendente como um mecanismo importante no processo de afirmar-se
com orgulho e positividade diante dos demais grupos dominantes (neste caso, os brancos).
A etnicidade é um fenômeno que se vincula diretamente à construção da identidade e do
pertencimento étnico racial, conforme veremos.
Identidade e Pertencimento Étnico-Racial
A cultura é um processo dinâmico na sociedade, ela não é dada. Assim também funciona com a
identidade. Tanto uma quanto a outra podem ser modificadas, transformadas ou construídas. A invisibilidade e
o não reconhecimento do afrodescendente, juntamente com os processos históricos que sempre colocaram o
negro como subalterno, inferior e o excluiu das possibilidades de mobilidade social, conforme já vimos nos
textos anteriores, trouxe a necessidade de serem repensadas as noções de identidade (ler Box abaixo) e de
pertencimento étnico.
A construção da identidade, segundo Norbert Elias
“Norbert Elias (2000) chama atenção que precisamos tratar as diferenças, enquanto um problema que precisa
ser entendido no conjunto da sociedade, buscando o entendimento da relação de poder entre aqueles que se
reconhecem no grupo dos Estabelecidos e os que estão entre os Outsiders. Um grupo, ao estigmatizar o outro, se coloca
no centro do poder. Sua estratégia é rotular o grupo como inferior para, desta forma, manter a superioridade social.
Assim, o grupo estigmatizado constrói uma autoimagem inferiorizada.
Ao longo do tempo, sofrendo a inferioridade, este grupo vai criando cicatrizes e até acredita que é mesmo
“tudo o que não presta”. Assim, é possível que uma criança que sempre foi estigmatizada, incorpore a inferioridade.
Esta criança cresce percebendo e “sentindo na pele” o processo civilizador imposto a situação vivida pelo seu povo
através do tratamento que lhe é dado, seja pela família, vizinhos, colegas, professores, polícia, etc.
A imagem negativa sobre um determinado grupo leva as pessoas a serem julgadas e tratadas negativamente.
Até as próprias pessoas do grupo se julgam inferiorizadas e incapazes. Pois, o descrédito atribuído a um grupo que é
inferiorizado atinge todas as pessoas que se identificam neste grupo, provocando a baixa autoestima.
Os outsiders que não se conhecem, não se encontram, não se fortalecem e não se identificam são
constantemente excluídos. As iniciativas de formação de grupos é um sinal de unidade entre os menos favorecidos
(como os negros e as negras do Brasil), dando-lhe forças para unir os traços da solidariedade e assim fortalecer a
construção de identidade de um grupo. Isto ajuda os pares a resolver/amenizar os seus problemas e a se unir em busca
de ideais comuns.
Em busca da construção de sua identidade, os grupos menos favorecidos economicamente, politicamente e
socialmente, lutam por políticas públicas de afirmação para que possam ser reconhecidos e valorizados por sua
identidade e dignos de obter os mesmos direitos sociais.
Porém, é possível retornar e retomar a identidade do (a) negro (a) no momento em que se abrem espaços
para a realização do ser, da educação, da cultura, dos valores e dos costumes de um povo, que durante muito tempo foi
impedido de se expressar. Suas emoções foram controladas com imposição de um “processo civilizador” (ELIAS, 1994).
A forma de expressão da negritude, no vestir, no trançar o cabelo, no dançar (entre diversas outras expressões)
contribuiu para manter a cultura afro-brasileira como expressão de resistência para que o negro e a negra
reafirmassem seu pertencimento e sua identidade étnica.”
Fonte: REIS, Maria da Conceição dos. O processo civilizador na construção da identidade negra. XII Simpósio Internacional Processo
Civilizador. Recife, 2009, p. 4. Disponível em: < http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais12
artigos/pdfs/comunicacoes/C_Reis2.pdf>. Acesso em 16 nov. 2012.
A resistência política, as reivindicações dos movimentos negros e o surgimento de vários instrumentos
vinculados a auto-afirmação, trouxeram à tona essa discussão. Vejamos o que nos diz Maria da Conceição dos
Reis (2009, p.2):
“Politicamente, a dimensão de resistência pode ser verificada ao longo da história do Brasil, contada por
Munanga e Gomes (2006), como na Revolta da Chibata em 1910, na organização da Frente Negra Brasileira
em 1931, no surgimento do Teatro Experimental do Negro em 1944 e, entre outros, na fundação do
Movimento Negro Unificado em 1978, todos na intenção de produzir e fortalecer a identidade política, a
identidade negra, para lutar contra o preconceito e a exclusão social dos (as) negros (as).
As várias expressões de valorização, orgulho e presença deste povo, que busca a auto-afirmação, começam a
fazer parte do dia-a-dia das pessoas com mais frequência. Podemos perceber isto diante dos acontecimentos
vividos entre o final do século passado e início do século XXI, em que é possível constatar este fato através de
vários instrumentos/aspectos relacionados ou direcionados às pessoas negras. Entre eles, podemos citar: o
aparecimento de revistas, de livros, de teses de doutorado, de dissertações de mestrados e de grupos de
pesquisas; o visual dos cabelos trançados; a produção de cosméticos para pele negra e, no vestuário, a
estampa de camisas com slogan que valorizam a população negra.”
Não é de hoje, portanto, que a população negra vem tentando conquistar politicamente determinados
direitos, bem como posicionar-se e afirmar-se socialmente. Determinar o pertencimento torna-se, nesse
contexto, um mecanismo de mobilização e de valorização da identidade. No caso da população negra trata-se de
uma re(construção) da identidade perdida e negada durante os processos históricos de escravização, de
discriminação e de exclusão social.
A formação da identidade étnica é um processo que se estabelece na relação do indivíduo com a
sociedade e não está desvinculada do auto-reconhecimento e do pertencimento. Construir a identidade é uma
forma de assumir positivamente o grupo étnico ao qual pertence, aderindo aos valores, crenças e tradições
estabelecidas nesse grupo. Conforme escreve Reis (2009, p.3), “(...) a pessoa que se reconhece, assume e se
orgulha de seu pertencimento a população negra, está mais propícia a contribuir com si mesmo e com o grupo
ao qual pertence”. Assim sendo, assumir o pertencimento étnico-racial permite que o indivíduo possa
posicionar-se diante dos diferentes grupos da sociedade, como também, no interior do seu próprio grupo,
alargando as possibilidades de expressar diferentes visões de mundo.
Fonte1 e 2: Elton Henrique Fernandes
Fonte3: Autoria própria.
Nestas fotos percebemos o cabelo enquanto elemento marcador da identidade e do pertencimento. Assumir a negritude é uma forma de marcar e
afirmar as raízes africanas. O cabelo expressa a autoestima e manifesta respeito às características étnicas – Nas fotos: Elton Henrique (Acadêmico
de História), Thaís (Estudante e Operadora de Telemarketing) e Célio Roberto (Professor de Língua Portuguesa).
Quando os indivíduos reconhecem sua identidade e pertencimento, orgulham-se de sua negritude, se
assumem e se colocam diante dos demais com dignidade, passam a ser respeitados e contribuem para que suas
características étnicas sejam (re)conhecidas. A princípio, não se tem preconceito sobre o que se conhece. Com
isso, as lutas pelo poder, os conflitos étnicos, a discriminação e consequente exclusão social, tendem a melhorar
significativamente.
1. Reflita e responda:
1.1. Nas atividades do primeiro capítulo, está escrito o conceito de etnocentrismo. A questão da etnicidade como uma
forma de o afrodescendente “afirmar-se com orgulho e positividade” diante do outro, pode ser considerada uma
atitude etnocêntrica? Argumente.
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1.2. Até cem anos após a assinatura da Lei Áurea que libertou os escravizados no Brasil, os quilombos eram
considerados locais com grandes concentrações de negros que se rebelaram contra o regime colonial. Com a
Constituição Federal de 1988, o termo “quilombo” teve seu conceito ampliado de modo que na atualidade é
considerado toda área ocupada por comunidades remanescentes dos antigos quilombos. Por que o conceito de
quilombo foi ampliado?
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2. Trabalhando textos não escolares:
2.1. Observe as duas fontes seguintes:
FONTE 1
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 1999 e 2009 houve um crescimento da
populaçõe que se autodeclara preta e parda, conforme você pode observar nos gráficos abaixo.
Composição Étnica da População Brasileira
1999
Negros
6%
Pardos
38%
Outros
0%
Brancos
54%
Negros
8%
2011
Pardos
43%
Outros
0%
Brancos
47%
FONTE 2
Aumentam pretos e pardos com ensino superior, diz MEC
Dados do Censo da Educação Superior 2011, divulgados
na tarde desta terça-feira (16) pelo Ministério da
Educação (MEC), apontam aumento no número de pretos
e pardos jovens com ensino superior no País. Em 2011,
8,8% dos jovens autodeclarados pretos, de 18 a 24 anos,
frequentavam ou já haviam concluído o ensino superior.
Em 2004, a proporção era de 5%; e em 1997, de apenas
1,8%.
Quando se analisam os números de jovens autodeclarados
pardos, também se observa uma melhora - em 2011, 11%
dos jovens pardos, de 18 a 24 anos, frequentavam ou já
haviam concluído o ensino superior, ante 5,6% em 2004 e
2,2% em 1997. Os números foram divulgados pelo
governo um dia após a publicação de portaria que trata da
Lei das Cotas nas universidades, que entra em vigor para o
próximo vestibular.
"Isso (esse aumento) foi muito importante, mas eles
(pretos e pardos) continuam muito abaixo do peso que
têm na população. Muitas universidades públicas já
tinham cotas. A nossa meta, agora, é que a participação
de negros no nível superior seja a mesma do Censo do
IBGE", disse o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
(...)
Gazeta do Povo Online, 15 de novembro de 2012. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/ensino/conteudo.phtml?id=1308319&tit=Aumentam-pretos-e-pardos-com-ensino-superior-diz-MEC>.
Acesso em 15 nov. 2012.
a. De acordo com o que você leu neste capítulo e com as fontes acima, porque há uma tendência de crescimento das
pessoas se autodeclararem com a cor que realmente pertencem?
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b. Existe uma relação entre o aumento das autodeclarações de pretos e pardos segundo os dados do IBGE com o
aumento no número de pretos e pardos jovens com ensino superior no país?
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2.2. Analise a charge abaixo e identifique os elementos que contribuem para que a mídia (de modo especial a
telenovela) construa um estereótipo negativo do negro.
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Disponível em: <http://profwalber.blogspot.com.br/2011/11/
charge-racismo.html>. Acesso em 23 nov. 2012.
2.3. Candolina Rosa de Carvalho Cerqueira, graduada em Línguas Neolatinas e Pedagogia pela Universidade Federal da
Bahia em 1949 e 1970, respectivamente. Fundou e dirigiu dois colégios na Bahia e foi professora de Caetano Veloso,
que a homenageia nesta música:
NEIDE CANDOLINA
Caetano Veloso
Letra disponível em: <http://letras.mus.br/caetano-veloso/568968/>.
a. A música passa uma imagem positiva ou negativa da negritude de Candolina? Justifique.
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b. O que Caetano Veloso quis dizer com estes versos: “A porcaria da cidade / Tem que reverter o quadro atual / Pra lhe ser
igual”?
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2.4. Assista os vídeos que divulgam o Projeto Pixaim, desenvolvido pela CUFA (Central Única de Favelas) no Bairro São
João Del Rei, em Cuiabá, Mato Grosso. Disponível em: <http://projetopixaim.blogspot.com.br/>. Acesso em 28 nov. 2012 e
<http://www.youtube.com/watch?v=k--wzYXQRAc>. Acesso em 28 nov. 2012.
Escreva um comentário sobre a importância de projetos como esse, considerando a questão da valorização estética da
mulher e do homem negro.
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Outras possibilidades de trabalho...
O(a) professor(a) pode dividir a turma em equipes e orientar uma pesquisa sobre a vida alguns importantes nomes da
afrodescendência brasileira nas diversas áreas (músicos, pintores, engenheiros, artistas, escritores, atletas etc.),
montar cartazes e expor para o Colégio.
Sugestões de nomes: André Rebouças (engenheiro e abolicionista), Castro Alves (poeta), Chiquinha Gonzaga
(musicista), Cruz e Souza (poeta), Grande Otelo (ator), Heitor dos Prazeres (compositor e pintor), Lima Barreto
(jornalista e escritor), Luis Gama (advogado, jornalista, escritor e abolicionista), Machado de Assis (escritor), Mãe
Menininha do Gantois (mãe de santo), Cartola (cantor e compositor), Pixinguinha (cantor e compositor), Pelé (jogador
de futebol), Daiane dos Santos (ginasta), Milton Santos (geógrafo), Milton Nascimento (cantor e compositor), Abdias
do Nascimento (político e ativista do movimento negro).
Neste capítulo discutimos:
o Estereótipo.
o Etnicidade.
o Pertencimento étnico-racial.
o Auto-construção.
Sugestões para ler e ver
1. Dissertação de Mestrado: “Pertencimento étnico racial e o ensino de história”.
Dissertação de mestrado de Paulo Sérgio de Andrade pela Universidade Federal de São
Carlos. O autor procura compreender as influências do ensino de história na construção do
pertencimento étnico-racial. Ótima leitura para que o professor possa verificar se o ensino de
história interfere ou não na formação da identidade, na aceitação do pertencimento e na
construção da auto-estima do afrodescendente. In: ANDRADE, Paulo Sérgio. Pertencimento
étnico racial e ensino de história. São Carlos: UFSCar, 2006. Disponível em:
<http://www.bdtd.ufscar.br/htdocs/tedeSimplificado/tde_arquivos/8/TDE-2006-1018T15:31:26Z-1215/Publico/DissPSA.pdf >. Acesso em 20 nov. 2012.
2. Documentário: “O Povo Brasileiro”. Vídeo/documentário baseado no livro de Darcy
Ribeiro, grande nome da Antropologia brasileira. Apresenta imagens, depoimentos e análises
sobre a formação do povo brasileiro, nas suas três matrizes: portuguesa, africana e indígena.
A série é dividida em 10 partes, todas disponíveis com ótima qualidade no Youtube.
Link da primeira parte - Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=2gqz4BHYcck >. Acesso em 30 nov. 2012.
Capítulo
6
Cultura Afrobrasileira
“Ser negro é ter a pele pintada de dor e beleza.” (Sintia Lira, poeta)
Conceito antropológico de cultura
O ser humano possui uma série de atributos e capacidades de produzir e transmitir determinados
elementos que são próprios da humanidade. Esses atributos e capacidades, do ponto de vista da Antropologia,
formam um modo de pensar, viver e produzir próprios de cada sociedade humana, ou seja, formam a cultura.
Simões e Giunbelli (2010, p. 187-188) a tratar do conceito de cultura, fazem uma distinção entre aquilo
que denominam cultura “no singular” e cultura “no plural”. Os seres humanos (no singular) possuem a
capacidade de raciocinar, produzir linguagem, símbolos e imprimem significados às suas experiências sobre a
Terra. Como as sociedades são variadas (no plural), elas também produzem uma forma de pensar, de se
organizar e apresentam um conjunto de crenças, costumes, línguas, enfim, um modo de vida que lhes são
característicos e que as distinguem umas das outras.
Assim temos um conceito: a cultura constitui o conjunto de hábitos, costumes, utensílios, vestuários,
crenças, leis, artes etc. que caracterizam o modo de viver, ser e pensar dos agrupamentos humanos. Em síntese,
“(...) designa e sintetiza os aspectos que conferem identidade e especificidade aos diversos grupos humanos e
sociedades humanas” (SIMOES &GIUMBELLI, 2010, p. 188).
Partindo dessa ideia, podemos dizer que existe uma cultura tipicamente brasileira, pois possuímos uma
história, um modo de viver, falar, trabalhar, pensar, vestir e acreditar próprios dos habitantes deste território e
que, portanto, constituem uma determinada identidade nacional. Porém, esse conjunto de elementos culturais
que constituem a nossa identidade como “brasileiros” é resultado das relações e da convivência entre diferentes
etnias: a do negro, do branco e do índio, o que torna a cultura brasileira não homogênea e muito menos
singular.
É perfeitamente possível, nesse sentido, identificar elementos que são próprios da cultura
afrodescendente que estão integrados à identidade nacional (como o carnaval, a capoeira e a música) e
elementos que fazem parte dessa mesma cultura, mas que não são reconhecidos, valorizados e se tornam alvos
do preconceito, como é o caso da religiosidade.
(Re)conhecermos a cultura afrodescendente é uma forma de valorizarmos e respeitarmos as diferentes
expressões culturais e étnicas existentes no Brasil.
Manifestações culturais afrobrasileiras
1. Carnaval
Ainda na época da colônia, durante o mês de fevereiro, existia uma brincadeira - o Entrudo - que divertia
os foliões negros e pobres com o uso de máscaras, água e farinha. Porém, a partir de 1880 ocorreram várias
campanhas encabeçadas pela elite contra essa brincadeira. Isto com o objetivo de copiar o carnaval que se
praticava na Europa (Paris, Veneza) e de impor a ideia que todos deveriam aprender a se divertir de forma
“civilizada”. Esse discurso de cunho racista era uma forma de a elite branca reprimir as manifestações culturais
oriundas das classes pobres e negras.
Apesar da repressão, surgiram no Rio de Janeiro no final do século XIX e começo do século XX, os
ranchos e cordões carnavalescos (no Pará são denominados de reisados), que inicialmente apareciam apenas nas
festas religiosas católicas, onde os participantes se vestiam com adornos luxuosos e imitavam a coreografia das
elites dos salões de bailes de carnaval.
Segundo Albuquerque (2006, p. 228), “os primeiros ranchos carnavalescos cariocas surgiram, no começo
do século XX, na região do porto, lugar repleto de matas de capoeira, candomblés e cortiços onde (...) habitava
boa parte da população negra migrante do Nordeste. Era a chamada Pequena África”. Esses grupos viviam
sofrendo com a perseguição e repressão policial e, para livrar-se dela, geralmente utilizavam a proteção e a
ajuda de pessoas influentes que eram adeptos do candomblé.
Aos poucos esses grupos conseguiram ser incorporados às festas carnavalescas. Assim como ocorreu em
outros locais do Brasil, como os cortejos de maracatus ou “nações africanas” no Recife, os clubes de negros, as
batucadas e cordões em Salvador, cujos temas africanos promoviam nas ruas canções em língua iorubá ao ritmo
dos atabaques e tambores utilizados nos terreiros de candomblé. Em São Paulo, na Barra Funda, da mistura
entre trabalhadores negros e imigrantes europeus das fábricas e da estocagem de café, surgiram os primeiros
cordões e sambistas que deram origem às primeiras escolas de samba da cidade em 1914 (Escola Camisa Verde e
Branca).
Boa parte desses grupos para saírem às ruas dependia de autorização legal para desfilar. E mesmo
quando portadores dessas licenças, muitos grupos sofriam com a vigilância e repressão policial.
Durante as primeiras décadas do século XX, era proibido o uso de fantasias de índios e de certos
instrumentos musicais, como o bumbo.
Origens das Escolas de Samba do Rio de Janeiro
“No Rio de Janeiro, por volta de 1928, surgiram as primeiras organizações de sambistas no Estácio, nos
morros da favela, no centro da cidade e na Mangueira. As escolas de samba, no início eram agremiações com fins
festivos e assistenciais e aos poucos conquistaram espaço na indústria do entretenimento celebrando temas
nacionais. À estrutura dramática dos enredos, personagens, estandarte e alas, já definidas pelos ranchos, foi
acrescida a novidade rítmica do samba, das coreografias e da exaltação à nação brasileira. A beleza e o exotismo
nacional passaram a fazer parte do repertório dos sambistas.”
Fonte: ALBUQUERQUE. Wlamyra R. de. Uma história do negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006, p.238.
2. Religiosidade
A religiosidade de matriz africana é um dos traços
culturais mais fortes que foram preservados pelos
afrodescendentes. Mas, conforme já estudamos nos capítulos
anteriores, as práticas religiosas sofreram com a repressão dos
senhores e sofrem ainda hoje com o preconceito dos brancos ou
dos praticantes de outras religiões.
No caso das manifestações religiosas de origem africana
é preciso considerar que existe uma variação segundo a origem
étnica, não sendo, assim, uma única religião fundada nos
mesmos princípios. Cada região do Brasil tem a presença mais ou
menos forte de um grupo étnico ou de outro, sendo que os
rituais e crenças representam a recriação das tradições desses
grupos étnicos.
Segundo Albuquerque (2006, p. 239), “quando o século
XX se inaugurou, as religiões afrobrasileiras já estavam
solidamente assentadas na sociedade brasileira. Estavam
constituídos o candomblé na Bahia, a umbanda no Rio de Janeiro,
xango no Recife, batuque em Porto Alegre e Casa das Minas no
Maranhão”.
A manutenção de ritos e crenças se deve à importância
Lavação das escadarias da Igreja do Rosário dos Pretos
vital que a religiosidade tinha para as culturas africanas, bem
de São Benedito – Largo da Ordem – Curitiba, 18 nov.
como numa forma de
2012. Fonte: autoria própria.
manter
viva
na
Sincretismo Religioso
Entende-se por sincretismo religioso a
memória a África que havia sido deixada pra trás. Por isso, as religiões
fusão
entre
concepções
religiosas
conseguiram manter algumas características originais, porém
diferentes, na qual uma religião exerce
transformadas ou até adaptadas às crenças católicas para que
influência sobre a outra. No caso da
religiosidade afrobrasileira, podemos
pudessem ser praticadas (ou evitassem a perseguição). Muitas
tomar como exemplo a umbanda: prática
incorporaram também elementos de outras religiões cristãs,
religiosa “de origem banto, onde são
configurando-se o fenômeno conhecido como sincretismo religioso.
cultuados ancestrais e espíritos da
natureza, com forte presença de elementos
O preconceito que ainda existe contra as religiões
das religiões indígenas e também influência
afrobrasileiras
está vinculado ao preconceito contra os
do espiritismo, de origem européia”.
afrodescendentes. Na medida em que as diferenças étnicas de cunho
(SOUZA, 2007, p. 133).
racista deixarem de ter importância, a religiosidade também pode
adquirir o respeito de toda a população.
Lavação das escadarias da Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito – Largo da
Ordem – Curitiba, 18 nov. 2012. Fonte: Ozanam A. Souza.
3. Música e dança
A música de origem africana adquiriu uma importância
vital na religiosidade e, mais tarde, se estendeu para fora dos
terreiros de candomblé e umbanda, estando presente nas festas
tradicionais e nas danças dos maracatus, congadas, reisados,
capoeira etc.
O ritmo e os instrumentos tipicamente africanos (como
o tambor, o agogô, o reco-reco), passaram a influenciar na
formação da música popular brasileira e contribuíram para a
origem do samba e do carnaval, conforme já mencionado
anteriormente. Segundo Marina de Mello e Souza (2007, p.
134), “também os sambas de umbigada e de roda, os jongos
(dança de roda feita em torno de tambores, geralmente dois,
sendo um maior e outro menor), o frevo e muitas outras danças
têm passos mais ou menos fiéis àqueles que realizaram os
primeiros africanos e afrodescendentes que dançaram em terras
brasileiras”.
A música e a dança estão presentes nas festas
populares das comunidades que ainda procuram conservar as
tradições afrodescendentes, como a do bumba meu boi (ou boibumbá) e na música contemporânea, como o axé music, gênero
musical que surgiu na Bahia nos anos 1980 e que incorporou
tambores e ritmos africanos, junto com o forró e o maracatu
(tipicamente brasileiros), o reggae jamaicano e o merengue
caribenho.
Características da religiosidade de
matriz africana
Durante o Brasil escravista,
existiam os calundus, “em torno dos quais
os grupos de africanos e afrodescendentes
se reuniam para reverenciar os espíritos
capazes de proteger, de curar e de orientar
os que a eles recorriam. Os calundunzeiros
e calundunzeiras mais famosos eram
procurados até por brancos, senhores de
escravos e mesmo padres, que tendo
esgotado os outros recursos a que estavam
mais acostumados, como missas, rezas,
chás, sangrias e emplastros de ervas,
buscavam nas religiões africanas solução
para os males que o afligiam. A partir do
século XIX, mas principalmente do século
XX, esse papel foi ocupado pelas mães e
pais de santo dos candomblés da Bahia,
Rio de Janeiro, do Maranhão, de Porto
Alegre e das umbandas do Rio de Janeiro,
de São Paulo, de Minas Grais e de Goiás. À
medida que deixavam de serem
perseguidas, as diversas religiões
afrobrasileiras, praticadas em todo o Brasil,
ganharam mais força do que já tinham.
Frequentadas não só pelas comunidades
negras mas também por pessoas de outros
grupos sociais (...).
Os terreiros nos quais se abrigam
os candomblés e as umbandas são
espaços com muitas características das
culturas africanas – na arquitetura, nos
tipos de plantas e árvores plantadas no
entorno das construções, nos altares nos
quais as entidades sobrenaturais recebem
abrigo, alimentos e cuidados cotidianos, e
nas formas de festejar. Nos ritos, a
presença africana é ainda mais evidente,
como na postura dos corpos, no gestual, na
dança em círculos ao ritmo dos tambores,
instrumentos que aqui e na África são
cercados de cuidados, sendo intermediários
com o sagrado, e, portanto não podendo
ser tocados por qualquer pessoa ou em
qualquer situação. Os ritmos acelerados
que os tocadores tiram deles acompanham
o transe dos médiuns, por meio dos quais
as entidades do além se manifestam
frequentemente
assumindo
posturas
corporais e vozes diferentes. Cada ritmo
permite a incorporação de uma entidade
sobrenatural, que tem toque, cores,
adereços, roupas, comidas e gestos
próprios. Cada terreiro tem seus orixás e
espíritos,
cada
médium
recebe
determinadas entidades, em número
limitado.”
Fonte: SOUZA, Marina de Mello e. África e
Brasil africano. São Paulo: Ática, 2007, p.132133.
O Agogô ou Gã (como é chamado no candomblé) é um instrumento musical de
origem iorubá. É considerado por alguns estudiosos, o instrumento mais antigo do
samba. Fonte: autoria própria.
4. Culinária
O uso de diversos temperos da culinária brasileira, como a pimenta e o azeite de dendê (presente
principalmente na culinária nordestina), foram trazidos dos africanos que vieram da região da Costa da Mina.
“Acarajé, vatapá, aluá e xinxim de galinha são alguns dos pratos que, além do nome, têm receitas parecidas com
as feitas na África, satisfazendo o paladar dos que se criaram dentro dos gostos dos seus pais. Além dos pratos
preparados, o inhame, o cará, a noz-de-cola (aqui chamada de obi e orobó e usada em cultos religiosos) e a
nossa tão típica banana vieram do continente africano, esta última depois de atravessá-lo inteiramente a partir
da costa oriental, para onde foi levada pelos que vinha da Índia” (SOUZA, 2007, p. 135).
Feijão, sorgo (ou milho), arroz e cuscuz (de origem berbere), foram incorporados à comida brasileira
pelos escravizados. Como a carne utilizada na áfrica era geralmente carne de caça, aqui quando não conseguiam
esse tipo de carne, utilizavam a galinha, o toucinho e a carne-seca.
Embora existam pesquisadores que discordam desta teoria, acredita-se que a feijoada (prato que marca
a identidade da comida brasileira), teria se originado com os africanos ainda durante a escravização. Como a
comida nas senzalas era escassa e os senhores rejeitavam as partes menos nobres do porco (orelhas, rabos,
pés), estas, acrescidas ao feijão, água, sal e outros temperos, acabou dando origem à feijoada.
5. Capoeira e Maculelê
Acredita-se que a capoeira [do
tupi-guarani ka'a ("mata") e pûer ("que
foi") = o que foi mata] surgiu também
como uma forma de resistência durante a
escravidão. Os negros fugidos a utilizavam
como ferramenta de sobrevivência contra
os capitães-do-mato ou seus senhores, e
também
a
transformavam
num
instrumento de luta para garantir a
segurança dos quilombos.
Segundo Albuquerque (2006, p.
244), a capoeira praticada no século XIX
“consistia no uso da agilidade corporal e
no manejo da navalha para golpear
adversários” e, apesar de ser uma
atividade realizada por trabalhadores, os
praticantes sofriam constante repressão
policial sendo tratados como desocupados
Apresentação de capoeira no Largo da Ordem, Curitiba, 18 nov. 2012.
e vagabundos que ameaçavam a segurança
Fonte: autoria própria.
e a ordem social vigente.
Em função disso, durante praticamente todo o século XIX a capoeira foi considerada subversiva e
perigosa pelas autoridades policiais. Porém, durante a Guerra do Paraguai (1866-1870) muitos capoeiristas
foram convocados e quando retornaram adquiriram certo prestígio e o jogo da capoeira passou a ser praticado
até por oficiais do exército. Era comum também, que muitos capoeiristas pudessem se exibir nos centros
urbanos com a conivência da polícia porque alguns se tornaram capangas de políticos locais (conforme
aconteceu durante o auge da borracha no estado do Pará).
No Rio de janeiro, não era difícil identificar um capoeirista naquela época: “o andar gingado, as calças
de boca larga e a argolinha de ouro na orelha” (idem, 2006, p. 246). Eram comuns também as disputas e
rivalidades entre grupos de capoeiristas.
Durante os movimentos pela proclamação da República, muitos grupos de capoeiristas se aliaram aos
políticos monarquistas e provocaram uma série de manifestações e tumultos na cidade do Rio de Janeiro,
fazendo com que, depois de proclamada a República, surgisse uma legislação repressiva contra a capoeira. Pelo
Código Penal de 1890 a capoeira tornou-se contravenção penal, resultando na prisão dos seus praticantes.
Apenas na década de 1930 teve início um processo de descriminalização e popularização da capoeira.
Em Salvador, na Bahia, é criada a capoeira regional, tornado-se uma prática desportiva: mestre Bimba
“reinventou o jogo da capoeira incorporando golpes de lutas marciais que faziam sucesso na época, sem
dissociá-la de suas raízes negras” (ibidem, 2006, p. 248). Depois de reinventada e readaptada, parte do
preconceito foi se desfazendo e a capoeira foi adquirindo espaço, inclusive nas academias de ginástica e no
currículo das aulas de educação física.
A capoeira acabou se tornando um elemento importante da
cultura nacional tanto que, por decisão do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 15 de julho de 2008, tornouse Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
O maculelê é considerado por alguns praticantes como uma
dança e por outros como uma arte marcial armada. Essa prática
simula uma luta/dança tribal em que os dois participantes usam dois
bastões (em alguns casos podem ser facões), os quais desferem golpes
um contra o outro, ritmados pela música. Não se sabe ao certo a
origem do maculelê, todavia acredita-se que seja uma mistura de
tradições africanas (iorubá) e indígenas que teria iniciado nos
canaviais de Santo Amaro da Purificação, na Bahia.
Patrimônio Cultural Imaterial
O patrimônio cultural pode ser dividido
em material e imaterial. Os bens materiais
da cultura constituem os elementos
artísticos, arqueológicos, paisagísticos, etc.
pertencentes a um determinado grupo,
sociedade ou a humanidade como um
todo.
Os bens imateriais relacionam-se aos
conhecimentos, práticas, representações,
crenças, valores, habilidades, que um
grupo ou sociedade reconhece como parte
da sua cultura e que vai sendo transmitido
e recriado de geração em geração.
6. Hip-Hop: Rap e grafiti
O rap é um gênero musical que surgiu nos Estados Unidos nos anos 1960 (sob a influência do rap
jamaicano), justamente na década em que eclodiram diversos movimentos sociais que lutavam pelos direitos
civis dos negros estadunidenses e de outros movimentos culturais pelo mundo, como o movimento feminista, o
da contracultura e o de Maio de 68 na França. Movimentos estes que reivindicavam a liberdade de expressão,
questionavam o poder e o consumismo. Mas foi na década de 1970 que o rap ganhou expressão dentre as
comunidades latinas, jamaicanas e afro-americanas do subúrbio Nova Iorque inserido num movimento que ficou
conhecido como hip-hop.
Os rappers ou MCs (mestre de cerimônias) que interpretam a música (a capella ou acompanhados por
batidas de fundo - beatbox), geralmente são originários de comunidades pobres ou periféricas, os guetos. O rap
acabou sendo difundido para diversos países e, no Brasil, tornou-se, assim como nos Estados Unidos, um
movimento ou estilo musical que denuncia a violência, a desigualdade social, a opressão e a marginalização das
populações da periferia (em sua maioria afrodescendentes).
O rap, o grafiti e a dança (break) integram o conjunto de manifestações culturais e artísticas do
movimento hip-hop. Além da batida do rap, a dança com o requebro de quadris e movimentos de ombros
remete aos ritmos e danças africanas.
1. Trabalhando textos não escolares:
1.1. Leia as três fontes seguintes:
Fonte 1
“Só em janeiro de 1976, durante os festejos ao Senhor do Bonfim na Bahia, o então governador Roberto Santos
assinou o ato administrativo que garantiu a liberdade de culto para as religiões afrobrasileiras. Só então, os terreiros
deixaram de ser obrigados a pedir licença para funcionarem e foi suspenso o pagamento de taxa ou registro na
polícia” (Albuquerque, 2006, p. 243).
Fonte 2
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias; (Constituição Federal de 1988).
Fonte 3
Evangélicos tentam invadir terreiro em Olinda
Centenas de evangélicos com faixas e gritando palavras de ordem realizam protesto em frente a um terreiro de matriz
africana e afro-brasileira – candomblé, umbanda e jurema. As imagens poderiam ser de um filme sobre a Idade Média.
No entanto, foram registradas no domingo, no Varadouro, em Olinda, Grande Recife. As cenas de intolerância religiosa
circularam ontem nas redes sociais e provocaram a revolta de milhares de internautas.
(Disponível em:
<http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/noticia/2012/07/18/evangelicos-tentam-invadir-terreiro-emolinda-49482.php>. Acesso em 02 out. 2012).
a. Escreva um texto consideranto as informações das três fontes. O título já está escrito.
Religião afrobrasileira: identidade e direito.
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b. Suponha que você trabalhe em uma agência de publicidade e que o governo do estado do Paraná, em função da
violência, intolerância étnica e religiosa contra os afrodescendentes e seus terreiros, contratou sua agência para
realizar uma campanha de conscientização. Crie no quadro seguinte, um desenho, um título e uma legenda
explicativa, para um cartaz que encabeçe uma campanha pelo respeito às religiões de matriz africana.
1.2. Ouça o RAP e após analisar a letra participe de um debate sobre os principais temas e ideias expostos pelo autor.
NEGRO DRAMA
Racionais MC's
Letra disponívem em: < http://letras.mus.br/racionais-mcs/63398/ >. Acesso em 23 nov. 2102.
1.3. Agora é a sua vez:
Em equipes (de até quatro alunos), escolha um tema que estudamos sobre a história e cultura africana e
afrobrasileira, monte um rap para ser apresentado aos seus colegas de sala. Entregue uma cópia da letra para o(a)
professora(a) no dia da apresentação.
Outras possibilidades de trabalho...
1. O(a) professor(a) pode identificar alunos que pratiquem a capoeira ou, dentro das possibilidades do Colégio,
realizar uma oficina de capoeira com as turmas que trabalharam com este material.
2. Dividir a turma em equipes para, junto com o(a) professor(a) de educação física, montar grupos de dança
afrobrasileira (samba de roda, axé, samba, frevo, maracatu...) e apresentarem para os colegas.
3. Fazer um estudo do Estatuto da Igualdade Racial (12.288/10), no sentido de compreender as razões das políticas
afirmativas (como a de cotas, por exemplo) como mecanismos que garantem a igualdade de oportunidades, a defesa
dos direitos dos negros e o combate à intolerância e discriminação étnica.
Neste capítulo discutimos:
o Conceito antropológico de cultura.
o Cultura afrobrasileira (carnaval, religião, música, dança, culinária, capoeira, maculelê, hip-hop).
Sugestões para ler e ver
1. Artigo: “O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva”. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100020>.
Acesso em 23 nov. 2012.
3. Site: “A Cor da Cultura”. “A Cor da Cultura é um projeto educativo de valorização da
cultura afro-brasileira, fruto de uma parceria entre o Canal Futura, a Petrobras, o Cidan –
Centro de Informação e Documentação do Artista Negro, a TV Globo e a Seppir – Secretaria
especial de políticas de promoção da igualdade racial. O projeto teve seu início em 2004 e,
desde então, tem realizado produtos audiovisuais, ações culturais e coletivas que visam
práticas positivas, valorizando a história deste segmento sob um ponto de vista afirmativo.”
Disponível em: <http://www.acordacultura.org.br/>. Acesso em 30 nov. 2012. Procure no
acervo do Colégio este material, pois as escolas receberam algumas caixas. Caso seu colégio
não tenha recebido é só fazer o pedido através do site. Além disso, é possível fazer download
de todo o material no site: < http://www.futuratec.org.br/>.
Referências Bibliográficas:
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. Uma história do negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.
BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Publicada no Diário Oficial da União em 21 de julho de 2010.
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