Cândida Pinto
SNU
E A VIDA PRIVADA COM SÁ CARNEIRO
3.a edição
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
A determinação de Snu
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Primeira Parte
A EDUCAÇÃO DE SNU
I. Michael Hall, uma escola inglesa 25
II. O refúgio de Uttervik 31
III. Manilla, o peso dos Bonnier 35
IV. Destinos moldados pela II Guerra Mundial
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Segunda Parte
UMA NÓRDICA NO PAÍS DE SALAZAR
V. O casamento nas margens do Báltico 53
VI. A D. João V no centro de Lisboa 67
VII. Desencontros com os filhos 81
Terceira Parte
UMA EDITORA COM UM OLHAR NA POLÍTICA
VIII. Um poeta russo em Lisboa 99
IX. Dom Quixote contra o vento 111
X. Os Cadernos fora de mercado 135
XI. Os cravos e os livros 149
Cândida Pinto
Quarta Parte
O AMOR POR FRANCISCO SÁ CARNEIRO
XII. Almoço na Varanda do Chanceler 167
XIII. A escolha de Snu 173
XIV. A chegada de Sá Carneiro 187
XV. A procura de um lugar 201
XVI. O olhar da Igreja para Snu 217
XVII. A senhora do primeiro-ministro 227
Quinta Parte
A ÚLTIMA CAMPANHA
XVIII. A cumplicidade 245
XIX. O último dia, 4 de dezembro
XX. Camarate no 7.o andar 269
259
Sexta Parte
MEMÓRIAS PARTILHADAS
XXI. Rebecca e Francisco, um ano e meio
na D. João V 281
ANEXOS
Agradecimentos 293
Fontes 295
Arquivos e bibliotecas 299
Jornais e revistas 301
Obras de referência 303
Índice onomástico 307
Reprodução de documentos
313
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PREFÁCIO
A morte da Snu Abecassis em dezembro de 1980 foi para
nós uma perda irreparável. Passados trinta anos continuamos
a recordar como se fosse hoje a brutalidade da notícia e a revolta com que a recebemos, em Nova Iorque.
A nossa amizade começara em Lisboa, onde conhecemos
a Snu e o Vasco Abecassis, e onde rapidamente se tornaram
amigos inseparáveis. As razões da amizade eram fáceis de perceber. Ao tempo já tínhamos trabalhado nos Estados Unidos,
em Boston, por onde Snu e Vasco também tinham passado.
Viajávamos muito, tal como eles. Tínhamos uma experiência
estrangeirada, tal como eles. Queríamos ver em Portugal uma
vida política livre e um espírito intelectual aberto. Mas para
além dos gostos que partilhávamos e da compatibilidade de
temperamentos, tínhamos todos um saudável apetite pela vida
que estava à nossa frente, e a enorme confiança que o tempo
ainda não gasto dá a quem é jovem e seguro de si mesmo.
Em 1976 fomos viver permanentemente para os Estados
Unidos. O Vasco desapareceu temporariamente da nossa vida,
mas não a Snu, que passou a escrever e que, primeiro por carta
e depois ao vivo, nos trouxe uma nova amizade, a de Francisco
Sá Carneiro. A distância de Lisboa facilitou o encontro com este
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Cândida Pinto
novo membro do grupo, que aceitámos sem reservas, embora
a amizade que tínhamos pelo Vasco em nada tivesse diminuído
(e viesse a continuar anos mais tarde), e embora o nosso último ato cívico em Portugal tivesse sido votar Socialista (o que
o Francisco não levou a mal).
Dos dias que a Snu e o Francisco passaram na nossa casa
restam belíssimas memórias. Mas pairava já sobre eles uma
sombra difícil de definir, e nas visitas que lhes fizemos em Lisboa, a última no outono de 1980, a sombra estava mais acentuada. Ao jantar, na rua D. João V, a inquietude era palpável.
Nessa noite, quando o Francisco Pequeno nos levou ao Ritz, falámos da nossa apreensão. Mas os dados já estavam a rolar
e nada havia a fazer.
Resta-nos da Snu a memória da sua energia contagiosa, aonde quer que estivesse, com o Vasco ou o Francisco, com os filhos e o segundo Francisco, a mergulhar perigosamente de
uma rocha em Uttervik para o Báltico azul ou a discutir encaloradamente o estado do mundo.
A beleza e o brilho de Snu, a sua grande qualidade humana,
e a brevidade da sua vida, conspiram para dar ao personagem
um estatuto mítico. Mas o modo como tocou familiares, amigos e não poucos desconhecidos, mostra que a sua natureza era
bem real.
Hanna e Antonio Damasio
Los Angeles, março de 2011
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INTRODUÇÃO
A DETERMINAÇÃO DE SNU
Janeiro de 1980. Snu Abecassis acaba de regressar, com
Francisco Sá Carneiro, de umas curtas férias de Natal na ilha da
Madeira. Aconchegada num poncho de lã, recebe no seu escritório da editora Dom Quixote, na rua Luciano Cordeiro em
Lisboa, uma jornalista dinamarquesa, Eva Birgitte Henningsen.
A conversa passa pela forma como Snu escolhe os livros a publicar. «É nosso dever estar na oposição. Uma editora deve ser
o reflexo do mundo, deve trazer novas ideias e estar sempre
atenta.» A jornalista dinamarquesa insiste se essa continuará
a ser a sua determinação, uma vez que Francisco Sá Carneiro
é agora primeiro-ministro.
Snu não desarma. «Claro. As novas ideias estão, por definição, na oposição e novas ideias é o que apresentamos. Penso
que uma editora deve participar no debate que decorre, de outra forma não fará sentido.»
A conversa entre as duas dinamarquesas, que Snu faz questão de ver antes de ser publicada no jornal Berlingske Tidende de
Copenhaga, a 5 de janeiro de 1980, mas onde não faz alterações, é um dos raros momentos em que Snu se revela. Prefere
quase sempre ficar na sombra, sobretudo ao longo dos anos
que vive com Francisco Sá Carneiro. Esquiva e reservada, quase
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Cândida Pinto
torna invisível a marca mais forte da sua personalidade, a determinação, que aplica numa enorme vontade de fazer, de mudar, de não desperdiçar tempo, de se envolver em projetos que
abram Portugal ao mundo.
A escandinava chega a Lisboa em plena ditadura, em 1962,
depois de ter vivido na Dinamarca, na Suécia, em Inglaterra
e nos Estados Unidos. Respirara o ar livre das democracias, de
sociedades abertas onde não fazia sentido, sequer, questionar
a liberdade de expressão. O choque com o país que escolhe,
por amor, não pode ser maior, mas nada a detém de iniciar
uma editora três anos depois de aterrar em Portugal, apesar de
não dominar a língua nem a cultura, determinantes na edição.
Essa condição não a impede de avançar. Procura aprender português por sua própria iniciativa, esforça-se por colocar no papel as suas ideias. Quando se trata de responder à correspondência que recebe na Dom Quixote, chega junto da secretária
Virgínia Caldeira, com um rascunho no escasso português que
conhece, junta um toque de humor e diz-lhe: «Virgínia, agora
traduza!»
Em 2004, mais de vinte anos após a morte de Snu, a mãe, Jytte Bonnier, espalha os olhos azuis pelo estuário do Tejo, num
fim de tarde, numa varanda do Estoril, e insiste que a filha «sempre pensou que tinha uma missão, sempre, em tudo o que fazia».
Snu, que nasce Ebba Merete Seidenfaden, em 1940, mostra-se desde cedo, uma miúda curiosa, irrequieta, inquieta, cheia
de vontade própria. Em casa, o nome herdado da avó materna,
Ebba, começa a perder terreno para o caráter que demonstra,
de tal forma que passam a chamar-lhe Snu, ou seja, esperta. Ela
aprecia esse trato, é assim que passa a apresentar-se: define-se
nos cadernos da escola como Snu Seidenfaden e com o nome
escolhido assina um passaporte aos quinze anos.
A herança que transporta da Escandinávia, de uma família
de jornalistas e editores, leva-a a desafiar o regime fechado que
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Snu e a Vida Privada com Sá Carneiro
encontra em Portugal na década de 60. Publica livros que são
apreendidos pela PIDE e dá emprego a antigos presos políticos. Carlos Araújo, com quem Snu partilha a escolha dos livros
a publicar na Dom Quixote, reconhece-lhe a coragem, a frontalidade e os dissabores que faziam com que ela «fosse malvista por
muita gente, porque aquilo não era ofício para uma senhora».
A jovem senhora dinamarquesa Snu Abecassis chega a Lisboa por casamento com um português que conhece na escola
interna Michael Hall, no Sussex, em Inglaterra.
Em plena adolescência, Snu seduz Vasco Abecassis pela rara
determinação, por se destacar na escola, pela forte personalidade, por não encarar limites à sua força de vontade. Era franzina, mas «não parava, mexia por todo o lado, e aquele wild power fascinava-me», de tal modo que se tornam inseparáveis
e Vasco acaba por casar com ela.
Vasco e Snu chegam como estrangeirados à capital portuguesa.
Em casa usam a língua em que foram educados, o inglês, pouco
habitual num país marcado na época pela influência francesa.
Por isso procuram circuitos com que se identifiquem, tornam-se frequentes nas visitas às embaixadas, fazem amigos entre os
correspondentes estrangeiros acreditados em Lisboa.
Do prédio do Maxime, à praça das Flores, onde ficava o escritório da Associated Press, o americano Dennis Redmont vai
com frequência à casa dos Abecassis na rua D. João V. Encontra
o conforto do fluir da conversa em inglês, apesar das provocações intelectuais de Snu. «Ela não era aquela loura escandinava
bonita, mas era uma pessoa que nos penetrava com os seus
grandes olhos azuis, e desafiava sempre.» O americano vê-se
frequentemente confrontado com alguém que lhe questiona os
limites, que acha sempre que é possível fazer mais.
Aos jantares em sua casa na rua D. João V, o casal Abecassis
começa a atrair os intelectuais, políticos e artistas, gerando um
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Cândida Pinto
modo de Snu se inserir numa sociedade que desconhece. Mário
Soares vê na dinamarquesa alguém com credenciais da social-democracia nórdica, um trunfo num Portugal amordaçado.
Por isso sobe várias vezes ao longo dos anos o elevador da
D. João V, e, mais tarde, já depois de Snu se ter divorciado de
Vasco Abecassis e ter passado a viver com Francisco Sá Carneiro, encontra no 7.o andar «uma mulher aparentemente fria com
uns olhos azuis muito bonitos, uma mulher muito racional,
mas onde se sentia crepitar, por trás desses olhos, qualquer
coisa de muito forte no sentido da emoção e da paixão».
A política entra-lhe pela porta dentro e Snu passa a conhecer o frenesim das campanhas eleitorais. Torna-se inseparável
de Sá Carneiro e assiste aos comícios em linha de vista, mas
sem se fazer notar. Junta-se frequentemente ao filho mais velho de Sá Carneiro, Francisco, que lhe reconhece uma
personalidade fora do comum. «Há pessoas que marcam presença por falar muito, outras por falarem muito alto. À Snu
bastava estar.»
Com Sá Carneiro, Snu partilha a determinação de uma
união de facto repleta de críticas de uma sociedade pouco habituada à frontalidade. Encontra um político pouco dado
a consensos, motivado pelas suas próprias ideias. Dá-lhe serenidade e mundo.
Acaba por nunca cumprir o que escreveu em 1955 no caderno da escola, já de páginas amareladas pelo tempo, a lápis,
numa letra cuidada. «Vou ser jornalista, talvez porque seja
a profissão do meu pai, mas sobretudo porque gosto de escrever.» Nesse texto, coloca de parte ser crítica de cinema porque
tem outras ambições. «Quero ser algo mais, alguém que use um
pouco mais o cérebro. Vou escrever sobre política, espero eu.»
A política e a edição de livros que desafiam o cérebro,
preenchem uma vida marcada pela urgência de fazer sempre
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Snu e a Vida Privada com Sá Carneiro
mais, com um fim abrupto em dezembro de 1980, no acidente
de Camarate. Nesse ano editava uma História Mundial em 13 volumes.
A ideia de revelar Snu acompanha-me ao longo de anos, mas
a possibilidade de uma maior aproximação só se começa a desenhar em 2004. Nesse ano conheço a mãe de Snu, a dinamarquesa Jytte Bonnier, que está de visita à família em Lisboa.
Uma senhora de forte personalidade, de olhos azuis sempre inquietos e vigilantes.
Em 2005 cumprem-se 25 anos sobre a morte de Snu e Sá
Carneiro em Camarate.
É o tempo em que, paralelamente a outras tarefas, vou tentando descobrir mais sobre Snu. A pouco e pouco abrem-se
portas, surgem testemunhos dos que privaram com ela, que
a conheceram na infância, na adolescência, e ao longo da vida
toda.
Na Suécia, conheço a mansão Manilla da família Bonnier,
junto a um dos canais de Estocolmo, onde Snu viveu em criança. Duas amigas de escola expõem as suas memórias do tempo
partilhado com a dinamarquesa. Vamos ainda a Uttervik, o refúgio de férias junto ao Báltico, palco do casamento de Snu
com o português Vasco Abecassis.
O ex-marido aceita revelar as suas memórias, dois dos filhos,
Rebecca e Ricardo também, para além do filho mais velho de
Sá Carneiro, a que foi possível juntar testemunhos de amigos
e políticos que privaram com Snu ao longo da vida dela.
Com o material recolhido, ganha corpo um primeiro trabalho jornalístico, uma Grande Reportagem emitida na SIC, em
dezembro de 2005 e um artigo na revista Única do Expresso.
Mais tarde, a editora fundada por Snu Abecassis, a Publicações Dom Quixote lança-me o desafio de voltar ao tema e
aprofundar a vida da dinamarquesa.
21
Cândida Pinto
O resultado do trabalho desenvolvido está reunido nestas
páginas.
A generosidade e a paciência de muitos dos que conheceram Snu, permitiram-me chegar mais perto do seu caráter, mas
Snu é esquiva por natureza. E determinada.
Uma ampla recolha de testemunhos de quem privou com
ela, iniciada em 2005 e retomada em 2010, e o acesso a documentos inéditos, permitem uma maior aproximação à sua personalidade, uma mulher que não se retrai face às adversidades,
que choca o país com o seu charme e a sua frontalidade, que
está à frente do seu tempo em Portugal, mas sempre reservada
e fugidia.
A mãe, Jytte Bonnier, acreditava que Snu tinha uma missão,
um destino, que passava por dar um contributo para a construção do país. Em Portugal muitos apenas a recordam como
a protagonista de uma relação fora da lei.
Snu é muito mais do que isso.
Cândida Pinto
Fevereiro de 2011
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Primeira Parte
A EDUCAÇÃO DE SNU
I
MICHAEL HALL,
UMA ESCOLA INGLESA
Sorrateiramente num sábado de manhã, Snu atravessa os
longos corredores de pedra gelada da escola inglesa Michael
Hall em direção à zona do dormitório dos rapazes e faz-se esgueirar para dentro do quarto de Philip Abecassis. O quarto
está vazio. Philip e o colega de quarto estão lá fora, integram
a equipa de hóquei em campo que joga todas as manhãs de sábado. Sobre a cama do colega de turma, Snu coloca um fruto
seco e sai, de volta à ala das raparigas.
Mal termina o treino de hóquei, Philip regressa em corrida
ao quarto, na ânsia de conseguir um duche, o único duche da
semana, numa Inglaterra que ainda não se libertou das dificuldades do pós-guerra, no início dos anos 50. Chega ofegante
e quando bate com os olhos na cama exclama:
«O que é isto?!»
O espanto é partilhado pelo colega de quarto. Os dois ficam
surpreendidos com aquela «coisa» que nunca tinham visto.
«De onde é que isto veio?»
Intrigado, Philip dedica-se à investigação do mistério e acaba por descobrir que fora Snu, a sua colega de turma, quem lhe
deixara um coco, era essa a misteriosa coisa, em cima da cama.
Vai procurá-la para tentar saber mais sobre o estranho objeto, ao que Snu lhe responde:
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Cândida Pinto
«Não me digas que és tão ignorante que não sabes o que é
um coco!»
«Agora já sei que é um coco, mas o que é que eu faço com
um coco?»
«Vê se descobres», desafia Snu.
Philip Abecassis e o colega de quarto lançam-se à Enciclopédia Britânica, a internet da altura no colégio, e leem tudo o que
há sobre o coco. Philip torna-se importante junto dos amigos,
está na posse de uma raridade por aqueles dias em Inglaterra.
Ele e o amigo abrem o fruto, deliciam-se com o coco e todos os
colegas querem provar o sabor exótico. É um acontecimento
na escola. Para Snu torna-se um ritual. Nunca revela de onde
lhe chega o fruto, mas Philip encontra todos os sábados de manhã um coco em cima da cama.
Snu dá nas vistas em Michael Hall. Não tanto como aluna,
não tanto pelos grandes resultados escolares, mas antes pela
forte personalidade competitiva, mobilizadora, determinada.
Nos primeiros dias de aulas Philip Abecassis vê chegar à sua
sala uma menina que «permanecia quieta nas aulas, a não ser
que o professor a interpelasse. Ficava muito atenta, mas caladinha. Não era uma pessoa que se quisesse evidenciar».
A escola mista, em regime de internato, de Michael Hall recebe alunos de toda a Europa. Nas aulas, os meninos sentam-se
dois a dois tal como as meninas. Com um pequeno corredor
pelo meio, Snu tem do outro lado o miúdo português Philip,
irmão mais novo de Vasco Abecassis que chegara mais cedo.
Tal como o irmão mais novo de Snu, Mikael.
Cheio de receio de deixar a família e de ir sozinho para
a ilha britânica, Mikael Bonnier deixa a Escandinávia, aos dez
anos, porque «a mãe quer que nós frequentemos uma escola
Steiner».
Rudolf Steiner, um filósofo austríaco, defendia um método
de ensino integrado, criativo, imaginativo, em que se conjugava
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Snu e a Vida Privada com Sá Carneiro
o pensamento científico com o artístico. Os miúdos deveriam
procurar o seu próprio destino, desenvolver todas as suas capacidades. A mãe de Snu e de Mikael, Jytte Bonnier, atira assim
os filhos à vida, manda-os para Michael Hall, uma escola que
aposta no conceito de Steiner, alternativo à educação tradicional.
A vida dos miúdos reparte-se pelos pisos da grande mansão
de pedra castanha, por onde sobem trepadeiras entre janelas
brancas de vidrinhos, rodeada por lagos, relva, jardins bem tratados, no parque Kidbrooke, no Sussex, em Inglaterra.
No primeiro ano Mikael sente-se pouco à vontade, integra-se mal, até que chega à escola inglesa a irmã protetora, Snu, já
com quinze anos. «Ela aparece no recreio e não hesita em desafiar qualquer miúdo que me ameace.» Uma escola à medida dela,
onde conhece pessoas de origens diferentes, onde forma a sua
própria personalidade, onde prefere a companhia dos rapazes
porque os considera mais desafiantes.
A família de Snu ganha em Estocolmo a comodidade de não
ter filhos por perto.
A distância impede a troca de afetos, a possibilidade de
acompanhar de perto e a par e passo a formação da personalidade das crianças: Snu e Mikael estão em Inglaterra, e a irmã
mais velha, Annelise, tinha seguido para França.
Snu acaba por ficar dois anos interna em Michael Hall, muito menos do que o português Vasco Abecassis que já conhece
de cor os corredores de pedra da escola quando Snu lá entra.
O miúdo passa a infância nos Estados Unidos e quando os
pais regressam a Portugal, em 1948, o português é para ele uma
língua estranha.
A família considera que é difícil para uma criança de nove
anos integrar-se numa escola portuguesa, irá sofrer atrasos na
aprendizagem. Para além disso, Vasco é irrequieto, rebelde, de
gestão difícil. Deste modo, enviá-lo para uma escola interna no
estrangeiro parece a decisão mais acertada.
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