PÉRICLES RAMOS:
Um olhar sobre a poesia brasileira
Yanna Karlla H. G. Cunha (FURG)
A escrita de histórias da literatura passou por inúmeras transformações em seus
métodos desde sua consolidação como disciplina autônoma. O século XX foi de
constante questionamento acerca dos conceitos e das teorias que embasaram a escrita
das histórias da literatura de perfil tradicional. A crise desse tipo de escrita historiográfica
teve como ponto principal a falência do modelo historicista tão disseminado no século
XIX. O estudo de Siegfried Schmidt, em seu artigo “Sobre a escrita de histórias da
literatura”, é um exemplo que traz à tona as críticas a esse modelo. O teórico aponta a
década de 1970 como um período preocupado com a escrita de novas escritas de
história(s) da literatura e indaga se esta é necessária e impossível.
Nesse sentindo, este trabalho teve como objetivo analisar a obra Do barroco ao
modernismo: estudos da poesia brasileira (1979), do escritor, poeta, crítico e tradutor
Péricles Eugênio da Silva Ramos à luz das teorias da história da literatura, principalmente
àquelas propostas por Siegfried Schmidt (1996) e David Perkins (1999). Meu objetivo é
fazer uma leitura crítica dos conceitos e dos métodos que subjaz a escrita dessa história.
A obra, e também minha leitura, vincula-se a uma proposta historiografia literária
que rompe com ideais gerais permanentes, propondo assim um olhar adicional sobre o
objeto literário; objetivo que fica em evidencia desde o título desse trabalho. Sendo
assim, buscarei entender como os conceitos subjacentes na obra de Péricles em relação
à literatura, à história e à poesia; bem como os elementos que contribuíram para
entrelaçar o enredo proposto pelo narrador (historiador): classificação dos períodos
literários, suas concatenações e o cânone estabelecido.
No primeiro momento, percebe-se que os estudos da poesia e dos estilos
presente na história de Péricles não estão direcionados, de modo determinista, com a
vida do poeta e/ou com o mundo social. À vida do poeta não é dada muita ênfase, em
muitos casos passa até despercebida. O contexto social, politico e econômico é trazido à
tona apenas quando contribuiu para o esclarecimento de algum estilo, mas não se torna
protagonista.
O papel secundário dos aspectos psicológicos e sociológicos é explicitado pelo
próprio autor ao falar sobre a periodização na poesia modernista: “A fase se encerra [fase
primitivista] com a extinção da Revista de Antropofagia, em 1929. Melhor tomar esse fato
como termo, em vez da Revolução de 30”. E ainda acrescenta, “a literatura não precisa
regular-se por balizas extraliterárias quando em sua própria história se acham marcos
muito mais coerentes”. (RAMOS, 1979: 272). Esta postura rompe com os estudos
historiográficos de cunho psicológico e sociológico, muito comum em nossas histórias da
literatura de perfil tradicional.
As mudanças ocorridas na escrita da história da literatura, a partir da década de
1960, também contribuem para pensarmos a proposta de Péricles. O autor, então,
assume o papel como um leitor da poesia brasileira, das histórias da literatura anteriores
e também dos estudos críticos acerca do assunto. Essa postura mostra um escritor que
retoma a tradição no que diz respeito aos estudos historiográficos da literatura, deixando
claro suas fontes de pesquisa, pois como afirma Jauss um bom historiador da literatura é,
antes de tudo, um bom leitor.
Os estudos de Hans Robert Jauss abriram as portas para outras propostas,
dentre elas a dos Estudos Empíricos da Literatura. Siegfried Schmidt, um dos teóricos
dessa corrente, afirma que no estudo empírico da literatura “os critérios para a aceitação
ou rejeição de uma história da literatura não são “objetividade” ou “verdade”, mas
“plausibilidade”, “aceitabilidade” ou “interesse””. Ainda acrescenta que “coerência,
unidade, verdade, sentido histórico etc. fazem parte do modelo de história do historiador
e não são traços inerentes à “própria história””. (OLINTO, 1996: 116).
É, então, a partir dessa vertente construtivista da história da literatura que
iniciarei a análise propriamente dita da obra Do barroco ao modernismo: estudos da
poesia brasileira. Para avaliar a plausibilidade do discurso historiográfico na obra de
Péricles, esta será pensada como uma narrativa a partir das discussões propostas por
David Perkins (1999). Assim, não focarei em uma leitura em busca da veracidade dos
fatos narrados, mas a sua coerência com os conceitos subjacentes.
ANÁLISE DO CORPUS
O livro Do barroco ao modernismo: estudos da poesia brasileira, “corpus” deste
trabalho, de Péricles Eugenio da Silva Ramos, é uma publicação que integra um projeto
vinculado à Biblioteca Universitária de Literatura Brasileira que pretende reunir textos
representativos da crítica brasileira. Estruturalmente, divide-se em 28 capítulos. Os
estilos literários assumem um papel importante na organização do sumário, sendo que
entre eles ora está presente uma obra, outras vezes um autor ou um aspecto literário.
Os textos que compõem a obra foram publicados, anteriormente e isoladamente,
em jornais paulistas. Essa informação é de suma importância em nossa reconstrução da
narrativa proposta por Péricles acerca da poesia brasileira, pois já rompe com o conceito
de uma escrita homogênea, linear e totalitária. Apesar de o título propor um período
temporal, do barroco ao modernismo, os aspectos destacados acerca do assunto não se
mostram totalizadores, a começar pelo recorte de gênero: a poesia.
Para essa não linearidade encontramos explicação nas palavras do próprio
autor:
As águas passam, mas deixam alguma coisa de seu murmúrio na
lembrança das margens; da mesma forma, passam as corrente
literárias, mas alguma coisa de seus programas característicos se
transmite como herança, às vezes até despercebida, às gerações
futuras (RAMOS, 1979: 276).
Nesse sentido, a obra de Péricles caminha na busca de esclarecer essas
influências não percebidas. É, portanto, no estilo que o autor vai mostrar a diferença entre
uma escola literária e outra: “O que distingue a poesia social romântica da anti-romântica
é o simples estilo, que na segunda perde as hipérboles, é pouco inflamada, baixa à terra”
(RAMOS, 1979: 165).
De modo geral, os principais períodos literários que encontramos nas histórias
tradicionais aparecem na escrita de Péricles; não de maneira isolada e geral, mas sim
como adjetivação, tais como: Poesia Barroca, Poesia Arcádia, Poesia Romântica, Poesia
Simbolista e Poesia Modernista. Intercalando com títulos que levam nome de autores e
outros de obras.
Para essa organização assimétrica, entre um capítulo e outro, temos duas
hipóteses: primeiro tem que ver com o fato de os artigos presentes na obra de Péricles
ser textos já escritos anteriormente publicados e, agora, reunidos neste livro. Fator que
faz com que em alguns momentos pareça haver uma passagem brusca de um capítulo
para outro, como no caso da passagem do capítulo “Chinesices Românticas e
Parnasianas” para o capítulo “Achegas à Biografia de Francisca Júlia”. Neste caso a
ligação é apenas temporal, porque em relação ao assunto há uma mudança brusca. A
segunda hipótese é de que na escrita de Péricles predomina mais o papel de crítico do
que de historiador, por isso a falta de preocupação com concatenações tradicionais.
Assim, a produção poética, enquanto objeto, carrega consigo uma localização no
tempo cronológico, porém os estudos teóricos e críticos possibilitam ao autor movimentar
as obras em estilos distintos dos quais elas emergiram historicamente. Desse modo, o
grande herói da narrativa de Péricles é o desenvolvimento dos estudos acerca da poesia
(PERKINS).
A posição do autor como poeta no sistema literário contribui para entendermos
tanto seu recorte de gênero quanto seu olhar crítico em relação a ele. O enfoque crítico e
técnico acerca do “corpus” [a poesia] mostra um escritor conhecedor da tradição poética
e de suas influências. Há, no decorrer do texto, uma preocupação em elucidar ao leitor os
aspectos formais e temáticos presentes em cada período de nossa poesia, aspecto esse
que não é explorado em histórias da literatura mais totalizadoras. No barroco, por
exemplo, deu ênfase nos aspectos do cultismo, nas metáforas, nos jogos de palavras,
nos jogos de construção, temas predominantes, nas formas poéticas, etc.
Além disso, encontramos comentários como: “Gregório de Matos empregou o
eneassílabo anapéstico (verso de 9 sílaba, acentuado na 3, 6 e 9), por longo tempo
conhecido como “verso de Gregório de Matos”, e na famosa sátira “Marinícolas” alternouse com versos hendecassílabos iâmbicos-anapésticos ou trocaicos”. Como também: “o
verso de Basílio é mais harmonioso em razão de sua mais perfeita balança de sílabas
tônicas e semifortes; difere, aliás, do petrarquiano por ser um decassílabo sáfico”
(PÉRICLES: 26 e 37). Nota-se um vocabulário específico da poesia, o que reafirma a
constatação de que o autor privilegia o papel de crítico, ou seja, o foco é na análise das
obras, o que permiti maior mobilização do cânone.
Quanto ao cânone, percebe-se um destaque maior para aqueles poetas que
dentro de cada época inovou em sua linguagem, e, portanto, assume o lugar de transição
no sistema, como é o caso de Claudio Manoel da Costa. Porém, deixa subtendido que
uma história da poesia não é a história dos “grandes poetas”, pois se assim fosse não
haveria necessidade de novas escritas e reflexões. Um exemplo que ilustra bem essa
afirmação é o fechamento da obra: Solombra, de Cecília Meirelles aparece como obra
exemplar da nossa poesia, porém não deixa de destacar a influência que recebera de
Guilherme Almeida; consequentemente, a este também lhe é dado um capítulo de
destaque para trabalhar os procedimentos na elaboração do livro Nós. Assim, apontar os
poetas que influenciaram a consolidação de um estilo é uma constante nesta história da
literatura.
Esse movimento carrega consigo um conceito de poesia, que está muito
relacionado com seu ofício de poeta e que fica evidente ao tratar no capítulo “Poesia
Moderna” da geração de 45. Denominada pelo autor como fase do construtivismo, na
qual ele se insere como poeta, Péricles se qualifica como escritor de “uma poesia nítida,
em que “o sentimento se resolvesse em imagens””. É essa concepção de poesia que
perpassa, em muitos casos, a escolha do seu cânone. Os comentários direcionados ao
poetas tem, na grande maioria, uma preocupação com a sonoridade e com a imagem,
como neste comentário:
Os poetas da época [barroco] são capazes, ainda, de divertir-se
fazendo composições lipogramáticas, como Antonio Ribeiro da
Costa, um Esquecido de ora exclui de suas poesias a vogal A, ora
as vogais E e I, ora as vogais O e U. Adotam em geral a rima
grave, mas usam os consoantes agudos e esdrúxulos, com
finalidade jocosa; quanto às rimas graves (e mesmo agudas),
variam as vogais para obter o tom burlesco, armando terminações
em a, e, i, o, u ou em acha, echa, icha, ucha; opa, epa, opa, upa;
aco, eco, co, oco, uco, etc. (RAMOS, 1979: 23)
Essa ênfase explica, por exemplo, a pouca ênfase na análise formal de poesias
inserida no capítulo “Poesia Romântica”, nas quais há um enfoque mais na temática que
na estética. Do romantismo diz que “a poesia de hoje já não é uma reunião de sílabas
harmoniosas, quer-se dela mais, não deve satisfazer aos ouvidos, mas penetrar os
corações, e neles derramar seu balsamo consolador”. (RAMOS, 1979: 67). Casos
isolados da época são analisados em capítulos específicos, como, principalmente, Castro
Alves, Álvares de Azevedo e Fagundes Varela. Nesse sentido, percebe-se que a
percepção de Péricles como poeta influenciou sua escrita historiografia.
Voltando à questão estrutural do livro, outro aspecto tratado como artificial por
muitos críticos é início e o fim das histórias da literatura. David Perkins ressalta o caráter
abstrato e arbitrário desses pontos, porém não menos importante que os outros
elementos da narrativa, pois “o início escolhido tem um extraordinário impacto sobre o
modo como se apresenta o passado literário” (PERKINS, 1999: 10). Devido ao espaço
reduzido para análise de todos os períodos, focaremos neste trabalho no Barroco,
Simbolismo e Modernismo, os quais trazem aspectos inovadores em sua estrutura e
escolha de poetas.
BARROCO
O início da história da Péricles dá-se no período denominado de Barroco, porém
o autor nos adverte que a produção poética brasileira nesse período não enquadra sobre
esse rótulo de maneira geral. Para mostrar isso, faz um panorama geral desse período na
Europa e chega à conclusão que nossa poesia teve um barroquismo ou traços
barroquistas e não um Barroco estabelecido. A revisão teórica acerca do termo muda
substancialmente a análise do “corpus”, pois o autor não tenta apreender nossa poesia a
partir das características presentes no estilo como um todo, ao contrário, destaca o que
de diferente existiu na produção dos poetas que aqui escreviam nessa época. Ou seja, a
parte da produção e não do contexto.
O autor assume essa posição porque acredita que
a história da poesia, para poder mostrar-se realmente proveitosa,
tem de levar em conta não tanto os rótulos que se dão à poesia
em determinado período, não tanto o que os poetas pretende ou
dizem fazer, mas aquilo que efetivamente fazem; o que se deve
escalpelar é o estilo: só a comunidade dos traços estilísticos pode
levar a reunir os poetas em corrente do mesmo nome. (RAMOS,
1979: 165)
Para o autor o que faz com que a crítica agrupe poetas no mesmo período não
deveria ser o tempo cronológico da produção. Há poetas que escreveram no momento
que predomina uma escola literária, como Sousândrade no Romantismo, e nem por isso
assumiu características dessa escola. Assim, o que reuni poetas como de Bento Teixeira
à Claudio Manuel da Costa são traços barroquistas, ora reconhecidos pelo aspectos
cultistas, outras vezes pelo conceptismo, pelas metáforas, pelos jogos de construção,
religiosidade, vocabulário, mitologia, presença da terra, etc.; características apontadas
por Péricles na construção da poesia Barroca.
Em relação ao barroco no Brasil assinala que
embora não ostente a originalidade ou o vigor de outros períodos
de nossa poesia, o nosso barroco produziu alguns poetas de
mérito e foi, em geral uma corrente em que ao maior e mais
alheado refinamento se junta o início do conhecimento da terra e
sua descrição apaixonada.(RAMOS, 1979: 29)
Os poetas de mérito destacado por Péricles são Gregório de Matos e Botelho de
Oliveira: o cânone desse período. Para o autor, é “útil conhecê-los, para quem quer
conhecer de fato nosso barroco, sem a presunção nem o entojo de quem doutrina sem
ler e repudia sem sequer ter visto”. Com a expressão “entojo de quem doutrina sem ler” o
autor deixa implícita a crítica àqueles que teorizam a partir de teorias, tentando assim se
destacar como um leitor diferenciado e ao mesmo tempo na busca de legitimar sua leitura
da poesia brasileira.
Se para Sichmidt (1996: 116) “a diferença entre histórias literárias é constituídas
por diferenças em intenção, interesse, legitimações e nos procedimentos ou métodos
aplicados”, Péricles ao tentar explicitar seu conhecimento técnico e ao retomar estudos
historiográficos e críticos, amplia os argumentos de legitimação de sua escrita. O período
barroco inicia com a conceituação de Helmut Hatzfeld, do qual tomara emprestado o
termo barroquismo. Dos estudos de Burkhardt destaca que o termo barroco perdeu as
conotações pejorativas e por isso a oportunidade de retomar os autores a partir dessa
caracterização.
Os estudos conceituais são retomados no intuito de defender que sobre o
barroco não fora “apenas um movimento ônibus, em que tudo caiba, descaracterizando-o
como estilo”. Além de afirmar que em nossas letras existiu não um barroco, mas sim um
barroquismo, o autor ainda acrescenta que “nosso barroquismo é estilisticamente nítido,
com suas vertentes cultistas ou conceptistas, assim como igual nitidez apresenta os
nossos neoclássicos” (RAMOS, 1979: 9). Da vertente cultista menciona Manuel Botelho
de Oliveira, que também é denominado o mais metafórico poeta desse período.
Acrescenta que “o nosso barroco aproveita às vezes ambas as tendências, como é o
caso de Gregório de Matos, mas de modo geral evoluiu do culteranismo para o
conceptismo, preparando assim o caminho para a tranquila chegada do arcadismo
neoclássico” (RAMOS, 1979: 28). Destacamos o fato de que Padre Antônio Vieira, tão
citado em outras histórias dentro do conceptismo, aqui é apenas mencionado em duas
linhas.
Outro poeta destacado por Péricles é Claudio Manuel da Costa.
Esse é
trabalhado como poeta de transição, por isso assume características barrocas, arcádicas:
“Cláudio, realmente, começara a poetar sob o signo do cultismo” (RAMOS, 1979: 39),
bem como apresenta alguns aspectos que serão explorados pelos românticos, como por
exemplo, o tom melancólico e a individualidade. Na qualidade de figura de transição,
Cláudio é analisado em capítulo próprio e localizado, estruturalmente, entre períodos
barroco/arcadismo e romantismo. O olhar que permite o autor destacar os prenúncios de
uma determinada escola é possibilitado pelo aspecto temporal e pela concepção de
história subjacente à obra. Aspecto temporal porque ele está escrevendo em um
momento muito posterior ao período analisado; e em relação ao conceito de história
porque quebra com a ideia de ruptura total entre os períodos.
SIMBOLISMO
A esse estilo é dado bastante ênfase e detalhamento. O ponto de partida para
este capítulo é a evocação do ensaio crítico “A nova geração”, de Machado de Assis no
intuito de comprovar sua afirmativa de Teófilo Dias e Carvalho Júnior como precursores
do Simbolismo: “Entre as aliterações de Teófilo surgem algumas que evocam as
posteriores de Eugênio de Castro e Cruz e Souza” (RAMOS, 1979: 212). Aqui, destacase novamente a importância da busca pelo precursor. O nome de Cruz e Sousa, que é
apontando na grande maioria dos manuais de literatura como grande nome do
Simbolismo, assume papel secundário: “convém salientar que Cruz e Sousa não deve
apenas a modelos franceses e lusitanos. Revela influência da linha que vem de Carvalho
Júnior a Venceslau de Queiroz” (RAMOS, 1979: 219).
Estruturalmente, neste capítulo além de abrir um subtítulo intitulado “Simbolismo
no Brasil”, Péricles também abriu subtítulos para mostrar a continuidade do movimento
no Paraná, São Paulo e Minas, Rio Grande do Sul, Bahia, Nordeste e Norte. Subdivisões
que adquirem sentido na medida em que a intenção é mostrar a impossibilidade de
pensar um Simbolismo unificador. Depreende-se dessa estrutura, que o simbolismo, mais
que qualquer outro movimento, apresenta-se fragmentado e adquire em cada poeta uma
nova conotação.
Após contextualizar o simbolismo no espaço e no tempo, o autor
também explora as características e a métrica do simbolismo.
A exaltação das caraterísticas deu-se no intuito de diferenciar o parnasianismo
do simbolismo, tanto que essa contraposição é apontada em 8 itens. O autor destaca que
“tanto o simbolismo como parnasianismo nasceram no Brasil confusamente, como
resultado das aspirações daquela “nova geração” estudada por Machado de Assis”.
Acrescenta que essa geração “não sabia ao certo o que queria, a não ser que não quer
ser romântica.” (RAMOS, 1979: 229).
A necessidade de distinção entre parnasianismo e simbolismo encontra-se no
fato de algumas caraterísticas desse também está presente naquele, como por exemplo,
a aliteração. No que difere do parnasianismo, o simbolistas, com relação à linguagem,
usaram com insistência o verbo em izar, os substantivos em escência, antimerias,
latinismos, termos hebraicos e bíblicos, etc. Quanto ao ritmo, “aspiravam um ritmo fluido,
que lhes permitisse exprimir os estados de espírito em seus mais tênues matizes,
começaram por desarticular de vários modos o alexandrino rígido dos parnasianos”
(RAMOS, 1979: 225).
Ao negar a categoria de pré-modernismo, Péricles inclui ao simbolismo poetas
como Augusto dos Anjos, Gilka Machado e Raul Leoni. Ao final, elenca uma lista de
poetas importantes do Simbolismo, porém no decorrer da análise não dá prestígio a
todos os enumerados. O olhar de Péricles em relação ao simbolismo é panorâmico,
mesclando visão histórica e estilística.
MODERNISMO
Por fim, outro estilo que distingue estruturalmente e, também na escolha dos
poetas, é a “Poesia modernista”. A inovação no que se refere ao modernismo é a divisão
proposta por Péricles. Enquanto, comumente, encontramos o modernismo dividido em
três fases, o autor divide em quatro fases: I- Fase Heroica, da exposição Malfatti até o
manifesto 1924; II-Fase primitivista, do manifesto pau-brasil até a Revista Antropofágica;
III- Fase de autodeterminação, na qual os poetas exprimem sua individualidade e versam
os assuntos que desejam, sem limitar-se ao pitoresco brasileiro; IV- Fase construtivista,
na qual se procurou dar maior nitidez e densidade à expressão poética, sem perda
nenhuma das conquistas anteriores. Essa fase é a que esta mais próxima do poeta e,
cronologicamente a última conceituada dentro do âmbito literário.
Se em outro momento afirmamos que Péricles prioriza ora o papel de crítico, ora o
de historiador, nesse capítulo ecoa mais a voz do historiador. Aqui, como na poesia
romântica, o enfoque está na importância da consciência do movimento, por isso a
necessidade de conhecer o início e seus desdobramentos. A visão histórica também
aparece na demarcação das fases propostas. Após explorar as diretrizes iniciais do
modernismo,
suas
fases
e
as
divergências,
a
voz
crítica
encontra-se
nos
desdobramentos posteriores, nos capítulos “Nós, livro inaugural”, “Cassiano Ricardo: do
mítico ao apocalíptico” e “Solombra”.
Apesar de Cassiano Ricardo1 assumir posição de destaque como autor no
modernismo, é Cecilia Meirelles que adquire, com livro Solombra, a posição de
fechamento, pois é nele que encontramos a junção entre a preocupação com a forma
sem esquecer o aspecto espiritual, o que está de acordo com o conceito de poesia de
Péricles, já mencionado acima: “Solombra está sob o signo da solidão, e sob o signo de
uma tentativa , a de fugir às paisagens transitórias, para firmar-se nas do espirito, mais
permanentes porque imateriais” (RAMOS, 1979: 303).
A poesia de Cecília é, ainda, analisada numa perspectiva evolutiva:
Longo tem sido o caminho percorrido por Cecília Meireles, desde
o primitivo Espectros (1919) até este Solombra, de tao formosa e
apresentação gráfica. Em Espectros, a mocinha estudiosa e
competente, que mal havia deixado os bancos da Escola Normal,
comprazia-se, de alma romântica, a ver rouxinóis a namorarem
flores(...). (RAMOS, 1979: 301).
Esse tom pessoal nos comentários é característica restrita à obra de Cecília, pois
o tom em toda obra busca uma linguagem imparcial e objetiva. Já no que diz respeito
caráter evolutivo, esse fator encontra sentido na fase a qual está inserida pelo poeta:
construtivista. Por fim, vale ressaltar que a produção poética de Cecília é muito
mencionada a partir da sonoridade, aspecto que para Péricles é fundamental para
poesia; essa relação foi, possivelmente, fator predominante na escolha da poetisa para o
fechamento de sua história literária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O discurso de Péricles Ramos, em Do barroco ao modernismo: estudos de
poesia brasileira, aproxima-se do paradigma historiográfico literário surgido a partir das
inovações propostas pelas teorias das histórias da literatura, principalmente, a partir do
início do século XX. Sua singularidade está na inserção do discurso crítico, paralelamente
ao histórico. Dessa junção emerge uma história da poesia que movimenta o cânone
tradicional, reafirmando o caráter parcial das histórias da literatura. Cabe destacar,
porém, que o cânone estabelecido por Péricles é restrito e, muitas vezes, nos remete ao
já convencionado pela tradição.
Em relação à periodização, nota-se que na obra de Péricles há uma coerência
entre o conceito de história da literatura, os critérios e sua organização. Apesar de não
deixar explícito, o conceito de história da literatura aparece como a história do
desenvolvimento interno da arte, neste caso a história do desenvolvimento interno da
poesia. Para isso, parte dos primórdios da escrita literária em nosso país (o barroco) até
1
O capítulo de Cassino Ricardo foi acrescido somente na segunda edição.
o momento de sua escrita (o modernismo) e aponta os casos paradigmáticos para o
entendimento da evolução da poesia.
A contribuição mais significativa da obra é seu olhar crítico em relação ao objeto,
o que deixa à mostra um uso vocabular específico do texto poético. Por vezes, essa
especificidade, e a falta de esclarecimento acerca dela, pressupõe um leitor que conheça
os estudos sobre a poesia e que está familiarizado com esse discurso. Péricles buscou,
ao fazer juízo de valor estético, o sentido de cada obra tanto no plano sincrônico como
diacrônico. Ao final, ficamos com a sensação de estar diante de um observador com
vasto conhecimento das questões técnicas e históricas da poesia.
Este olhar, no entanto, não contrapõe outros olhares sobre a poesia, como por
exemplo, a história da poesia de Manuel Bandeira ou Alexei Bueno. Ao dar ênfase a
alguns aspectos não mencionados por outros historiadores, o estudo de Péricles
enriquece nossa leitura dos estudos sobre a poesia, além de ampliar reafirmar que nosso
cânone é móvel e múltiplo.
REFERÊNCIAS
PERKINS, David. História da literatura como narração. Cadernos do Centro de
Pesquisas Literárias da PUCRS, Porto Alegre ,v.3, n.1, mar.1999. Série Traduções.
SCHMIDT, Siegfried J. Sobre a escrita de histórias da literatura: observações de um
ponto de vista construtivista. In: OLINTO, Heidrun Krieger (Org.). Histórias de
literatura: as novas teorias alemãs. São Paulo: Ática, 1996. p. 101-132.
SOUZA, Roberto Acízelo de. Formação da teoria da literatura: inventário de
pendências e protocolo de intenções. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; Niterói: UFF,
1987.
RAMOS, Péricles Eugenio da Silva. Do barroco ao modernismo: estudos de poesia
brasileira. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1979.
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