1
A CONCEPÇÃO DE SER HUMANO E EDUCAÇÃO A PARTIR DE UM OLHAR
ANTROPOSÓFICO: A PEDAGOGIA WALDORF
1
Harumi Matsumiya Alves Arruda
2
Jullyanna Ellen Ferreira de Andrade
3
Lívia Santos Correia de Melo
4
Vantuil Barroso Filho
RESUMO
A presente pesquisa uma breve discussão sobre a atual situação da educação no Brasil, tendo como
objetivo buscar alternativas que visem à melhoria de sua qualidade. Partindo desse objetivo, buscou-se
discutir a relevância de uma formação que admita a integralidade do ser humano como contribuição para
o processo de ensino-aprendizagem nas escolas. Para tanto, visitou-se a Escola Municipal Cecília
Meireles, localizada na cidade de Nova Friburgo-RJ, que adota a Pedagogia Waldorf em sua proposta
educacional. Foram realizadas cinco observações em uma turma de 3º ano do Ensino Fundamental, além
de entrevistas semi-estruturadas com sete professores e conversas informais estabelecidas com os
demais sujeitos da comunidade escolar. Ao final da pesquisa, constatou-se que propostas inovadoras no
âmbito educacional geralmente encontram resistência de aceitação por parte da sociedade, porém,
mesmo com todos os entraves encontrados, a eficácia do modelo de educação encontrado em Nova
Friburgo nos prova que um outro caminho é possível.
Palavras-chave: Antroposofia – Educação – Pedagogia Waldorf
Introdução
O presente artigo traz reflexões sobre uma proposta alternativa de educação que
parece ser condizente às necessidades sociais do mundo atual. A situação na qual se
encontra o sistema educacional do país, bem como as vivências durante a graduação
em Pedagogia vêm nos mostrando que a maioria dos discentes e docentes envolvidos
na área acreditam que o modelo de educação vigente no Estado de Pernambuco e no
resto do país não é o modelo de educação que satisfaz as reais necessidades da
sociedade.
Tem se discutido bastante sobre a insuficiência deste modelo educacional que
acaba por reduzir o aluno a um simples futuro candidato a um bom cargo de trabalho.
1
Graduanda em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco; [email protected]
Graduanda em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco; [email protected]
3
Graduanda em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco; [email protected]
4
Profº Adjunto do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino - DMTE, do Centro de Educação, da
Universidade Federal de Pernambuco; [email protected]
2
2
Porém, mesmo com este debate presente na academia e com o reconhecimento de
que algo deve ser mudado, muito pouco se vê avançar na construção ou busca de um
novo modelo que possibilite a formação de indivíduos conscientes de seus potenciais e
amadurecidos para transformar seus questionamentos em ações de mudança real na
sociedade.
Assim, esta pesquisa procurou uma alternativa que pudesse ampliar a discussão
acerca do processo de educação. A partir do momento que se atribui à educação o
papel de transformação da sociedade, numa vertente mais justa, fraterna, crítica e
igualitária, é necessário pensar, pesquisar, conhecer, discutir e aplicar outras propostas
educativas bem sucedidas dentro dessas expectativas, inclusive nas classes populares,
de modo que se combata esse paradigma educacional instalado, subserviente aos
ditames da economia.
Para tanto, toma-se como objetivo geral desse estudo conhecer e compreender
melhor a Pedagogia Waldorf, verificando a sua viabilidade no sistema educacional
público. Procurou-se também averiguar se esta proposta pedagógica realmente atende
às expectativas de uma nova demanda que busca um sentido mais holístico da
educação e construção de um outro modelo de sociedade.
A metodologia adotada incluiu pesquisa bibliográfica, no sentido de conhecer a
origem e as teorias da Pedagogia Waldorf; visita e observações a partir de uma análise
qualitativa de uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental, da Escola Municipal Cecília
Meireles (Nova Friburgo – RJ); além de entrevistas semi-estruturadas com professores
de escolas Waldorf do Recife e do Rio de Janeiro.
Devido ao fato de que em Recife exista apenas uma escola Waldorf particular, e
que a intenção da pesquisa seria verificar a viabilidade de uma escola Waldorf pública,
a Escola Municipal Cecília Meireles foi escolhida por satisfazer aos critérios
estabelecidos.
Ao todo, foram entrevistados sete professores e realizadas cinco observações
que resultaram num material bastante rico, complementando as informações que já
haviam sido obtidas no grupo de estudos da Pedagogia Waldorf que existe no Recife.
3
Desta forma, acredita-se que o material resultante desta pesquisa seja um
primeiro passo para o conhecimento de modelos educacionais tidos como
revolucionários em outras partes do mundo.
1.
A concepção de ser humano e de educação de acordo com o modelo
educacional vigente no país
A discussão sobre a educação no Brasil pode partir de inúmeros aspectos. Uma
das linhas de análise dessa questão é fundamentada na relação de domínio
estabelecida nas sociedades de um modo geral. Ou seja, a evolução humana pode ser
observada a partir das relações entre um grupo dominador e um grupo dominado.
Considerando que a história da educação brasileira é a história da educação do
colonizador (GADOTTI, 2005), pode-se, a partir disso, refletir sobre a concepção de ser
humano e de educação que vigora nas escolas e na sociedade atual. A partir do
momento em que se percebe que existe um processo de “colonização” em vários
setores da sociedade, evidencia-se uma relação entre colonizadores (minoria) e
colonizados (maioria), inclusive na escola. A esses colonizadores, não interessa uma
sociedade crítica, consciente da dominação e ávida por mudanças. Segundo Enriquez
(2001):
As instituições (e os homens que a dirigem) só existem por sua vontade
operatória. Se não fizessem nada, elas desapareceriam. É natural, desse
modo, pensar que terão como finalidade a dominação de tudo o que é
dominável. Se seu domínio se exerceu, inicialmente, sobre as ferramentas, os
instrumentos e os animais, as instituições rapidamente encontraram seu alvo
mais importante, isto é, o único susceptível de manejar as ditas ferramentas,
instrumentos, utensílios e animais: o homem. O controle do ser humano, como
ser social, é a preocupação constante dos homens de poder. Dizer controlar é
dizer: como impedi-los de perceber o que lhes acontece, como submetê-los
tornando satisfeitos em sua submissão, ou pelo menos prontos a aceitá-las.
(ENRIQUEZ, 2001, p.68).
As reflexões sobre a educação no Brasil passaram por diversas transformações
nas últimas décadas e a discussão sobre as relações de domínio, hoje em dia,
permeiam para aspectos relacionados ao lucro (escolas privadas) ou relacionadas ao
número de alunos matriculados (escolas públicas).
4
Na verdade, o que temos atualmente é uma educação segmentada para classes
sociais distintas. De um lado, está a rede privada de escolas, encarregada, muitas
vezes, de desenvolver um modelo de educação tecnicista que visa a garantia de mãode-obra para o mercado demasiadamente competitivo; do outro, a rede pública,
utilizando a escola como instrumento de dominação das massas, atendendo com afinco
aos objetivos do sistema econômico dominante. Sobre isso Gadotti (2005) diz:
Dentro dessa concepção de educação, os países periféricos e, portanto,
dependentes estão atrasados porque são carentes de tecnologia e não porque
são dependentes. Ora, essa carência pode ser suprida através de uma reforma
do sistema escolar, voltada para o treinamento, o adestramento do estudante,
tornando um dócil servidor do sistema econômico. (GADOTTI, 2005, p. 57).
Observa-se que as escolas brasileiras, tanto públicas, quanto privadas, não
estão preocupadas com a formação integral do ser humano, sendo esta substituída por
uma formação que acaba fomentando o projeto de desenvolvimento de seres
submissos às ordens da economia capitalista.
Segundo Althusser (1983), que desenvolveu o conceito de “aparelhos
ideológicos do Estado”, a escola contribui para a reprodução da sociedade capitalista
ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que nos fazem ver os arranjos
sociais como bons e desejáveis. Seria, então, uma espécie de instrumento que
desapropria o ser humano de sua capacidade crítica e questionadora.
Sobre isso, Chomsky (2000), complementa afirmando que o que existe na
verdade, hoje, é um modelo de ensino que deseduca, pois este acaba por formar
professores preocupados apenas em repassar procedimentos e técnicas, impedindo o
pensamento crítico que permite perceber o que está por trás da realidade.
Diante disso, o atual modelo de educação preocupa-se em trabalhar apenas a
dimensão intelectual do indivíduo (muitas vezes sem sucesso), resumindo-se ao
conhecimento superficial e deturpado do conteúdo exigido pelas leis e pelo mercado de
trabalho. Observa-se, assim, que mesmo aqueles com maior poder aquisitivo e que se
formaram em escolas da rede privada, tidas pela sociedade como de boa qualidade,
acabam por se tornar seres que obedecem apenas às normas exigidas pelo mercado
de trabalho, mas não conseguem se realizar enquanto seres sociais.
5
A realidade atual é extremamente complexa e envolve questionamentos sobre
influência das classes dominantes, discurso da ética na globalização, incapacidade
administrativa das instituições de ensino, além de inúmeros outros fatores. A lógica
perversa de atendimento ao sistema econômico vigente parece ser extremamente
contraditória a uma proposta de formação de seres humanos enquanto indivíduos
críticos e transformadores da realidade. Quanto a isso, Freire nos adverte:
O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua é a
ética do mercado e não a da ética universal do ser humano, pela qual devemos
lutar bravamente, se optamos, na verdade, por um mundo de gente. (FREIRE,
1997, p.127).
A sutileza com que os princípios imperialistas do capital adentram a sociedade é
preocupante, pois essa dominação é tão mascarada que acaba sendo reproduzida
inconscientemente. Como conseqüência disso, os excluídos do sistema acabam sendo
levados pelas águas fortes do discurso ideológico que a rege, seguindo um rio pelo qual
não há como mudar o seu percurso e que, fatalmente, os direciona a um único
caminho: o da aceitação. Este processo é apresentado por Freire quando ele afirma
que:
Uma das eficácias de sua ideologia fatalista é convencer os prejudicados das
economias submetidas de que a realidade é assim mesmo, de que não há
nada a fazer, mas seguir a ordem natural dos fatos. Pois é como algo natural
ou quase natural que a ideologia neoliberal se esforça por nos fazer entender a
globalização e não como uma produção histórica. (FREIRE, 1997, p. 127).
Torna-se evidente refletir sobre o fato de que os seres humanos não devem ser
compreendidos apenas por sua capacidade intelectual; ele deve receber uma formação
que busque compreendê-los e desenvolvê-los em suas múltiplas dimensões.
2.
A importância de uma formação que busque a integralidade do ser humano
O Brasil possui uma esmagadora maioria de instituições de ensino que estão
subordinadas às regras da economia mercantilista e que, portanto, compreendê-las
para tentar dar um novo direcionamento requer muito mais do que uma simples
explanação dos seus problemas. Inúmeras alternativas podem ser viáveis para o
6
sucesso das escolas, tanto públicas quanto particulares, dependendo do contexto
social, político, econômico e cultural em que cada uma está inserida.
Partindo desse modelo de escola vigente em nosso país, que acaba por reduzir
o ser humano a uma dimensão cognitiva (sendo essa trabalhada, muitas vezes, de
modo superficial), faz-se necessária uma formação que busque compreendê-lo como
um ser composto de várias dimensões, devendo, estas, serem trabalhadas
concomitantemente. Sobre essa fragmentação do ensino, Edgar Morin (2000) analisa a
importância de não se separar as partes do todo, ou seja, trabalhar a compreensão de
mundo admitindo o ser humano como um ser indissociável deste e intrinsecamente
relacionado às leis do Universo. Sobre isso o autor afirma:
As ciências humanas são elas próprias fragmentadas e compartimentadas.
Assim, a complexidade humana torna-se invisível e o homem desvanece
“como um rastro na areia”. Além disso, o novo saber, por não ter sido religado,
não é assimilado nem integrado. Paradoxalmente, assiste-se ao agravamento
da ignorância do todo, enquanto avança o conhecimento das partes. (MORIN,
2000, p. 48).
Este detrimento da compreensão do todo em relação à especialização das
partes é facilmente percebido nos desafios da sociedade atual onde se observam
grandes avanços em determinados setores econômicos, enquanto continuam existindo
problemas que vêm desde os tempos mais remotos, como a fome, a violência e as
injustiças sociais.
Isso vem corroborar a insuficiência educacional que permeia nossa sociedade.
Sobre isso, Garcia et al Brandão (2005) diz que,
Trata-se de “remar contra a maré”, vale dizer, contra o modelo de sociedade
que temos, com a sua ética excludente, competitiva e predatória. Porém, mais
do que buscar se opor, perspectiva em que o outro dá as cartas, e nós
estamos correndo atrás, trata-se de CONSTRUIR através de processos
educativos, e neles mesmos, formas solidárias, igualitárias e plurais de
convivência entre os homens. Ter essa postura é se opor, mas se opor na
ofensiva de quem deseja CONSTRUIR. (GARCIA et al BRANDÃO, 2005, p.
66/67).
Diante deste cenário, são muitos os casos de conflitos sociais, de insatisfação
pessoal e são cada vez maiores as diferenças sociais, tornando-se evidente a busca
7
por um outro modelo de educação. Embora nenhum modelo existente seja a garantia
de formação de uma sociedade mais justa e feliz, é impossível ignorar a inópia do
modelo educacional vigente na grande maioria das escolas do país.
Sendo assim, apresenta-se aqui como alternativa, uma linha pedagógica que
não ignore as diversas dimensões do ser humano, sejam estas biológicas, afetivas,
psíquicas, sociais e racionais (MORIN, 2000).
3.
Uma possível alternativa: a Pedagogia Waldorf
3.1.
Princípios Gerais da Pedagogia Waldorf
A Pedagogia Waldorf foi criada pelo austríaco Rudolf Steiner em meio ao
conturbado contexto social vivido na Alemanha após a primeira guerra mundial. Steiner
começou a desenvolver, baseado na Antroposofia, ciência espiritual criada por ele, um
tipo de escola que seria adequado às necessidades essenciais do homem. Para ele,
essa escola deveria buscar a compreensão dos problemas do indivíduo e da sociedade
moderna e, por conseqüência, pós-moderna, tratando de trazer soluções à crise
política, social e pedagógica (RÖPKE, 1998).
No início de 1919, Emil Molt, dono da fábrica de cigarros Waldorf-Astoria e
colaborador do movimento de “Trimembração do Organismo Social”, dispôs que Steiner
proferisse palestras sobre temas sociais e educativos aos operários de sua fábrica. Em
decorrência disso, os funcionários dessa fábrica passaram a desejar uma escola com
aquelas aspirações sociais e educativas para os seus filhos. Então, em setembro de
1919 é fundada a 1ª Escola Waldorf do mundo, a “Die Freie Waldorfschule” (Escola
Waldorf Livre) em Stuttgart, Alemanha.
Rudolf Steiner revalorizou os impulsos da Revolução Francesa: Liberdade,
Igualdade e Fraternidade, como diretrizes máximas das diferentes funções sociais.
Concebeu a Liberdade como o princípio básico que deve reger a vida cultural-espiritual;
a Igualdade como alicerce fundamental da questão jurídico-legal e a Fraternidade como
sustento imprescindível para a atividade econômica. Na educação, isso significa
desenvolver na criança as bases para um pensamento claro e preciso, isento de
8
preconceitos e dogmas, o que leva à liberdade; sentimentos autênticos não
massificados e que respeitem os demais, num marco de igualdade de direitos e
obrigações, e uma capacidade vigorosa de sustentar responsavelmente a fraternidade
na vida econômica do futuro. (Proposta Educacional Waldorf, 1998).
Segundo Lanz (2005), a Antroposofia, base filosófica da Pedagogia Waldorf, não
é uma religião; é uma visão do Universo e do Homem obtida segundo métodos
científicos que está relacionada às mais variadas áreas do conhecimento, como:
medicina, administração de empresas, agricultura biodinâmica, jardinagem, farmácia,
euritmia, arquitetura orgânica, pedagogia social e curativa, terapia artística, dentre
outras tantas, enriquecendo, com isso, diferentes áreas da vida humana.
Não se leciona Antroposofia enquanto disciplina e, mesmo esta tendo como
fundamentos princípios cristãos, a escola Waldorf respeita a diversidade religiosa de
seus alunos e de todos os membros da comunidade escolar.
A Antroposofia adota uma visão holística do ser humano, defendendo que este
não deve ser compreendido apenas em seu aspecto físico, mas em sua integralidade.
Steiner considera a organização humana baseada numa quadrimembração: o corpo
físico, o qual possibilita o contato do homem com o mundo físico; o corpo etérico, que
lhe dá a vida e fornece o instrumento para o pensamento, a memória e outras
faculdades; o corpo astral, considerado o veículo não-físico das sensações e
sentimentos; por fim, o “Eu”, que introduz as manifestações puramente espirituais,
como a individualidade superior, a auto-consciência, a liberdade e a moral. (Lanz,
1990). Nesse contexto, esta linha pedagógica busca uma formação mais integral do
ser, compreendendo que esse desenvolvimento depende de outros fatores que vão
além da escola.
Uma das principais características das escolas que adotam essa pedagogia é a
participação de todos os membros da comunidade escolar no processo de gestão. Para
tanto, pais e responsáveis, alunos e professores, todos têm, de acordo com a
respectiva responsabilidade e tarefas específicas, a obrigação e o direito de participar
de toda a estrutura (RITCHER, 1995). Já no âmbito jurídico, a escola funciona a partir
9
de uma associação mantenedora constituída legalmente por membros da sociedade
civil que geram os recursos administrativos e financeiros da escola.
O princípio da autogestão vai além da escola; isso representa a concretização de
uma possível reorganização social defendida por Steiner na qual tem-se a liberdade
como um de seus alicerces. Para Steiner, instituições que visam organizar o ensino de
modo que se favoreça apenas ao atendimento do mercado de trabalho, seriam vistas
como opressoras e facilitadoras de uma constante revolta social. Seria, pois, uma forma
de organização social autônoma que garantiria sujeitos ávidos por atuar na sociedade
de uma forma mais consciente, e não reproduzindo esta que as autoridades impõem.
(STEINER in RICHTER, 1995).
3.2. A proposta educacional da Pedagogia Waldorf
A Pedagogia Waldorf é desenvolvida a partir de uma visão holística do ser
humano. Sua proposta educacional fundamenta-se no conhecimento íntimo do
indivíduo, devendo o ensino ser proporcionado de maneira em que se busque uma
formação íntegra do ser.
Na prática educacional, Steiner apresenta o desenvolvimento humano em ciclos
de sete anos, denominados de setênios, sendo o foco da educação formal os três
primeiros. Segundo a Pedagogia Waldorf, em cada um desses períodos o ser humano
potencializa suas energias para um determinado aspecto.
No primeiro setênio (0-7 anos) a criança concentra suas energias para o
desenvolvimento e maturação do corpo físico; nesta fase prevalece o querer. No
segundo setênio (7-14 anos), além do contínuo desenvolvimento do corpo físico,
começa a desabrochar potencialmente na criança o lado anímico, ou seja, serão os
sentimentos e as emoções que permearão todo o seu processo evolutivo. O pensar e o
raciocínio estão imbuídos de uma carga emocional; nesta fase predomina o sentir. No
terceiro setênio (14-21 anos), o que predomina é o desenvolvimento do raciocínio
lógico, analítico e sintético; predomina aqui a fase do pensar (LANZ, 2005).
Embora cada fase tenha uma dessas ações como predominante, também
entende-se que tudo é trimembrado, ou seja, o processo de passar pelo querer, depois
10
pelo sentir e, enfim, pelo pensar, acontece em todas as fases, durante todo o processo
de desenvolvimento.
A partir da compreensão desses ciclos, o currículo e a metodologia de ensino
estão intrinsecamente ligados às particularidades de cada setênio, buscando, assim,
um desenvolvimento que atenda as inquietações humanas que permeiam todas as
sociedades existentes no planeta (RÖPKE, 1998). Ao se comprometer com esse
desenvolvimento, esta linha pedagógica acredita que:
Na própria era da tecnocracia, o ensino criado por esse sistema não é capaz
de satisfazer nem as exigências do próprio sistema. Parece evidente haver
algo fundamentalmente errado, e esse algo, segundo postula a Pedagogia
Waldorf, é o conceito biologista do ser humano e a cosmovisão materialista
que dominam a educação. A isso se acresce outro fator: desde o berço, o
homem moderno está acostumado a uma completa passividade mental; os
meios de massa lhe servem notícias, divertimentos e slogans prontos; ele vive
em apartamentos sem personalidade, em meio a móveis e objetos fabricados
em série; as imagens que o circulam (graças à publicidade), as opiniões que
ouve, tudo isso o transforma num mero consumidor cuja única iniciativa
consiste, a rigor, em escolher entre várias opções igualmente prontas. Sendo
solicitado só de fora, sem fantasia nem engajamento próprios, com o pensar
reduzido a um raciocínio mecanizado (pelo cientificismo que culmina no
computador), sua criatividade acaba sendo totalmente atrofiada. (LANZ, 2005,
p.78/79).
Contrariando essa visão materialista da educação, a Pedagogia Waldorf busca,
através do seu currículo, oferecer atividades que trabalhem não apenas a dimensão
cognitiva, mas também a capacidade de criação, reflexão, crítica e, sobretudo, a
capacidade individual de ação no contexto ambiental no qual está inserido. Ela não tem
a intenção de cultivar a preparação da criança através de metodologias que estimulem
a competitividade e o isolamento caracterizados pela modernidade, mas sim, levar o ser
a buscar uma vida harmoniosa e íntegra, procurando traçar com discernimento o seu
próprio caminho.
Percebe-se, portanto, que a formação de um professor Waldorf difere totalmente
da formação tradicional oferecida a docentes. O curso de formação de professores
Waldorf tem duração de quatro anos, divididos em quatro módulos por ano. Nesses
módulos não são abordados apenas aspectos referentes às bases teóricas e filosóficas
da antroposofia, mas também práticas pedagógicas que buscam, através da arte,
promover o autoconhecimento, a autodisciplina, o autodesenvolvimento, entre outros.
11
Ressalta-se aqui a impossibilidade de se aprofundar todos os aspectos que
envolvem a formação do professor Waldorf. O próprio Rudolf Steiner considerava a
Pedagogia Waldorf um processo de construção contínua, de acordo com a cultura, o
ambiente e o tempo em que está inserida. Desta forma, uma proposta educacional que
envolva a concepção de uma escola Waldorf, seja esta pública ou privada, vai seguir
um caminho único e caracterizado pelas forças e desafios daquele grupo.
3. Análise e discussão dos resultados
Partindo da idéia de que toda alternativa que favoreça o crescimento humano
deve ser acessível a todas as classes sociais, é importante ressaltar a relevância de se
conhecer uma escola Waldorf que atenda às mais diversas classes sociais.
A Escola Municipal Cecília Meireles, onde se realizou a pesquisa de campo, foi
fundada em 1988 e está localizada na cidade de Nova Friburgo, no estado do Rio de
Janeiro. Instalada num bairro de classe média, esta escola funcionou originalmente
como uma instituição privada, passando por um processo de municipalização no ano de
2000.
Atualmente, ela atende, em tempo integral, aproximadamente 175 crianças
provenientes tanto de classes menos favorecidas quanto oriundas de famílias com
situação financeira mais estável. Embora seja uma escola de iniciativa pública municipal
(Governo Federal e do Estado, juntamente com a Prefeitura, somam 72% dos recursos
financeiros, sendo as demais contribuições advindas do trabalho de captação de
recursos da Associação Mantenedora5 da escola), há um movimento de arrecadação de
recursos entre os pais que podem contribuir financeiramente com as necessidades da
escola.
5
Toda escola Waldorf é mantida, também, por uma associação que é a entidade que possui a
personalidade jurídica da escola. Esta é composta, geralmente, do grupo de interessados que a fundou.
A Associação de Crianças do Vale de Luz é uma associação civil comunitária sem fins lucrativos que
atende na cidade de Nova Friburgo – RJ a Escola Municipal Cecília Meireles e a Escola Comunitária
Municipal do Vale de Luz, e que tem por objetivo a arrecadação de doações para um melhor
desempenho das escolas.
12
Uma escola Waldorf é diferente das tradicionais em praticamente todos os
aspectos, a começar pela própria divisão do espaço físico e pelos demais materiais
utilizados tanto pelos professores quanto pelos alunos. Assim, é extremamente
importante, neste momento, realizar uma breve descrição do universo físico destas
escolas.
Vale ressaltar também que buscar compreendê-la em toda sua extensão requer
uma maior imersão em sua teoria e uma convivência mais profunda com o ambiente
produzido por ela, já que a mesma se difere em muitos aspectos das escolas
tradicionais, mesmo aquelas ditas “alternativas” ou “construtivistas”.
Cada detalhe inserido no processo de ensino-aprendizagem das escolas Waldorf
tem uma razão de ser; tudo tem um porquê e seria impossível aqui relatar ou analisar
todas estas relações e imbricações de forma satisfatória. Assim, serão apresentados,
aqui, os aspectos que foram considerados mais importantes para efeito da problemática
estabelecida nesta pesquisa.
Um dos aspectos que chama atenção ao adentrar numa sala de aula Waldorf é a
diversidade de instrumentos didáticos feitos de materiais naturais utilizados no processo
de aprendizado, como os tipos de brinquedos utilizados6. O uso de imagens é presente
em, praticamente, todos os momentos como um auxílio no processo de aprendizagem e
perpetuação do belo. Trabalha-se, diariamente, com músicas, poesias, desenhos,
contos, pinturas e outros recursos que visam desenvolver nas crianças a dimensão do
sentir, favorecendo o estímulo à imaginação e a compreensão do conteúdo que está
sendo ministrado antes mesmo de iniciar diretamente as questões mais específicas das
disciplinas obrigatórias.
Além disso, trabalhando o imaginário e tornando a expressão artística uma
prática cotidiana, pode-se perceber que as crianças da escola observada apresentam,
em sua grande maioria, uma boa desenvoltura para se comunicar, facilidade para se
concentrar e expressar seus sentimentos e ainda refletir sobre os novos conhecimentos
que chegam até elas. A curiosidade é instigada de modo sutil e natural, apresentando
6
O ato de brincar, para a pedagogia Waldorf, deve ser sempre acompanhado da fantasia. Por esse
motivo os brinquedos são confeccionados artesanalmente, de modo que estimulem a imaginação da
criança. As bonecas de pano, por exemplo, muitas vezes não possuem olhos, bocas e nariz,
possibilitando que cada criança veja na boneca o rosto que imagina e não algum pré-determinado pelas
indústrias e fabricados em massa.
13
bons resultados com relação à qualidade das informações que as crianças acabam
buscando sobre os assuntos abordados em sala de aula.
Embora a Pedagogia Waldorf admita que o processo de alfabetização inicia-se
desde o nascimento, pois o mundo que cerca a criança é um mundo alfabetizado, esta
pesquisa não se detém ao processo de alfabetização. Ela abrange, principalmente, as
atividades do segundo setênio (7-14 anos), período no qual são desenvolvidas as
atividades relacionadas mais diretamente à leitura e escrita.
A partir do segundo setênio, a turma é acompanhada pelo mesmo professor
durante todo o ensino fundamental. Este é chamado de “professor de classe”, sendo
polivalente7 e conhecedor de cada aluno e do ambiente em que este se enontra fora da
escola. O professor acompanha seus alunos durante oito anos, de modo que este
período permita um conhecimento mais profundo de sua turma e do processo de
desenvolvimento pessoal e de aprendizagem. Além disso, ele busca sempre trabalhar
as potencialidades de cada aluno ajudando-lhe a vencer seus desafios pessoais.
Nas escolas Waldorf dá-se uma grande importância ao fato dos professores
conhecerem as casas dos seus alunos, permitindo, assim, uma maior aproximação
deste com a realidade de cada um. Isso favorecendo o fortalecimento dos laços de
confiança.
O educador, segundo a Pedagogia Waldorf, deve ser alguém em que o
educando possa confiar. Ele deixa de ser apenas um mero transmissor de conteúdos,
para ser um profundo investigador e conhecedor de cada criança. Durante a formação
de professores Waldorf preza-se muito pela auto-transformação do próprio professor,
não se restringindo a mais uma formação puramente conteudista. Sobre as diferenças
entre o curso de formação de professores Waldorf e os demais, o professor 1 diz:
[...] O curso de pedagogia Waldorf é que aquilo que deve ser aprendido pelos
alunos, primeiro, seja transformado no professor, quer dizer, não se trata de
um curso de aquisição de conhecimentos e aplicação de conhecimento. Quem
faz esse curso, deveria estar disposto a se transformar através do que o curso
propicia, e a partir daí, como uma pessoa transformada, chegar diante dos
alunos.
7
Este professor, no ensino fundamental II, irá lecionar todas as matérias, porém poderá convidar um
outro profissional, que considere mais apto, a ministrar matérias específicas.
14
A esSe professor é dada a difícil e complexa responsabilidade de educar no
sentido de ajudar o aluno a trilhar seu caminho de uma forma saudável e harmoniosa.
Sobre ser um professor Waldorf, o professor 5 nos traz a seguinte reflexão:
A princípio tem que se ter um interesse pelo mundo real e não pelas
especulações ideológicas e filosóficas, porque a gente vive num mundo de
fantasia, na verdade. Pessoas que vivem no shopping center, vivem num
mundo de ilusão, por exemplo. Aquilo ali não pode ser a realidade. Então a
pessoa precisa conhecer a realidade, ver como o mundo funciona e não vê-lo
somente sob um ponto de vista. É a mesma coisa que você conhecer uma
pessoa e só vê-la de frente; não ver de lado, de costas... Então você não
conhece a pessoa, você só conhece a imagem que você tem.
Assim, tanto o professor quanto as disciplinas por ele ministradas contemplam a
construção de um conhecimento que permita desenvolver o ser humano em suas
múltiplas facetas. As matérias e seus conteúdos não têm o objetivo de apenas informar
o aluno, mas de fazer-lhe compreender o mundo como um todo e o seu papel dentro
desse mundo, como pode ser observado nas reflexões do professor 6:
Geralmente as discussões em torno da área da pedagogia ficam em torno, por
exemplo, no item questões econômicas: a gente deve educar uma pessoa para
trabalhar em uma indústria? A gente deve educar uma pessoa pra um trabalho
“x”? E aí, observando por esse viés, a gente vê que a Pedagogia Waldorf não
quer educar as crianças para o mundo que está hoje, mas pro mundo que elas
querem construir pro futuro, entende um pouco? Então não é assim que a
gente fica ensinando aquilo que a gente quer delas pro mundo, mas aquilo que
elas querem para o mundo. Então, é assim, a gente fica tentando desenvolver
forças novas pro mundo social, né? Por que se eu fico tentando desenvolver
nelas aquilo que eu espero do mundo, isso é velho já. Eu espero que elas
tragam forças novas pro mundo... Uma renovação. Não que isso seja também
cair no vazio, não vou trazer nada, entende? Isso é bastante básico também...
Então eu sinto que tem essa questão da maneira como se enxerga o ser
humano e desse ponto de vista de que não é trazer o mundo pra sala, mas
levar a criança para o mundo. É uma direção oposta do que geralmente a
maioria das pedagogias faz.
Ainda sobre isso, o professor 5 nos traz:
A pedagogia tradicional, o que é que ela faz? Ela foca o desenvolvimento
intelectual do aluno. Ela informa e usa o mesmo método em todos os anos. Ela
enche o aluno de informação. E a pedagogia Waldorf foca cada ano
diferencialmente, dá o alimento que aquela criança precisa, não só intelectual,
mas trabalha também através das artes, do que tá no sentimento. A gente
trabalha a cabeça da criança, o coração da criança e o pé da criança.
15
A Pedagogia Waldorf quer que o currículo seja um aliado na formação para a
vida, trazendo suas matérias não como conteúdos estáticos, sem um real significado
para a vida, mas como um currículo vivo integrado com o qual se aprenda na sala de
aula e se vivencie isso, também, fora dela. Dessa forma, as crianças precisam
experimentar animicamente a essência de cada matéria, não se detendo apenas ao
processo de maturação cognitiva. Para tanto, adota-se o ensino em épocas, o qual,
segundo a Pedagogia Waldorf, favorecerá que a matéria deixe de ser um conjunto de
conhecimentos superficiais para realmente ser compreendida e vivenciada na
personalidade do aluno, moldando-o ou transformando-o para seu desempenho futuro.
No ensino em Épocas, as matérias principais são português, matemática,
história, geografia, ciências e artes. Vale ressaltar que as artes permeiam todas as
Épocas e conteúdos, sendo utilizada também para o ensino de todas as disciplinas. O
ensino em Épocas, que dura de três a cinco semanas, permite que o conhecimento seja
sedimentado nos alunos, já que eles amadurecem cada conhecimento com
profundidade durante esse período.
Sabe-se que a grande crítica acerca desta metodologia de ensino é que as
crianças podem esquecer, no decorrer do ano letivo, as matérias que foram trabalhadas
numa determinada época no início do ano. Porém, Lanz (2005) afirma que isso é
verdade apenas em parte, pois:
Apesar do aprendizado concentrado, os alunos esquecem uma parte; mas
esse esquecimento é algo positivo. Enquanto cai dessa forma na
inconsciência, a matéria ao mesmo tempo amadurece; e quando volta como
assunto de época, basta em geral uma curtíssima recordação para que o
conteúdo anterior volte à memória. Por sinal, nas escolas tradicionais, onde a
matéria é memorizada apenas para ser reproduzida numa sabatina ou num
exame, o esquecimento é ainda maior, mesmo quando o ensino se estende
pelo ano todo. (LANZ, 2005, p. 103).
Outro forte diferencial das escolas que adotam esta pedagogia é o fato de não
serem utilizados livros didáticos. Segundo o coordenador do curso de formação de
professores Waldorf, os livros podem ser considerados como os promotores das
16
desabilidades humanas (informação verbal)8. No lugar dos livros didáticos, são
utilizados Cadernos de Épocas elaborados pelas próprias crianças, e com o estímulo e
orientação dos professores, contendo o conteúdo abordado da época. Estes cadernos,
sem pauta, contribuem para uma expressão mais livre do aluno, onde o belo deve
permear todo o seu processo de desenvolvimento.
Cada produção elaborada pelas crianças nestes cadernos é trabalhada como
quadros, produções do belo. Esta percepção é fundamental no momento em que se
busca despertar e nutrir no aluno a vontade de aprender e o cuidado com tudo o que se
produz. Para a professora 7, “os cadernos são registros do aprendizado individual das
crianças, ou seja, nenhum caderno é igual ao outro, cada um possui as características
próprias de cada indivíduo”. Isso estimula o aluno a aprender, a cuidar de tudo o que
produz e, sobretudo, a zelar e valorizar seu conhecimento, sem que nada disso precise
ser verbalizado pelos professores.
O ano letivo é marcado por algo que deverá ser desenvolvido como foco daquele
aprendizado. Por exemplo, durante a pesquisa de campo, pôde-se acompanhar a turma
do terceiro ano do Ensino Fundamental na construção de uma casa de barro, referente
à finalização da Época dos “Tipos de Habitações”, que estava inserida dentro dos
estudos de história e geografia. Este processo, de acordo com a professora 7:
Auxilia no desenvolvimento desta nova fase, que é quando a criança começa a
entrar no período de puberdade. Ou seja, no momento em que a criança está
reconstruindo seu corpo, ela precisa vivenciar também no exterior a construção
de uma estrutura sólida e nova que lhe permita vislumbrar potenciais e limites
a partir de uma forte estrutura, oferecendo-lhe segurança para seguir adiante
em seus passos.
Para ilustrar o modo como as artes estão sempre presentes nas atividades de
uma escola Waldorf, seguem os versos apresentados no dia de bazar de Natal, quando
foi apresentada aos familiares e ao público em geral a casa construída pelas crianças:
8
Comentário feito pelo coordenador do Curso Brasil (Curso de Formação de Professores Waldorf), no 3º
Encontro de Introdução ao Curso de Formação de Professores Waldorf, realizado em novembro de 2007
(Recife – PE).
17
À vocês oferecemos com carinho e com agrado
Esta casa que fizemos, do chão até o telhado.
Construída com carinho do fundo do coração,
Depressa ou devagarzinho, do telhado até o chão.
Erguemos paredes retas bem firmes no fundamento,
Eis o assoalho e o teto feitos do lado de dentro.
Construímos portas e janelas, certinhas nas esquadrilhas,
Pois nessa casa singela, brilhará a luz do dia.
E outra vez oferecemos, com carinho e com agrado,
Esta casa que fizemos, do chão até o telhado.
A poesia e os versos são trabalhados pelos professores, também para auxiliar
no desenvolvimento de cada indivíduo. Segundo Steiner (2005), todos os anos cada
criança recebe no seu boletim um “verso de boletim” que irá guiá-lo durante o ano
seguinte. Segundo a professora 2, “Este verso é escrito pelo professor, especialmente
para cada aluno, de acordo com suas características próprias”.
No caso de um aluno que apresentava como características de sua
personalidade a preocupação em ser sempre o primeiro e melhor em tudo, apressandose em terminar logo suas atividades antes dos colegas, a professora 2 escreveu o
seguinte verso:
Com rapidez e agilidade
O coelho segue em frente.
Durante toda a corrida
Ele não se rende,
Mas bate um cansaço
E o coelho decide um cochilo tirar.
Nem percebe que a tartaruga
Logo, logo irá passar
Pois devagar se vai ao longe
Não importa quem vai ganhar.
Estes versos recebidos pelos alunos são recitados uma vez por semana, durante
todo o ano letivo. Além destes, são recitados versos no início das atividades da manhã,
antes das refeições e em outros momentos, como forma de reverenciar cada
experiência e também todos os seres vivos no planeta.
A jardinagem é matéria obrigatória em várias séries, pois, para a Pedagogia
Waldorf, o desenvolvimento desse tipo de atividade é essencial. Ela considera que,
principalmente nos dias atuais, as crianças precisam sentir um maior interesse e
sentimento pela natureza, compreendendo a importância de se vivenciar atividades
18
básicas relativas à vida humana, como o ato de plantar, colher e desfrutar do fruto
brotado deste trabalho.
Toda escola Waldorf procura montar uma horta no seu espaço físico. O cultivo
desta horta está inserido no currículo. No terceiro ano, por exemplo, este trabalho se dá
com o plantio e cultivo do trigo, passando, posteriormente, pela sua colheita, até o
processo de fabricação da farinha para produção do pão que será realizada pelas
próprias crianças. Foi observado que os alunos envolvem-se ativamente nestas
atividades. Os alimentos colhidos são aproveitados nas refeições oferecidas na escola
e, assim, busca-se aprofundar nos alunos a consciência dos ciclos da natureza e de
quanto o seu cuidado é importante para a manutenção da vida.
Além disso, o espírito de cooperação é trabalhado em situações cotidianas de
divisão do trabalho dentro da escola, como por exemplo, em atividades de arrumação
do espaço, limpeza dos utensílios utilizados nas refeições e organização dos materiais.
Essas tarefas são realizadas num esquema de rodízio, de modo que todas as crianças
participem desse processo. Assim, o aluno aprende não só os conteúdos das
disciplinas de uma forma diferenciada, mas também desenvolve várias outras
habilidades e diversos tipos de trabalhos manuais.
Nas escolas Waldorf os alunos não são avaliados por provas, testes ou coisas
similares; muito menos lhes são atribuídas notas para averiguação do seu
desempenho. Esta se faz através de uma caracterização qualitativa, na qual se procura
ressaltar as qualidades, não deixando de lado o julgamento crítico quanto ao que o
aluno é capaz de produzir melhor. Segundo Lanz (2005), a avaliação leva em
consideração diversos fatores que permitem conhecer a personalidade do aluno, assim
como o esforço real que ele dispensou ou não para alcançar determinado resultado, o
seu comportamento e o seu espírito social. Uma vez que o professor pode acompanhar
uma mesma turma durante anos, torna-se viável a percepção dos avanços e
dificuldades de cada um de seus alunos.
5.
Desafios da Pedagogia Waldorf
19
Embora seja claro que a proposta educacional das escolas Waldorf atende ao
processo de desenvolvimento humano de uma forma consciente, existem alguns pontos
que normalmente são questionados por pais e profissionais da área de educação.
Um deles diz respeito à capacidade de tornar os alunos aptos a entrarem no
mercado de trabalho competitivo e também nas faculdades públicas do país, dada a
enorme concorrência dos vestibulares. No entanto, os professores entrevistados
argumentam que a capacidade crítica do aluno é construída de forma sólida e, por isso,
de uma maneira geral eles não têm dificuldades de concorrer igualmente com outros
alunos.
Ao contrário disso, no último ano do Ensino Médio, os alunos devem elaborar um
trabalho de conclusão de curso, que é apresentado ao público em geral, sobre um tema
de livre escolha. A liberdade da escolha do tema resulta, segundo o professor 5, em
uma diversidade de assuntos, desde os relacionados às áreas das tecnologias até
temas mais subjetivos, como, por exemplo, a solidão, o medo, a violência, o racismo
etc.
Sobre a preocupação freqüente com o ingresso dos alunos no mercado, os
professores entrevistados ainda afirmam que a formação dada a seus alunos consegue
não apenas transformá-los em indivíduos aptos aos mais variados campos de atuação,
mas também os tornam conscientes da necessidade de mudança que as sociedades
modernas precisam atravessar. Essas mudanças devem ter como objetivo a diminuição
das diferenças sociais e a transformação das atividades econômicas como ferramentas
de um processo de sustentabilidade social e ambiental.
Na medida em que os alunos de uma escola Waldorf formam-se num processo
onde a curiosidade, a criatividade, a concentração e o estímulo pela pesquisa são
constantes, afirma-se que a facilidade de preparo para o estudo dos conteúdos
específicos dos vestibulares torna-se maior ou, no mínimo, suficiente para concorrer
igualmente com outros alunos.
Outro grande desafio enfrentado atualmente por essas escolas é a exigência de
se alfabetizar a criança com seis anos de idade, pois o Ensino Fundamental terá agora
nove anos, atendendo aos critérios estabelecidos pelo Governo Federal. E já que a
proposta educacional Waldorf é a favor do processo de alfabetização apenas a partir
20
dos sete anos, defendendo que antes disso a criança deve estar voltada para outro tipo
de desenvolvimento, essa determinação Federal passa a interferir de maneira negativa
em seus princípios.
Outra questão levantada sobre a viabilidade das escolas Waldorf, enquanto
instituições públicas, diz respeito à sua administração. Considerando que, de acordo
com seus princípios não se faz necessária a existência de um proprietário, nem de uma
figura com cargo de chefia da equipe, as unidades públicas dobram-se ao poder no
sentido de ter que apresentar um diretor, mesmo que seja apenas através de uma
representação dentro da escola, para exercer as relações burocráticas entre a
instituição e o poder público.
É sabido que o Brasil ainda dá os primeiros passos com relação à fomentação de
uma cultura que permita facilitar o desenvolvimento de organizações nas quais não
exista uma hierarquia definida. No âmbito educacional, principalmente, é muito pouco
incidente a participação ativa dos pais enquanto sujeitos que se sentem responsáveis
pela qualidade do ensino e da manutenção da escola de seus filhos.
O formato administrativo de uma escola Waldorf não deixa de ser um grande
desafio enfrentado no país e em muitos outros lugares. Apesar de algumas escolas
realmente não conseguirem acompanhar as exigências desse tipo de administração, o
processo de estruturação e de desenvolvimento destas escolas torna-se, muitas vezes,
uma oportunidade bem aproveitada para o amadurecimento e fortalecimento dos
grupos envolvidos, estendendo-se até a melhoria de outros aspectos na comunidade
onde estão inseridos. Depois dos primeiros desafios vencidos, os grupos tendem a se
tornar mais coesos e mais conscientes da importância do seu papel para a melhoria da
qualidade de ensino e do quanto o processo de aprendizado está relacionado à
melhoria das condições humanas e sociais do ambiente em que as crianças se
desenvolvem.
Por ser uma pedagogia ainda relativamente nova no Brasil e que necessita de
uma formação específica de professores, as escolas que adotam esta proposta
enfrentam ainda um outro desafio, que é a carência de professores formados para
atuarem nas escolas, além da dificuldade de se custear com recursos próprios esse
curso. Soma-se a este fato a própria natureza de uma escola Waldorf (que deve surgir
21
do desejo de uma comunidade). O que acaba acontecendo no Brasil é que as
atividades iniciais destas escolas são apenas voltadas para o Jardim e as demais
turmas surgem com o tempo, com o amadurecimento dos pais e dos professores
enquanto gestores, e a formação de novos professores para serem inseridos no grupo.
Observa-se ainda que um grande desafio (talvez o maior deles) da escola
pública que adota esta proposta educacional é o fato de necessitar de um maior
investimento financeiro por parte dos poderes públicos, uma vez que necessita de
professores com formação especial e dedicação exclusiva; de um modelo de autogestão que envolva a participação e responsabilidade de todos os sujeitos inseridos no
âmbito escolar, e que, além disso, traz em sua rotina atividades, principalmente as
artísticas, que requerem materiais suficientes e de boa qualidade para as crianças.
Embora muitas dessas exigências sejam reivindicações históricas dos que fazem a
educação, infelizmente, o poder público parece não estar apto a atendê-las.
6.
Considerações finais
“Ai de nós, educadores, se deixarmos de sonhar sonhos possíveis.”
Paulo Freire
Sabe-se que nenhuma pedagogia pode ser considerada satisfatória com relação
às necessidades que o mundo atual impõe. A formação do ser humano depende de
uma série de fatores e de uma rede complexa de fatos e relacionamentos que
permeiam a vida de todos.
O mundo de hoje, tão confuso e cheio de conflitos, pede sujeitos que sejam
ativos de diferentes formas, de modo que esses possam atender a diversidade de
carências, sejam estas sociais, econômicas, culturais ou ambientais. Sabe-se, portanto,
da imensa dificuldade que as classes oprimidas têm para formar indivíduos críticos, que
não estejam dentro da ótica do sistema neoliberal e que sejam capazes de perceber
sua real situação para assim transformá-la. A educação, dessa forma, deve estar atenta
a isso e atender a estas necessidades.
O tipo de metodologia usado pela pedagogia Waldorf, ainda é novo no Brasil e
relativamente desconhecido, apesar de já existir um movimento forte no resto do
22
mundo9. A Pedagogia Waldorf não é apenas uma metodologia de ensino: é uma visão
de mundo diferente, que inclui a transformação pessoal dos professores, pais e alunos.
Vê-se no Brasil, cada vez mais, uma tentativa crescente de homogeneização do
ensino, que acaba, muitas vezes, por impossibilitar outras formas de intervenções
educacionais que possam também trazer novas contribuições para reflexão no âmbito
escolar (SILVA, 1998). Na cidade do Recife-PE, por exemplo, todas as escolas públicas
municipais que atendem ao Ensino Fundamental adotam uma única proposta
educacional. E, tendo em vista que o Estado de Pernambuco conseguiu recentemente
obter um dos piores índices de qualidade de ensino no país (segundo pesquisa
encomendada pela UNESCO10 e realizada pelo INEP11 - 2007), torna-se urgente
experimentar outras propostas educacionais.
A questão não é comprovar se a Pedagogia Waldorf seria a proposta mais
satisfatória ou não, pois o próprio Rudolf Steiner, ao ser perguntado se não seria
fantástico se no Estado todas as escolas fossem Waldorf, respondeu:
Não, por que é melhor ter uma diversidade. E isto é melhor porque tendo esta
diversidade, os pais e os alunos têm como escolher em liberdade a educação
que é mais adequada e mais voltada para as suas necessidades.
(SCHAEFER, 2006, p.6).
Assim, espera-se que esta breve apresentação da Pedagogia Waldorf contribua
para uma ampliação de horizontes quanto às inúmeras propostas educacionais que
existem, ressaltando que a Pedagogia Waldorf ainda tem muitos desafios a vencer ao
propor uma experiência de ensino e aprendizado que têm relações profundas com a
busca de uma consciência maior de cada indivíduo no planeta.
Referências
ALTHUSSER, L. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
9
Segundo dados do Congresso sobre a Governança nas Escolas Waldorf, realizado no mês de abril de
2006 pela Federação das Escolas Waldorf no Brasil, existem aproximadamente mil escolas no mundo
que adotam esta pedagogia, sendo este número crescente a cada ano.
10
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
11
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.
23
ANDRÉ, M. E. D. A. & LÜDKE, M. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas.
São Paulo: EPU, 1986.
BRANDÃO, Z. (Org.). A crise dos paradigmas e a educação. São Paulo: Cortez,
2005.
CHOMSKY,N. Chomsky on Miseducation. New York: Rowman & Littlefield, 2000.
ENRIQUEZ, E. Instituições, Poder e “Desconhecimento”. In ARAÚJO, I.N.G e
CARRETEIRO, T.C (Org). Cenários Sociais e Abordagem Clínica. SP – Escuta, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1997.
GADOTTI, M. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. São Paulo:
Cortez, 2005.
LANZ, R. A Pedagogia Waldorf: Caminho para um ensino mais humano. São Paulo:
Antroposófica, 1998.
LANZ, R. Noções Básicas de Antroposofia. São Paulo: Antroposófica, 1990.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez ;
Brasília, DF : UNESCO, 2000
RICHTER.T. Objetivo Pedagógico e Metas de Ensino de uma Escola Waldorf. São
Paulo: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 1995.
RÖPKE. M. C. Proposta Educacional das Escolas Waldorf no Brasil. São Paulo:
Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 1998.
SILVA, T. T.(Org.). Liberdades Reguladas - A pedagogia construtivista e outras
formas de governo do eu. Petrópolis: Vozes, 1998.
SCHAEFER, C. Congresso sobre Governança nas Escolas Waldorf. São Paulo:
Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 2006
STEINER. R. A Arte de Educar Baseada na Compreensão do Ser Humano. São
Paulo: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 1995.
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. Consulta ao Índice de
Desenvolvimento
da
Educação
Básica.
IDEB.
Disponível
em:
<http://ideb.inep.gov.br/Site/ >. Acesso em 27.12.2007.
Download

A concepção de ser humano e educação a partir de um olhar