III Encontro Nacional de Estudos da Imagem
03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
A DIVERSIDADE DO GRAFITE URBANO
Autor: William da Silva-e-Silva, da Universidade Federal Fluminense - UFF.
Agência Financiadora: CNPq. E-mail: [email protected]
Nosso objetivo nesse texto é expor a grande diversidade contida no interior do grafite
urbano que é composto por uma multiplicidade de representações e tipologias. A primeira
coisa a considerar é que ao “sair da rua” perde as características, funções e todas as qualidades
proporcionadas pelo urbano, e passa a ser outra coisa, por exemplo, grafite de banheiro mais
conhecido por escrita latrinária. A rua é sua condição à priori.
Falamos da importância do espaço; existem ainda como fatores determinantes para
cada grafite urbano o suporte, os materiais usados para a produção, a ideologia, a técnica. O
mesmo desenho ou escrito feito sobre cavalete já não é grafite.
Este texto, inserido no campo da História Cultural, estudará a atualidade, o tempo
presente dessa intervenção urbana encontrada navegando por aí pelos diversos países, e, para
isso, contará com análise de fonte bibliográfica, jornalística e entrevistas.
Ao longo da história da intervenção urbana surgiram sucessivas formas desta
comunicação, em etapas que marcaram a maneira da presença atual, carregada
constantemente de influências e permanências ou de rupturas históricas determinantes. Etapas
impulsionadas por um processo similar ao imputado a muitas das criações humanas: o
aperfeiçoamento; a diversificação; ou a elevação do status (no caso aqui de arte).
Em cada situação, nas diferentes formas, o efeito plástico final pode variar muito.
Quanto ao aspecto visual é interessante ressaltar a presença de estilos gráficos que
influenciam assumindo a direção do resultado. Os mais preponderantes são: o cartoon, o
cômico e o estêncil. Existem estilos pessoais de alguns interventores que provocam
influências em estilos de grafite, entram nesse campo diferentes traços, temas e complementos
de apropriações diversas oriundas de outras artes.
As principais influencias do grafite urbano são originárias das ideologias do rock, do
movimento hip-hop, e do movimento punk. Como permanências preponderantes mais
significativas temos: a das técnicas, das representações e tipologias.
Já as mais importantes rupturas históricas são: as de material, por exemplo, a evolução
das tintas; de equipamento a exemplo da lata spray e da caneta de aerografia; e a ruptura de
efeito visual que tem um exemplo brilhante na Argentina, onde a linha aerossol Montana
MTN 94, da marca espanhola Montana Colors possui opção de 146 cores diferentes incluindo
o cromo. A partir da disponibilidade desta última foi possível, no fim da década de 1990, os
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artistas estrangeiros Esher e Lyte implantarem a prática que ficou correntemente conhecida
como “cronos” – letras grandes feitas com tinta cromada que brilhavam a noite.
Influências, rupturas e permanências se entrelaçam, nenhuma se inicia ou permanece
sozinha.
Para entender o grafite urbano é indispensável discutir como que pichação, tag e
grafite urbano se confundem, por isso, trataremos de discutir e analisar também as pichações
garatujas e então, a partir do conhecimento conjunto do que são os três chegaremos a
compreensão deste fenômeno. Para ser obtido esse saber sobre o que acontece hoje teremos
que recuar na história.
“A inscrição livre sem tratamento de suporte” onde uma de suas formas no presente
tem como resultado o grafite urbano teve como sua precursora mais recente, na
contemporaneidade, o pochoir, na verdade é muito mais rudimentar e ancestral com origem
que remonta a arte rupestre quando a técnica era usada por nossos antepassados “primitivos”,
para pintar nas paredes (das cavernas), usando como molde a própria mão para registrar seus
contornos.[1] Um dos meios para se obter esse resultado era assoprar tinta através de ossos
ocos. Grosso modo, temos então, o pochoir pré-histórico e a primeira tinta em spray.
No Brasil as principais técnicas empregadas na produção dos grafites são: a mão-livre
e o molde vazado - feito principalmente de stencil ou placa radiográfica. Também conhecido
por serigrafite a técnica inspirada no processo de silk screem que possibilita a reprodução
rápida e serial.
“Os estudantes franceses utilizavam com frequência uma técnica precursora do atual
estêncil, a pochoir (palavra francesa para o grafite feito com estênceis.” (GANZ, 2008, p. 8).
O nome Blek que introduz o título do livro Blek le Rat. Getting through the walls refere-se a
um sujeito que desde 1980 atua nas ruas de Paris. “Blek estudou arquitetura e gravura em
água-forte na École de Beaux-Arts, em Paris, mas foi em Nova York que viu o grafite pela
primeira vez, [...] em 1971”. (GANZ, 2008, p. 148). Uma de suas intervenções é a
representação de um rato que o artista repete através da técnica de pochoir. O livro explica
que “rat” é um anagrama de “art”.
Assim as imagens de muitos políticos foram para os muros. Isto tanto na Argentina
como no Brasil. No Chile há uma influência marcante que tem origem no estêncil argentino.
O grafite mais significativo para nós, encontrado no livro Blek le Rat. Getting through the
walls, é a representação de um casal numa clássica postura corporal do tango. É, de fato,
crucial para nossa análise a influência da cultura argentina que recebeu Blek, fato que
demonstra que não somente o grafite ou o filete portenho, mas também outras formas de artes
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de rua, como o tango realizado em praça pública, influenciam o grafite urbano contemporâneo
ao redor do mundo.
A obra de Nicholas Ganz intitulada O mundo do grafite. Arte urbana dos cinco
continentes trás o depoimento do grafiteiro Chaz, no qual ele conta parte do início de sua
história como interventor parietal ao falar de um momento que marcou sua trajetória e
determinou seu modo de grafitar e estar no mundo hoje. Contabiliza a passagem de trinta e
cinco anos desde que começou a grafitar em Los Angeles, considerando que a primeira edição
do livro saiu em 2004 a conta no leva a 1969.
Disse Chaz: “As letras que eu fazia eram do estilo ‘cholo’ da
zona leste Los Angeles, e me deixavam orgulhoso de minha
cultura latina e do lugar que eu ocupava no movimento
mundial do grafite. [Explica Nicholas Ganz que] O cholo é um
tipo de tipografia quase quadrada, desenvolvida na década de
1940 pelos “zootsuiters” latinos para marcar seu território e
como forma de reação à posição dos mexicanos na sociedade
americana e ao modo como eram tratados. (GANZ, 2008, p.
36).
A marca do tag foi iniciada por um jovem de nome Démétrius, de origem grega, no
ano 1971 na cidade de New York. Ele tinha por o hábito espalhar por quarteirões o apelido
Taki e o número de sua rua no Harlem: Taki – 183. Logo depois outras inscrições surgiram:
Bárbara 62, Eva 62, Lady Pink, Zephir. Seguidas de Bana, Cay 161, Chew 127, Cool Here,
Crash, Daze, Frank 207, Iron Mike, Junior 161, Kool Jeff, Lady Pink, NOC 167, Moetr, Sini,
Sage, Snake 131, Tracy 168 e Wasp. Essas inscrições inspiraram o surgimento do tag,
verdadeiros criptogramas com traços redondos ou pontiagudos semelhantes a tatuagens
tribais.
Fonte: livro Blek le Rat. Getting through the walls, p. 46 e p. 6.
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Dois anos mais tarde, em 1973, por iniciativa de alguns jovens, houve a ampliação do
suporte usual da intervenção para os trens de metrô da cidade de New York, vagões inteiros e
até composições passam a servir de suporte, foi o surgimento da arte de metrô Sub way art.
Os trens foram transformados em vitrines dessa arte. O observador, parado, passou a ver o tag
em movimento, e em consequência disso surgiu a necessidade de elaborar em tamanhos
maiores e combiná-las com desenhos. A partir daí a Big Apple – grande maça ou grande letra
- muito usada para expor os codinomes assume proeminência e dos trens contagia também os
muros das cidades.
É muito comum encontrarmos na globalização navegando por aí no Brasil, na
Argentina e pelos diversos países o tag ou seus descendentes em diferentes vertentes. Paulo
Knauss é bem específico, para ele o tag não é alfabeto é logomarca, e
[...] constitui a base de todo o desenvolvimento formal que evolui das soluções
alfanuméricas iniciais para soluções logotípicas das letras emboladas, quase
criptogramas, por vezes, adornadas com detalhes figurativos complementares ou
pela tridimensionalidade. (KNAUSS, 2001, p. 335).
Fonte: Imagens extraídas do livro Por Traz dos Muros: horizontes sociais do graffiti, p.39.
Para o grafiteiro Ota: – “Tem que ter um símbolo, um logotipo que o pessoal olhe e
veja: esse é o Ota, esse é o Lucas. Assinatura é a valorização da auto-estima.” (BEDOIAN e
MENEZES, 2008, p. 40).
O livro Graffiti Brasil já no primeiro parágrafo, ainda na orelha da publicação, elogia a
técnica e a criatividade dos Gemeos, artistas que “assinam” a capa. Os autores atribuem
“especificidades” que distinguem os grafites das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife,
Olinda, Belo Horizonte e Porto Alegre de outras cidades do globo terrestre. A obra aborda as
variações regionais de estilos, enfatizando que o grafite no Brasil tem tendência a formas
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abstratas e que há no país “o desejo “natural” de personalizar o grafite e criar um estilo
individual.” (MANCO; e NEELON, 2005, p. 17). “[...] artists all over the world are now
looking to Brazil as new source of inspiration.” (Ibid., p. 9). Exemplo disso no estado de São
Paulo são Speto, Onesto e Nina que pinta interpretações de crianças e animais. O Nunca
executa padrões geométricos e figuras indígenas. O Boleta trabalha com formas abstratas que
remetem de alguma maneira a formas de pássaros. Zezão interfere na cidade através de um
estilo psicodélico de formas orgânicas multicoloridas. Já o Highraff é ainda mais plural ao
misturar o cômico, o psicodélico e formas orgânicas.
Disseram os Gemeos em entrevista ao jornal O Globo:
-“O movimento do grafite [...] em cada parte do mundo ganhou uma cara. [...] Grafite brasileiro é uma mistura, porque fazer cultura no Brasil é misturar. É a
antropofagia. Outra das diferenças entre o grafite brasileiro e o de outros países é a
separação bem marcada entre grafite e pichação no Brasil, enquanto no exterior os
tags (equivalente às "caligrafias" da pichação) têm quase o mesmo peso do grafite.
Além de não aparecerem com tanta frequência no topo dos edifícios: Aqui [em São
Paulo] são uns homens-aranha!”[2]
Em depoimento a revista ARede o grafiteiro Quartim demonstrou, “de dentro”, a
existência e o valor do grafite “livre”:
– “Em relação ao grafite, diria que, se institucionalizar, estraga. Ele tem o caráter de
ser uma expressão fundamentalmente livre. Associar o grafite ao hip hop, por
exemplo, pode induzir a uma leitura enganosa da proposta aberta dos artistas de rua.
[3] [...] O grafite [...] tende a se desprender de movimentos e ideologias. Com isso,
passa a ser um ato estético, político ou não, com liberdade de linguagem; e assimila
teses regionais. Por mais que seja uma vertente artística mundial, as apropriações
culturais criam particularidades interessantes.”(Ibid.)
O livro Street art Chile de Rod Palmer fornece um panorama do grafite naquele país.
Desde a orelha da publicação aparece a ocorrência de influência profundas nas intervenções
chilenas advindas do Brasil, com destaque para as estratégias e técnicas derivadas das letra da
pichação e do trabalho de grafiteiros como Gêmeos, Vitche e Herbert. Conforme o autor
artistas brasileiros, principalmente os da cidade de São Paulo, visitam o Chile e artistas
chilenos visitam o Brasil. Grafiteiros de Porto Alegre e Rio de Janeiro também são antigos
conhecidos no interior da arte urbana chilena.
“[...] Chilean street art offers carefully planned visual and verbal jokes, strategies and
techniques derived from an array of historical and contemporary sources: from Catalunya,
Britain, [...] the US, Brazil, and from Chile’s neighboring countries.” (PALMER, 2008, p.
18).
Caleb Neelon é o grafiteiro Sonik sediado em Cambridge, Massachusetts. Em sua obra
Graffiti Brasil admite ter sido muito influenciado pelo que vivenciou durante o tempo que
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excursionou no Brasil. “Tem uma predileção especial por textos, personagens e símbolos
cômicos feitos especialmente para chamar a atenção das pessoas e cativar as crianças.”
A obra de Nicholas Ganz intitulada O mundo do grafite. Arte urbana dos cinco
continentes conta com mais de 2000 imagens de 180 artistas de variadas regiões do planeta.
Segundo o autor o objetivo principal do livro foi captar as novas tendências do grafite.
O que dominava antigamente eram as letras. Hoje temos uma cultura que se
expandiu: novas formas são exploradas, e personagens, símbolos e abstrações
começam a proliferar. [...] O estilo de cada artista é desenvolvido sem nenhuma
restrição, com a utilização de stickers (etiquetas), pôsteres, estênceis, aerógrafos,
pastéis oleosos, todas as variedades de tinta e até mesmo de esculturas. (GANZ,
2008, p. 7).
No Brasil é comum o grafite irônico, já na Argentina e Venezuela apesar de existir
esta abordagem é mais abundante o uso como forma de comunicação para ataque político. O
texto Submissions from Argentina fornece um exemplo escrito em letras negras: “LAS FEAS
TAMBIEN TIENEN DERECHO A VIVER PERO NO TODAS EN ESTE BARRIO.” Abreu Sojo
professor da Universidade Central da Venezuela analisou 740 amostras de intervenções
parietais de seu país e constatou que a maior parte é de conteúdo político, em geral
diretamente a favor ou contra o governo atualmente liderado por Hugo Chaves. Fornece
alguns exemplo: “Chávez el pueblo está contigo”; “viva Chávez”; “estamos atados a lãs
cadenas de Chávez”; “Chávez asesino y cínico”.
A frase "AJUDE A LIMPAR O BRASIL, MATE UM POLÍTICO." que o jornal O
Globo chama por pichação, foi escrita numa placa no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro,
em 2005.[4]
Um dos mais talentosos grafiteiros da atualidade paulista é o Boleta. Como muitos
outros iniciou sua trajetória de atividade urbana expressando-se pelos muros das cidades
através da prática da pichação. Foi a partir dos registros desses primeiros anos vividos por
Boleta que um precioso documento foi construído: uma agenda de símbolos, gerada no
intervalo de dez anos, entre 1988 a 1998. Assinaturas, grapichos e garatujas foram reunidas e
posteriormente organizadas em uma publicação. Através da obra A grande arte da pixação em
São Paulo, Brasil descobrimos que paradoxalmente cada borrão é uma letra. Há um alfabeto
estabelecido, ao menos no Brasil que é o país de origem dessa manifestação criada em São
Paulo. Este livro revolucionou nossa visão sobre os pichos. Não defendemos aqui um estatuto
de arte, longe disso.
O Boleta catalogou 24 diferentes tipografias utilizadas para representar a letra A;
outras 24 formas de representar a letra B; 17 formas tipográficas para a letra C; 16 de D; 23
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para E; 8 de F; 14 de G; 10 de H; 5 de I; 8 de J; 11 de K; 9 de L; 13 de M; 16 de N; 4 de O; 15
de P; 18 de Q; 10 de R; 17 de S; 15 de T; 7 de U; 5 de V; 7 de X; 8 de W; 17 de Y; e 10 de Z.
São símbolos com ou sem setas, uns com contornos arredondados outros são pontiagudos ou
ainda quadrados, compostos por traços serrilhados ou em meios círculos. A pichação é
puramente traço; é monocromática, sendo o mais usual, respectivamente, a cor preta, branca e
prata. Pode-se dizer que são na origem representações variadas do alfabeto, pouco ou
altamente de-formadas, de modo intencional. Composições as vezes espaçadas, mas que
geralmente encontram-se emboladas, com os signos sobrepostos uns sobre os outros, neste
caso assemelha-se mais a assinaturas (rústicas).
Trata-se de ideógrafos que tiveram rápida expansão nas cidades urbanas como São
Paulo e Rio de Janeiro. Os pichadores espalham pelas vizinhanças as letras que compõem
seus pseudônimos ou uma abreviação destes. Modalidade de intervenção urbana que
invade/agride, altera o visual de monumentos públicos. “O Brasil também é famoso por sua
‘pichação’, um estilo alongado e críptico de escrita que se originou em São Paulo.” (GANZ,
2008, p.19).
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Mas, afinal, o que é grafite urbano?
Assumiremos a atribuição do professor Paulo Knauss segundo o qual “o grafite
enquanto técnica pode ser definido como uma inscrição livre sem tratamento de suporte.” O
grafite tem seu “lugar” nos interiores, a exemplos da escrita latrinária e do grafite carcerário.
Enquanto o grafite urbano é uma inscrição livre sem tratamento de suporte, fenômeno
que por algumas vezes trata de questões sociais, no entanto, mesmo nesses casos não tem,
obrigatoriamente, engajamento social é um tipo de crítica que tem por sua característica a
diversidade: de forma, de sujeitos, tema, técnica, suporte. É realizado com qualquer material
capaz de impregnar tinta em suporte urbano – paredes e muros, fradinhos, caixas
comutadoras, postes, bancas de jornal, calçada, trens, ônibus, etc. Por urbano entenda-se ruas
e praças públicas das cidades. Ao sair da rua perde as características, funções e todas as
qualidades proporcionadas pelo urbano e passa a ser outra coisa, por exemplo, grafite de
banheiro mais conhecido por escrita latrinária. A rua é sua condição à priori. Já o conceito de
“grafite urbano contemporâneo” diz respeito a um tipo específico que é realizado tendo por
material a tinta spray aerossol. Trata-se, sobretudo, de um fenômeno global, que
antropofágico incorpora tanto a escrita caligráfica de traço simples, como tags, grafites
anárquicos e as intervenções figurativas extremamente complexas.
Mas, e quando todas as condições citadas estão presentes para caracterizar o grafite
urbano exceto o fato do suporte ter sido tratado? Apesar do resultado visual em ambos os
casos ser próximo ou até idêntico, o que temos é uma pintura mural.
Tais recortes definidos assim são de extrema relevância para nossa pesquisa e assume
um papel ainda mais significativo porque não há na historiografia paradigmas capazes de
identificar, de modo satisfatório, ou mesmo dialogar com as variedades de técnica ou
resultados plásticos do grafite. [5]
Vamos concluir aprofundando um pouco mais a análise e aplicando os conceitos em
dois casos:
Comumente a sigla S.M.H. é pintada pela Secretaria Municipal de Habitação nas
fachadas de determinadas casas como sinal de que aquele imóvel foi vistoriado e interditado
para moradia dos proprietários, por consequência de risco eminente de desmoronamento.
Muitas encostas, a maioria favelas, em diferentes regiões do estado possuem habitações nessa
situação. [6] Dito isto, pergunto ao caro leitor: o S.M.H. é grafite escrito, pichação ou tag? É
o primeiro porque se trata de uma sigla, composta com letras “intactas” do nosso alfabeto
corrente que remetem a um conhecido órgão da administração pública carioca.
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Outro exemplo polêmico inclusive entre os artistas é o aerógrafo, também conhecido
como fotorrealismo. Ele é ou não grafite urbano? Os grafiteiros estão divididos, alguns tratam
como algo à parte. Para nós trata-se de uma realização com equipamento específico, mesmo
material - o spray -, só muda a ferramenta: neste caso o artista realiza a obra com uma caneta
que tem um bico com regulagem de feixes da tinta, o que permite fácil manipulação da
espessura dos traços e pinta rápido com mais precisão que a lata aerossol. Existe um
compressor que faz jorrar o jato de tinta. Seu custo é mais elevado.
Intervenção pouco comum em função da natureza complexa da prática, o aerógrafo
também pode tomar forma de aparentes fotografias, emolduradas pelas colunas dos muros,
enorme é a riqueza de detalhes que esta técnica permite ao artista realizar, tratam-se de
composições altamente plásticas, cujo resultado final difere do grafite urbano feito com lata
spray. No entanto, para nós trata-se de grafite urbano, porque seu material continua sendo
tinta em spray, tinta com ar, sob pressão, cujo resultado plástico é caracterizado por
distanciamentos simétricos entre os pingos de tinta. Para economizar material, abranger
grandes áreas e poupar tempo de exposição do artista “na rua” as gotas de tintas são
“programadas” pelas válvulas das latas de spray ou pela caneta aerográfica para serem
verdadeiras ilhas, ou seja, pontos de cor cercados de ar por todos os lados. Nota-se facilmente
esse espaçamento numa observação a “olho nu” a curta distância. Em alguns lugares o
aerógrafo aparece como simples desenho, uma pintura um pouco mais enfeitada. Já
observamos certa vez um muro de superfície de reboco liso ter sua aparência transformada
pictoricamente em um muro rústico de pedras estilo colonial. Outra pintura encontrada foi de
um muro transmutado em céu estrelado.
A análise visual do aspecto plástico tem a vantagem de poder ser empregada mesmo
quando outras informações de produção faltam e por si só é capaz de permitir a identificação
de uma intervenção realizada por tinta spray que deixa uma porosidade diferente na superfície
aplicada, o que nos permite identificar um grafite feito com lata aerossol, um elaborado com
compressor ou feito através do uso de rolos e pincéis.
Por fim, o grafiteiro espalhou sua expressão por toda a parte fazendo uso das latas,
qualquer suporte abandonado no espaço público vem servir para a exibição desta
comunicação urbana. As representações estão por todo lugar distribuídas, não somente em
muros, mas em fradinhos, caixas comutadoras, postes, bancas de jornal. Atualmente qualquer
suporte no espaço público pode servir a esta arte. Assim as cidades sofrem metamorfoses que,
dentre outras consequências, irão influenciar as técnicas e as tendências dos próximos
grafites. São mantidas as “antigas”: formas, técnicas, suportes, materiais e espaços, mas,
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sobretudo, com inserção constante e cada vez mais rápida das respectivas atualizações
contemporâneas. Trata-se, contudo, de um fenômeno totalmente globalizado.
Notas:
1) DOGGS HIPHOP. Aerosoles Montana Colors – Graffiti. 05/06/2009.
[1] De acordo com o dicionário Aurélio parede é “obra de alvenaria ou de outro tipo, que forma os
vedos externos e as divisões internas dos edifícios. Tapumes, tabiques.”
[2] Jornal O Globo, 30/09/2006.
[3] Cultura - Grafites no planalto central. ARede. tecnologia para inclusão social. Ano 2, nº. 16, julho
2006.
[4] Jornal O Globo. 09/08/2005.
[5] Importa dizer que compreendemos por modo satisfatório, neste caso, construções argumentativas
que mesmo temporariamente sejam capazes de sustentar uma posição explicativa diante um debate
científico.
[6] Programa televisivo. Balanço Geral, TV Record. 15/03/2011, 13hs40.
Referência Bibliográfica
BEDOIAN, Gaziela; e MENEZES, Kátia. (orgs). Por Traz dos Muros: horizontes sociais do graffiti.
São Paulo: Peirópolis, 2008.
GANZ, Nicholas. O mundo do grafite. Arte urbana dos cinco continentes. Tradução de Rogério
Bettoni. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
KNAUSS, Paulo. Grafite Urbano Contemporâneo. In: TORRES, Sônia (org). Raízes e rumos –
perspectivas interdisciplinares em estudos americanos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001, pp. 334-353.
MANCO, Tristan; e NEELON, Caleb. Graffiti Brasil. London: Thames & Hudson, 2005.
MEDEIROS, Daniel (Boleta). (org.). A grande arte da pixação em São Paulo, Brasil. São Paulo:
Editora do Bispo. [200-?].
PALMER, Rod. Street art Chile. London: Eigthbooks, 2008.
PROU, Sybille; e ADZ, King. Blek le Rat. Getting through the walls. London: Thames & Hudson,
2008.
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