Fernão C. Silva e Silva A gaivota que (apesar de portuguesa), decidiu ser diferente. Era uma vez um bando de gaivotas, em Portugal. Ao longe, pareciam todas iguais. E não era só na aparência; por dentro, física e mentalmente, pareciam clones umas das outras. Todas… é como quem diz! Havia uma que era diferente. Chamava-­‐se Fernão C. Silva e Silva e era conhecida, dentro do bando, por passar a vida a dizer que, um dia, haveria de se fundir com o Sol. As outras gaivotas não se cansavam de lhe dizer que isso era impossível, que o melhor era continuar a voar atrás das traineiras. Mas Fernão C. Silva e Silva teimava que haveria de conseguir. Por isso, adorava voar sozinho, especialmente ao entardecer, altura em que, na sua linguagem de gaivota, gritava mentalmente ao Sol para que se fosse preparando, pois um dia haveria de se fundir com ele. Como se vê, Fernão C. Silva e Silva era uma espécie de marginal. Para o resto do bando era como se fosse de outra espécie. O facto de se sentir incompreendido não o incomodava. O que realmente o entristecia era ver que toda a gente se acomodava às tradições e às características da espécie, resignando-­‐se à doutrina da alma colectiva a que pertenciam. Por isso era sempre o último a chegar quando já todo o bando descansava, depois de mais um dia em que a preocupação principal fora encontrar alimento. Um dia, arranjou uma companheira. Nesse dia teve a esperança de que talvez ela o pudesse compreender e ajudar. No início, como sempre, a coisa correu bem. Estavam apaixonados e, por isso, a Gaivotinha sentia-­‐se entusiasmada com o relacionamento. Chegou até a participar num dos voos de treino de aproximação ao Sol. Mas, com o passar do tempo, começou a dizer que voar tão alto dava-­‐lhe falta de ar, pelo que também ela acabou por não perceber o quanto Fernão C. Silva e Silva era uma gaivota mutante. Um dia, porém, a hora chegou! Não é que, quando acordou, Fernão C. Silva e Silva tivesse pressentido o que estava para acontecer. A coisa, simplesmente, aconteceu. A certa altura, quando andava a voar sozinho, como sempre fazia, deu-­‐lhe a impressão de que o Sol se aproximara para que ambos pudessem fundir-­‐se. Sem hesitar, mergulhou de cabeça! Todos os elementos do bando desataram a procurar por Fernão C. Silva e Silva, mas, é claro, ninguém o encontrou. Comentando o sucedido, acharam que tudo lhe podia ter acontecido. Só não lhes ocorreu que tivesse regressado ao Sol. Ainda hoje nenhuma gaivota se apercebe de que, quando pousa na praia para secar as penas ao Sol, uma parte daquele calorzinho é a energia do Fernão Silva e Silva. O bando acredita que o perderam, porque não sabem que a fusão com o Sol é uma das várias maneiras de um elemento regressar, feito luz, à família terrena a que pertence. Texto e fotografias de Vitorino de Sousa Cascais, 28 de Fevereiro 2006 
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Fernão C. Silva e Silva