Aproveito um texto escrito como introdução de um projeto acadêmico, para
compartilhar minha trajetória acadêmica e profissional. Foi difícil, mas
muito bom escrever isso. O próximo passo é terminar o meu currículo Lattes
e começar o projeto de Doutorado para o próximo ano.
Escolhi começar essa história em julho de 1976, em Brasília, na 28ªa.
Reunião Anual da SBPC. Junto com amigos, cursando o primeiro ano de
História e Geografia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo, participei da Reunião na qualidade de
ouvinte e de lá seguimos para Belém do Pará. Fizemos o trajeto viajando
antes para a cidade de Porto Nacional, onde passamos uma semana
interagindo com médicos e pesquisadores de um Centro de Medicina
Preventiva, e fomos surpreendidos pela diferente beleza das pessoas e das
praias do rio Tocantins. Seguimos, então, para Marabá, e lá encontramos
amigos que estavam atuando junto à comunidade local, no Projeto Rondon,
onde ajudamos – e aprendemos – como voluntárias. Fizemos Marabá-Belém
numa pequena aeronave, sobrevoando a selva e alguns pequenos vilarejos.
Conviver com o cotidiano das pessoas da família recém transferida de
Manaus para Belém, conhecer o Museu Emilio Goeldi, fazer refeições de
peixe e frutos no Ver o Peso e poder conversar até altas horas com os
barqueiros, numa época que essa liberdade era permitida, tudo isso plantou
em mim as sementes da antropóloga que viria a ser.
Enquanto cursava os anos do Bacharelado na USP, aprendi o oficio do
historiador pesquisando no Arquivo Público do Estado de São Paulo, como
auxiliar de pesquisa para a tese de doutorado da Profa. Miriam Lifchitz
Moreira Leite sobre a feminista e educadora Maria Lacerda de Moura1.
Também desenvolvi minha própria pesquisa, escolhendo inicialmente uma
abordagem situada nos campos de estudos da memória 2 e pesquisando
depoimentos de velhos artistas remanescentes de circos-teatro em São
Paulo, com Bolsa de Iniciação Científica da FAPESP – Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo, sendo orientada pelo Prof. Dr.Carlos
Guilherme Mota.
Em 1983, cursando o Programa de Pós Graduação em Antropologia Social no
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, fui convidada a
participar de uma experiência marcante para o antropólogo – a pesquisa de
campo junto a comunidades rurais tradicionais, que se deslocavam em quase
1
LEITE, M. L. M. Outra Face do Feminismo: Maria Lacerda de Moura, 1ª. edição. São Paulo: Ática,
1984. 171 p.
2
BOSI, E. Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
1
nomadismo, como “bóias frias”, para o corte da cana. Trabalhei e morei na
região litorânea do sul de Pernambuco por três meses, de setembro de 1983
a janeiro de 1984, e realizei dezenas de entrevistas qualitativas, além dos
cortadores de cana, também com alguns usineiros e pessoas da comunidade,
como parte de uma pesquisa sobre a energia de biomassa e as relações de
trabalho nos locais de cultivo da cana de açúcar , desenvolvida no contexto
do programa Pró-Álcool e coordenada no Brasil pela antropóloga Nancy
Flowers, Professora Adjunta Associada do Departamento de Antropologia,
The Hunter College, da City University of New York.3
Conclui esse ciclo acadêmico em 1989, obtendo o título de Mestre em
Antropologia Social pela Unicamp, com a dissertação Humor e Violência:
uma abordagem antropológica do circo-teatro na periferia da cidade de São
Paulo, orientada pelo Prof. Dr. Antonio Augusto Arantes Neto4.
Ao estudar o humor no circo-teatro, desde a pesquisa com Bolsa de Iniciação
Científica FAPESP, na Faculdade, e depois no Mestrado, com Bolsa CNPQ e
FAPESP, eu projetava compreender, com a lógica teórica do trabalho
acadêmico, minha experiência anterior com este universo, em especial com
os palhaços, pelos quais eu tinha verdadeiro fascínio desde os tempos de
menina, morando uma época no interior de São Paulo: como os palhaços
podiam improvisar e traduzir a realidade tão carente de recursos materiais
das periferias, e fazer com que as pessoas rissem tanto e, eu queria apostar,
reafirmassem um lugar de humanidade e alegria para suas vidas? O que
meu olhar, construído em minha própria trajetória de vida e ampliado com
as referências teóricas que recebia no ambiente acadêmico, poderia
acrescentar em termos explicativos da realidade, no caso, aquela vivida
pelas pessoas moradoras nas periferias da cidade de São Paulo, nos anos 70
e 80?
Encontrando-me em campo com outros pesquisadores do circo-teatro, ligados
a estudos de maior fôlego sobre o mesmo tema, pude aprofundar também
minha própria pesquisa.5
3
A referência completa dessa pesquisa foi solicitada para a instituição proponente, The Hunter
College of CUNY, e estamos aguardando resposta.
4
A Banca de Defesa da Dissertação foi composta ainda pela Profa. Dra. Ana Maria de Niemayer e
Profa. Dra. Regina Meyer, ambas também do Departamento de Antropologia da Unicamp, e o conceito
atribuído foi “10, Com Distinção”.
5
Os pesquisadores eram: Pedro Della Paschoa Jr., que desenvolvia seu trabalho de conclusão de
curso para a Faculdade de Arquitetura da USP, e que seria parte da exposição “O Circo” a ser realizada
2
A teoria antropológica nos ensina que um dos desafios essenciais da vida
humana consiste em conferir sentido às experiências por meio das quais nos
compreendemos a nós mesmos, por nossa relação com a natureza, as outras
pessoas e/ou o mundo sobrenatural. O homem é, na expressão de Clifford
Geertz, “um animal amarrado às teias de significados que ele próprio teceu” 6
pelas múltiplas redes de sociabilidade que, para nós todos, criam um sentido
de pertencimento – da família às relações de vizinhança, do trabalho ao
lazer, da devoção e da festa, ao compromisso político.
Observar a diversidade de representações culturais presentes nos
espetáculos dos circos-teatro que se apresentavam no contexto das periferias
da cidade de São Paulo era buscar compreender uma manifestação que “se
desenvolve em processos históricos múltiplos, é [estar no] o lugar
privilegiado da „cultura‟, uma vez que, sendo em grande medida arbitrária e
convencional, ela constitui os diversos núcleos de identidade dos vários
agrupamentos humanos, ao mesmo tempo em que os diferencia uns dos
outros. Pertencer a um grupo social implica, basicamente, em compartilhar
um modo específico de comportar-se em relação aos outros homens e à
natureza”.7
Na dissertação, eu fazia uma consideração de que talvez o que se aprende aí
só poderia ser compartilhado coletivamente sob a máscara do riso, tendo o
palhaço como mediador. Entendia que o humor representado no circo-teatro
“era aquilo que não deve ser, mas é”, e que introduzia uma ruptura no
esquema da narrativa melodramática, representada e refletida no circo com
base em uma complexa estrutura de sentimentos sobre a vida. Assim, por
meio de uma análise estrutural e simbólica das peças teatrais, a pesquisa
contava que no circo-teatro ria-se de tudo, de todas as formas de autoridade
e poder, e apenas quando uma personagem como a mãe era vilipendiada,
sendo assassinada pelo próprio filho – na peça Mão Criminosa, obra clássica
da tradição circense – não havia o sofrimento regenerador do melodrama e o
em 1978 no MIS – Museu da Imagem e do Som (SP); Profa. Maria Lucia Montes, que pesquisava para o
seu doutorado, apresentado à área de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da
FFLCH/USP em 1983, com a tese Lazer e Ideologia. A Representação do Social e do Político na Cultura
Popular; José Guilherme Cantor Magnani, cujo trabalho resultou na tese Festa no Pedaço: O Circo-Teatro
e outras formas de Lazer e Cultura Popular, defendida em 1982 no Departamento de Ciências Sociais da
FFLCH/USP junto à área de Antropologia; e a Profa. Dra. Marlyse Meyer, que trabalhou com o tema em
seu livro Folhetim. Uma História. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
6
GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas. São Paulo: Zahar, 1978. 323 p.
7
ARANTES, A. A. O que é Cultura Popular. São Paulo: Brasiliense, 1982. 84 p.
3
final era trágico. Nas demais situações, a representação teatral continuava a
seguir a estrutura melodramática, na qual o acúmulo dos sofrimentos serve
para demonstrar que, ao final, não há mal sem punição e o bem sempre
triunfa. 8
Enfim, minha pesquisa mostrava que – sinal dos tempos – se a estrutura
narrativa dos dramas do circo-teatro continuava a fazer sentido para a gente
pobre da periferia, na verdade ela estava se desmanchando via a entrada do
humor, cada vez mais freqüente, nas peças. Mas pesquisa e dissertação
contaram de uma época, um lugar e atores sociais determinados... Como
antropóloga, ficou o aprendizado do olhar ampliado sobre a realidade social,
e dali busquei outras formas de interagir e contribuir socialmente.
O exercício da Antropologia se dá normalmente entre os pares, no universo
da pesquisa acadêmica e da atividade docente. Mas também pode favorecer
caminhos para a interação social desde um ponto de vista que é o do prático
social [practitioner] – adiante voltarei a essa categoria – e que tem na
Antropologia um contexto amplo de referência teórico, e, no caso,
principalmente metodológico, mesmo que atuando em outras áreas do
conhecimento e da ação social.
Algum tempo depois da conclusão do Mestrado, após trabalhar por seis anos
como técnica gestora de programas de formação de educadores, na
Secretaria Municipal do Bem Estar Social, na Secretaria do Estado do
Menor e na Secretaria Estadual do Meio Ambiente, e iniciando o trabalho
em fundações privadas, em 1995 escrevi um artigo que foi publicado pela
Revista da Fundação Carlos Chagas , e que se iniciava com esta constatação:
“O lugar da fala desse trabalho não é propriamente a universidade, mas sim
o lugar de atuação técnica em instituições públicas voltadas para a ação
educativa, procurando orientar essa atuação por um referencial técnico que
lhe dê consistência, por entre as diretrizes políticas institucionais. Um
lugar, portanto, que empresta à reflexão teórica a intensidade da ação no
cotidiano concreto da cidade” 9.
8
O trabalho da Profa. Dra. Maria Lucia Montes explora em profundidade o sentido das
estruturas de sentimento subjacentes aos “tipos” [os personagens das peças circenses] que os
encarnam na narrativa melodramática. Cf. MONTES, M.L. Lazer e Ideologia. A representação do social e
da política na cultura popular. FFLCH/USP, mimeo, 1982.
9
CAMARGO NEVES, J. Crianças na Cidade: Políticas Públicas e Universo Cultural. Cadernos de Pesquisa.
Revista de Estudos e Pesquisas em Educação. Fundação Carlos Chagas. SP, Fev. 1996. N.o 96 pp 50-57
4
De fato, desde quando ainda estava desenvolvendo a pesquisa para o
Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Unicamp,
entre lidar com acontecimentos marcantes na minha biografia nessa época e
desenvolver o trabalho de campo, eu havia iniciado um trânsito para o
contexto das políticas públicas de educação pré-escolar. Já então eu havia
passado a pesquisar sobre educação da primeira infância e organizado,
juntamente com outras seis mães, um programa alternativo de educação
para nossos filhos, que privilegiava as atividades de conhecimento que se
adquiria na interação social e com a natureza, ao ar livre e em espaços
culturais da cidade, a um custo acessível para o grupo das mães e pais.
Essa experiência me levou, no ano seguinte, em 1989, a trabalhar como
voluntária numa creche municipal (Creche Rainha da Paz, no bairro de
Pinheiros, em São Paulo) e como técnica numa rápida experiência na
Secretaria Municipal do Bem Estar Social (Programa de Capacitação de
Educadoras de Creches, as então “ADEIs). Meses depois participei de um
processo de seleção da então Secretaria Estadual do Menor (SEM), sob a
gestão da secretária Alda Marco Antonio, que fazia uma verdadeira
revolução técnica nas políticas públicas de atendimento a crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Entre 1989 e 1994, atuei como técnica e coordenadora de programas de
formação dos educadores no Programa Creche-Pré Escola da Secretaria do
Menor. A relação desse trabalho com a recém defendida dissertação de
Mestrado foi descrita numa matéria do Jornal da Unicamp, pela jornalista
Léa Cristiane Violante, em dezembro de 1991:
[Jaqueline] “ encontrou uma forma de estar sempre em contato com a arte e
a cultura através do trabalho que vem desenvolvendo na Secretaria do
Estado do Menor do Estado de São Paulo. (...) Seu trabalho consiste em
ampliar o leque de referências desses profissionais, trazendo através de
vivências artísticas algumas referências a partir da cultura popular
brasileira. O programa (...) visa trabalhar as atividades via expressão
artística, levando-se sempre em conta a questão sócio-cultural da criança. A
valorização dos aspectos lúdicos da cultura, a questão da proximidade com a
arte e com a alegria são enfatizadas durante as oficinas de trabalho. (...) Em
uma delas [das oficinas] os participantes assistiram a um filme sobre os
índios do Xingu, com destaque para o lugar da criança naquela sociedade.
Depois esculpiram bonecos de argila, a partir da visão de cada um sobre o
conteúdo do filme. Durante a oficina, os educadores levantaram questões
como a autonomia das crianças do Xingu” [refletindo sobre os contextos
5
sociais diversos e o que seria bom manter e mudar na história e cultura de
cada um, em sua prática de educadores.] 10.
O trabalho na Secretaria do Menor foi muito rico do ponto de vista do
aprofundamento de uma experiência de aprendizado social, no sentido de
estar inserida numa rede de profissionais engajados na „causa‟ da infância,
adolescência e juventude em situação de extrema vulnerabilidade social,
onde também produzíamos pesquisa.
Por outro lado, havia então um cenário maior de mobilização crescente da
sociedade civil, com a efervescência das organizações não governamentais, e
de mobilização teórica dos meios acadêmicos para dar conta dos novos
desafios que vinham se somar à questão da exclusão social, evidenciados
pela nova visibilidade da questão ambiental. A realização da Conferência
das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO92 no
Rio de Janeiro, provocou um ambiente teórico e político, na época, que levou
à criação de conceitos como “desenvolvimento sustentável” e gerou pactos
assinados pelos governos representados na Conferência, como a Agenda
21,11 propondo a conciliação de métodos de proteção ambiental, eficiência
econômica e justiça social.
Esse ambiente trouxe uma série de novos elementos para o trabalho de
educação atento às possibilidades de interdisciplinaridade com relação a
outros campos de conhecimento e de expressão, como os eixos do meio
ambiente e da arte. Em 1992, coordenei um projeto em parceria com a
Secretaria de Estado do Meio Ambiente, voltado a vários programas da
Secretaria do Menor, promovendo um intercâmbio entre cerca de 300
crianças, adolescentes, jovens e seus educadores, que participaram de visitas
e debates e foram convidados a expressar por meio da arte suas visões do
mundo, em atividades ao ar livre no Instituto Butantã, tendo como mote as
questões então emergentes para a sociedade em geral, relativas às ameaças
ao equilíbrio do meio ambiente. Esses desenhos foram expostos no saguão
central da Biblioteca Municipal Monteiro Lobato, um belo e antigo prédio na
região central de São Paulo, e foram organizados debates em seu auditório
sobre educação e arte, com a participação de professores da Universidade de
São Paulo, as antropólogas Lux Vidal e Maria Lucia Montes, e o geógrafo
10
Cf. “O cáustico humor do circo-teatro”, matéria da jornalista Léa Cristiane Violante. Jornal da
Unicamp, Campinas, dez. 1991, ano VI, n.o 62.
11
Para uma visão sucinta dos tópicos incluídos na Agenda 21, cf. Wikipedia,
http://pt.wikipedia.org/wiki/ECO-92.
6
Aziz Ab‟ Saber, contando também com a presença de um grupo
representativo de educadores dos Programas da Secretaria do Menor.
No final de 1992, foi deflagrada a crise política na Secretaria do Menor que
ocasionou a demissão da referida Secretária. Essa crise foi muito bem
analisada pelas antropólogas Maria Filomena Gregori e Cátia A. Silva:
“Alda Marco Antonio buscou implantar no âmbito do governo estadual uma
nova estrutura administrativa, mais dinâmica do ponto de vista hierárquico
e funcional e dotada de recursos financeiros, físicos e humanos compatíveis
com as mudanças que os novos projetos almejavam”.12 No entanto, segundo
as autoras, por falta de sustentação política do executivo [Governador
Orestes Quércia] e de apoio efetivo da sociedade civil representada pelas
ONGs que atuavam nesse campo, houve um desmanche da política anterior
e da própria estrutura administrativa da Secretaria.
Nessa época, com a mudança de orientação política e técnica da Secretaria
do Menor, fui convidada por técnicos da Secretaria Estadual do Meio
Ambiente, a partir de uma parceria entre as duas Secretarias que eu havia
coordenado por ocasião da ECO92, a migrar para aquela Secretaria. Esse
contrato foi rápido, em função da nova gestão executiva no Estado de São
Paulo [Governo Mario Covas, 1995], que decidiu encerrar todos os contratos
da Secretaria do Menor – já então Secretaria da Criança, Família e BemEstar Social – que haviam sido feitos via contratação direta das estatais,
como era o meu caso. Embora a mídia lançasse, então, a suspeita de
favorecimento político na indicação desses profissionais, na verdade, o que
havia e foi bem registrado por Gregori e Silva na pesquisa referida, era um
processo de seleção bastante rigoroso e técnico do ponto de vista das
concepções de infância, juventude e trabalho social. Esse desmanche
coincidiu com minha busca por entender mais e poder atuar junto a ONGs e
Fundações, que desde a ECO92 passavam a ter uma presença muito mais
significativa no cenário do desenvolvimento social.
Paralelamente a essa busca, em 1995 fui convidada a contribuir com duas
reuniões da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência:
Reunião Especial da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência. Tema “Ambiente e Diversidade Cultural”. Apresentação: A
Busca de Inovações Criativas. Cuiabá/MT, Abril / 1995.
12
GREGORI, M. F. e SILVA, C. A. Meninos de Rua e Instituições. Tramas, Disputas e Desmanches.
Nova Iorque: UNESCO/ São Paulo: Editora Contexto (Editora Pinsky), 1999, p.23.
7
47.a Reunião Anual da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência. Tema “Ciência e Desenvolvimento auto-sustentável”.
Apresentação: Cultura como estratégia de Re-Inserção Social de
Menores. São Luis/ MA, Julho/1995.
Em fevereiro de 1996, fui contratada pela Fundação Vitae. Essa
organização, na área de Promoção Social onde eu estava locada como
assistente técnica, realizava projetos próprios e financiava “ projetos de
instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos, dando prioridade
àqueles que tivessem função catalisadora, podendo servir de modelo a outras
organizações, com efeito multiplicador e perspectivas concretas de
continuidade, uma vez cessado seu patrocínio.”13 Lá desenvolvi meu
aprendizado de trabalhar com organizações sociais de base comunitária,
fundações e empresas, fomentando, construindo parceiras e avaliando
projetos. De lá, acompanhei o nascimento e desenvolvimento do conceito de
“investimento social privado” (ISP) no Brasil e do GIFE – Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas, que lançou seu primeiro documento
institucional em maio de 1995.
O ISP, de acordo com o GIFE, “é o repasse voluntário de recursos privados
de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais,
ambientais e culturais de interesse público (...) Os elementos fundamentais
– intrínsecos ao conceito de investimento social privado – que diferenciam
essa prática das ações assistencialistas são: preocupação com planejamento,
monitoramento e avaliação dos projetos; estratégia voltada para resultados
sustentáveis de impacto e transformação social; envolvimento da
comunidade no desenvolvimento da ação”, sendo que, ainda de acordo com
essa definição, o ISP “pode ser alavancado por meio de incentivos fiscais
concedidos pelo poder público e também pela alocação de recursos nãofinanceiros e intangíveis”.14 Essas eram as bases para o surgimento do
chamado “terceiro setor”, ou “setor cidadão”, que prometia, na reflexão do
escritor Carlos Fuentes, no IV Encuentro Iberoamericano del Tercer Sector,
“socializar tanto al sector público como al sector privado – iria más lejos: los
debe colonizar –, pero debe saber – la sociedad civil – que ella misma es
constantemente colonizada por el Estado y por La Empresa”. 15
Como conseqüência do desenvolvimento do meu trabalho na Vitae, fui
convidada a trabalhar como Assessora de Programas na Fundação
MacArthur, que completava 10 anos no Brasil, apoiando decididamente
lideranças na ampliação dos direitos sociais. Na MacArthur, coordenei a
13
Vitae - Relatório Anual 2006
14
www.gife.org.br
15
FUENTES, C. Conferência Magistral en el IV Encuentro Iberoamericano del Tercer Sector, ”Hacia
um nuevo contracto para el siglo XXI” , 14-16 de septiembre de 1998, Buenos Aires, p.429.
8
pesquisa e edição da publicação com a Memória dessa organização em nosso
país: Oito Anos em Defesa da Cidadania. Saúde Reprodutiva e Direitos
Reprodutivos no Brasil. 1990 – 1998. 16 Desenvolvi também um projeto, a
partir da observação de que havia uma oportunidade de potencializar as
reuniões entre os bolsistas apoiados, criando encontros temáticos entre eles.
Esse projeto foi aprovado pela MacArthur em Chicago e fui encarregada de
organizar as reuniões temáticas com os bolsistas da rede MacArthur quando
desenvolvi um projeto editorial, em diálogo com a diretora da Fundação no
Brasil. Com o nome de Perspectivas em Saúde e Direitos Reprodutivos, foi
desenvolvida, para a The John D. and Catherine T. MacArthur Foundation,
uma coleção com volumes temáticos: Mídia, Saúde e Direitos Reprodutivos
(Ago. 1999, 64 p.); Juventude e Protagonismo (Mar 2000, 72 p.); Homens e
Políticas Públicas (Set. 2000, 36 p.); Raça e Etnia (Maio 2001, 76 p.).
Em janeiro de 2001, a partir de mudança estratégica na MacArthur em
nível internacional, a Fundação inicia o fechamento do escritório no Brasil,
encerrando a administração local do Programa de bolsas. Após um tempo
como consultora para alguns projetos, inclusive da própria MacArthur, em
fevereiro de 2002 iniciei sete anos de trabalho consecutivo e bastante
intenso na ACJ – Associação Caminhando Juntos, o antigo nome da United
Way Brasil.
Essa organização chegou ao Brasil em 2001, estando, na época, presente já
em 46 países, fundada por representantes de empresas que são filiadas ao
modelo United Way no país de origem, nos marcos da Responsabilidade
Social Corporativa. No Brasil elegeu uma causa de atuação, em torno da
temática juventude e trabalho, conforme expresso em seu relatório anual de
2007:
“A ACJ-United Way Brasil acredita que a entrada da população jovem
urbana no mundo do trabalho, desde que respeitadas a idade prevista por lei
e as condições de aprendizagem, é um dos fatores mais importantes para a
criação de oportunidades reais de inclusão social.
A população brasileira traz o potencial da força criadora e produtiva da
juventude, visto que mais de 40% de nossa população tem menos de 24 anos.
Mas temos um enorme desafio, uma vez que apenas uma parte reduzida
dessa população tem sido efetivamente educada e incluída em bens e
serviços públicos que lhes garantam a inclusão no mundo do trabalho.
O potencial é enorme, e os jovens, mesmo excluídos, encontram inúmeras
maneiras de expressar a criatividade e a energia inerentes à faixa etária. No
16
São Paulo: The John D. and Catherine T. MacArthur Foundation, 1998, 112 p.
9
entanto, com a pressão por geração de renda e a falta de oportunidades,
muitas vezes ocupam os jornais apenas nas páginas de crimes.
Procurando fazer parte da solução dos problemas ao lado da juventude, de
organizações sociais de base comunitária e de empresas, a ACJ-United Way
Brasil desenvolve um Programa Técnico de apoio à capacitação de jovens
para o mundo do trabalho.
Segundo referências de políticas de juventude, como as do Banco Mundial
(Relatório sobre o desenvolvimento mundial de 2007: o desenvolvimento e a
próxima geração. Banco Mundial, 2006), os investimentos nessa área devem
voltar-se para a ampliação de oportunidades de desenvolvimento do capital
humano dos jovens e de suas capacidades como agentes de tomada de
decisões e também oferecer “uma segunda oportunidade para gerenciar as
conseqüências dos resultados negativos que ocorrem cedo na vida ”.17
Com o objetivo de discutir a importância de que as ações (pequenas, em
escala numérica) das fundações e investimento social privado fossem
realizadas em sintonia com as políticas públicas voltadas ao tema – mas
aproveitando-se o seu potencial criativo, já que, por não estarem presas às
amarras das políticas governamentais, poderiam identificar novas
tecnologias sociais que, se bem sucedidas, contribuiriam com as mesmas
políticas – tornou-se parte privilegiada do Programa a interação ativa com
diversas outras organizações. Entre elas, destacou-se o papel do GIFE –
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, que, por sua vez, procurava
estabelecer uma ponte efetiva com as políticas públicas, no caso, de
juventude. Um dos frutos desses debates foi a publicação Juventude: Tempo
Presente ou Tempo Futuro? Dilemas e Propostas de Políticas de
Juventude.18 Esta publicação foi organizada pelo GIFE, e pude contribuir
com os debates e a iniciativa da publicação, na qualidade de
Superintendente de projetos da ACJ-Brasil, e de integrante do GAJ - Grupo
de Afinidade em Juventude do GIFE19.
Um dos eixos metodológicos mais criativos do Programa da ACJ-Brasil
foram os Intercâmbios de Competências, que tinham o objetivo de estimular
17
CAMARGO, J. “Preparando a Juventude para o Mundo do Trabalho. O Programa ACJ-United
Way Brasil”. Em Relatório Anual de Atividades. São Paulo: ACJ-United Way Brasil, 2007. Pp. 8-11. Acessar
http://www.unitedwaybrasil.org.br/arquivo/UWB_Rel_Atividades_2007.pdf
18
Cf. CASTRO, M. G.; ABRAMOVAY, M.; DE LEON, A. Juventude: Tempo Presente ou Tempo
Futuro? Dilemas e Propostas de Políticas de Juventude. São Paulo: GIFE – Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas, 2007. 189 p.
19
O Grupo de Afinidade em Juventude também teve atuação destacada no Conselho Nacional de
Juventude, ligado à Secretaria Nacional de Juventude, tendo à época assento com dois representantes
do GAJ: Neylar Vilar Lins e Rui Mesquita.
10
e sistematizar a reflexão e a qualificação das organizações sociais na
capacitação de jovens para o mundo do trabalho. Tratava-se de identificar e
estabelecer, entre elas, a troca de suas melhores práticas nas áreas de
conteúdo, método e gestão, para que fossem fortalecidas e disseminadas
para outras organizações sociais, de modo alinhado a políticas públicas de
juventude. Dentre os resultados dessa metodologia – para as práticas das
ONGs e para cada educador e jovem que tiveram oportunidades de refletir
sobre o que e como interagiam para promover os aprendizados necessários
no contexto do Programa – os intercâmbios da ACJ-Brasil contribuíram para
romper o paradigma de olhar as organizações sociais de base comunitária e
os jovens das camadas populares da sociedade (a “juventude popular
urbana”) apenas por suas carências e fragilidades. Ao contrário, esses
intercâmbios fortaleceram o olhar para as competências dos agentes
envolvidos e a busca de novas soluções para os desafios de cada projeto20.
Outro eixo do trabalho realizado no âmbito dessa organização de base
empresarial voltada ao investimento social privado, mediante projetos
focados na juventude e desenvolvidos junto a organizações sociais de base
comunitária, foi o estabelecimento de uma metodologia consistente para o
desenho dos projetos. Para facilitar – e garantir ao máximo– os processos de
mediação e transparência entre os universos das organizações sociais,
representadas pelos educadores e jovens, e o universo das empresas
parceiras, representadas por grupos de funcionários, desenvolvíamos a
metodologia do “Marco Lógico” para desenho dos projetos.21
Em 2007/2008, como conseqüência da sistematização do programa, editada
no livro Juventude Popular Urbana. Educação, Cultura e Trabalho. A
Parceria entre ONGS de Base Comunitária e Empresas, escrito pelo
professor Antonio Carlos Gomes da Costa 22 e produzido graças a recursos
captados via Lei de Incentivo à Cultura, o Programa avançava na
conceituação de nosso trabalho, ainda dentro do eixo temático juventude e
trabalho, mas desenvolvendo uma lógica mias forte de apoio comunitário.
Nesse ponto, a direção da organização passou a entender que, ao contrário, a
20
CAMARGO, J. “Intercâmbio de Competências” em GOMES DA COSTA, A. C. Juventude Popular
Urbana. Educação. Cultura Trabalho. A Parceria entre ONGs de Base Comunitária e Empresas. O Case
ACJ Brasil – United Way. SP, Associação Caminhando Juntos, 2007, pp.121-125.
21
The Logical Framework Approach. Handbook for objectives-oriented planning . Fourth Edition.
[A Abordagem do Marco Lógico. Manual para o planejamento orientado por objetivos. Quarta Edição].
Norad [Norwegian Agency for Development Cooperation] www.norad.no
22
GOMES DA COSTA, A. C. Juventude Popular Urbana. Educação. Cultura Trabalho. A Parceria
entre ONGs de Base Comunitária e Empresas. O Case ACJ Brasil – United Way. SP, Associação
Caminhando Juntos, 2007, 301 p..
11
fim de atrair mais empresas para o grupo, deveríamos responder mais
diretamente aos interesses imediatos de cada empresa financiadora da
organização, apoiando os projetos diretamente ligados ao negócio de cada
uma. Embora essa visão possa também ter consistência, isso deveria exigir
discussões mais profundas. Para mim, iniciava-se o fim de um ciclo de sete
anos de trabalho técnico em organizações sociais de base comunitária,
ligadas à juventude e com forte interface executiva no ambiente de grandes
empresas.
Vale contar que após ter experimentado durante cerca de um ano aquela
nova estratégia, a organização retornou à proposta do investimento voltado
ao desenvolvimento comunitário, já então com uma nova direção
sensibilizada para isso. Esse processo deve ser compreendido nos limites do
investimento social privado com uma base empresarial determinante,
questão que começa a ser debatida nos Estados Unidos com mais
consistência e por uma bibliografia que tem causado certa polêmica, devendo
arejar um pouco mais o ambiente desse tipo de investimento social, que
tende a afirmar apenas os pontos positivos e deixa-se de lado uma crítica
amadurecida sobre seus limites.23
Em 2008, candidatei-me para um programa do Graduate Center da City
University of New York. Com bolsa da Fundação Kellogg, participei do
programa de Senior Fellow do Center on Philanthropy and Civil Society. O
objetivo do projeto aprovado era estudar fundações comunitárias,
entendendo que poderiam ser um modelo de referência para as questões que
eu observava como bastante desafiadoras no contexto do investimento social
privado: o foco no desenvolvimento comunitário, considerando a perspectiva
de desenvolvimento das organizações para o exercício de autonomia e
sustentabilidade.24
23
Cf. EDWARDS, M. Why Business Won’t Save the World. Berret-Koehler Publishers, Amazon
Books, 2010. Ver resenha e debate em: Stanford Social Innovation Review. Strategies, tools and ideas
for nonprofits, foundations, and socially responsible business. Center for Social Innovation. Graduate
School of Business. Book Review – A Mandarins Lament. Acessar:
http://www.ssireview.org/articles/entry/a_mandarins_lament/
24
“One of the main questions for my proposal is how to support local initiatives towards their
effectiveness, sustainability and autonomy. This question comes very close to what Andres Thompson
expressed in his CPCS Position Paper [2005]: According to him, community approach depends on
“building capacity through convening, catalyzing, collaborating and facilitating community problems
solving, building community assets and social capital, strengthening the local non-profit sector and
promoting community involvement in an array of issues, including governance”. I believe that
governance is one of the most important issues.” CAMARGO, J. de “Fundações Comunitárias e
Investimento Social Comunitário: um movimento para contribuir com a justiça social no Brasil”. Paper
12
O conceito de fundação comunitária é atualmente explorado de forma global,
sendo visto como um bom instrumento para doadores investirem recursos
dentro de uma perspectiva sustentável, assim como um instrumento que
pode atender às necessidades das comunidades dentro de parâmetros que
valorizam a autonomia e o conhecimento local.
No Brasil, alguns desafios se colocam para o desenvolvimento de fundações
comunitárias, principalmente de ordem jurídica, uma vez que o marco legal
do terceiro setor não contempla esse tipo de organização. No entanto,
algumas experiências estão sendo iniciadas de modo adaptado no Brasil,
sendo uma delas no território rural dos campos e lagos maranhenses –, o
Instituto Baixada (IB).
O IB desenvolve um trabalho de referência no campo da juventude e
desenvolvimento comunitário, com projetos no campo da arte e cultura,
acesso e domínio da informática e incubadora de projetos produtivos ligados
ao ensino médio. Um exemplo do seu trabalho são as audiências públicas,
quando as comunidades dos territórios elegem as prioridades que deverão
ser apoiados com recursos captados pelo Instituto. A segunda Audiência
Pública promovida pela instituição foi organizada por meio de um veículo de
comunicação eletrônica e o site ficou no ar durante quatro meses, entre
novembro de 2009 a março de 2010. Estabeleceu-se “uma rede on line de
governança de nossa Fundação Comunitária (Instituto Baixada), criando
uma forte interlocução com os baixadeiros espalhados pelos territórios.
Nossa meta era de que a cada 1000 baixadeiros, pelo menos 1 se
pronunciasse sobre quais prioridades deveríamos ter em 2010, a partir de
itens levantados na I Audiência. (...) No último dia de votação registramos
um total de votantes superior a mais de três vezes ao número inicial da
meta. Ou seja, no dia 30 de março registramos um total de 1.314 votantes,
de um total de 2.244 acessos no site”. 25
No paper escrito no âmbito do referido Programa da CUNY, abordei uma
das linhas de atuação mais fortes no movimento de fundações comunitárias,
iniciada no Canadá, ligando o conceito à busca de justiça social 26. Com o
apresentado para obtenção de aprovação como Senior Fellow da CUNY - City University of New York.
The Graduate Center. Center on Philanthropy and Civil Society. Out./ Nov. 2008.
25
www.institutobaixada.org.br
26
CARSON, E. D. “The Road Not Yet Traveled: A Community Foundation Movement for Social
Justice”. Community Foundations: Symposium on a Global Movement. Berlin, Germany. December,
2004
13
título de Fundações Comunitárias e Investimento Social Comunitário: um
movimento para contribuir com a justiça social no Brasil , mapeei os debates
sobre fundações comunitárias no plano global e indiquei uma metodologia
possível para o fortalecimento do movimento no Brasil.27
***
Há quase 15 anos atrás escrevi no artigo anteriormente referido, publicado
na Revista da Fundação Carlos Chagas, que o lugar da fala do meu trabalho
não era propriamente a universidade, mas sim “o lugar de atuação técnica
em instituições públicas voltadas para a ação educativa, procurando
orientar essa atuação por um referencial técnico que lhe dê consistência, por
entre as diretrizes políticas institucionais. Um lugar, portanto, que
empresta à reflexão teórica a intensidade da ação no cotidiano concreto da
cidade”. Havia ali uma constatação de que, de certa maneira, eu me
ressentia do fato de não ter podido aprofundar meus conhecimentos teóricos.
Por outro lado, após a intensidade da experiência profissional na Secretaria
do Menor, eu já sabia o que se confirmaria nos anos seguintes,
principalmente atuando na frente dos projetos no campo social que,
refletindo um movimento global, veio se configurando no Brasil, sendo
chamado de „terceiro setor‟, ou „setor cidadão‟: sabia que eu poderia
contribuir melhor e ser mais realizada em contextos onde a teoria estivesse
diretamente ligada à prática.
Percebo que o campo teórico em geral, e o da Antropologia em particular,
vem se mostrando no mundo contemporâneo – justamente com o surgimento
de novos temas e áreas de estudo ligados a novas estruturas produtivas,
novos mercados e novos desafios globais que se refletem em todos os planos
da vida cultural, econômica e social – um campo para além das fronteiras
acadêmicas. E estas, por sua vez, alargam-se para interagir mais
efetivamente com o mundo produtivo, das políticas públicas e dos
movimentos sociais, buscando uma relação mais orgânica entre
universidade e sociedade.
Nos Estados Unidos, e demais países de língua inglesa, há uma categoria de
profissional de que gosto muito: o “practitioner”. Seria, no Brasil, talvez
menos uma categoria associada ao ensino „técnico‟ – que usamos no sentido
de definir um conhecimento anterior ao que se adquire na universidade,
onde se aprende o saber tecnológico – e mais próxima de uma referência a
uma qualidade de conhecimento especializado, derivado de uma prática
fundada em uma perspectiva teórica. Talvez ela defina algo que, se melhor
pesquisado, poderia trazer novos elementos inclusive para a reflexão sobre o
lugar social do antropólogo, num planeta super urbanizado e em enorme
27
CAMARGO, J. de. “Fundações Comunitárias e Investimento Social Comunitário: um movimento
para contribuir com a justiça social no Brasil”, op. cit., 2008.
14
transformação. O fato é que observo esse termo utilizado basicamente para
descrever certa abordagem no trabalho social que combina a prática com um
aprofundamento conceitual e metodológico sobre o trabalho realizado.
No caso das fundações comunitárias, que foi meu objeto de estudo no
programa de que participei na CUNY, pude observar que, ao lado da
vitalidade da prática social, há também uma forte pesquisa teórica nesse
campo, característica que reconheci em meu paper 28 como uma notável
“curiosidade intelectual” despertada pelo tema na bibliografia a respeito das
fundações comunitárias, ao menos nos Estados Unidos e Canadá. Penso que
talvez a categoria “practitioner” aplicada ao contexto das fundações
comunitárias poderá definir o lugar onde tenho me situado ao longo de
minha trajetória de trabalho. Para ilustrar essa referência sobre as
fundações comunitárias e a categoria que destaco, cito o texto introdutório
de uma publicação que se situa na intersecção do campo teórico acadêmico,
das políticas públicas, da prática social das fundações comunitárias e o das
fundações privadas de cooperação internacional:
“(...) Enquanto o livro quer alcançar formuladores de políticas públicas e
acadêmicos, seu principal público-alvo é o das equipes técnicas e membros
dos conselhos de fundações comunitárias, fundações privadas e organizações
sem fins lucrativos que se reconheçam na definição de “práticos reflexivos” :
pessoas que „freqüentemente pensam sobre o que estão fazendo, algumas
vezes mesmo enquanto o fazem‟ ”.29
Situando-me, então, entre os “practitioners reflexivos”, para usar a categoria
referida acima pelos editores de Local Mission–Global Vision, identifico, no
momento social atual e de minha própria biografia, uma oportunidade de
atuar mais uma vez como antropóloga, agora não mais apenas
predominantemente no campo de uma reflexão implícita que sustenta uma
prática de intervenção social, mas como docente, buscando situar minha
reflexão antropológica no universo acadêmico, na condição de agente
multiplicador de uma experiência e de um aprendizado acumulados em
longos anos de trabalho, mediante uma abordagem multidisciplinar e intersetorial de saberes teóricos que possam responder às novas necessidades
sociais por conhecimento aplicado.
28
CAMARGO, J. de. Op. cit., 2008, trabalho apresentado para a admissão como Senior Fellow da
CUNY - City University of New York. The Graduate Center. Center on Philanthropy and Civil Society.
29
“(…) While the book seeks to address public policymakers and academic scholars, its primary target
audiences are staff and board members of community foundations, private foundations, and not-forprofit organizations who meet the definition of “reflective practitioners”: people who “often think about
what they are doing, sometimes even while doing it” (Schön 1983: 50).” In: DECOURSY HERO, P. e
WALKENHORST, P. (editors). Local Mission–Global Vision. Community Foundations in the 21st Century.
Transatlantic Community Foundation Network / Foundation Center, NY, 2008, 351 p.
15
Em 2009 iniciei este caminho de volta ao saber acadêmico, mediante a
participação ativa no NEF – Núcleo de Estudos do Futuro, entidade da
PUC-SP, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, presidida pelo Prof.
Dr. Ladislau Dowbor e dirigida pelo Prof. Dr. Arnoldo de Hoyos. Dentre as
principais atividades realizadas nesse ano, destaco minha participação como
membro do comitê organizador e mediadora de uma mesa redonda do 6.o
Congresso Internacional em Inovação e Gestão, voltado ao Desenvolvimento
Sustentável (ICIM2009), organizado pela PUC-SP e coordenado pelo NEF,
em parceria com a Wuhan University (China), Yamaguchi University
(Japão) e a United Nations University – Unu Merit (Holanda). Esse
Congresso, conforme indica o seu título, produziu um intercâmbio científico
bastante frutífero e discutiu temas relevantes sobre inovação e gestão,
explorados no campo das pesquisas acadêmicas com forte interface com o
mundo produtivo e a sociedade civil, frente aos desafios que representa no
presente o projeto de construção de uma sociedade mais sustentável.
***
Ao final dos projetos e experiências profissionais narrados aqui, eu quis
registrar o que entendo como um percurso não usual, mas no qual reconheço
coerência, como profissional de desenvolvimento, docente e pesquisadora.
Maio, 2010
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Aproveito um texto escrito como introdução de um projeto