P.º n.º R.P.70/2012 SJC-CT Revogação de doação entre casados. Eficácia
quanto a terceiros.
PARECER
1. Pela Ap. …/20120523 foi pedida por G…, advogado, na Conservatória
do Registo Predial de …, a aquisição do prédio descrito sob o nº … da freguesia de
… concelho de … e da fração autónoma “E” do prédio descrito sob o nº …
freguesia de …, concelho de …, a favor da recorrente,
separação de bens, tendo sido apresentada
da
casada com Joaquim …, na
para titular o facto uma escritura de
revogação de doações de 11 de maio de 2012, lavrada no Cartório Notarial da
Notária L…, sito em …, outorgada pela recorrente.
Os referidos prédio e fração autónoma encontravam-se definitivamente
inscritos a favor do dito Joaquim … pela Ap. …/2011/01/19, por doação do indicado
cônjuge, e inscritos provisoriamente por dúvidas1 a favor de “…, Unipessoal, Lda”
pela Ap. …/2012/02/03, por compra a àquele Joaquim …
A recorrente refere que pediu pela Ap. …/20120206
aquisição a favor de Joaquim … passasse a constar
que da inscrição de
que as doações eram
livremente revogáveis, a todo o tempo, pedido esse que foi recusado pelo facto de
a livre revogabilidade resultar da lei e não de convenção das partes.
2. Aquele registo foi lavrado provisoriamente por natureza nos termos do
art. 92º/2/b) do Código do Registo Predial(CRP), por incompatibilidade com
o
referido registo de aquisição a favor de “… Unipessoal, Lda.”, tendo a notificação
da qualificação a data de 30 de maio de 2012.
3. No dia 14 de junho de 2012 foi interposto o presente recurso
hierárquico (pela Ap. …), em extenso requerimento, onde se invocou e citou diversa
doutrina, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual, em breve síntese,
se alegou que:
a) O disposto no nº 1 do art. 1765º do Código Civil (CC), de livre
revogabilidade
1
das
doações
entre
casados,
sem
necessidade
de
qualquer
Esta inscrição de aquisição foi entretanto convertida pela Conservatória do Registo Predial de
... já depois de interposto o presente recurso, pela Ap. …/2012/07/27.
justificação e sem possibilidade de renúncia ao direito de revogação, constitui
exceção ao regime geral das doações constante dos artigos 940º a 979º do CC;
b) A livre revogabilidade assenta num princípio de interesse e ordem
pública, o qual se sobrepõe aos vários interesses privados em jogo, ainda que de
terceiros, e é a expressão do equilíbrio entre dois valores, por um lado o de a
doação poder ter caráter compensatório, até de natureza sucessória e, por outro, o
da imutabilidade das convenções antenupciais;
c) A livre revogabilidade constitui verdadeira condição resolutiva legal,
pelo facto de ser irrenunciável e poder ser exercida a todo o tempo, mesmo após a
morte do donatário, tendo consequentemente efeitos retroativos (art. 276º do CC)
e tornando ineficazes quaisquer atos de disposição praticados pelo donatário( art.
274º/1 do CC);
d) A ineficácia dos atos de disposição praticados pelo donatário opera
automaticamente com a revogação e é oponível a terceiros, ainda que estes
tenham o seu direito previamente registado, pois esses terceiros adquiriram um
direito condicional;
e) Assim, levadas a registo as revogações das doações, deviam ter sido
canceladas as inscrições de aquisição a favor de “…Unipessoal, Lda.” e efetuado
definitivamente o registo de aquisição a favor da recorrente;
f) A não ser assim, é possível a fraude a lei;
g) No caso não se pode dizer que o terceiro esteja de boa fé, pois trata-se
de sociedade unipessoal detida pelo donatário;
h) Que os registos tidos por incompatíveis estão lavrados provisoriamente
por dúvidas, pelo não se presume a propriedade a favor do sujeito ativo.
4. A senhora conservadora recorrida sustentou a qualificação impugnada
nos seguintes termos:
“Todos os argumentos expendidos estão corretos e o registo a favor da
doadora seria definitivo se não tivesse havido registo de alienação dos prédios a
favor de terceiro. O artigo 1761º do Código Civil dispõe: «As doações entre casados
regem-se pelas disposições desta secção e, subsidiariamente, pelas regras dos
artigos 940º a 979»..
A revogação da doação não afeta terceiros
que hajam adquirido
anteriormente direitos reais sobre os bens doados sem prejuízo das regras relativas
ao registo(art.979º do Código Civil), o que significa
que os direitos reais
que
tenham sido constituídos por terceiros e que se mostrem devidamente registados,
como é o caso, têm que ser respeitados.
A doação não é anulada, mas sim objeto de revogação e esta não arrasta
automaticamente a revogação dos atos subsequentes validamente registados ou
cancelamento de todas e quaisquer inscrições. Se o prédio permanecesse na posse
do donatário e sem qualquer encargo a revogação da doação tinha como
consequência a aquisição a favor do doador. No caso em concreto o donatário já
alienou os bens doados a terceiros. A revogação da doação não afeta a venda feita
já que este ato está registado (artigo 6º do C.R.P.)”.
Saneamento: O processo é o próprio, as partes legítimas, o recurso
tempestivo,
e
inexistem
questões
prévias
ou
prejudiciais
que
obstem
ao
conhecimento do mérito.
Pronúncia:
1. A questão em tabela reconduz-se a saber se o disposto no art. 979º do
Código Civil (C.C.)2 – “A revogação da doação não afeta terceiros que hajam
adquirido, anteriormente à demanda, direitos reais sobre os bens doados, sem
prejuízo das regras relativas ao registo;
neste caso, porém, o donatário
indemnizará o doador” - se aplica ou não às doações entre casados,
tendo em
conta, por uma lado, que o art. 1761º dispõe que “As doações entre casados
regem-se pelas disposições desta secção e, subsidiariamente, pelas regras dos
artigos 940º a 979º” e, por outro, que o art.- 1765º/1
dispõe que “As doações
entre casados podem a todo o tempo ser revogadas pelo doador, sem que lhe seja
lícito renunciar a este direito”.
A
qualificação
impugnada,
e
sustentada,
assenta
numa
resposta
afirmativa defendendo-se o contrário na impugnação.
2. A revogação da doação por ingratidão do donatário (cfr. art.s 970º e
974º a 979º) – a que se pode chamar regime comum da revogação
do contrato
de doação - não tem efeitos retroativos , ou seja , o efeito extintivo só opera ex
nunc, sem prejuízo da retroação à data da propositura da ação.
Os bens são restituídos ao doador no estado em que se encontrarem e,
tendo sido alienados ou se não puderem ser restituídos em espécie por causa
2
Todas as disposições legais que daqui em diante se mencionarem sem indicação do respetivo
diploma pertencem ao Código Civil (C.C.).
imputável ao donatário, são restituídos apenas pelo valor que tinham ao tempo em
que foram alienados ou se verificou a impossibilidade da restituição.
Relativamente a terceiros que hajam adquirido anteriormente à data da
ação, os mesmos não são afetados pela extinção da doação, “sem prejuízo das
regras do registo”, ou seja, relativamente a imóveis ou móveis sujeitos a registo,
decorre do princípio da prioridade (art. 6º) que se a ação da revogação de doação
for registada primeiro, o direito de revogação prevalece relativamente ao direito
do terceiro.
Para Pires de Lima e Antunes Varela
3
, este regime de efeitos fica “ a
meio termo entre a resolução e a obrigação de restituir fundada no enriquecimento
sem causa”.
3. Afastando-se daquele regime comum, e subsidiário, de revogação
vinculada, o art. 1765º/1 prevê a livre revogabilidade, não carecendo o doador de
motivar ou fundamentar a revogação; é o regime também designado por
revogabilidade ad nutum( a um aceno ou a um sinal) ou ad libitum( a bel-prazer).
À opção legal pela livre revogabilidade costuma a doutrina apontar as
mesmas razões que estão na base da opção legal pelo regime da imutabilidade das
convenções antenupciais e do regime de bens resultante da lei: fundamentalmente
o risco de um dos cônjuges se aproveitar do ascendente psicológico sobre o outro e
os interesses de terceiros.
Como referem os autores anteriormente indicados
4
, “O facto de o Código
português não ter enfileirado entre os diplomas que recusam validade às doações
entre casados não significa que o legislador tenha omitido ou subestimado as
razões que minam a força de tais liberalidades e que são, no fundo, as mesmas que
fundamentam o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais”.
4. Não incluindo a Secção do CC que trata da doação entre casados
qualquer disposição que se refira aos efeitos da revogação e sendo subsidiário o
regime comum das doações, importa aferir se do facto de a revogabilidade ser livre
e poder ser exercida a todo o tempo, sem que seja lícito ao doador renunciar a este
direito, é possível retirar um sentido interpretativo que se traduza em dar por
afastada a aplicação do regime dos art.s 978º 979º .
3
In Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª Ed., pág. 298.
4
Ob. Cit., Vol.IV, pág. 485.
Isto é: que natureza tem o regime da livre revogabilidade em relação à
doação?
4. 1. Há que assinalar, desde logo, que se a intenção da lei foi conferir à
livre revogabilidade da doação entre casados a natureza de condição resolutiva
(legal), é admissível que se considere que expressou essa intenção de forma
imperfeita, já que incluiu na remissão do art. 1761º as regras dos artigos 978º e
979º, das quais não resulta atribuída tal natureza à comum revogação da doação,
sendo certo que a Secção relativa às doações entre casados é omissa quanto aos
efeitos da revogação.
Tal
circunstância
não
deve,
no
entanto,
ser
dada
à
partida
por
determinante, já que pode vir a resultar dos restantes elementos interpretativos
que foi efetivamente aquele o pensamento legislativo e que o mesmo é apesar dela
suportado por “um mínimo de correspondência verbal”( art. 9º/2 ), interpretando a
remissão
como tendo caráter amplo e genérico, mediante a utilização
disposição inicial(art. 940º) e a disposição final( art. 979º) do Capítulo
da
dedicado
ao contrato de doação( Capítulo II, do Título II, do Livro II do CC).
5. Já na vigência do Código Civil de Seabra, cujo regime, nos pontos aqui
mais pertinentes, transitou para o CC atual, a resposta dada à questão não era
pacífica.
5.1. A Procuradoria-Geral da República, embora a propósito de
questão fiscal - saber qual o momento da transmissão para efeitos de liquidação
do imposto sobre sucessões e doações -
abordou a questão nos seguintes
termos:
“ Esta revogabilidade funcionará dentro do negócio jurídico como condição
resolutiva? Em rigor, não. É que a condição resolutiva é uma cláusula acessória dos
negócios jurídicos que tem de ser introduzida pela vontade das partes 5, e nas
doações entre casados o facto futuro e incerto – revogação pelo doador – deriva
diretamente da lei. Nem sequer pode dizer-se, para o efeito de poder considerá-lo
convencional, que os outorgantes tenham aderido ao regime da revogação
estabelecido no art. 1181º6, porque este é imperativo, não pode ser afastado por
cláusula em contrário e é irrelevante estipulá-lo no contrato to de doação.
5
Art. 680º, hoje art. 270º.
6
Hoje art. 1765º.
Também não constitui uma conditio juris, porque ficando a doação
imediatamente perfeita e operando-se ipso facto a transmissão dos bens doados, a
revogação não é um pressuposto da existência da doação.
(…)
Também não se está perante uma condição meramente potestativa,
apesar de a revogação depender inteiramente do arbítrio do doador, porque nem a
existência nem sequer a eficácia imediata do contrato ficam em suspenso.
Esta impossibilidade de integrar a revogabilidade nos quadros clássicos
das cláusulas acessórias dos negócios jurídicos ou das conditiones júris não impede
que a aproximemos das condições resolutivas, na medida e só na medida em que
estamos perante uma produção imediata de efeitos – transferência dos bens para o
donatário – sujeita a haver-se por desfeita desde um facto futuro e incerto
dependente da vontade do doador”.
(…)
Trata-se efetivamente de um regime especial cujos efeitos coincidem com
os das condições resolutivas.”
O parecer dava por afastada a aplicação do regime comum da revogação
da doação e, embora não atribuísse ao regime da revogabilidade das doações entre
casados a natureza de condição resolutiva em sentido próprio, conferia-lhe os
mesmos efeitos.
5.2. Já Cunha Gonçalves7
considerava
que “(…) a) o exercício da
faculdade de revogação não é uma condição resolutiva propriamente dita, porque
não é por efeito da convenção que as cousas regressam à situção anterior; é por
efeito da lei, inspirada em motivos de ordem pública; b(…)nos termos do art. 16º 8,
sendo omissa a lei, temos de recorrer a casos análogos nela previstos; e, no
presente caso, a analogia encontra-se nos ars. 1484º e 1485º 9, que tratam da
revogação da doação em casos especiais, que estão compreendidos na amplitude
do art. 1181º, e não no art. 680º, que só trata da
condição resolutiva
convencionada, antecipadamente aceite pelo contraente que a estipulou, enquanto
que o donatário nunca espera a surpresa da revogação do benefício que lhe fora
feito”.
Ao contrário do indicado parecer, este autor retirava da natureza
imprópria da condição resolutiva, por falta de convenção, a inaplicabilidade do
7
In Tratado de Direito Civil, Vol. VI, pág. 759.
8
Hoje art. 10º.
9
Hoje artigos 978º e 979º.
regime de efeitos da condição resolutiva (própria), dando por aplicável o regime
comum da revogação da doação.
6. Já na vigência do atual CC, a questão é igualmente controvertida.
6.1. Pires de Lima e Antunes Varela
10
retiram
da
referida
inexistência de norma própria e da consideração de que “ não há nenhuma razão
suficientemente forte para impedir que à revogação livremente exercida pelo
doador no caso da doação entre cônjuges, se apliquem as normas definidoras das
efeitos da revogação vinculada, quanto ao comum das doações”, o entendimento
de que se aplica, “em princípio”, o regime constante dos artigos 978º e 979º.
6.2. Diverso é o entendimento de
Guilherme de Oliveira,
entre cônjuges
dependentes
11
Francisco Pereira Coelho e
que defendem que “(…) pode dizer-se que as doações
produzem imediatamente os seus efeitos
mas estes ficam
de uma condição resolutiva legal (a revogação pelo doador), cuja
verificação opera retroactivamente, de um modo geral. Um regime em face do qual
se vê bem como é precária, na verdade a situação do donatário nas doações entre
cônjuges: revogada a doação, a qualquer tempo, os bens doados revertem para o
doador livres de quaisquer encargos que o donatário tenha constituído sobre eles”.
7. Como já realçamos, a letra da norma remissiva (art.1761º), conjugada
com a ausência de norma própria que expressamente se refira aos efeitos da
revogação da doação entre casados, parece à partida apontar no sentido de dar por
aplicável o regime comum da revogação da doação.
A divergência doutrinal que, de forma não esgotante, procurámos
evidenciar, permite perceber como é complicada a tarefa de dar resposta à questão
em tabela, a qual passa nomeada e necessariamente por averiguar do sentido que
emana das normas que, embora não se referindo expressamente àqueles efeitos,
constituem especificidade em relação ao regime da doação a “estranhos”.
7.1. Como ponto de partida, importa referir que não existe norma que dê
a doação entre casados por incondicionável, nem da sua natureza resulta
incompatibilidade com a incerteza da sua eficácia, que impeçam as partes de a
condicionar resolutivamente, para efeito do disposto no art. 270º.
E se resultar da lei que a doação entre casados fica condicionada
resolutivamente pela incerteza de futura revogação pelo doador? Deixará a doação
10
Ob. cit. , Vol. IV, pág. 495.
11
In Curso de Direito de Família, Vol. I, 2ª Ed., pág. 462.
de ficar condicionada pelo facto de doador e donatário não o terem expressamente
convencionado? Isto é, se for de se considerar que a livre revogabilidade é
pressuposto legal (conditio iuris12) da celebração de doação entre casados, como
inequivocamente é, e que resulta da lei que a resolução dos efeitos da doação fica
retroactivamente subordinada a essa revogação, estará impedida a consideração da
mesma
doação
como
condicional,
pelo
facto
de
as
partes
não
o
terem
convencionado?
Afigura-se-nos que não; a livre revogabilidade será pressuposto da
celebração do contrato – o que assegura o mínimo de “convencional” assumirá simultaneamente
e
natureza resolutiva( legal).
Mesmo que se entenda que aquele mínimo não permite considerá-la uma
condição em sentido próprio, isso só por si não impedirá que se lhe atribuam os
mesmos efeitos.
Pacífico é o facto de que a livre revogabilidade não constitui condição
suspensiva do contrato de doação.
7.2. Como referem alguns autores13, as doações entre casados perderam
grande parte da sua utilidade, a partir do momento em que o cônjuge passou a ser
herdeiro legitimário, na mesma classe que os descendentes, já que anteriormente,
porque assim não acontecia, elas visavam sobretudo efeitos “quase sucessórios”.
A finalidade remuneratória ou compensatória é igualmente apontada pela
doutrina como motivação da opção legal da admissibilidade das doações entre
casados, em desfavor do que imporia o princípio da imutabilidade das convenções
antenupciais e do regime de bens resultante da lei.
Mas a lei procurou compensar aquela cedência, com a consagração de um
regime
de
extinção
totalmente
distinto
do
regime
comum
das
doações,
determinando a livre revogabilidade, a todo o tempo, por parte do doador, o qual
não pode renunciar a esse direito (art. 1765º), e prevendo casos de caducidade da
doação (art. 1766º).
12
Heinrich Ewald Hörster, In A Parte Geral do Código Civil Português, vol. I, pág.491,
refere que: “A condição é uma elemento querido pelas partes, acrescentado ao negócio. Por ser
voluntária, ela distingue-se das «condições legais» ( conditio iuris) que não são condições verdadeiras,
mas exigências da lei como pressupostos para a verificação de determinados efeitos jurídicos( ver, por
ex. os arts 687º e 1669º)”.
13
V.g. Rita Lobo Xavier, in Limites À Autonomia Privada Na Disciplina Das Relações
Patrimoniais Entre Os Cônjuges, pág.s 207 e 208.
A morte do doador é o limite temporal de exercício do direito da
revogação, já que o mesmo não se transmite aos seus herdeiros.
Falecendo o donatário antes do doador, a doação só não caduca se for
confirmada por aquele no prazo legalmente previsto.
Se o casamento for declarado nulo ou for anulado ou se for dissolvido por
divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por culpa do donatário a doação
caduca.
No caso da doação comum a revogação é vinculada (por ingratidão) e o
direito de revogação tem que ser exercido judicialmente e dentro de determinado
prazo (art. 976º) e não está prevista a caducidade do contrato.
7.3. Afigura-se-nos, naturalmente com dúvidas, ser de acompanhar a
indicada doutrina de Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 14 - que, no
fundo (no plano dos efeitos, já não no dos conceitos) já tinha sido a defendida no
mencionado parecer da Procuradoria Geral da República, na vigência do Código
Civil de Seabra - , no sentido de que se trata de uma condição resolutiva (legal),
potestativa15.
8. O registo de aquisição causado por negócio jurídico sujeito a condição
resolutiva não pode omitir a existência da condição, porque a isso obriga o efeito da
verificação da condição quanto a terceiros, conjugado com a finalidade conferida
por lei ao registo predial, da qual decorrem os princípio da oponibilidade a terceiros,
da presunção e da prioridade (art.s 1º,
5º , 6º e 7º do Código do Registo
Predial(C.R.P.)).
O registo da condição resolutiva própria (cláusula resolutiva) está previsto
no art. 94º/b) do C.R.P..
In casu trata-se de condição resolutiva imposta por lei (condição resolutiva
legal), compreendida no regime legal da doação entre casados, situação que não
cabe na previsão do dito art. 94º, cabendo ao registo publicitar que se tratou dessa
14
Os quais, coerentemente com a natureza que atribuem à livre revogabilidade, defendem a
invalidade de cláusula de não rectroactividade da revogação( ob. e local cit.).
15
Utilizando uma das classificações das condições utilizadas por Mota Pinto, in Teoria geral do
Direito Civil, 4ª ed., pág.565, subdividindo-as em potestativas, casuais e mistas.
subespécie
do
contrato
de
doação,
sendo
suficiente
que
traduza
essa
16
circunstância .
No mesmo sentido se pronunciou a recorrente, alegando que decorrendo a
livre revogabilidade imperativamente da lei, “o terceiro adquirente de um imóvel
anteriormente adquirido por quem o recebeu do seu cônjuge, sabe que está a
adquirir um direito que pode a todo tempo ser revogado (…) porque é público que
esse imóvel foi adquirido por doação entre casados, publicidade essa dada pelo
registo”, não podendo invocar a seu favor a ignorância ou má interpretação da lei
(art.6º do Código Civil).
Mas terá sido na convicção de que não bastaria a menção do estado civil
no registo de aquisição efetuado com base na doação que num dado momento
(antes da revogação e precisamente na data em que o donatário vendeu o prédio e
a fração autónoma à sociedade unipessoal) a recorrente pediu alteração da
inscrição, no sentido de publicitar o regime da livre revogabilidade, a qual veio a
ser recusada (cfr. último parágrafo do ponto 1 do relatório supra), com o
argumento de que esse regime decorre da lei.
Acontece que para a recorrida o regime que decorre da lei é um e para a
recorrente é outro, e daí a impugnação da qualificação do registo como provisório
por natureza.
9. Tratando-se, como defendemos, de uma doação sujeita a condição
resolutiva (legal), a verificação da condição (revogação), com eficácia retroativa, é
tabularmente traduzida no cancelamento da inscrição17 a favor do donatário e não
numa inscrição de aquisição, como foi pedido pela recorrente.
Essa
circunstância
não
deve,
no
entanto,
constituir
obstáculo
à
procedência da impugnação, assim como não o teria constituído à oportuna
convolação
do
pedido;
haverá
agora
que
proceder
à
devida
adequação,
“transformando” o registo de aquisição em averbamento de cancelamento.
16
O que não quer dizer que consideremos má prática a de acrescentar a menção de que se
trata de doação entre casados, permitindo uma mais imediata perceção do regime manifestado pela
identificação dos sujeitos.
Não acompanhamos, assim, Rita Lobo Xavier, ob. cit., pág, 619, que defende que o regime
deve ser publicitado “através da menção e registo do «ónus» da livre revogabilidade”, entendimento a
que falta cobertura legal, tanto no plano do direito substantivo como no do direito registral.
17
dos Solos.
Cfr. Pº C.P. 31/97 DSJ-CT, in BRN nº 6/98(II), a propósito da reversão no âmbito da Lei
10. A eficácia retroativa da revogação não afeta unicamente o registo de
aquisição a favor do donatário, mas também o registo de aquisição efetuado com
base na venda feita, igualmente sob a mesma condição, pelo donatário a terceiro,
ou seja o registo que determinou a qualificação desfavorável.
Mas, a não poder (dever) ser oficiosamente cancelada a inscrição a favor
do terceiro, existiria uma obstáculo no plano do princípio do trato sucessivo – que
nesta concreta manifestação mais rigorosamente se poderá designar por “trato
regressivo” -
já que com
a procedência da impugnação
retomaria vigência a
inscrição a favor do doador e se manteria igualmente em vigor a inscrição de
aquisição a favor daquele terceiro.
Ora, afigura-se-nos que a especialidade da situação permite dá-la por
incluída na previsão de oficiosidade do art. 97º/1 do C.R.P., ainda que esta norma
se refira a registo oficioso de extinção de facto que acompanhe registo de aquisição
ou mera posse, já que a primeira extinção tem o efeito de fazer ressurgir uma
anterior inscrição de aquisição.
Em
consonância
com
o
exposto,
propomos
a
procedência
da
impugnação, retirando as seguintes
Conclusões
1. A doação entre casados tem como pressuposto (conditio iuris)
a
livre revogabilidade,
a todo o tempo da vida do doador, sendo a
faculdade de revogação irrenunciável (art. 1765º do C.C.).
2.
A
existência
daquele
pressuposto
e
aquele
regime
de
revogabilidade conferem à doação entre casados a natureza de negócio
jurídico sujeito a condição resolutiva (legal), o que afasta a aplicação
subsidiária (genericamente prevista no art. 1761º do C.C.) do regime da
revogação de doação entre não casados, por ingratidão, previsto nos
artigos 978º e 979º do C.C. e torna aplicável o regime dos art.s 274º a
276º do C.C..
3. A sujeição àquele regime legal da doação entre casados é
registralmente manifestada pela conjugação da causa da aquisição com a
identificação dos respetivos sujeitos como casados um com o outro.
4. Cabe na previsão do nº 1 do art. 97º do C.R.P. a extinção da
aquisição a favor de terceiro, decorrente do registo de cancelamento da
inscrição de aquisição a favor do donatário, efetuado com base na
revogação da doação entre casados.
Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 22 de novembro de
2012.
Luís Manuel Nunes Martins, relator, António Manuel Fernandes Lopes, Isabel
Ferreira Quelhas Geraldes, Maria Madalena Rodrigues Teixeira, José Ascenso
Nunes da Maia.
Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho
Diretivo em 08.01.2013.
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