Projeto de Lei nº 213/2015 - O Ingresso das Mulheres no Serviço Militar
Lívia Aragão de Melo1
O Projeto de Lei nº 213/2015, de autoria da senadora Vanessa Grazziotin,
pretende alterar a Lei do Serviço Militar (Lei 4.375 de 1964), no sentido de garantir
às mulheres o direito ao alistamento, de forma voluntária, para a prestação do
serviço militar.
Vale frisar que atualmente as mulheres podem ingressar nas Forças
Armadas, na carreira militar, como profissionais de suas áreas de especialidade.
Mas o que a senadora pleiteia é a opção de que as mulheres se alistem no serviço
militar, voluntariamente, antes de completarem 18 anos, para que possam atuar
também nos campos de combate, assim como é obrigatório aos homens.
A parlamentar entende que a permissão do ingresso das mulheres nas Forças
Armadas, também para a prestação do serviço militar, seria uma forma de
minimizar as desigualdades ainda existentes entre os gêneros.
A senadora defende que não existe qualquer estudo científico que comprove
a inferioridade das mulheres em relação aos homens, capaz de justificar a
impossibilidade de atuarem com amplitude nas Forças Armadas.
A senadora defende, ainda, que não existe qualquer estudo científico
que comprove a inferioridade das mulheres em relação aos homens, capaz de
justificar a impossibilidade de atuarem com amplitude nas Forças Armadas. Aduz
que o avanço da tecnologia permitiu a evolução dos armamentos, tornando-os cada
vez mais leves e automáticos. Assim, deixa de ser plausível o argumento de que
falta força física na mulher, impedindo-a de figurar nos campos de batalha.
1
Advogada do escritório Januário Advocacia Militar, inscrita na OAB/MG sob o nº 158.925
Em contrapartida, a senadora pondera que será necessária total adaptação da
estrutura física das Forças Armadas, com o fito de acolher o contingente de militares
do sexo feminino que por ventura se inscrevam para a prestação do serviço militar
voluntário.
Em dados apresentados pelo governo federal em 2014, extrai-se que as
mulheres representam apenas 6,34% do contingente de militares do Brasil. Assim,
caso seja-lhes concedido o direito à prestação do serviço militar voluntário, o
Exército, a Marinha e a Aeronáutica precisarão se preparar para recebê-las.
A intenção é acrescentar um segundo parágrafo no artigo 1ª da Lei 4.375 de
1964 (Lei do Serviço Militar), nos seguintes termos:
“As mulheres ficam isentas do Serviço Militar em
tempo de paz, garantindo-se a elas a prestação
voluntária desse serviço, de acordo com suas
aptidões, desde que manifestem essa opção de
apresentação previsto no Art. 13 desta lei”.
Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, em que a prestação do
serviço militar há décadas deixou de ser obrigatória, as mulheres possuem o livre
acesso ao ingresso às Forças Armadas para atuarem nos campos de combate,
exatamente nos mesmos moldes que os homens. Caso essa alteração na legislação
brasileira seja aprovada, as mulheres poderão galgar postos nunca antes ocupadas
por militares do sexo feminino.
Cumpre informar que não é a primeira vez que a parlamentar apresenta esse
projeto de lei. Em meados do ano de 2000, enquanto ainda era deputada, apresentou
o Projeto de Lei 3.667/2000, que foi debatido por muitos anos na Câmara dos
Deputados, e acabou por ser rejeitado, devido à oposição das próprias Forças
Armadas. No entanto, acredita que atualmente a aceitação será mais abrangente.
A intenção da parlamentar é louvável. É preciso levar em consideração que
a Lei do Serviço Militar foi promulgada no ano de 1964, quando a ditadura militar
estava ao pleno vapor. Trata-se, portanto, de uma Lei anterior à Constituição da
República Federativa do Brasil, que foi promulgada em 1988.
Como é sabido, a Constituição Federal veio consolidar a democracia no país.
E por meio de seus princípios norteadores buscou extirpar, pelo menos no texto da
lei, os resquícios das indignidades a que os brasileiros eram submetidos. Uma das
preocupações do Constituinte foi exatamente garantir a igualdade entre os gêneros
feminino e masculino. Vejamos o está disposto logo no inciso I do artigo 5ª da
Constituição Federal2:
“Constituição Federativa da Republica Brasileira
[...]
TÍTULO II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I - DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS
E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações,
nos termos desta Constituição;”
2
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de
Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. São Paulo: Saraiva, 2013.
É o entendimento do doutrinador Uadi Lammêgo Bulos 3 (2015, p. 555),
quanto ao Princípio da Igualdade e as ações afirmativas necessárias para sua correta
aplicabilidade:
“Busca-se por meio de ações afirmativas, compensar os menos
favorecidos, assim como ocorre com os que nunca sofreram
restrições.
As ações afirmativas consignam um mecanismo que permite ao
Estado sanar o déficit para com aqueles seres humanos que,
historicamente, sempre foram alvo de preconceitos, humilhações
e detrimentos de toda espécie.
Aqui se encontram os idosos, as mulheres, as crianças de rua, os
mendigos, os negros, os pardos, os índios, os homossexuais, os
deficientes físicos, as prostitutas, categorias humanas, enfim, que
nunca tiveram, ao longo da história, o mesmo tratamento
conferido às chamadas classes abastadas. ”
Nesse sentido, não é admissível que continue vigorando uma Lei anterior à
Constituição Federal, que rege todo o ordenamento jurídico brasileiro, sem que haja
alterações constantes e substanciais, com o fito de garantir sua correta
aplicabilidade, incorrendo em total desobservância aos seus preceitos.
Aliás, até mesmo o Estatuto dos Militares (Lei 6880/80), possui em seu texto
disposições que ameaçam a igualdade e a dignidade da pessoa humana. E
exatamente em razão das arbitrariedades cometidas com os militares, é que tantas
ações tramitam em desfavor da União, o que nada mais é que uma tentativa de fazer
valer os direitos garantidos pela Constituição Federal, e desrespeitados pela
Administração Militar.
A impressão que fica é que as leis que regem as Forças Armadas pararam
no tempo, pois continuam com a mesma mentalidade arraigada da época da ditadura
militar, onde “mandava quem podia e obedecia quem tinha juízo”.
3
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva,
2015.
Em suma, todo o ordenamento jurídico que rege as atividades das Forças
Armadas necessita de acompanhamento e constantes revisões, para que passem a
observar os anseios do Constituinte, e nada mais justo que iniciar esse processo com
a inclusão das mulheres em todo o espaço do serviço militar.
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