REPERCUSSÃO DO VALOR SOLIDÁRIO NO DIREITO AOS ALIMENTOS
GRAVÍDICOS*
REPERCUSSION OF THE SOLIDARITY VALUES IN THE RIGHT TO THE
PREGNANCY ALIMONY
Livia Gaigher Bosio Campello
Mariana Ribeiro Santiago
RESUMO
Este artigo visa examinar a repercussão do paradigma da solidariedade no Direito Civil,
especialmente, quanto aos direitos do nascituro, haja vista o advento da Lei
11.804/2008, que disciplina o direito aos alimentos gravídicos. Esta lei corrobora o
reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro, anteriormente já considerada
por boa parte da doutrina e jurisprudência. Neste estudo, o direito aos alimentos
gravídicos foi analisado em conjunto com as disposições gerais do Código Civil
vigente, Lei de alimentos e com os valores constitucionais que tem iluminado o atual
Direito Civil. A ênfase é dada ao valor solidário enquanto fundamento dos Direitos
Humanos das presentes e futuras gerações e com vistas à concretização da solidariedade
afeto-funcional no Direito de Família.
PALAVRAS-CHAVES:
NASCITURO;
GRAVÍDICOS; SOLIDARIEDADE.
DIREITO
AOS
ALIMENTOS
ABSTRACT
This article has objective of examining the repercussion of the paradigm of the
solidarity in Civil Law, specially, regarding the unborn, taking in consideration the
advent of the Law number 11.804/2008, that disciplines the rights to alimony during
pregnancy. This law corroborates the acknowledgement of the unborn as a legal entity,
in accordance to prior doctrine and jurisprudence. In this study, the right to the
pregnancy alimony was analyzed together with the general terms of the current Civil
Law Code, the Alimony Law, and with the Constitutional principles that have
enlightened the present Civil Law. The emphasis is given to the solidarity values, as a
fundamental of the Human Rights of the present and future generations, and targeting
the concretization of the functional affection solidarity within Family Law.
KEYWORDS: UNBORN CHILD; RIGHT TO THE PREGNANCY ALIMONY;
SOLIDARITY.
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
10281
Introdução
Este estudo parte da visão de que a mutação dos valores no seio da sociedade
reflete na adoção de novos paradigmas dentro do ordenamento jurídico. Trazendo para o
direito privado, especialmente no campo do Direito Civil, houve importantes reflexos da
concepção de valores, como nos fundamentos do liberalismo no Código Napoleônico de
1804, diretamente vinculados aos valores econômicos, e na reconstrução do Código
Civil de 2002 em face dos valores constitucionais como a igualdade.
Na realidade, a grande maioria das constituições pelo mundo, inspiradas
principalmente pela Constituição de Weimar de 1919, trouxe a idéia de dignidade da
pessoa humana enquanto conceito aberto, nos possibilitando repensar o paradigma do
“engessamento” ou segurança mantida por um sistema fechado, com conceitos
puramente dogmáticos, para se alcançar uma postura condizente com uma sociedade de
intérpretes, adepta aos princípios, que busca concretizar cada vez mais a noção de
justiça e igualdade.
É fato que estamos diante da reconstrução axiológica do Direito Civil, orientada pelo
adensamento da dignidade da pessoa humana. Nesse momento, o Direito Civil passa a
ser tratado como “Direito Civil-Constitucional”, na medida em que naturalmente
absorve os valores afinando-se com o comprometimento constitucional em refletir e
concretizar as verdadeiras necessidades humanas. Assim, observe que o Código Civil
brasileiro de 2002 está sob forte influência dos valores constitucionais pregados pela
Constituição Federal de 1988. Para ilustrar, veja o exemplo da própria teoria dos
contratos que, atualmente, não ousa desconsiderar a sua função social. Nesse sentido,
apontamos que a consagração da função sócio-solidária contratual é ainda mais
promissora.
É que quando notamos a presença dos valores constitucionais no Direito Civil, não
estamos referindo apenas ao ato de socializar o direito, indo além estamos propugnando
pelo cumprimento do compromisso constitucional brasileiro de construção de uma
sociedade livre, justa (igualitária) e solidária[1].
Neste horizonte, a abordagem que pretendemos denota a repersonalização do direito
privado, dentro do paradigma solidário, chamando a atenção para o sujeito de direitos
enquanto gênero humano. Dado este paradigma, selecionamos como marco para análise
do tema, o direito humano do nascituro que se erige com fundamento axiológico no
parâmetro solidário de bem estar da pessoa humana, haja vista a dignidade presente e
futura e a não indiferença nas relações jurídicas entre indivíduos capazes e incapazes.
Um grande passo nesse sentido foi a promulgação da nova Lei 11.804/2008, que
disciplina os alimentos gravídicos, por força da qual o nascituro, ainda que ausente a
certeza absoluta acerca da sua paternidade, deverá receber do suposto genitor auxílio
suficiente para que se desenvolva de forma sadia no ventre da mãe.
Fixadas as premissas deste estudo, considerando a premente necessidade de demonstrar
a intersecção entre o Direito Civil e os valores humanos, constitucionalmente
positivados, especialmente a solidariedade, no primeiro capítulo faremos uma reflexão
sobre a evolução dos direitos humanos com foco nos valores tutelados – o fenômeno
10282
que foi recentemente apresentado como “dinamogênesis” dos valores. Nesse sentido,
objetivamos localizar os direitos do nascituro no contexto da proteção internacional do
ser humano.
No segundo capítulo situaremos a discutida problemática da personalidade jurídica do
nascituro, calcada nas diversas teorias sobre o início da personalidade da pessoa natural,
distinguindo tal conceito de institutos afins, no intuito de evidenciar a posição do
legislador pátrio, bem como o nosso entendimento a respeito. Trata-se, fora de dúvida,
de tema de inegável repercussão na compreensão dos alimentos gravídicos.
Na terceira parte abordaremos o direito aos alimentos em consonância com o Código
Civil de 2002 e da Lei 5.478/1968, haja vista que o instituto dos alimentos gravídicos
foi forjado com lastro e inspiração no regramento geral dos alimentos, o qual, inclusive,
é-lhe aplicável de forma subsidiária, conforme expresso no próprio texto da Lei
11.804/2008.
E, finalmente, no último capítulo será examinada a Lei 11.804/2008, que cuida dos
direitos aos alimentos gravídicos, e a incipiente jurisprudência que já se registra sobre o
tema, destacando as especificidades do novel instituto enquanto espécie do gênero
alimentos, bem como suas lacunas, tudo na tentativa de contribuir para sua aplicação
eficaz por parte dos operadores do direito e sua inserção harmônica no ordenamento
jurídico pátrio.
1.
nascituro
O fenômeno da “dinamogênesis” dos valores e os Direitos Humanos do
É bastante comum vermos pesquisadores dos Direitos Humanos se debruçarem sobre a
seguinte questão - qual a relação entre as necessidades humanas e os Direitos Humanos?
Será que os Direitos Humanos devem sempre ser vistos como necessidades humanas e
vive-versa?
Estas dúvidas muitas vezes decorrem da percepção de que as necessidades dos homens
estão dentro deles e os Direitos Humanos existem entre os seres. A lógica é que os
indivíduos sentem em si uma necessidade e o direito a satisfaz. Os indivíduos sentem
necessidade de liberdade perante o Estado e o direito os garante a liberdade de ir e vir,
de pensamento, de expressão e etc. Os indivíduos sentem fome e o direito os garante
alimentos. Os indivíduos em grupos homogêneos, como mulheres, crianças e idosos,
sentem necessidades especiais pela sua vulnerabilidade perante a sociedade e o direito
os protege com vistas à igualdade. O indivíduo pretende preservar o bem estar das
gerações futuras e o direito promove a proteção do meio ambiente.
Percebemos que emergindo certas necessidades humanas, acontecem as lutas sociais e
confluem-se as contrapartidas em direitos. Mas nem todos os direitos são humanos, pois
existem direitos cujo fundamento é outro e não propriamente as necessidades humanas.
Além disso, existe um campo vasto de necessidades humanas ainda sem os direitos
correspondentes. Talvez por estas razões padeçam as dúvidas levantadas acima.
10283
Todavia, queremos neste estudo consignar que a percepção conjunta das necessidades,
lutas e direitos contribui para a ampliação do conceito dos Direitos Humanos, razão pela
qual não pode passar despercebida.
Podemos haver como premissa que os Direitos Humanos visam à satisfação das
necessidades humanas individuais. Estas podem ser socialmente demandas por grupos
mobilizados que expressam necessidades comuns a fim de fazer reconhecer tais
direitos[2]. É nesse sentido que ao transportarmos a noção do binômio
necessidade/direito para o processo de elaboração de normas jurídicas, verificamos que
estas normas quando fixam certo limite à liberdade do homem, mediante imposição de
condutas, denotam o acatamento social mediante um intrínseco processo de
acomodação natural.
Nesta direção, esclarece Vladmir Silveira[3] que “os direitos nascem e se modificam
obedecendo a um núcleo formado pelo sentimento axiológico da sociedade, o qual a
partir de um dado fato se adere um determinado valor, que, por sua vez, passa a ser
normatizado tanto internacional como nacionalmente pelos Estados, com indispensável
fundamento na idéia de dignidade da pessoa humana”. Portanto, tendo em vista o
desenvolvimento, o direito deve sempre estar se refazendo em face da mobilidade
social. Trata-se de um processo de adaptação haja vista os novos valores incorporados
ao meio social, mediante os quais o direito deve renovar-se, sempre se moldando a tais
anseios.
Traçando um paralelo com o estudo dos elementos que compõem os Direitos Humanos
podemos relacionar o que foi dito com o aspecto de sua historicidade, pela qual se
verifica a cadeia evolutiva dos direitos ao seu tempo. Nesse sentido, em congruência
com as explicações de Vladmir Silveira[4], é importante ressaltar que a evolução
histórica dos Direitos Humanos se dá por intermédio do que denominou
“dinamogênesis”, que representa um processo pelo qual a comunidade social em dado
momento reconhece como valioso algo que fundamenta o direito humano. Nas palavras
do autor “este valor concebe uma nova gradação à dignidade da pessoa humana, que
supõe uma nova orientação e um novo conteúdo, como conseqüência da conexão deste
com o parâmetro atual”.
Com o desenvolvimento do Direito Internacional no século XX, vimos um
processo de internacionalização dos Direitos Humanos, que se iniciou especificamente
no âmbito da Liga das Nações e se acelerou com o fim da Guerra Fria. A superação da
bipolaridade que dividia o mundo após a 2ª Guerra Mundial deu início ao fenômeno que
Lindgren Alves[5] chamou de “direitos humanos como tema global”.
Vale lembrar que historicamente os direitos civis e políticos foram codificados na
Declaração Universal e na Carta das Nações Unidas no imediato pós-guerra e no Pacto
de Direitos Civis e Políticos de 1966. Por outro lado, os direitos econômicos, sociais e
culturais, já prenunciados na referida declaração, foram definitivamente consagrados no
seu respectivo pacto, também de 1966, e em outros instrumentos internacionais.
Com efeito, após a Primeira Guerra, quando se refere aos direitos dos seres humanos,
não se fala mais apenas dos direitos individuais, sejam eles civis ou políticos, mas
também em direitos sociais, econômicos e culturais. Essa nova dimensão dos direitos
fundamentais passa, a partir desse momento, a compor um novo todo indivisível dos
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Direitos Humanos, na segunda metade do século XX, principalmente, após o Pacto
Econômico, Social e Cultural de 1966.
Os direitos de primeira dimensão cuidam da preservação das liberdades públicas,
tutelando a vida, liberdade, propriedade entre outros, para nesse sentido limitar o poder
do Estado. Nesta esteira, ensina Celso Bastos[6] que: “[...] a definição de direitos e
garantias individuais constitui-se na delimitação do Poder Estatal, na inibição de sua
atividade, na criação de uma zona de incompetência dos poderes públicos para nela
atuarem. Esta região traduz-se numa área de proteção jurídica ao indivíduo, dentro da
qual o Estado não pode ingressar, sob pena de inconstitucionalidade”.
Diante da concepção econômica e social, o papel do Estado é de realizador de direitos,
que dele requerem prestações positivas com vistas à igualdade, isto é, medidas
intervencionistas em favor das pessoas que encontram obstáculos ao desenvolvimento
da sua personalidade. A perspectiva histórica dos Direitos Humanos de segunda
dimensão é apresentada pelos professores Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano
Nunes[7], da seguinte maneira: “Se os direitos fundamentais de primeira geração tinham
como preocupação a liberdade contra o arbítrio estatal, os de segunda geração partem de
um patamar mais evoluído: o homem, liberto do jugo do Poder Público, reclama agora
uma nova forma de proteção de sua dignidade, como seja, a satisfação das necessidades
mínimas para que se tenha dignidade”. [8]
Na atualidade, destaca-se a solidariedade como parâmetro para proteção dos Direitos
Humanos de 3ª dimensão. Uma questão de extrema relevância é que esta solidariedade
tida como sentimento (lado emocional) a ensejar uma postura ligada à moralidade e ao
auxílio, tem relevância normativa desde quando foi incorporada aos diversos
ordenamentos jurídicos. Em especial, a nossa Constituição Federal de 1988 no artigo 3º,
inciso I, elenca como um dos objetivos principais da República Federativa do Brasil
“construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Cabe aqui rememorar que o direito nasce como produto da evolução histórica e,
embora alguns autores costumeiramente falem de gerações de direitos fundamentais, é
preferível chamá-las, como Willis Santiago Guerra[9], de dimensões de direitos
fundamentais. Na verdade o que queremos consignar é que uma nova geração de
Direitos Humanos não supera a antiga, mas agrega um novo valor. Assim é que, por
exemplo, o direito de propriedade, direito privado por excelência, que já foi um direito
absoluto e isolado, em sua 1ª dimensão, não deixou de existir, mas teve agregado o
valor social dentro de uma lógica de igualdade ou de distribuição equitativa, paradigma
da 2ª dimensão dos Direitos Humanos. Daí porque falávamos em função social da
propriedade. E, dando seguimento, no parâmetro atual, não desprezamos o direito de
propriedade e nem tampouco a sua consagrada função social, mas agregamos o valor
solidário e intergeracional de proteção do meio ambiente, por isso temos reclamado que
se cumpra a função sócio-ambiental da propriedade.
A luta por liberdade individual foi parâmetro para o surgimento dos direitos de
primeira dimensão e a necessidade de igualdade na distribuição entre os homens foi a
base para os direitos de segunda dimensão. Neste momento histórico, não podemos
olvidar que estamos pugnando, além destes, pelos direitos de solidariedade, direitos de
terceira dimensão, que são fruto da relação mútua entre pessoas que têm necessidades
10285
comuns, como o meio ambiente, a paz entre povos, o desenvolvimento dos Estados, dos
grupos familiares, do indivíduo considerado per si, entre outros.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 em seu artigo primeiro
há uma importante recomendação para que todas as pessoas dotadas de razão e
consciência devam agir em relação umas as outras com “espírito de fraternidade”.
Ademais, cumpre observar atentamente que no artigo 24 da mesma declaração preza-se
pelos deveres da pessoa voltados para sua comunidade e para o livre e pleno
desenvolvimento da personalidade.
Esse “espírito de fraternidade” ou solidariedade é dirigido a grupos de
indivíduos identificados pela sua vulnerabilidade e por isso necessitam de especial
proteção. Nesse sentido prega a Declaração dos Direitos da Criança da ONU, de 1959,
que toda criança necessita de proteção e cuidados, inclusive a devida proteção legal,
tanto antes quanto após seu nascimento.
No Pacto de São José da Costa Rica de 1966, que enfatiza os direitos civis e
políticos, temos consagrado no artigo 4º o direito à vida desde a sua concepção. Em
complemento, o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 traz no
bojo do seu artigo 11 que toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado para si e
para a sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim
como uma melhoria contínua de suas condições de vida.
No âmbito do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana se
materializa no reconhecimento dos direitos fundamentais a fim de assegurar o
desenvolvimento da personalidade do indivíduo. Cumpre anotar que para J. J. Gomes
Canotilho[10], os cidadãos devem ter possibilidades de “liberdade de participação
crítica no processo político”, “condições de igualdade econômica, social e política” e
“desenvolvimento integral”[11].
No Brasil, acompanhando o processo de constitucionalização do direito privado e seu
redesenhar em torno da dignidade humana, eleva-se o aspecto da repersonalização do
Direito Civil. Corroborando e ampliando esta visão, Luiz Edson Fachin[12] explica que:
“essa repersonalização do Direito Civil somente encontrou explícita guarida na
Constituição Federal de 1988, não só porque explicitou o princípio da dignidade da
pessoa humana como um dos pilares da República, mas também porque a matéria civil
também foi diretamente constitucionalizada”.
Nesta seara, não há dúvida que está a se colocar em primeiro plano a pessoa humana.
Sendo assim, ao deslocar-se o valor fundamental de tutela para o caráter existencial do
ser humano, os institutos eminentemente privados com preponderância do caráter
patrimonial passaram a ser encarados como instrumentos para o adensamento da
dignidade humana.
Na verdade, não só presenciamos a mutação do paradigma patrimonialista para o social
(função), mas também verificamos que foi agregado o valor solidário. Neste caminho,
entendemos que o Direito Civil ora apenas fundado em uma vontade egoísta não
prospera dentro do plano axiológico constitucional vigente, com realce à solidariedade,
havendo, portanto, uma necessidade de redefinição da base e do conteúdo de alguns
institutos.
10286
Focando o Direito de Família, Rosa Maria de Andrade Nery[13] reflete sobre o
princípio da solidariedade e pondera que “a pacificação das relações exige sejam
sopesados, de um lado, a liberdade individual do ser humano, e de outro, as
conseqüências oriundas de seus atos de liberdade. Nessa cadência, o risco de viver e
promover a vida, no local onde a vida tem condições de medrar, que é a família, não
permite que se conceda a liberdade plena que um reclama, se em contrapartida, há quem
tenha a vida na dependência da liberdade do outro”.
No Direito Civil a noção de liberdade ilimitada já havia sido restringida pela
conformação da função social dos institutos. E agora ao buscarmos realizar o valor
solidário, também constitucionalmente agregado, não estamos deixando de contemplar a
anteriormente reclamada dimensão social, mas ampliando ainda mais a proteção do
indivíduo, especialmente aqueles que ainda estão por nascer.
Convém acrescer que o valor solidário constitucional no Direito de Família nos remete
ao conceito de solidariedade afeto-funcional, que traduz um valor ligado à emoção
(afeto), mas que ao mesmo tempo induz ao auxílio na forma de assistência individual,
coletiva ou recíproca, haja vista a proteção da dignidade presente e futura.
Nesse novo cenário de dimensão solidária nos sentimos instigadas nas próximas linhas a
perquirir sobre o Direito de Família, sobretudo em face dos direitos do nascituro aos
alimentos gravídicos, os quais em consonância com o que prega Pietro Perlingieri[14]
entendemos como uma maneira de “tutela qualitativamente diversa”, no entanto, com
alicerce na solidariedade afeto-funcional extensiva aos membros capazes e incapazes
dentro do seio familiar para preservar a dignidade presente e futura do indivíduo.
2.
A indubitável personalidade do nascituro
Preliminarmente à exposição sobre os alimentos gravídicos, faz-se necessário um
intróito acerca de conceitos elementares do direito civil, os quais a doutrina denomina
de sujeito de direito, personalidade jurídica, capacidade, pessoa natural e pessoa
jurídica.
Fábio Ulhôa Coelho[15] ensina que “sujeito de direito é o centro de imputação de
direitos e obrigações referido em normas jurídicas com a finalidade de orientar a
superação de conflitos de interesses que envolvem, direta ou indiretamente, homens e
mulheres”. Nesse passo, conclui o referido autor que “nem todo sujeito é pessoa e nem
todas as pessoas, para o direito, são seres humanos”.
Já a personalidade, segundo Maria Helena Diniz[16], “exprime a aptidão genérica para
adquirir direitos e contrair obrigações”, “é a possibilidade de ser sujeito, ou seja, uma
aptidão a ele reconhecida, toda pessoa é dotada de personalidade”.
O direito brasileiro atribui personalidade à pessoa natural, que é o ser humano; e à
pessoa jurídica, unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução
de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica[17].
10287
Conforme Maria Helena Diniz[18], essa aptidão, advinda da personalidade, para
“adquirir direitos e contrair obrigações na vida civil” recebe a denominação de
“capacidade de gozo ou de direito”, que seria uma qualidade de toda pessoa.
É nesse sentido que, sobre as pessoas naturais, que nos interessa in casu, o art. 1º, do
Código Civil, estabelece que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”,
ou seja, os seres humanos são entes personalizados e sujeitos de direito.
A capacidade, todavia, pode ser restringida legalmente quanto ao seu exercício, nos
casos em que o sujeito não possui o discernimento para ponderar sobre as
conseqüências dos seus atos, como se observa, por exemplo, nos casos de menoridade,
deficiência mental e prodigalidade (Código Civil, arte. 3º e 4º).
Fala-se, assim, também em capacidade de fato ou exercício, que é a aptidão para exercer
pessoalmente os atos da vida civil. A capacidade de exercício requer a de gozo, mas a
recíproca não é verdadeira. É o que se observa, por exemplo, no caso de menor, onde há
capacidade de gozo, mas não de exercício[19].
Em alguns casos específicos e excepcionais, é permitido a entes sem personalidade
jurídica, que não são pessoa, a prática de atos civis, pela importância que essas
entidades adquiriram no seio da sociedade, como no caso do espólio, massa falida,
herança jacente, condomínio edilício e da pessoa jurídica sem registro.
Aqui nesse ponto, surge uma discussão que em muito interessa ao objetivo do presente
estudo: os nascituros devem ser incluídos no grupo dos entes personalizados ou dos
despersonalizados?
Para a elucidação de tal questão, torna-se importante a exposição, ainda que em breves
linhas, sobre as principais teorias que tratam do início da personalidade civil das
pessoas naturais, quais sejam, a teoria natalista, a da personalidade condicional e
concepcionista ou conceptista.
A Teoria natalista considera o início da personalidade a partir nascimento com vida; a
da personalidade condicional afirma a personalidade desde a concepção, sob a condição
da sobrevivência do infante ao nascimento; e a concepcionista ou conceptista sustenta a
personalidade jurídica do nascituro, ou seja, desde a concepção[20].
Pela análise do art. 2º, do Código Civil[21], cuja redação determina que “a
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,
desde a concepção, os direitos do nascituro”, nota-se claramente que no ordenamento
jurídico nacional vigora a teoria natalista quanto ao início da personalidade da pessoa
natural.
O citado art. 2º, do Código Civil brasileiro, embora não considere o nascituro como
pessoa, conferiu-lhe proteção especial do ordenamento jurídico, pelo que se pode
concluir que tal diploma relega os nascituros ao plano dos entes despersonalizados.
Como instrumentos dessa “proteção especial”, nota-se claramente no art. 26, parágrafo
único, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a previsão da possibilidade de
10288
reconhecimento do nascituro pelos pais; bem como no art. 1.630, do Código Civil, a
possibilidade de representação do nascituro pelos genitores.
Sobre o tema da personalidade do nascituro, Silvio Rodrigues[22] considera que
“nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno. A lei não
lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com vida. Mas, como
provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva seus
interesses futuros, tomando medidas para salvaguardar os direitos que, com muita
probabilidade, em breve serão seus”.
No mesmo sentido, Washington de Barros Monteiro[23] afirma: “discute-se se o
nascituro é pessoa virtual, cidadão em germe, homem in spem. Seja qual for a
conceituação, há para o feto uma expectativa de vida humana, uma pessoa em formação.
A lei não pode ignorá-lo, e por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos”.
Mas será que o nascituro é simplesmente um ente despersonalizado? Será que é correto
se considerar o nascituro na mesma categoria de espólio, massa falida, condomínio e
pessoa sem registro? Não seriam os interesses que envolvem o nascituro sobremaneira
importantes, ligados, inclusive, à dignidade da pessoa humana?
Sobre o tema da personalidade jurídica do nascituro, Orlando Gomes[24] reconhece a
estes personalidade ficta. Segundo o autor, “o processo técnico empregado para esse fim
é o da ficcção. Ao lado da personalidade real, verdadeira, autêntica, admite-se a
personalidade fictícia, artificial, presumida”, sendo que o nascituro desfrutaria de
personalidade ficta. (...) estas ficções atribuem personalidade porque reconhecem, nos
beneficiados, a aptidão para ter direitos, mas é logicamente absurdo admitir a condição
de pessoa natural em quem ainda não nasceu ou já morreu. Trata-se de construção
técnica destinada a alcançar certos fins. Dilata-se arbitrariamente o termo inicial e final
da vida humana, para que sejam protegidos certos interesses”.
Percebendo a dimensão dos problemas acima enumerados Caio Mário[25] pondera que
“a doutrina da personalidade jurídica do nascituro não é, pois, exata, como exata
também não é a que conclui pelo reconhecimento de direitos sem sujeito, com base nos
textos que disciplinam a proteção de seus cômodos, como ainda inexata se configura a
que lhe atribui um, direito condicional, como é a concepção defendida por alguns
escritores, como Oertmann, de vez que o ‘direito condicional’ não deixa, por ser
condicional, de ter sujeito, e o problema está precisamente no fato de não se admitir a
existência do direito sem sujeito”.
Sobre o tema, indispensável é a exposição da opinio de Maria Helena Diniz[26], para
quem “poder-se-ia até mesmo afirmar que na vida intra-uterina tem o nascituro e na
vida extra-uterina tem o embrião, concebido in vitro, personalidade jurídica formal, no
que atina aos direitos da personalidade, visto ter carga genética diferenciada desde a
concepção, seja ela in vivo ou in vitro (...), passando a ter personalidade jurídica
material, alcançando os direitos patrimoniais (RT, 593:258) e obrigacionais, que se
encontravam em estado potencial, somente com o nascimento com vida (CC, art. 1.800,
§ 3º)”.
Como exemplo dos direitos garantidos por lei ao nascituro, em razão de sua
personalidade jurídica formal, a referida autora[27] enumera “o direito à vida (CF, art.
10289
5º), à filiação (CC. arts. 1.596 e 1.597), à integridade física, a alimentos (RT, 650:220;
RJTJSP, 150:90-6), a uma adequada assistência pré- natal, à representação (CC, arts.
542, 1.630, 1.633, 1.779, parágrafo único; CPC, arts. 877 e 878, parágrafo único), a um
curador que o represente e zele pelos seus interesses (CC, arts. 542, 1.779 e parágrafo
único; CPC, arts. 877 e 878, parágrafo único) em caso de incapacidade ou
impossibilidade de seus genitores de receber herança (CC, arts. 1.784, 1.798, 1.799, I, e
1.800, § 3º, a ser contemplado por doação (CC, art. 542), a ser adotado, a ser
reconhecido como filho, a ter legitimidade ativa na investigação de paternidade (Lex,
150:90) etc”.
Ainda sobre a possibilidade da atribuição de personalidade jurídica ao nascituro,
Luciano Dalvi Norbim[28] assevera que “o direito à personalidade humana é uma
espécie de gênero direito à vida, o qual está rol das cláusulas pétreas. Sabemos que estas
nem por emenda constitucional podem ser abolidas, isto é, nem ao poder constituinte
derivado foi conferida a prerrogativa de editar norma que seja tendente a extinguir o
aludido direito. Ora, fica evidente que o legislador ordinário agiu de forma
inconstitucional ao suprimir o direito do nascituro de ter personalidade jurídica, que é
uma espécie do direito à vida e um dos consectários lógicos que o entrelaça, devendo
ser respeitado”. Aqui neste ponto já se percebe um posicionamento claramente
concepcionalista do autor.
Na mesma linha de pensamento Francisco Amaral[29], “formalmente, o nascituro tem
personalidade jurídica. O nascimento não é condição para que a personalidade exista,
mas para que se consolide. (...) A questão da personalidade jurídica do nascituro é
puramente de política legislativa, pois existem códigos que a reconhecem e outros que a
negam. Tal matéria simplifica-se com a concepção moderna que distingue a
personalidade da capacidade, atribuindo a primeira ao nascituro e ao defunto, e a
segunda, aos indivíduos com vida extra-uterina”.
Silmara J. A. Chinelato e Almeida[30], confessadamente adepta da teoria
concepcionalista, considera que o início da personalidade se dá desde a concepção,
destacando que, sob o prisma biológico, embora o nascituro “herde gens do pai e da
mãe, representa uma carga genética própria, constituindo uma unidade ou identidade
biológica inconfundível e distinta”.
Vale ressaltar que a personalidade jurídica do nascituro está reconhecida expressamente
no Código Civil argentino, que os classifica, ainda, como absolutamente incapazes,
passíveis de representação[31].
Entendemos, desta forma, que negar a personalidade jurídica ao nascituro, impedindo
que a ele sejam atribuídos os direitos da personalidade de maneira incondicional, a
exemplo do direito à vida, à integridade física, à honra, à intimidade, aos alimentos etc.,
além de todos os outros conferidos aos menores absolutamente incapazes, também
passíveis de representação pelos pais, seria um atentado à condição humana de forma
geral, um desrespeito ao princípio da dignidade, de magnitude constitucional. Assim,
tratamos do nascituro como exemplo de pessoa que requer uma proteção especial do
Estado para o seu próprio desenvolvimento, com fundamento no princípio da
solidariedade e com vistas ao adensamento da dignidade humana das presentes e futuras
gerações[32].
10290
3.
Dos alimentos: linhas gerais
Conforme o magistério do brilhante jurista Orlando Gomes[33], alimentos “são
prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A
expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida
de uma pessoa, compreendendo, tão-somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a
habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais,
variando conforme a posição social da pessoa necessitada. Na primeira dimensão, os
alimentos limitam-se ao necessarium vitae; na segunda, compreendem o necessário
personae. Os primeiros chamam-se alimentos naturais, os outros, civis ou côngruos”.
Ao comentar a obrigação de alimentar, Maria Helena Diniz[34] assevera que o
fundamento de tal obrigação “é o princípio da preservação da dignidade da pessoa
humana (CF, art. 1º, III) e o da solidariedade familiar, pois vem a ser um dever
personalíssimo, devido pelo alimentante, em razão de parentesco que o liga ao
alimentando”. É oportuno aqui mencionar a importância da compreensão do princípio
da solidariedade afeto-funcional, enquanto valor emocional e auxílio na forma de
assistência entre pessoas da família, com vistas à concreção da dignidade humana.
Os pressupostos essenciais para a concessão dos alimentos estão expressos na própria
lei civil, consoante se depreende da análise dos arts. 1.694, caput e § 1º, e 1.695, do
Código Civil[35]. Desta forma, para a configuração da obrigação alimentar faz-se
mister que se observe (1) caso de união estável, relação conjugal ou de parentesco entre
alimentante e alimentando; (2) necessidade do alimentando; e (3) possibilidade
econômica do alimentante.
Ao qualificar a amplitude do termo necessidade, no caso de alimentos, Orlando
Gomes[36] ensina que “por tal deve-se entender a falta de recursos, sejam bens ou
outros meios materiais de subsistência, mas, também, a impossibilidade de prover, pelo
seu trabalho, à própria mantença”.
Ainda conforme o referido autor[37], “a subordinação do direito à prestação de
alimentos ao fato de não poder o alimentando manter-se por seu próprio trabalho
justifica-se pela necessidade de desencorajar o ócio. Por outro lado, não seria justo
impor o encargo do suprimento de alimentos a um parente se o outro só se encontra em
estado de miserabilidade porque não quer trabalhar ou se desinteressa na procura, por
esforço próprio, dos meios de subsistência”.
Quanto ao elemento possibilidade do alimentante, este é entendido pela doutrina como a
capacidade econômica daquele de quem se reclama os alimentos. Ressalte-se que, como
pondera Yussef Said Cahali[38], a capacidade econômica do alimentante deverá ser
medida em relação ao seu patrimônio líquido, ou seja, patrimônio depurado dos débitos.
Assim, se o devedor não dispõe senão do indispensável para a própria sobrevivência, o
elemento possibilidade do alimentante não restaria configurado, não sendo cabível a
10291
condenação em alimentos, mesmo em face da necessidade do alimentando. Do
contrário, ter-se-ia o que a doutrina convencionou chamar de “partilha de misérias”[39].
Além de se originar do vínculo de família, deve-se ressaltar que os alimentos podem
resultar, ainda, de testamento, mediante legado; de sentença judicial condenatória nos
casos de ressarcimento de danos; bem como de contrato[40].
De forma unânime, a doutrina afirma que o direito à prestação de alimentos, quanto as
suas características, é pessoal, atual, transmissível, incessível, irrenunciável,
imprescritível, impenhorável, não podendo ser objeto de compensação ou transação.
Por outro lado, a obrigação de prestar alimentos é recíproca entre ascendentes,
descendentes e colaterais de 2º grau, os quais são potencialmente sujeito ativo e passivo
da norma. A referida obrigação recai prioritariamente nos parente mais próximos em
grau, iniciando-se pelos ascendentes.
Silvio Rodrigues lembra que, ao contrário do que ocorre no sistema francês e em outros
que seguiram o Código Napoleônico, no direito brasileiro os parentes afins não recebem
e nem prestam alimentos entre si[41].
A ação de alimentos - pela suma importância que a matéria requer face às necessidades
sociais, corolário que é do próprio direito à vida - foi consagrada de forma especial pelo
legislador pátrio, na Lei nº 5.478/68, com algumas peculiaridades no seu rito, na
tentativa de facilitar o recebimento dos alimentos pelo credor, cuja própria
sobrevivência depende, na maioria das vezes, da pontualidade de tal prestação.
A prisão do devedor de alimentos, por exemplo, é meio coercitivo legalmente previsto
para compelir o devedor recalcitrante a cumprir com os deveres de ordem moral e legal
que se negue injustificadamente a observar, como se depreende da análise do art. 19, da
Lei nº 5.478/68[42]. Ressalte-se, ainda, que a possibilidade da prisão do devedor de
alimentos está prevista também no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal de 1988, e no
art. 733, § 1º, do Código de Processo Civil[43].
Outra peculiaridade no rito especial da ação de alimentos presente na Lei 5.478/68 é o
estabelecimento, em seu art. 4º[44], da possibilidade para o autor na ação de alimentos
de pleitear os alimentos provisórios, que devem ser pagos pelo alimentante de imediato,
antes mesmo da sentença que determinará os alimentos definitivos.
Discorrendo sobre os alimentos provisórios, Nelson Nery Junior[45] ensina que os
mesmos “devem ser fixados de ofício pelo juiz, quando despachar a petição inicial. Na
fixação do quantum dos alimentos provisórios, o magistrado levará em conta a
necessidade do alimentando, a possibilidade de pagamento do alimentante e o nível
econômico social das partes”.
Particularidade de suma importância, no rito da Lei 5.478/68, e que deve nesta
oportunidade ser frisada, é a possibilidade do desconto dos alimentos diretamente do
salário ou de outros rendimentos do Alimentante, estabelecida no art. 17 da referida
lei[46], que também poderá ser invocado, no decorrer de demanda judicial, objetivando
facilitar o recebimento do crédito.
10292
É importante ressaltar que a ação de alimentos fulcrada na Lei 5.478/68 é cabível nos
casos em que existe prova pré-constituída do vínculo familiar que justifica o pagamento
de alimentos. Não havendo dita prova, a ação deve seguir o rito ordinário.
4.
Análise da nova lei sobre os alimentos gravídicos
Uma vez que reconhecemos a personalidade do nascituro, natural se mostra a defesa da
tese do direito deste aos alimentos, enquanto corolário do direito ao desenvolvimento de
sua personalidade, com base no princípio da solidariedade afeto-funcional, mesmo antes
da entrada em vigor da Lei 11.804/2008, que dispõe sobre os alimentos gravídicos.
Nesse sentido, também se posicionaram alguns nomes da doutrina pátria, senão
vejamos.
Silmara J. A. Chinelato e Almeida[47], em obra datada do ano de 2000, já defendia que
“ao nascituro – inclusive ao adotado – são devidos, como direito próprio, alimentos em
sentido lato – alimentos civis – para que possa nutrir-se e desenvolver-se com
normalidade, objetivando o nascimento com vida. Incluem-se nos alimentos a adequada
assistência médico-cirúrgica pré-natal, em sua inteireza, que abrange técnicas especiais
(transfusão de sangue, em caso de eritroblastose fetal, amniocentese, ultra-sonografia) e
cirurgias realizadas em fetos, cada vez mais freqüentes, alcançando, ainda, as despesas
como o parto”.
Benedita Inês Lopes Chaves[48], também desde o ano de 2002, em obra específica
sobre o tema dos nascituros, afirma que “salvo caso de manifesta má-fé ou ausência
inequívoca de indícios do bom Direito, o juiz deve conceder os alimentos provisionais
para possibilitar a adequada assistência pré-natal ao concebido, visando ao nascimento
com vida”.
Jorge Franklin Alves Felipe[49], já em 1998, afirmava que diante da permissão para o
reconhecimento voluntário ou forçado do nascituro pelos pais, disciplinada no art. 26,
parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se pode negar o correlato
do direito à prestação de alimentos no mesmo caso.
Luciano Dalvi Norbin[50], desde 2006, também ponderava que “os alimentos são um
direito do nascituro, que, através de sua representante legal, a mãe ou o curador ao
ventre, poderá pleitear alimentos provisionais ao pai, provando em juízo a gravidez e a
convivência com o indigitado pai para provar os requisitos do fumus boni iuris. O
fundamento do pedido deve ser o de amparar e de dar a necessária assistência pré-natal
do nascituro, englobando-se os medicamentos e as despesas médicas”.
Dessa forma, foi com grande expectativa de avanço que a idéia de positivação do direito
aos alimentos gravídicos foi por nós recebida, na esperança de vermos legislada e
inquestionável tal proteção tão essencial ao nascituro[51].
10293
Mas será que a Lei 11.804/2008 atende plenamente os interesses dos nascituros? Será
que foi redigida adequadamente? Mostra-se coerente com o todo do ordenamento
jurídico pátrio? São essas as analises que empreenderemos a seguir.
O art. 1º, da Lei 11.804/2008, ao dispor que “esta lei disciplina o direito de alimentos da
mulher gestante e a forma como será exercido”, já suscita dúvidas. A quem cabem os
alimentos em questão, à mãe, em face da atividade gestacional, ou ao próprio nascituro?
A quem a Lei 11.804/2008 visa proteger?
Analisando-se o art. 6º, parágrafo único, da referida lei, pelo qual após o nascimento
com vida, deverá haver conversão dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia em
favor do menor, tem-se mais um elemento que comprova o intuito do legislador foi
mesmo o de proteger a gestante, não o nascituro.
A solução da lei em tela, de fato, é coerente com a legislação civil pátria, que não
confere personalidade jurídica ao nascituro, embora proteja os interesses deste desde a
concepção, conforme se lê no art. 2º, do Código Civil. Entretanto, impossível não se
questionar: a solução apontada pela norma é justa?
Maria Berenice Dias[52], criticando a “feiúra” da expressão “alimentos gravídicos”,
entende que se trata mesmo de benefício conferido à gestante, o que teria, inclusive
inspirado a denominação do instituto. Ousamos discordar da ilustre jurista, e não
estamos sós.
Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior[53] assevera que “o direito de alimentos da mãe
não é o mesmo direito de alimentos do nascituro. São, pois, coisas absolutamente
distintas. (...) Ao nosso sentir, a lei equivocou-se ao atribuir os alimentos à mulher
grávida, e não aos nascituros”.
Na mesma linha de pensamento, Fernando Gaburri[54], em artigo específico sobre a
matéria em comento, afirma que “o titular imediato ou direto dos alimentos gravídicos é
o nascituro e só indiretamente ou mediatamente a mulher grávida”.
Quanto à extensão do benefício a ser prestado no caso, o art. 2º, caput, da Lei
11.804/2008, já oferece os parâmetros, ao determinar que deverá compreender “os
valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que
sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação
especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto,
medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do
médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”.
A redação do dispositivo supramencionado deixa claro que se trata de enumeração
exemplificativa, estando o julgador livre para fixar o valor dos alimentos conforme as
especificidades do caso concreto, sempre, todavia, atentando ao binômio necessidade do
alimentando - possibilidade do alimentante como ocorre na hipótese geral de obrigação
alimentar.
Ressalte-se, ainda, que o referido art. 2º, da Lei 11.804/2008, em seu parágrafo único,
considera a que contribuição que também deverá ser dada pela própria mulher grávida,
10294
de forma proporcional aos seus recursos, o que não pode ser olvidado, uma vez que a
obrigação de sustento do filho decorrente do poder familiar também cabe à mãe.
O grande diferencial da Lei 11.804/2008, a nosso ver, consta no seu art. 6º, que permite
ao juiz da causa a fixação dos alimentos gravídicos com base em meros indícios de
paternidade, ponto em que se distancia diametralmente da Lei de Alimentos (Lei
5.478/68, art. 2º), em que o parentesco deve ser provado de plano.
Sobre a redação do art. 6º, da Lei 11.804/2008, Jesualdo Eduardo de Almeida
Júnior[55] elogia a referida norma, afirmando que esta “valeu-se de terminologia muito
mais apropriada daquela usada pelo Código Civil. No Título que cuida das provas,
precisamente no seu art. 230, o Código fez menção à existência de provas presumidas.
Ora, mas presunção não é prova, e sim conclusão de raciocínio. O que se pretendia era a
prova indiciária, nomenclatura assumida pela nova lei”.
Faz-se mister esclarecer, de logo, que a questão dos indícios in casu se aplica apenas
quanto à paternidade, não em relação à gravidez, que deve estar devidamente provada
quando da interposição da inicial, sob pena de extinção do processo sem julgamento de
mérito, por falta de interesse processual.
A prova da gravidez, contudo, não precisa estar acompanhada de laudo acerca da
viabilidade do feto. Como exposto anteriormente, o direito brasileiro condiciona a
aquisição da capacidade apenas ao nascimento com vida, sem alusões à forma humana
ou à possibilidade de sobrevivência da criança.
Dessa forma, ainda que se constate qualquer problema de saúde do nascituro, é devido o
pagamento dos alimentos gravídicos, aliás, com muito mais propriedade nessa hipótese
e, a depender da enfermidade, em montante superior aos casos normais.
Foi com base em raciocínio análogo que o art. 4º, da redação originária da Lei
11.804/2008, recebeu o veto presidencial, haja vista que exigia, de forma absolutamente
carente de razoabilidade, prova da viabilidade da gravidez.
Acerca da questão da comprovação da paternidade no caso dos alimentos gravídicos
surge outra questão: caberia ao suposto pai recorrer à perícia médica no intuito de
comprovar a inexistência de vínculo com o nascituro?
Mesmo em face de respeitável posicionamento contrário[56], acreditamos que os
exames periciais nesse caso poderiam colocar desnecessariamente em risco a vida do
nascituro, o que seria um contra-senso, diante do fim maior dos alimentos gravídicos
que é exatamente garantir-lhe a vida.
Lastreado em dados científicos, Douglas Phillips Freitas[57] também considera que
“não é possível realizar qualquer exame pericial, pelo menos na tecnologia atual, sob
pena de pôr em risco a existência do feto, e tal possibilidade não é admitida pelo nosso
ordenamento jurídico”.
Ainda sobre a prova da paternidade para a concessão dos alimentos gravídicos, Maria
Berenice Dias[58] ensina que “bastam indícios da paternidade para a concessão dos
10295
alimentos, os quais irão perdurar mesmo após o nascimento, oportunidade em que a
verba fixada se transforma em alimentos a favor do filho”.
Eis que surge outra dúvida: se bastam indícios para a aferição da paternidade na
concessão dos alimentos gravídicos, quais os indícios seriam considerados suficientes
para tanto? Podemos citar nesse caso, por exemplo, testemunhas; cartas, cartões ou emails trocados entre as partes; fotografias e filmes mostrando ambos juntos, em atitudes
íntimas; comprovantes de residência comum ou de viagens. Todos os indícios,
obviamente, devem se referir ao período da concepção e a ação é cabível ainda que não
haja o conhecimento social sobre o relacionamento[59].
Do ponto de vista processual, a própria Lei 11.804/2008, sem prolongar-se em
disposições desta ordem, determina, em seu art. 11, que a ela se aplicam de forma
supletiva, a Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos) e o Código de Processo Civil.
A única disposição na seara processual que se observa na Lei 11.804/2008 é que está
presente em seu art. 7º, atinente ao prazo para contestação da ação de alimentos
gravídicos, que deve ser de 5 (cinco) dias, a exemplo do que se observa como regra nos
procedimentos cautelares.
Nesse sentido do prazo para contestação, resta explícito que o objetivo do legislador de
conferir maior celeridade processual aos casos dos alimentos gravídicos, pois o artigo
correlato na Lei 5.478/68 (lei de Alimentos) prevê que a resposta do réu nestes casos
seja apresentada apenas na audiência de conciliação e julgamento (art. 5º, § 1º).
Sobre a falta de apresentação de resposta na ação de alimentos gravídicos, vale ressaltar
o entendimento de Maria Berenice Dias[60], para quem, “caso o genitor não conteste a
ação e não faça o registro do filho, a procedência da ação deve ensejar a expedição do
mandado de registro, sendo dispensável a instauração do procedimento de averiguação
da paternidade para o estabelecimento do vínculo parental”.
Acreditamos que nesse ponto é necessária cautela, tendo em vista que nos casos de
filiação há envolvimento de direitos personalíssimos e indisponíveis, nos quais não se
aplicam os efeitos da revelia, nos termos do art. 320, II, do Código de Processo Civil.
Em raciocínio similar, podemos citar Denis Donoso[61], para quem nem mesmo a
procedência da ação de alimentos gravídicos cria uma relação jurídica formal de
paternidade, pois seu objetivo não se confunde com o da ação de investigação de
paternidade. Conforme o autor, “se o menor, após o seu nascimento, quiser a
formalização da situação, deve ingressar com a respectiva demanda”.
Como a Lei 11.804/2008 silencia acerca dos alimentos gravídicos provisórios, pode-se
concluir, em face da aplicação subsidiária da Lei de Alimentos estipulada em seu art.
11, que não apenas é possível essa fixação, como é recomendável que assim se proceda,
tendo em vista o curto espaço de tempo em que se desenvolve a gestação se confrontado
com a duração normal de um processo na Poder Judiciário Brasileiro.
Mais uma dúvida de natureza processual: desde quando seriam devidos os alimentos
gravídicos, a partir do início da gestação ou da citação do Réu? A análise das razões do
veto do art. 9º da redação originária da Lei 11.804/2008 pode iluminar a questão.
10296
A versão primária do projeto que deu origem à Lei 11.804/2008, em seu vetado art. 9º,
dispunha que seriam cabíveis os alimentos gravídicos desde a citação. Tal artigo foi
vetado sob a justificativa de que: “ocorre que a prática judiciária revela que o ato
citatório nem sempre pode ser realizado com a velocidade que se espera e nem mesmo
com a urgência que o pedido de alimentos requer. Determinar que os alimentos
gravídicos sejam devidos a partir da citação do réu é condená-lo, desde já, a nãoexistência, uma vez que a demora pode ser causada pelo próprio réu, por meio de
manobras que visam impedir o ato citatório. Dessa forma, o auxílio financeiro devido à
gestante teria início no final da gravidez, ou até mesmo após o nascimento da criança, o
que tornaria o dispositivo carente de efetividade”.
Conforme conclui Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior[62], “se o artigo foi vetado, era
a intenção do legislador que sua regra não fosse aplicável. Assim, ao nosso pensar, resta
concluir que os alimentos, aqui, serão devidos desde a concepção do nascituro”.
Outros pontos merecem reflexão: e se a paternidade não for constatada quando do
nascimento? Os alimentos seriam repetíveis? Haveria direito de indenização do homem
contra a autora da ação? Se a mãe perde o bebê e não comunica ao juízo, ou não sabe
que perdeu, ou se não o perdeu por culpa, como fica a situação? E se a criança nascer
morta? Tais situações são completamente idênticas ou os casos de má-fé devem ter
tratamento diferenciado?
Como bem pondera Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior[63], no caso em apreço, diante
da inexistência de prova pré-constituída da paternidade, servindo à lei meros indícios,
agravam-se os riscos de serem condenados aqueles que não sejam os verdadeiros pais.
Nesta oportunidade nos valeremos, mais uma vez, da redação do projeto que originou a
Lei 11.804/2008, e suas razões de veto. Na redação originária, havia o art. 10, que
determinava: “em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor
responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu”. Frise-se
que se tratava de hipótese de responsabilidade objetiva, a qual prescinde de
comprovação acerca de culpa do agente causador do dano.
As razões de veto do referido art. 10 merecem destaque: “tratava-se de norma
intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se
ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do
direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar,
independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do
direito de ação”.
Concordamos integralmente com as razões do veto. A possibilidade de
responsabilização da mãe em caso de proposição de ação de alimentos gravídicos contra
aquele que, ao nascimento do menor, descobre não ser pai deste, máxime objetivamente,
tolhe o seu direito de ação, de magnitude constitucional (CF, art. 5º, XXXV). Fora isso,
acreditamos que, sendo espécie dos alimentos comuns, os gravídicos mantêm sua
característica da irrepetibilidade.
Entretanto, pensamos que evidenciada a inequívoca má-fé da mãe, tanto nos casos de
conhecimento sobre a inveracidade da paternidade alegada, quanto na omissão de
informações sobre a interrupção da gravidez, pode-se cogitar da indenização por danos
10297
materiais e morais contra a autora da ação. Todavia, ter-se-ia aqui hipótese de
responsabilidade subjetiva.
Não se pode olvidar, ainda, que a Lei 11.804/2008, para sua aplicação eficaz, deverá
contar com a colaboração do Poder Judiciário, que deverá reconhecer a absoluta
prioridade dos casos envolvendo os alimentos gravídicos, agilizando-os ao máximo, em
razão do período, em regra, de 9 (nove) meses em que se desenvolve a gestação.
A jurisprudência pátria já demonstra sinais de aplicação do novel instituto, conforme
exemplificado nas ementas colacionadas abaixo, embora se trate de matéria
relativamente recente.
“Agravo de instrumento – Investigação de paternidade – Alimentos gravídicos – Art..
6º, Lei 11.804/08 – Presença dos indícios de paternidade – Ausência de provas acerca
da alegada impossibilidade financeira – Desprovimento do Recurso” (TJMG, Agravo de
Instrumento n° 1.0024.09.478064-0/001, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Roney Oliveira, j.
05.05.2009).
“Direito de Família - Alimentos gravídicos - Lei nº 11.804/2008 - Gravidez - Situação
atual - Possibilidade de aplicação da lei nova em ação ajuizada anteriormente à vigência
da referida lei - Formalismo Jurídico - Instrumentalidade das formas - Celeridade
processual. Se antes as disposições concernentes à concessão de alimentos exigiam
prova de parentesco ou da obrigação, atualmente, com o advento da Lei nº 11.804/2008,
especificamente das disposições contidas em seu artigo 6º, para a concessão de
alimentos gravídicos, basta a existência de indícios da paternidade. Presumindo-se que a
autora ainda está grávida, a situação é atual, pelo que a lei nova não estará retroagindo,
não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade jurídica do pedido, pelo o único
motivo da ação ter sido ajuizada antes da vigência da Lei 11.804/2008. A moderna
concepção de processo, sustentada pelos princípios da economia, instrumentalidade e
celeridade processual, determina o aproveitamento máximo dos atos processuais,
principalmente quando se trata de ação de cunho alimentar e, quando, não há prejuízo
para a defesa das partes” (TGMG, Processo 1.0702.08.501783-9/001, Rel. Des. Dárcio
Lopardi Mendes. P. 17.04.2009).
Pode-se dizer que, ainda que em breves artigos, e, em certos casos, de redação
questionável, não há como se reconhecer o mérito da iniciativa legislativa ora estudada,
que, regulamentando expressamente a possibilidade de concessão de alimentos em face
de gravidez, diante de meros indícios de paternidade, representa a compreensão e
aplicação do princípio da solidariedade afeto-funcional em sua expressão máxima.
Conclusão
1. O fundamento no paradigma da solidariedade, dentro da compreensão evolutiva do
fenômeno da “dinamogênesis” dos valores, permeia as relações jurídicas entre presente
e passado, entre ricos e pobres, entre desenvolvidos e em desenvolvimento, entre
pessoas com capacidade plena e incapazes ou com capacidade reduzida.
10298
2. Com efeito, o valor solidário constitucional no Direito de Família nos remete ao
conceito de solidariedade afeto-funcional, que traduz um valor ligado à emoção (afeto),
mas que ao mesmo tempo induz ao auxílio na forma de assistência individual, coletiva
ou recíproca, haja vista a proteção da dignidade presente e futura.
3. Assim, são reconhecidos, na 3ª dimensão dos direitos humanos, os direitos
globalmente difusos e ainda os direitos individuais que dependem de princípios morais
solidaristas ou de auxílio mútuo – como os direitos do nascituro.
4. A elucidação do novel instituto dos alimentos gravídicos, por envolver o interesse do
nascituro, pressupõe um posicionamento acerca das teorias que tratam do início da
personalidade civil da pessoa natural.
5. O Código Civil, em seu art. 2º, deixa clara a opção do ordenamento jurídico pátrio
pela teoria natalista, que prega o início da personalidade da pessoa natural a partir
nascimento com vida.
6. Nosso entendimento, entretanto, é o conceptista, pelo qual a personalidade jurídica se
inicia desde a concepção, possuindo o nascituro, assim, não apenas os direitos da
personalidade, mas todos aqueles conferidos aos absolutamente incapazes, sob pena de
se admitir grave ofensa ao princípio da dignidade humana.
7. Por outro lado, aos alimentos gravídicos aplicam-se, subsidiariamente, as normas
referentes aos alimentos previstos no Código Civil e na Lei 5.478/1968, verificando-se
entre ambos uma relação de gênero e espécie, razão pela qual a compreensão do
instituto ora analisado depende, ainda, do estudo das linhas gerais da matéria.
8. Os alimentos, globalmente definidos, correspondem à obrigação de auxiliar nas
necessidades vitais do parente, cônjuge ou companheiro, quando estes se mostrem
carentes de recursos, tudo em nome dos princípios da dignidade humana e da
solidariedade familiar. A prestação dos alimentos varia, em sua extensão, conforme a
possibilidade do alimentante e a necessidade do alimentado.
9 . Pela incontestável importância da matéria dos alimentos, corolário que é do próprio
direito à vida, a ação de alimentos foi consagrada de forma especial pelo legislador
pátrio, na Lei 5.478/68, com instrumentos de que visam agilizar e efetivar ao máximo a
prestação jurisdicional, como a possibilidade de prisão do alimentante devedor, da
concessão de alimentos provisórios e do desconto da prestação alimentícia diretamente
do salário ou de outros rendimentos do alimentante.
10. A lei dos alimentos gravídicos, além de contemplar o beneficiário com os
instrumentos processuais especiais previstos na Lei 5.478/1968, apresenta a
peculiaridade quanto ao prazo de contestação, de 5 (cinco) dias, ou seja, ainda mais
célere.
11. Consideramos, entretanto, que o aludido beneficiário da Lei 11.804/2008 é o próprio
nascituro, de quem defendemos a personalidade jurídica, embora a lei confira a
legitimidade da genitora para a ação.
10299
12. O grande diferencial da Lei 11.804/2008, a nosso ver, consta no seu art. 6º, que
permite a fixação dos gravídicos em face de meros indícios de paternidade, na ausência
de prova absoluta do parentesco. Ressalvamos, neste ponto, que não é cabível a
realização de perícia nesses casos, diante dos riscos que poderia causar à integridade
física do nascituro.
13. Ainda que, ao final da ação, reste comprovada a inexistência da paternidade, não se
configura a responsabilidade civil da genitora, em razão da excludente do exercício
regular do direito de ação, a menos que esta tenha agido sob o signo da comprovada máfé.
14. A jurisprudência sobre a matéria dos alimentos gravídicos ainda é incipiente, devido
ao fato de se tratar de legislação recente. Todavia, os julgados já se mostram firmes na
aplicação do novel instituto sem exigência de prova concreta da paternidade,
demonstrando a exata compreensão da solidariedade familiar que norteia o tema.
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WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
[1] Cf. artigo 3º, I da CRFB/88.
[2]
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 24. ed., ver. e atual., Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 17. Desse modo, nos ensina Paulo Nader que: “apesar de possuir um
substrato axiológico permanente, que reflete a estabilidade da ’natureza humana’, o
direito é um engenho à mercê da sociedade e deve ter a sua direção de acordo com os
rumos sociais”.
10302
[3] SILVEIRA, Vladmir Oliveira. Direitos Humanos e Desenvolvimento. Palestra
proferida nas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, no dia 13 de agosto de 2008,
dentro da semana jurídica que aconteceu entre os dias 11 e 15 de agosto de 2008.
[4] SILVEIRA, Vladmir Oliveira; CONTIPELLI, Ernani. Direitos Humanos
Econômicos na perspectiva da Solidariedade: desenvolvimento integral. In: XVI
Encontro Nacional CONPEDI, 2008, Salvador - BA. Anais XVI Encontro Nacional do
CONPEDI, 2008.
[5] ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema global. São Paulo:
Perspectiva, 1994.
[6] BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, p.
223.
[7] ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. 9. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 115-116.
[8] Neste sentido, encontramos as palavras de Jairo Schäfer: “Natural, portanto, que as
primeiras concepções formais de direitos tivessem por objetivo a proteção do cidadão
frente ao Estado absolutista (Leviatã, na concepção clássica de Hobbes), pois a
liberdade é pressuposto para o exercício de outras faculdades constitucionais. O
reconhecimento da existência de direitos irrenunciáveis quando do contrato social fez
nascer uma nova relação entre sociedade civil e o Poder Público, estabelecendo uma
clara separação entre estas duas importantes estruturas sociais. Essencialmente,
preservaram-se situações nas quais não se mostraria lícita a intromissão do Estado nas
relações privadas, submetendo-se o soberano ao império da lei: o Estado somente pode
intervir nos direitos dos cidadãos mediante prévia autorização da lei, a qual, fruto do
parlamento, representa autorização do conjunto dos cidadãos, a partir dos primados da
democracia representativa”. SCHAFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais
- do sistema geracional ao sistema unitário. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005,
p. 19.
[9] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais.
4. ed., São Paulo: RCS, 2005.
[10] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1999, p.
282.
[11] Nessa perspectiva, não mais se permite fragmentar o ser humano nesta ou naquela
categoria de pessoas, ou vinculado a este ou àquele Estado, mas sim devendo ser visto
como um gênero, que possui anseios e necessidades comuns.
[12] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2. ed., Rio de
Janeiro: Renovar, 2006, p. 92.
[13] NERY, Rosa Maria de Andrade. Apontamentos sobre o princípio da solidariedade
no sistema do direito privado. In: Revista de Direito Privado, Vol. 17, Ano 5, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 68.
10303
[14] Dada a reflexão sobre a abertura para o Direito Civil Constitucional, salienta Pietro
Perlingieri que “não é suficiente, portanto, insistir na afirmação da importância dos
interesses da personalidade no direito privado, é preciso predispor-se a reconstruir o
Direito Civil, não como uma redução ou aumento da tutela das situações patrimoniais,
mas como uma tutela qualitativamente diversa”. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do
direito civil. Introdução direito Civil Constitucional. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar,
2007, p. 34.
[15] COÊLHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito civil. Vol.1, São Paulo: Saraiva, 2003,
p.138.
[16]DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil.
22 ed., rev. e atual., Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 118.
[17] Maria Helena Diniz, Curso..., cit., p. 222.
[18] Maria Helena Diniz, Curso..., cit., p. 119.
[19] Maria Helena Diniz, Curso..., cit., p. 147.
[20] RODRIGUES, Rafael Garcia. A pessoa e o ser humano no novo Código Civil, In:
TEPEDINO, Gustavo (coord.), A parte geral do novo código civil: estudos na
perspectiva civil-constitucional, 2.ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 134, p. 4-5.
[21] Em sua primeira parte, pode-se, com segurança, afirmar que o art. 2º, do citado
Codex, apresenta-se conforme a moderna tendência legislativa de se abandonar, para a
configuração da personalidade da pessoa física, exigências como a possibilidade de
sobrevivência do ser ou a forma humana, estas típicas do direito romano (GOMES,
Orlando. Introdução ao Direito Civil. 13 ed., Atualização e notas de Humberto
Theodoro Júnior, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 144. PEREIRA, Caio Mário da
Silva. Instituições de direito civil: Introdução ao direito civil, 20 ed. rev. e atual., Vol.
1, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 219-220). Como afirma Rafael Garcia Rodrigues,
“visualiza-se, então, quando do início da personalidade, duas situações: o nascimento,
que envolve a separação do ventre materno, e a vida, cujo marco inicial é a entrada de ar
nos pulmões, quando da respiração” (Rafael Garcia Rodrigues, A pessoa..., cit., p. 5-6.
No mesmo sentido, Caio Mário da Silva Pereira, Instituições..., cit., p. 219).
No mesmo sentido, Código Civil Português, art. 66, 1 e 2 (“Começo da personalidade”.
1. “A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida”. 2.
“Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento”); Código
Civil italiano, art. 1º (“Capacidade jurídica. A capacidade jurídica se adquire no
momento do nascimento. Os direitos que a lei reconhece ao nascituro estão
subordinados ao evento do nascimento”); e o Código Civil alemão, Livro 1, Divisão 1,
Título 1, Seção 1 (“Início da capacidade legal. A capacidade legal do ser humano
começa com o nascimento”).
[22] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32 ed. atual., Vol. 1, São Paulo:
Saraiva, 2002, p.36.
10304
[23] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. 39. ed.
rev. e atual., Vol. 1, São Paulo : Saraiva, 2003, p. 66.
[24] Orlando Gomes, Introdução..., cit., p. 143-144.
[25] Caio Mário da Silva Pereira, Instituições..., cit., p. 217.
[26] Maria Helena Diniz, Curso..., cit., p. 193.
[27] Maria Helena Diniz, Curso..., cit., p. 192.
[28] NORBIM, Luciano Dalvi, O Direito do nascituro à personalidade civil, Brasília:
Brasília Jurídica, 2006, p. 87.
[29] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 4 ed. rev., atual. e aum., Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 217-218.
[30] ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 161-162.
[31] Art.51. “Todos los entes que presentasen signos característicos de humanidad, sin
distinción de cualidades o accidentes, son personas de existencia visible”.
Art.54. “Tienen incapacidad absoluta: 1ro. Las personas por nacer; 2do. Los menores
impúberes; 3ro. Los dementes;
4to. Los sordomudos que no saben darse a entender por escrito; 5to. Derogado por la ley
17.711”.
Art.63. “Son personas por nacer las que no habiendo nacido están concebidas en el seno
materno”.
Art.64. “Tiene lugar la representación de las personas por nacer, siempre que éstas
hubieren de adquirir bienes por donación o herencia”.
Art.69. “Cesará la representación de las personas por nacer el día del parto, si el hijo
nace con vida, y comenzará entonces la de los menores, o antes del parto cuando
hubiere terminado el mayor plazo de duración del embarazo, según las disposiciones de
este Código”.
[32] Sobre a matéria, cabe, ainda, observar, que o Projeto 6.960/2002, de autoria do
então Deputado Ricardo Fiúza, por sugestão da Profª. Drª. Maria Helena Diniz, propôs a
alteração do referido art. 2º, do Código Civil, o qual, em caso de aprovação, passaria a
dispor: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe
a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e os do nascituro”.
Entretanto, em 31.01.2007, foi determinado o arquivamento do referido projeto de lei,
pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, nos termos do art. 105, do Regimento
Interno[32], sendo que o mesmo foi efetivamente encaminhado para arquivo em
17.03.2008.
10305
De qualquer forma, a despeito das louváveis intenções do projeto analisado supra,
entendemos que a modificação, na forma como foi formulada, embora garantisse os
direitos do embrião, não adotava a teoria concepcionalista/conceptista, por manter o
nascimento com vida como condição para a aquisição da personalidade.
[33] GOMES, Orlando. Direito de Família. 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.
427.
[34] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 17. ed.,
Vol. 5, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 459.
[35] Art. 1.694. “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros
os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos
recursos da pessoa obrigada”.
Art. 1.695. “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens
suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele de quem
se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.
[36] Orlando Gomes, Direito...cit., p. 430.
[37] Idem Ibidem, p. 430.
[38] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 3 ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998, p. 752.
[39] Idem Ibidem, p. 751.
[40] Orlando Gomes, Direito... cit., p. 427. WALD, Arnoldo. O novo direito de família.
15. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 43-44.
[41] RODRIGUES, Silvio. Direto civil: direito de família. 27. ed., Vol. 6, São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 423.
[42] Art. 19. “O juiz, para instrução da causa, ou na execução da sentença ou do acordo,
poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o
cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até
60 (sessenta dias)”.
[43] Art. 5º (...) LXVII – “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável
pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel”.
Art. 733. “Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o
juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o
fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1º Se o devedor não pagar, nem se
escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses”.
10306
[44] Art. 4º “Ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a
serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente que delas não necessita”.
[45] NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado. 4. ed., São Paulo:
RT, 1999, p. 1.710.
[46] Art. 17. “Quando não for possível a efetivação executiva da sentença ou do acordo
mediante desconto em folha, poderão ser as prestações cobradas de alugueres de prédios
ou de quaisquer outros rendimentos do devedor, que serão recebidos diretamente pelo
alimentado ou por depositário nomeado pelo juiz”.
[47] ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 243-244.
[48] CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr,
2000, p. 94-95.
[49] FELIPE, Jorge Franklin Alves. Prática das Ações de Alimentos. 5. ed., Rio de
Janeiro: Forense, 1998, p.19.
[50] NORBIM, Luciano Dalvi. O Direito do nascituro à personalidade civil. Brasília:
Brasília Jurídica, 2006, p. 50.
[51] Cumpre ressaltar que a possibilidade de concessão dos alimentos ao nascituro foi
expressamente prevista pelo Código Civil português (de 25.11.1966, alterado pelo Dec.
Lei 496/77), em seu art. 1.884º, onde se lê: “Alimentos à mãe. 1. O pai não unido pelo
matrimônio à mãe do filho é obrigado, desde a data do estabelecimento de paternidade,
a prestar-lhe alimentos relativos ao período da gravidez e ao primeiro ano de vida do
filho, sem prejuízo das indenizações a que por lei ela tenha direito. 2. A mãe pode pedir
os alimentos na ação de investigação de paternidade e tem direito a alimentos
provisórios se a ação foi proposta antes de decorrido o prazo a que se refere o número
anterior, desde que o tribunal considere provável o reconhecimento”.
[52] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed., rev. atual. e ampl.,
São Paulo: RT, 2009, p. 480-481.
[53] ALMEIDA JUNIOR, Jesualdo Eduardo de. Alimentos gravídicos. In: Revista dos
Tribunais, Ano 98, Vol. 882, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 9-24, p. 16.
[54] GABURRI, Fernando. Análise crítica da lei de Alimentos Gravídicos. In: Revista
IOB de Direito de Família. Ano XI, n. 54, Porto Alegre: Síntese, 2009, p. 56-71, p. 62.
[55] Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior. Alimentos..., cit., p. 17.
[56] FONSECA, Antônio Cezar Lima. Dos alimentos gravídicos – Lei nº 11.804/2008.
In: Revista IOB de Direito de Família, Ano IX, n. 51, Porto Alegre: Síntese, 2009, p. 717.
10307
[57] FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a Lei nº 11.804/2008. In:
Revista IOB de Direito de Família, Ano IX, n. 51, Porto Alegre: Síntese, 2009, p. 1823, p. 21-22.
[58] Maria Berenice Dias, Manual..., cit., p. 481-482.
[59] No mesmo sentido, DONOSO, Denis. Alimentos gravídicos: Aspectos materiais e
processuais da Lei nº 11.804/2008. In: Jus Navigandi. Teresina, ano 13, n. 2028, 19 jan.
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08 de setembro de 2009, p. 6.
[60] Maria Berenice Dias, Manual..., p. 482.
[61] Denis Donoso, Alimentos..., cit., p. 7.
[62] Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior, Alimentos..., cit., p. 21.
[63] Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior, Alimentos..., cit., p. 19.
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