Livro Analisado: Angústia
Preparação: Prof. Menalton Braff
O Autor: Graciliano Ramos
Alagoas - 1892
Rio de Janeiro - 1953
Geração de 30 (regionalista - Classificação contestada p/Alfredo Bosi)
Tensão permanente entre homem-meio-outros
- Sua matriz é a ruptura - homem problematizado
- Sentimento de rejeição
- realismo crítico: herói não aceita - mundo
outros
a si mesmo
- desencontros entre Universo do ter e Universo do ser
- Paradigma de romance psicológico e social
A obra
Angústia, o mais complexo dos romances de Graciliano Ramos, foi
publicado em 1936, depois de Caetés e São Bernardo, enquanto o autor
estava preso no Rio de Janeiro.
Personagens
Luís da Silva é o anti-herói que em primeira pessoa relata um ano de sua
vida. Trinta e poucos anos, funcionário público (revisor e redator do Diário
Oficial), um fracassado. Todo encolhido e tímido: "...as pessoas que
entram e as que saem empurram-me as pernas." Um pouco à frente,
refletindo sobre o amor, afirma: "O amor para mim sempre fora uma
coisa dolorosa, complicada e incompleta." Quase nada tem e o pouco que
tem vai aos poucos e irreversivelmente sendo-lhe tomado. Perde as
reservas financeiras, perde a noiva, perde a inocência.
Ao descrever-se, o narrador afirma: "Um sujeito feio: os olhos baços, o
nariz grosso, um sorriso besta e a atrapalhação, o encolhimento que é
mesmo uma desgraça."
Marina é a vizinha bela e fútil por quem Luís se apaixona (melhor seria
dizer por quem sente desejo). Depois de gastar as economias do noivo
em um enxoval irrelizado, Marina se embeiça por um amigo (?) do noivo,
de posição social e financeira superior. Grávida, é abandonada.
Julião Tavares é o patrioteiro discursador, filho de comerciante rico, que
rouba a noiva de Luís da Silva. Gordo, sovaco sempre úmido, carão
redondo e vermelho, representa o chato, intragável conquistador barato,
D. Juan dos pobres. Logo depois de engravidar e abandonar Marina, já
está de amante nova, mocinha pobre dos arrabaldes.
Seu Ramalho e Dna. Adélia são os pais de Marina. Ele trabalhador de uma
usina de eletricidade, ela dona de casa. A mãe, resto decadente do que
fora na juventude, justifica todas as ações da filha. O pai, mais severo, a
condena. Sabe bem o valor da filha que tem.
Vitória é a empregada encanecida de Luís da Silva. Maníaca já, lê todos os
dias as notícias de saídas e chegadas de navios, além de tagarelar com o
papagaio. Furta moedas encontradas pela casa e, juntamente com seu
salário, enterra tudo no fundo do quintal junto a uma cerca.
Moisés é um judeu comunista, amigo de Luís da Silva, seu interlocutor
político.
Espaço
O espaço externo não é assinalado, podendo ser, provavelmente, Maceió.
De qualquer forma, é uma cidade marítima do Nordeste brasileiro.
O espaço interno em que predomina a ação é a casinha de Luís da Silva,
grudada a outras casas de aluguel numa promiscuidade irritante de
ruídos. O quintal, a rua em frente, os vizinhos, finalmente a linha do trem,
onde Luís, nos últimos lances do romance, encontra de madrugada Julião
Tavares.
Tempo
O tempo histórico deve ser o tempo da escritura do romance (mais ou
menos 1936). O tempo narrativo, extremamente lento, por vezes,
abrange cerca de um ano da vida do narrador. Apesar desta possibilidade
de determinar o tempo narrativo, deve-se observar que predomina o
tempo psicológico, em que presente e passado vêm em relatos imprecisos
em que os dois tempos se misturam.
Narrador
A narração é feita em 1ª pessoa, narrador/protagonista, como num jogo
de memória em que o passado recente desfila perante nossos olhos na
mente do narrador. Nesse jogo, de monólogo interior, recordação e
imaginação se confundem, assim como presente e passado.
Tecnicamente, pode-se dizer que predomina a livre associação:
fragmentos do passado são chamados à memória por acontecimentos do
presente.
Estilo
Nunca é de mais lembrar uma das principais características da linguagem
de Graciliano Ramos que é a concisão. Frases nominais e elipses são os
principais recursos de seu estilo.
Outro aspecto do estilo do autor é a maestria com que usa os diversos
tipos de discurso, cabendo ressaltar que, em Angústia, narrativa em
primeira pessoa, muitas vezes o próprio discurso do narrador aparece
como discurso indireto-livre.
Deve-se ainda destacar entre as técnicas utilizadas, a do prenúncio.
Desde as primeiras páginas, palavras como corda, enforcamento, ou
qualquer coisa que as lembre, já remetem, como numa antecipação do
ato final, dado, assim, como um desfecho irresistível.
Ação
Luís da Silva é um funcionário do Diário Oficial que vive sozinho com uma
empregada velha e um papagaio. Redige notas de encomenda para
jornais, tem algumas manias, é um fracassado no sentido mais extenso
do termo. Chegou à cidade depois de fugir da fazenda de seu avô
(decadente), é tímido, faz tudo que lhe mandam, embora com mudo
rancor. Apaixona-se por vizinha recém-chegada e de quem se torna noivo.
Tem alguns recursos no banco, que aos poucos vai entregando à noiva,
Marina, até ficar sem vintém. Em uma reunião conhece por acaso Julião
Tavares, o orador principal, figura asquerosa de "dono do mundo". Um
dia, quando chega a casa de volta do serviço, encontra Julião Tavares
instalado em sua (de Luís da Silva) sala, namorando Marina, sua (de Luís
da Silva) noiva, pela janela. O noivado é desfeito e instala-se o rancor. A
imaginação de Luís da Silva inicia um processo de compensação em que
Julião morre de diversas maneiras. Grávida, Marina, Julião a deixa
abandonada à própria sorte. Marina comete o aborto e Julião é descoberto
por Luís com outra amante. Às três horas de uma madrugada, num
caminho deserto e escuro pelos fundos dos quintais, Luís usa uma corda
que trazia no bolso para matar Julião Tavares enforcado. Volta para casa
e depois de algumas horas entra em estado de delírio, ficando por vários
dias acamado e com febre.
Obsessões
A mente de Luís da Silva é o cenário de sua ação. A mente, muitas vezes
caótica, em que os pensamentos passam em carreira vertiginosa,
emaranhando-se em associações livres em seu monólogo interior. Alguns
desses pensamentos, algumas das personagens que lhe afluem à mente,
são reiterativos, freqüentes, até mesmo obsessivos.
Algumas dessas obsessões:
- as mortes do avô e do pai;
- um cangaceiro estendido morto na rede;
- cobras;
- limpeza;
- arames como cordas
- cara balofa de Julião Tavares
- os ratos roendo no armário
Falando deste romance, assim se expressa a escritora Vivina de Assis
Viana:
Em Angústia, Luís da Silva, personagem central, funcionário público e
escritor
Frustrado, descobre que é traído pela noiva com Julião Tavares, "um
sujeito gordo, vermelho, suado, bem falante, de olhos abotoados".
Desesperado, vive num clima de pesadelo, impossibilitado de conviver
com ruídos que lhe são familiares, provocados por animais (ratos, galos,
gatos), objetos (relógios, armadores de rede), pessoas tossindo.
O ciúme de Luís da Silva cresce com a evolução de seu pensamento: a
certeza de que foi deixado de lado, a ausência de perspectivas, a
impossibilidade de qualquer saída para qualquer lugar.
Encurralado, sobrevive alimentado por uma neurose que tem caminho
certo: o crime. Quando imagina Julião Tavares numa fornalha,
"derretendo as banhas", não está sonhando. É um desejo que ainda quer
ver realizado.
Isolado como pessoa, obcecado pelo ciúme, Luís da Silva talvez pudesse
respirar como ser social, como um intelectual que possui manuscritos
guardados, periodicamente revistos, severamente julgados.
Mas não. A prisão é a mesma, se não pior. Não existe possibilidade de
identificação do seu trabalho com o mundo que o esmaga, e das suas
aspirações com a realidade vigente. Ele não consegue se colocar em setor
algum da sociedade: não há lugar, tudo repleto, impossível entrar.
Também para que, se não há saída?
Esse sufoco exige para o ser social, para o intelectual Luís da Silva, um
espaço geográfico mais amplo, um chão mais largo. É que Luís da Silva,
intelectual acuado, não está só em Palmeira dos Índios, nem só no
Nordeste. Está no Brasil, na América Latina e em todos os lugares onde
existe opressão para o exercício do pensamento.
Nos últimos capítulos de Angústia, Luís da Silva, doentiamente preso à
figura do rival Julião Tavares, segue-o de longe, na visita que faz à casa
de uma nova amante. "Derramava-se no bonde e, se alguém lhe tocava
as pernas, desenroscava-se com lentidão e lançava ao importuno um
olhar duro. Eu encolhia-me, reduzia-me e, em caso de necessidade,
sentava-me com uma das nádegas."
O espaço que cada um deles passa a ocupar gradativamente no mundo
força a decisão de Luís da Silva. Afinal, um vai se apossando de tudo e o
outro se encolhendo, só usando uma metade do corpo.
Seguindo o rival, o protagonista segue a ameaça que ele representa.
Julião Tavares, nocivo, precisa ser eliminado. E Luís da Silva se agarra
com desespero a essa idéia: perseguindo o rival no escuro, planejando o
crime, ele pensa sem parar. Seu pensamento busca as personagens do
passado, da infância ("Descendo de sinha Germana, que dormiu meio
século numa cama dura e nunca teve desejos.") , passeia
sonambulamente pelo futuro, com planos assassinos ("Que é que me
podia acontecer? Ir para a cadeia, ser processado e condenado, perder o
emprego, cumprir sentença. A vida na prisão não seria pior que a que eu
tinha.") , ou vaga, tonto, pelo presente ("Ando meio adormecido. Se
alguém me gritasse: - À direita, à esquerda - , volveria à direita, volveria
à esquerda, sem procurar saber donde partia a ordem. Por que à direita?
Por que à esquerda? Poderia ser meia-volta. Mas ninguém fala e vou para
a frente sem saber que posso voltar.").
Luís da Silva, personagem principal eternamente na sombra, procura,
inutilmente, uma réstia de luz. Completamente perdido, desnorteado,
volve à direita, à esquerda, sem saber que, às vezes, é possível voltar.
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