A PERCEPÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR NA ÓPTICA DOS
DOCENTES E DISCENTES.
“REICHERT”, Cleuza Maria - UTCD
[email protected]
SILVA, Claudia Gracieli da - UTCD
[email protected]
Área Temática: Violência Escolar
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
O presente trabalho aborda questões voltadas à problemática da violência escolar. Este estudo,
apresenta como problema da pesquisa a dificuldade de identificar como a questão “violência”
está sendo percebida, entendida e mediada por professores e alunos. Objetiva entender a visão
dos docentes e discentes sobre a temática, verificar quais os motivos mais freqüentes que
levam o indivíduo a agir de forma violenta; verificar qual a percepção dos atores
institucionais, bem como suas tomadas de decisões mediante os conflitos gerados no
cotidiano. Para isso, apresenta fundamentação teórica em vários pensadores de renome como
Adorno, Carvalho, Brandão, Codo, Delors, Esteve, entre outros, com o objetivo de tornar o
estudo conciso e coerente. A metodologia abordada foi o estudo bibliográfico e de caso, em
caráter qualitativo, através de entrevista semi-estruturada, buscando evidenciar a concepção e
o sentimento dos envolvidos. Foram abordados fatores como a gênese, causas e
conseqüências, além de verificar qual a percepção dos docentes, discentes, equipe pedagógica
e auxiliares externos, e quando existente, a maneira utilizada para mediar às situações
conflituosas no cotidiano destes. Entendendo que a violência escolar não tem fronteiras e está
presente em todos os âmbitos sociais, é preciso primeiramente conhecer sua gênese para,
posteriormente, ter condições adequadas e coerentes de propor trabalhos e possíveis soluções.
Assim, este estudo torna-se relevante, visto nos oferecer os subsídios e fundamentação teórica
necessária para articulação de um trabalho conjunto entre família, escola e comunidade. Os
resultados demonstram que a amenização da problemática só é possível quando se encontra
apoio nas tomadas de decisão no coletivo das instituições sociais.
Palavras-chave: “Violência”; “Escola”; “Família”; “Sociedade”.
10375
Introdução
O fenômeno da violência é uma das problemáticas sociais mais discutidas no mundo
atual, uma vez que atravessa os limites de classe, raça e cultura, resultando em sentimentos
generalizados de medo e impotência.
Considerando que o problema social violência escolar está presente no cotidiano de
muitas instituições escolares brasileiras, torna-se relevante a realização de uma pesquisa que
possa evidenciar as concepções da temática em questão, sob a ótica dos diversos atores
envolvidos.
Ao observar os relacionamentos, professor/aluno, aluno/professor, aluno/aluno e
sociedade em geral, percebe-se alterações significativas nas quais existem muitos conflitos e
contradições que podem estar sendo influenciados pela problemática acima citada. Assim,
entender o fenômeno, sua gênese, as causas e consequências, torna-se fundamental para a
compreensão e futura mediação desta.
Frente a esta situação, tem-se como problema da pesquisa, a dificuldade de identificar
como a questão “violência” está sendo percebida, entendida e mediada por professores e
alunos.
Para melhor compreender o fenômeno, suas características, influências e agravantes,
busca-se apoio teórico com base numa fundamentação lógica e coerente, assim, têm-se mais
conhecimentos e/ou trabalhos capazes de amenizar e/ou até eliminar conflitos gerados no
âmbito escolar, e com isso oportunizar ao indivíduo a participação ativa em sociedade
transformando-se em um sujeito idôneo, um cidadão responsável pela construção de sua
própria história.
Assim, definiu-se como objetivo geral deste estudo, uma investigação sobre a
violência escolar, entendendo a visão dos docentes e discentes e como podemos, enquanto
cidadãos e educadores, intervir e auxiliar no enfrentamento da questão.
Este objetivo geral desdobra-se em objetivos específicos através dos quais se pretende
verificar quais os motivos mais frequentes que levam o indivíduo a agir de forma violenta;
entender que perspectivas tem de futuro; verificar qual a percepção dos atores institucionais
sobre o tema, bem como suas tomadas de decisões mediante os conflitos gerados no
cotidiano; enumerar ações mediadoras destes conflitos; oportunizar aos indivíduos um
aprendizado coerente e auxiliar na formação de sua própria personalidade.
10376
Para melhor direcionar este estudo, partiu-se das seguintes hipóteses: a questão social
violência escolar está banalizada, muitos atores institucionais até gostariam de ajudar, mas
não sabem por onde começar, pois se sentem incapacitados, outros não estão integralmente
comprometidos com a educação, por medo ou descaso.
Numa população de cinquenta (50) indivíduos, onde o índice de violência é bastante
alto utilizou-se de uma amostragem de vinte e cinco (25) pessoas, divididos entre atores
institucionais como: educadores, educandos, equipe pedagógica e auxiliares externos do
Colégio Estadual Eron Domingues, de Marechal Candido Rondon, que trazem consigo
experiências á priori e histórias construídas e em construção.
O tipo de pesquisa adotado é de caráter qualitativo, pois se buscou maior compreensão
da problemática, e entende-se que é a partir da experiência do indivíduo que se conhece a
realidade. Utilizou-se como método específico o estudo bibliográfico e de caso, que segundo
Ludke,(1986) constrói uma unidade de sistema mais amplo voltado para o que existe de único
e particular sobre o assunto a ser estudado.
Esse método possibilita atingir os objetivos da pesquisa, pois retrata a realidade e
revela a multiplicidade de aspectos globais presentes nesta situação.
Para a coleta de dados utilizou-se a técnica da entrevista semi-estruturada, que
proporciona maior liberdade ao entrevistado fazer suas colocações, usando um roteiro através
do qual foram norteadas as entrevistas conforme com o que pretende-se abordar. Este estudo
torna-se relevante visto que muitos pensadores já o discutiram, contudo, a aplicabilidade das
alternativas de soluções propostas, quando citada, encontra-se muito distante da nossa
realidade.
Definição e história da violência na sociedade
Para entender a violência escolar, faz-se mister definir e entender a história da
violência em nossa sociedade.
No “[...] mundo ancestral em que imperava a lei do “o mais forte sobrevive”, era
importante [...] ser um machão briguento com nervos a flor da pele prestes a explodir
em cima dos competidores pela comida ou fêmeas. Voar pra cima dos oponentes
mostrando os caninos era a única forma de garantir sua sobrevivência, e a perpetuação
da espécie.” (CINCO COMPORTAMENTOS...2009).
10377
Estudos revelam que na antiguidade o homem das cavernas já se utilizava de atos
violentos para garantir a procriação e a sobrevivência. Confirma-se então a idéia de que o
homem exerce e é alvo de muitas manifestações de violência.
Na Bíblia, encontram-se descrições de diversos atos violentos, como: enforcamentos
em praça pública; homens que lutavam até à morte nos Coliseus, garantindo o pão e circo que
os reis romanos davam à população; mais tarde, através da Santa Inquisição onde se
vitimaram muitas pessoas, como Joana D’Arc, queimada em praça pública.
Posteriormente, durante o nazismo e as guerras santas que ocorrem até hoje mundo
afora, observa-se pessoas lutando em nome de um “DEUS”, histórias reais que muitas vezes
não são percebidas como violência, pois resultam de atos tidos como necessários para garantir
as normas que regem as sociedades.
Para entender melhor o que realmente é violência, é preciso defini-la e abordá-la de
maneira coerente não permitindo que a banalização tão pertinente a este tema interfira nesta
compreensão.
No Dicionário do Pensamento Social Século XX, de Anthony Asblaster, citado por
ALMEIDA,(2009) “Não existe uma definição consensual ou incontroversa de violência. O
termo é potente demais para que isso seja possível”.
Entende-se genericamente por violência:
“[...] a qualidade do que é violento [...] ação ou efeito de violentar, de empregar força
física ou intimidação moral contra alguém; ato violento, crueldade, força [...]
cerceamento da justiça e do direito; coação; opressão; tirania” (HOUAISS, 2001, p.
2866).
Etimologicamente a palavra:
“Violência. Do latim, violentia = violência, força, severidade, impetuosidade. O
termo vem do verbo latino, violare = tratar com força, de qualquer espécie. Por isso se
fala em violência: física, moral, psicológica, econômica [...]o termo contém em si a
raiz
da
palavra
latina
vis
=
força.
Ing.
Violence.
Esp.
Violência[...]”(BEZERRA,2009)
Assim, o termo passou a significar qualquer ruptura da ordem ou qualquer emprego de
meios para impor uma ordem. Percebe-se uma ambiguidade que permeia o emprego de
palavras como “poder” e “dominação”, o que faz a diferença é a maneira de como ela é
aplicada e aceita. A violência, assim, significa o emprego da força ou da dominação sem
legitimidade, isto é, na impossibilidade do conflito e da resistência.
10378
A violência pode ser entendida e sentida de diversas formas. Assim, o pensador Yves
Michaud a define:
Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de
maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias
pessoas em grau variável, seja em sua integridade física, seja em sua integridade
moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. (MICHAUD,
1989, p.10-11)
Sabe-se então, que o fenômeno não parte de um único, mas de múltiplos sujeitos.
Muitos pensadores tem buscado as causas deste fenômeno. Mas, estudando Freud e
comparando com a realidade da história, nota-se que o Homem tem uma predisposição inata
para a violência. Nasce, cresce e se desenvolve passando por diversos atos violentos. Freud,
atribui o fato ao”[...] equilíbrio interno ser perturbado, da personalidade, do meio onde se
inserem.” (FREUD, Anna,1987,p.162).
A violência muito facilmente se banaliza. Atos violentos são internalizados como algo
normal quando ocorrem com muita frequência. Sem saber exatamente sua gênese e sua
solução, aplicam-se medidas provisórias tentando amenizar a problemática. Esta tomada de
decisão quando mal administrada, pode causar um problema ainda maior, ou seja, trabalhos
propostos e realizados de maneira equivocada, prejudicarão trabalhos futuros, uma vez que
perde-se a credibilidade sobre o tema.
Chauí (1985), afirma que a violência é a ação de “coisificar” o sujeito, isto é, uma
violência que se caracteriza pela passividade, muitas vezes anulando o outro.
Adorno (1988), em seu texto Violência e Educação, também se referem à
“coisificação”. Ele diz que a violência é uma forma de relação social. A violência é expressa
através de comportamentos na sociedade. Essa violência vivida entre diversas categorias
profissionais resulta na transformação do sujeito em objeto, negando alguns valores
universais, tornando-se numa ameaça à vida, reduzindo, alienando e anulando a manifestação
dos direitos dos indivíduos.
Segundo o Relatório Mundial sobre a Violência - Organização Mundial de Saúde –
OMS, existem três tipos de atos considerados violentos:
“violência auto-infligida, [...] comportamento suicida, auto-abuso [...]; violência
interpessoal [...] infligida por uma pessoa ou por um pequeno grupo de pessoas [...];
e violência coletiva [...] infligida por grupos maiores como Estados, grupos
políticos organizados, grupos de milícia e organizações terroristas [...]”.
10379
(RELATÓRIO MUNDIAL, 2002, p.5)
Entendendo que a violência é multicausal, algumas podem ser percebidas enquanto
outras possuem raízes profundas na história cultural humana. É preciso considerar que
existem alguns fatores biológicos e outros externos que explicam algumas predisposições para
a agressão, fatores estes que interagem com o contexto, como os familiares, comunitários,
sociais e históricos. Desta forma, a interação sujeito-contexto não permite a simplificação de
apontar causas para a violência no sujeito ou no contexto.
A violência escolar, incluída na violência urbana, é compreendida não apenas por
crimes, mas todo o efeito que provoca sobre as pessoas e as regras de convívio na sociedade.
A violência urbana interfere na vida social, prejudica a qualidade das relações, interferindo na
qualidade de vida. Como pode ser observado em: gangues, pixações, depredação do espaço
público, agressões verbais e físicas que compõem o quadro da perda desta qualidade de vida.
Violência: a gênese da problemática
O crescimento da violência vem afetando todos os segmentos da sociedade,
principalmente no âmbito escolar. Este crescimento abre a discussão de que o mundo estaria
passando por uma nova “epidemia social” e por um dos mais graves fenômenos que a saúde
pública possa estar enfrentando. (SILVA, SOARES, SILVA, 2009)
Nos últimos anos, as mais variadas manifestações de violência afloraram e são
apontadas com grande intensidade, como principal problema nas grandes cidades, gerando
diversas interpretações, sendo sistematicamente explicadas de forma reducionista e
automática.
Estudos apontam que as crianças e os adolescentes são as verdadeiras vítimas
da violência e não seus autores, este perfil é traçado através da compreensão de todo o
conjunto de fatores sociais envolvidos na questão. Muitas vezes verificamos que as condições
de vida destes adolescentes são tão precárias que não permitem que a família, enquanto
instância de medição entre a sociedade e os indivíduos, consiga atingir um desenvolvimento
integral e consequentemente atingir uma mudança social.
Os problemas que a crise traz, influenciam tanto na vida das famílias, que estas não
conseguem proteger aspectos importantes da interação familiar que tem como finalidade o
desenvolvimento das potencialidades de seus integrantes.
10380
Torna-se necessário, entre uma lacuna e outra, a luta pela recuperação da consciência
crítica, pela criação de alternativas e pela reflexão sobre as ações dos membros que compõem
a família.
As relações humanas estão envolvidas em todos os setores da sociedade e muitas
vezes não são reais, algumas reações que se tem podem ser decorrentes do comportamento
aprendido durante o processo de formação da personalidade do indivíduo. Assim, pode-se
inferir que as relações, o convívio familiar e social influenciam em todas as situações sociais
existentes no cotidiano.
A personalidade depende da formação que o sujeito tem na primeira instituição na qual
o indivíduo está inserido, ou seja, a família. A personalidade pode ser modelada, pois inclui
todos os sentimentos como o amor e o ódio de uma pessoa, suas aptidões e no que ela se
interessa desde a sua forma de agir como também de pensar. Ela representa tudo o que uma
pessoa foi, é, e provavelmente será. Em outras palavras, de acordo com o que o indivíduo vai
vivenciando, vai formando e modelando sua personalidade.
O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o
Século XXI, afirma que "[...] a família constitui o primeiro lugar de toda e qualquer educação
e assegura, por isso, a ligação entre o afetivo e o cognitivo, assim como a transmissão dos
valores e normas” (1996: p.95).
Contudo, com todas as transformações sociais e a necessidade de trabalho mais
acirrado, os pais chegam em casa cansados e muitas mulheres ainda tem sua jornada
duplicada, uma vez que é responsável também pelos afazeres domésticos. A criança e/ou o
adolescente ocupa-se assistindo televisão, brincando sozinha, jogando no computador, usando
a internet, o orkut, entre outras atividades individualizadas, sem receber a atenção devida de
um adulto.
Sabe-se que a criança e o adolescente precisam de apoio familiar e social, pois é vital
reconhecer que a verdadeira independência não se constrói em um dia, visto que os valores
serão apenas internalizados após um longo processo pelo qual o indivíduo passa, por isso a
adolescência é reconhecida como a fase mais conflitante da vida.
Quando o assunto conflitos na adolescência é abordado, nota-se que a maioria das
pessoas apenas culpa o sistema capitalista pela atual anarquia familiar, argumentando que os
pais andam muito ocupados para perceber as mudanças que ocorrem na vida de seus filhos,
10381
mas o que realmente acontece é que não existe uma compreensão destes fenômenos. Assim,
não sendo compreendidos não podem ser aceitos. E mais grave ainda, não podem ser
orientados. Desta forma surgem os conflitos, pois a enorme barreira de incompreensões
dificulta ou até impossibilita um entendimento mutuo.
Os problemas apresentados pelas crianças e adolescentes não podem ser entendidos
como mais uma fase da vida que passa sem deixar sequelas. Eles merecem uma atenção
redobrada, porque o que talvez pareça algo simples, pode, na realidade ser muito grave,
culminando com problemas como a violência escolar.
Isto se verifica quando se aborda a questão do “bullying”, que a princípio parece ser
apenas brincadeira de crianças e que na sua essência possui resultados catastróficos quando
não mediados.
Atribuir à problemática apenas na questão familiar, educacional, econômica não é
fator explicativo do fenômeno, mesmo porque existe uma problemática cultural que vai da
forma da organização da economia aos modos individuais de sobrevivência. Precisa-se
concordar com Velho(1996) que, “[...] a pobreza isoladamente não explica a perda de
referenciais éticos que sustentem as interações entre grupos e indivíduos”.
Esse parâmetro de pensamento colocado por Velho(1996), é significativo para pensar
a violência na sociedade brasileira. Segundo sua proposta, “[...] as variáveis fundamentais
para compreender a crescente violência da sociedade brasileira [...] é o fato dela ser
acompanhada por um esvaziamento de conteúdos culturais, particularmente os éticos, no
sistema de relações sociais.”
O que agrava ainda mais a problemática é a grande dificuldade que os pais muitas
vezes possuem em orientar seus filhos, visto que já perderam a autoridade, a confiança e
credibilidade através de seus exemplos negativos.
A gênese da problemática neste caso não está no cerne da educação. Pode estar em
problemas que deveriam ser direcionados para a saúde mental, para a proteção social ou até
mesmo judicial. O que ocorre inúmeras vezes é que a escola e a família estão despreparadas
para enfrentar problemas relacionados à saúde, a questões sociais, psicológicas e judiciais.
Não existe dentro das escolas uma equipe pedagógica completa preparada para
direcionar problemas de conduta grave. Há a falta de profissionais relacionados às situações
sociais mais sensíveis, como um assistente social ou um psicólogo, capazes de diagnosticar
mais facilmente o cerne dos problemas.
10382
Segundo Santos,
O pressuposto de que a violência é o discurso da recusa e que nasce da palavra e do
gesto emparedados, que a violência é uma recusa da palavra, a negação do outro
como ato social, exige que se tente entender as mensagens implícitas nos atos de
violência. Fica claro, portanto, a necessidade de "desnaturalizarmos" a violência, sob
pena de, em não o fazendo, acabarmos por banalizá-la a tal ponto que nada mais
tocará nossa sensibilidade, tornando-nos cada vez mais duros com o outro, menos
solidários e fraternos. (SANTOS, 2005,)
De acordo com docentes e discentes, o clima de insegurança e medo, em função da
violência, acaba interferindo no cotidiano escolar, estabelecendo uma “lei do silêncio”,
provocando a impotência.
Num ambiente como esse, a “lei do silêncio” e a lei do mais forte imperam. As
testemunhas e vítimas não comentam o visto, o sabido por temor da represália ou de
ser estigmatizado, o que fortalece a cultura do medo. Revela-se, ainda, a
vulnerabilidade dos mais fracos, decorrente da intimidação física verbal,
banalizando a violência e fazendo com que os diferentes atores se sintam
desprotegidos. Isso implica, por sua vez, a sensação de falta de segurança, de
desordem e de impunidade, o que gera a desorganização do espaço público.
(ABROMOVAY; AVANCINI, 2005)
Se os educadores sentem com esse medo, deixam de ter segurança própria para
organizar o pensamento, e mais, dessa forma fica difícil perceber se o aluno está ou não
aprendendo. A insegurança dos professores e o medo afetam o processo pedagógico: o
indivíduo não pensa, não aprende e não ensina com medo.
Enfrentar a violência por meio de regras e códigos de conduta rígidos parece não ser a
solução adequada. Ela precisa ser encontrada no cotidiano considerando cada grupo como
único, por todos os atores institucionais, em todos os âmbitos escolares, contribuindo para o
desenvolvimento de uma ética grupal.
Faz-se necessário uma organização e planejamento coletivo, em busca de uma nova
escola capaz de atender a demanda e suas necessidades.
“A interação em qualquer ambiente nasce da aceitação do outro onde o respeito e o
acolhimento facilita a convivência entre os seres humanos. Na escola, o ambiente
das relações inter-pessoais deve estar focalizando a constituição do eu, a
compreensão do indivíduo com suas diferenças e qualidades, para ter condições de
vida nos grupos”. (BEZERRA; BATISTA. 2005)
10383
Entende-se que a organização escolar feita por todos oferece maiores chances de
sucesso. Esforços conjuntos através de idéias inovadoras proporcionam novas formas de
pensar e agir, possibilitando a completa formação do aluno.
Segundo o pedagogo J.M. Esteves, em seu livro “O mal estar docente” publicado em
1987, explica como os professores, enquanto “grupo profissional”, tem reagido aos desajustes
que as mudanças sociais provocam em seu trabalho. Este resume um estado de decepção e
uma permanente atitude de lamento diante de processos sobre os quais os professores não tem
mais, se é que tiveram algum dia, poder de interferência. Percebe-se na fala dos professores
uma nostalgia da educação. Faz-se constantes comparativos e constatações negativas: o
ensino já não é o que era; os alunos já não são o que foram; no meu tempo não era assim[...]
O mal estar do educador é decorrente de fatores associados como ações do professor
em sala de aula, relacionados ao estado psicológico deste. Estas ações afetam diretamente seu
trabalho, sua implicação e seu esforço.
Atualmente verifica-se que o educador faz muito mais que seu papel, que é o ensinar.
Com a ausência de participação dos pais na vida de seus filhos, a educação passa a fazer parte
da tarefa do professor, sobrecarregando-o no papel de pai, psicólogo e educador infalível,
intelectualmente bem preparado.
A sobrecarga de tarefas faz com que o professor se desinteresse pelo próprio trabalho,
pelo trabalho dos alunos e pelo trabalho dos colegas, sem se importar com mais nada, deixa
de realizar a sua função com primazia.
Observa-se em Codo, que nos mostra o quanto alguns professores estão desanimados:
“[...] tratando alunos como se estivessem lidando com uma linha de montagem de salsichas,
[...] o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho” (Wanderley Codo, 1999,
p.238). Seria como se estivesse desistindo de ser educador, o que poderia refletir uma falência
na educação.
A postura política/social dos docentes é fundamental frente à nova demanda para o
enfrentamento adequado do problema violência escolar. Esta postura precisa ser
constantemente repensada, favorecendo meios para o enfrentamento do problema em questão.
Apresentação da Pesquisa
10384
Percebe-se que não há uma unanimidade entre os professores quanto a percepção da
violência escolar.
Alguns a entendem como qualquer forma de agressão: verbal, física ou psicológica,
enquanto outros, a percebem somente relacionada ao crime e a mera transgressão de normas.
São diversos os fatores geradores da violência apontados pelos docentes, como a
desestruturação familiar e fatores a elas relacionados; a mídia; o descaso de órgãos
competentes; a apatia da sociedade e a desigualdade social.
Na pesquisa constatou-se que os pais e/ou responsáveis não têm um acompanhamento
presente na vida de seus filhos. Eles entendem a escola como única responsável pela educação
e não percebem que a sua participação no processo de aprendizagem é fundamental para a
construção da história dos sujeitos, para consolidar uma conquista de cidadania.
A falta de participação dos pais, responsáveis e/ou da comunidade no cotidiano da
instituição leva a outro fator determinante, gerador de violência, o individualismo e a
competitividade - consequências do sistema de produção capitalista – geram dificuldades de
estabelecer normas e regras disciplinares compartilhadas por todos.
Parece que os discentes não têm valores sociais assimilados pela educação familiar,
assim muitos não percebem que suas atitudes são de violência, visto que em suas brincadeiras,
muitas vezes inconvenientes, acabam por agredir colegas e professores. Por outro lado, alguns
vivem a violência diariamente em suas casas e acabam externando seus sentimentos com
atitudes violentas, no ambiente escolar.
Nestas situações, verifica-se que os professores estão preocupados, porém não
conseguem encontrar uma estratégia eficaz, uma vez que não realizam um trabalho coletivo,
ou seja, em nenhum momento das entrevistas o Serviço Social, a coordenação e a direção são
citados como mediadores de tal problemática. Contudo, grande número de professores
afirmam, categoricamente, que encaminhar problemas deste nível para alguns destes setores
não traz resultados, e isto evidencia mais uma vez que o trabalho não é realizado de forma
coletiva.
Verifica-se também que muitos professores estão descomprometidos com a educação.
Em suas falas deixam transparecer que muitas vezes “fazem de conta” que situações
conflituosas não estão ocorrendo, pois acreditam estar facilitando o trabalho e sua vida
profissional.
10385
Além de todos estes fatores apontados existe ainda outro agravante. Percebe-se que os
professores não compreendem a Lei de Proteção à Criança, - o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) citam este como “proteção demasiada”. Subentende-se que este é
percebido como dificultador da mediação das problemáticas, por ser entendido como
instrumento que confere apenas direitos e não deveres à estas crianças e adolescentes, uma
visão claramente equivocada.
Constatou-se a interferência dessa problemática no processo pedagógico. Os alunos
deixam de ir às aulas, os professores abandonam a escola. No discurso dos professores, há
uma queixa sobre a qualidade das aulas, o baixo rendimento é associado à indisciplina e
ausências, e quase metade deles se diz sem estímulo para trabalhar. A violência tem
repercussões na qualidade do ensino e não resta dúvida que elas são graves.
Toda essa situação que aqui tenta-se esboçar a partir do contato com docentes e
discentes, revelou um mal-estar generalizado, como verifica-se em Esteve, 1999.
Considerações Finais
Considerando que violência escolar não tem fronteiras de classe, raça ou cultura, esta
deve ser abordada com extrema cautela visto que várias são suas definições e principalmente
porque ela não é percebida por todos como tal.
Ao observar os relacionamentos sociais, percebe-se nitidamente as mudanças drásticas
que estamos sofrendo, mudanças estas repletas de conflitos e contradições que influenciam
diretamente todos os setores.
Compreender melhor o fenômeno da violência, suas características, influências e
agravantes é primordial para amenização, mediação ou eliminação de tal problemática,
favorecer condições de convivência, oportunizar à todos uma qualidade de vida significativa.
Estudos apontam que a violência escolar já está internalizada pela maioria dos atores
no processo ensino-aprendizagem. Percebe-se que problemas graves são vistos como meras
transgressões, enfatizando que muitas vezes os profissionais envolvidos não estão
corretamente capacitados para tal. Eles, com as melhores intenções procuram mediar as
situações geradas, não se dando conta que estão apenas protelando ou até agravando o
problema.
Por outro lado, muitos são também os momentos nos quais se percebe que os
10386
profissionais “fazem de conta” que nada aconteceu, acreditando que ignorar as situações
conflituosas é o melhor meio para manter-se afastado de problemas posteriores. Esta falsa
concepção de proteção pode em pouco tempo se transformar em um problema maior.
A banalização da violência escolar, tanto na mídia como no nosso cotidiano, deve ser
motivo de preocupação não apenas do corpo docente, mas de todos os atores institucionais,
bem como, da comunidade, pois entende-se que ela transpassa os muros escolares afetando
diretamente a sociedade como um todo.
Faz-se mister considerar que a violência é consequência de diversas causas, que nem
sempre são oriundas do momento vivido, mas, podem estar ligadas a fatores históricos,
culturais e sociais. Estas relações interagem no contexto no qual o indivíduo se encontra, ou
seja, é desencadeada na interação sujeito-contexto.
Ressalta-se que esta problemática não é de fácil solução, contudo, com muita
perseverança, trabalho em equipe, comprometimento e profissionalismo pode-se chegar a um
resultado positivo. Consequentemente pode-se ter melhores condições de trabalho oportunizar
o aprendizado concreto, auxiliar na formação dos sujeitos enquanto construtores de suas
próprias histórias.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violências nas escolas. Brasília:
UNESCO, 2002.
ADORNO, Sérgio. Violência e educação. São Paulo. Tempo Social,1988
ALMEIDA, Sandra. Sintomas do mal-estar na educação: subjetividade e laço social. In:
Anais do II Colóquio do Lugar de Vida / LEPSI, Usp. São Paulo: 2000.
ALMEIDA, Sheila Menezes de,; et al. O que é violência. Disponível em:
<http://www.religare.com.br/mural.php?materia=157> Acesso em 11 abr. 2009
AQUINO. Julio Groppa. Do cotidiano escolar. São Paulo: Summus, 2000.
BETTCHER, Douglas. Organização Mundial da Saúde - OMS, Conferência Internacional
em Bangcoc.
10387
BEZERRA, Frei Hermínio. Palavras, lógica e sentido. Disponível
em:<http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=480874> acesso em 16 jun.2009.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense, 1981.
CARVALHO, Maria Eulina. Modos de educação, gênero e relações escola-família.
Disponível em: <http://autoresassociados.com.br/cgibin/mostra?livro=248&Flag=1> acesso
em 19 jan. 2009
CINCO comportamentos que herdamos dos homens das cavernas: Disponível
em:<http://www.acidezmental.com/comportamento_das_cavernas.html> acesso em 15 fev.
2009
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1997.
______. Participando do debate sobre mulher e violência. In: Perspectivas antropológicas
da mulher. Rio de Janeiro: Zahar, 1985
CONVENÇÃO sobre os direitos da criança. Disponível em:
<www.giea.net/legislacao.net/internacional/convencao_direitos_crianca.htm> acesso em 05
fev. 2009
CODO, Wanderley. Educação: carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1999.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
DELORS, Jacques [et.al.] Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da
Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 3ª Ed. Porto: Edições Asa, 1996
ESTEVE, José M. El malestar docente. 3. ed. Buenos Aires: Paidós, 1994.
______. Mudanças Sociais e função docente. In: NÓVOA, Antonio (org.) Profissão
Professor. Lisboa, Porto Editora, 1995
______. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru, SP,
EDUSC, 1999.
FERREIRA, A. B. DE H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2º ed.rev., Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, s/data.
FREIRE COSTA, Jurandir. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
______. Totem e tabu. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1905/1996.
______. Algumas reflexões sobre a psicologia escolar. Obras Completas. Rio de Janeiro:
Imago, 1914/1996. 13v.
10388
______. Além do princípio do prazer. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1920/1996.
18v.
______. Psicologia dos grupos e análise do ego. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago,
1921/1996. 18v.
______. A negação. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1925/1996. 19v.
______. O mal-estar na civilização.Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1929/1996.
21v.
FREUD, Anna. Infância normal e patológica - determinantes do desenvolvimento 4ª Ed.
Rio de Janeiro: Ed. Guanabara., 1987.
FUKUI, L. Segurança nas escolas. In: Zaluar, A. (org) Violência e educação. São Paulo:
Cortez, 1992.
LÉVY, Pierre. A Internet e a crise do sentido. Trad. Francisco Settiner. Disponível em:
<http://coloquio.faccat.br/coloquio3/angustia.htm.> Acesso em 25 nov. 2008
LEÃO, G.M.P. Violência na Escola: Um desafio á Gestão Democrática da Educação. In:
Caderno do CEAS – Centro de Estudos e Ação Social; Julho/Agosto 2000, nº 188, Salvador.
P. 45 a 54
LUDKE, Menga; ANDRE, Marli E.D. Pesquisa em educação e abordagem qualitativa. São
Paulo:EPV, 1986.
LARANJEIRA, R. e SURJAN J. Conceitos básicos e diagnóstico. Jornal Brasileiro de
Dependências Químicas, 2 ( supl 1) : 2-6.2001
MALUSCHKE, G; Bucher – MALUSCHKE; Hermanns, k; et al. Direitos Humanos e a
violência, desafios da ciência e da prática. Disponível em:
<http://www.kas.de/wf/doc/kas_11889-544-1-30.pdf> acesso em: 12 mai.2009.
MICHAUD, Y. A VIOLÊNCIA. São Paulo: Ática, 1989.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2.ed. São Paulo:
Cortez, 2000.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 3. ed.
Campinas: Pontes, 2001.
______. Linguagem e método: uma questão da análise do discurso. Conferência proferida
no Encontro sobre Linguagem-interdisciplinaridade in: ORLANDI, E. P. Discurso e leitura.
4. ed. São Paulo: Cortês, 1999.
10389
RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE A VIOLÊNCIA – Organização Mundial de Saúde
– 2002. Disponível em: <http://www.opas.org.br/coletiva/UploadArq/
violencia.ppt#330,32,Slide 32>, Acesso em 15 dez. 2008
RIBEIRO, Wânier. Drogas na escola. São Paulo: Anna Blume, 2005.
SANTOS, José Vicente. A violência na escola. Disponível em:
<http//scielo.Br/scielo.phd?script=sci_arttex&>. Acesso em 17 fev. 2009.
SILVA, A. M. M. A violência na Escola: A Percepção dos Alunos e Professores.
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/educa/rededh/Aida2htm.> Acesso em 28 dez 2008.
SILVA, Maria Gracirene Lima; SOARES, Gladys Maria Rosa Saraiva; SILVA, et al.,
Violência Escolar: Implicações no processo ensino-aprendizagem. Disponível em:
<http://www.ufpi.br/mesteduc/eventos/ivencontro/GT7/violencia_escolar.pdf> Acesso em: 16
jun.2009.
TARDIF, Maurice et al. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber
docente. Revista Teoria & Educação, São Paulo, n. 4, 1991, p. 215-233.
TAYLOR, Charles. Fuentes del yo: la construction de la identidad moderna. Barcelona:
Paidós, 1999.
VELHO, G. Violência, reciprocidade e desigualdade: Uma perspectiva antropológica. In:
Velho,G. e Alvito, M. Cidadania e Violência. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Editora FGV,
1996
Violência. Dicionário da língua portuguesa. Porto: Porto Editora,2004, p. 1724,
Download

a percepção da violência escolar na óptica dos docentes