Volume 1 - Número 3 • SET/DEZ 2010
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Z 20
DE
SET/
Volume 1 - Número 3 • set-dez 2010
RELATO DE PESQUISA/RESEARCH REPORTS
Como comunicar más notícias
Communicating bad news
Nelson Henrique da Silva, Fabiana Augusto Neman.................................................................................................................................................... 111
Avaliação do conhecimento do protoco bls por alunos concluintes de graduação em enfermagem
Evaluation of the knowledge of the students of graduation in nursing on the protocol bls
Karina Venâncio, Érika Pensado Bezerra, Viviane de Lima Rocha, Marcos Antonio da Eira Frias .................................................................. 121
Efeitos da dupla tarefa na marcha de pacientes hemiparéticos.
Dual Task Effect in Hemiparetic Gait
Camila Torriani-Pasin, Kátia Lin, Michelly Arjona, Priscila Y Silva, Roberta Zancani de Lima, Eliane Pires de Oliveira Mota................... 128
COMUNICAÇÃO CURTA/SHORT COMMUNICATION
Liderança: Uma relação entre predisposição biológica, inteligência emocionale diferenciação sexual.
Leadership: A relationship among biological prEdisposition, emotional intelligence and sexual differentiation.
Camila Paschoal Bezerra, Wilson Emanuel Fernandes dos Santos ......................................................................................................................... 136
MINI REVISÃO/MINI REVIEW
Mucosite no paciente em tratamento de câncer
Mucositis related-cancer treatment
Ana Paula Pinho, José Carlos Misorelli, Roberto Montelli, Sergio Emerici Longato ........................................................................................... 145
Fisiopatologia do transtorno afetivo bipolar
Pathophysiology of Bipolar Disorder
Ana Paula Pinho, Joao Paulo Simoes Domeni, Vitor Marcelo Cortat Coca, Sergio Emerici Longato.............................................................. 161
PONTO DE VISTA/POINT OF VIEW
A utilização da filosofia do Tratamento Restaurador Atraumático (ART) na parceria ensino-serviço. Parceria UNICID - Município de
Itapira-SP: Relato de experiência exitosa
The use of Atraumatic Restorative Treatment (ART) philosophy in partnership between UNICID and Itapira City - SP: Report of a successful
experience
Gerson Lopes, Vladen Vieira............................................................................................................................................................................................. 170
Leadership and governance for curriculum change
Liderança e governabilidade em mudanças curriculares
José Lúcio Martins Machado, Maria Cristina Iwana de Mattos, Joaquim Edson Vieira........................................................................................ 179
Science in Health
A revista de saúde da Universidade Cidade de São Paulo.
Chanceler
PAULO EDUARDO SOARES DE OLIVEIRA NADDEO
Reitor
RUBENS LOPES DA CRUZ
Vice-Reitor
SÉRGIO AUGUSTO SOARES DE OLIVEIRA NADDEO
Editor Chefe
Cláudio Antônio Barbosa de Toledo
Vice Editor
Joaquim Edson Vieira
Editoria Acadêmica
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Denise Aparecida Campos
Assistente Editorial
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Normalização e revisão
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Edevanete de Jesus de Oliveira
Chefe de Edição e Editoramento
Juarez Tadeu de Paula Xavier
Ricardo Di Santo
Maria Bernadete Toneto
Editoração
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Revisão do idioma português
Antônio de Siqueira e Silva
Assessoria de Marketing
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Periodicidade: Quadrimestral
Corpo Editorial por Secção
1 - Biomedicina
Editor Sênior: Márcio Georges Jarrouge (mgjarrouge@
yahoo.com.br)
Editores Associados: Ana Cestari, Marcia Kiyomi Koike
2 – Ciências Biológicas e Meio Ambiente
Editor Sênior: Débora Regina Machado Silva (dregina@
cidadesp.edu.br)
Editores Associados: Maurício Anaya, Ana Lúcia Beirão
Cabral,
3 – Educação Física
Editor Sênior: Roberto Gimenez (rgimenez@cidadesp.
edu.br)
Editores Associados: Marcelo Luis Marquezi, Maurício
Teodoro de Souza
4 – Enfermagem
Editor Sênior: Wana Yeda Paranhos ([email protected]) Editores Associados: Patricia Fera; Fabiana
Augusto Neman, Adriano Aparecido Bezerra Chaves
5 – Fisioterapia
Editor Sênior: Francine Barretto Gondo ([email protected]; [email protected])
Editores Associados: Fábio Navarro Cyrillo, Sergio de
Souza Pinto, Renata Alqualo Costa
6 – Formação e capacitação na área da saúde
Editor Sênior: Ecleide Cunico Furlanetto ([email protected])
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Edson Vieira, Stewart Mennin
7 - Gestão em saúde
Editor Sênior: Wagner Pagliato (wpagliato@cidadesp.
edu.br)
Editores Associados: Marcelo Treff, Luiz Cláudio Gonçalves
8 – Inclusão social
Editor Sênior: Edileine Vieira Machado da Silva ([email protected])
Editores Associados: Fernanda Mendonça Pitta, Juarez
Tadeu de Paula Xavier
9- Informática na saúde
Editor Sênior: Waldir Grec ([email protected])
Editores Associados: Sergio Daré, Aníbal Afonso Mathias Júnior,
10 – Medicina
Editor Sênior: José Lúcio Martins Machado ([email protected])
Editores Associados: Jaques Waisberg, Sonia Regina P.
Souza, Edna Frasson de Souza Montero, Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro Júnior, Sylvia Michelina Fernandes Brenna
11 – Odontologia
Editor Sênior: Cláudio Fróes de Freitas ([email protected])
Editores Associados: Eliza Maria Agueda Russo, Rivea
Ines Ferreira, Flavio Augusto Cotrim Ferreira
12 – Tecnologia em saúde
Editor Sênior: Willi Pendl ([email protected])
Editores Associados: Luiz Fernando Tibaldi Kurahassi,
Rodrigo de Maio
EDITORIAL
Prezado leitor,
É com satisfação que apresentamos a terceira edição de nossa revista. Ao lado das constantes divulgações
sobre novidades e curiosidades decorrentes do avanço tecnológico que compõem o espaço interativo, os trabalhos desta terceira edição têm como característica principal o alcance e impacto da informação.
Assim, seja na comunicação de más notícias, como foi discutido pelos autores Nelson Henrique da Silva e
Fabiana Neman, ou ainda a estimativa do grau de entendimento do protocolo BLS (Basic Life Support) pelos
concluintes do curso de enfermagem, apresentado pelo grupo liderado pelo pesquisador Marco Antonio Frias;
em ambos aparece a preocupação em reverter à comunidade o cuidado e eficiência no acolhimento. O relato
sobre o trabalho de parceria entre instituições de ensino e prefeituras também reflete esse sentimento e a
atual compreensão sobre as funções (e atribuições) do meio acadêmico é dissecada no texto elaborado pelos
professores Gerson Lopes e Vladen Vieira. Ele apresenta que o alvo do processo educacional transcende a
formação do sujeito, e que este deve ser focado na melhora da qualidade de vida da comunidade. Na educação
superior, tem-se valorizado cada vez mais não só o aprendizado do conteúdo, que é a capacitação ao ofício,
mas também a adequação de sua aplicação, o exercer do ofício.
Essa mesma preocupação com a atitude do formador do profissional de saúde é o tema central da reflexão
oferecida pelo artigo dos pesquisadores José Lúcio Machado, Maria Cristina de Mattos e Joaquim Edson Vieira.
Os autores identificam as qualidades necessárias ao profissional dedicado à implantação de estratégicas de ensino contemporâneas, em consonância com os desafios de um educador atual. Ainda reforçam o sentimento
de que, sem um líder comprometido e capaz, a possibilidade de sucesso é remota. Esse mesmo caminho, o de
buscar o aprimoramento das atividades de um gestor competente, é trilhado pelos autores Camila Bezerra e
Wilson Fernandes dos Santos, os quais mostram que são cruciais certas habilidades cognitivas. Interessantemente, a digressão é centrada nas mulheres que, de forma geral, os autores relatam ter vários desses atributos
graças à sua própria natureza de formação.
Já o texto da pesquisadora Camila Torriani-Pasin mostra o quão difícil é a execução simultânea de duas atividades e como a integridade do encéfalo é determinante para o sucesso desse desafio. Indivíduos acometidos
por acidentes vasculares têm dificuldades em fazê-lo e a avaliação do desempenho nessas situações pode ser
um ótimo indicador para detectar, de maneira imediata e sem grande investimento, a eventual melhora em
pacientes submetidos a tratamento reabilitador.
Atualização de conhecimento é o objetivo dos dois trabalhos do grupo do médico Sergio Longato. Cientes
de que acompanhar os avanços do conhecimento é condição de sobrevivência e eficácia profissional, Sergio e
sua equipe discorrem sobre a associação entre as lesões na mucosa de pacientes com câncer e ainda oferecem
uma revisão sobre o transtorno afetivo bipolar, uma condição que tem sofrido aumento em sua prevalência e
que produz forte impacto na vida social do indivíduo acometido.
Desejamos uma excelente leitura.
Revista Science in Health
Corpo Editorial
Medicina
Relato de Pesquisa /Research Reports
ISSN 2176-9095
2176-9095
ISSN
Science in Health
2010 set-dez; 1(3): 111-20
COMO COMUNICAR MÁS NOTÍCIAS
COMMUNICATING BAD NEWS
Nelson Henrique da Silva*
Fabiana Augusto Neman**
Resumo
ABSTRACT
Introdução: Perante as necessidades de uma maior humanização na área da saúde, surgiu o interesse por esse assunto
que é tão pouco estudado pelos alunos de medicina e também pouco difundido entre a grande maioria dos médicos
do município de São Paulo. Com o objetivo de montar um
protocolo de orientação para profissionais de saúde habilitados para a comunicação de más notícias, este estudo
teve como base as opiniões de 20 médicos que atuam nas
instituições de saúde do município de São Paulo. Métodos:
Para tanto, foi montado um questionário composto de 18
questões. Resultados: Dentre as respostas mais relevantes,
50% dos médicos afirmaram que não receberam informação alguma em sua formação acadêmica relacionada a más
notícias, 65% se sentem preparados para passar a informação e 75% não conhecem nenhum protocolo relacionado
ao tema. Conclusão: Discute-se a necessidade de um maior
debate do assunto nas universidades, além da necessidade
de divulgação de protocolos relacionados.
Introduction: Perante the needs of a larger humanization in
the area of the health, the interest appeared for that subject that is so little studied by the medicine students and
that is also little spread among the doctors of the municipal
district of São Paulo in great majority. With the objective of
setting up an orientation protocol for qualified professionals
of health for the communication of bad news, this study had
as base the 20 doctors’ opinion that act in the institutions
of health of the municipal district of São Paulo. Methods:
So that, a questionnaire composed by 18 subjects was set
up. Results: Among the most relevant answers, 50% of the
doctors said that they didn’t receive any information in his/
her academic formation about bad news; 65% said that
they feel prepared to pass the information and 75% don’t
know any protocol related to the theme. Conclusion: The
need of a larger discussion about this subject is considered
in universities, besides the need of popularization of related
protocols.
Descritores: Humanização das assistências • Relações mé-
Descriptors: Humanization of assistance • Phisician-pacient
dico-paciente • Revelação da verdade • Educação médica • Ética médica • Profissional da
saúde.
relations • Truth disclouse • Education, medical
• Ethics, medical • Healt personel.
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Medicina
Relato de Pesquisa / Research Reports
Silva NH, Neman FA. Como comunicar más notícias
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Introdução
De acordo com Vandekief1 (2001), Muller2 (2002),
Lima3 (2003), más noticias são todas aquelas que causam alguma mudança brusca na vida do paciente. Com
isso, este pode vir a desenvolver outras patologias,
além daquelas que já o acometeram. Outra definição
é que “má notícia pode ser qualquer informação que
afeta negativamente a vida futura do indivíduo” (Buckman4 1992). Não necessariamente precisa ser uma
notícia de morte, mas alguma doença grave, incapacidades físicas causadas por acidente, perda da visão,
entre outras.
O interesse pelo presente trabalho surgiu por meio
da observação de algumas pessoas que, por estarem
passando por um processo de doença grave, receberam a notícia da patologia de maneira inadequada e,
consequentemente, desenvolveram outros quadros
de doenças físicas e até mesmo psíquicas. Além disso,
a quantidade de trabalhos científicos relacionados a
esse assunto é muito reduzida, proporcionando uma
maior abertura para novos estudos e oportunidades
de auxiliar os profissionais de saúde, principalmente
os médicos, a oferecerem um maior conforto ao paciente que passa por um momento difícil.
A qualidade da relação médico-paciente e do ensino médico atual também não pode deixar de ser
ressaltada, visto que, no momento, é assunto muito
discutido no meio acadêmico e está intimamente relacionada com a qualidade de comunicação de uma
má notícia. Com isso, muitos tópicos relacionados
aos referidos temas serão citados no decorrer deste
trabalho, visando ressaltar a sua grande importância.
A atual formação médica vem sendo muito contestada nos últimos anos, devido a diversas “falhas”
encontradas em alguns profissionais médicos, já que
algumas instituições trazem a promessa de um curso
de medicina completo, mas que, na verdade, escondem um enorme despreparo e, consequentemente,
profissionais inseguros, sem o conteúdo adequado,
podendo afetar diretamente os pacientes. O médico
é vítima da sociedade atual e ele não tem culpa, pois
entra em uma faculdade esperançoso de tornar-se
médico. É a sua intenção, seu desejo e sua aspiração, mas existem fábricas de diplomas, que devem ser
um bom negócio, talvez mais político que financeiro.
Abrem-se novas faculdades sem necessidade e sem a
devida infraestrutura, sem corpo docente academica-
112
mente qualificado nem hospital próprio.
Troncon et al.5 (1998) ressalta que ocorre um visível desinteresse da maioria das faculdades de medicina pelo conhecimento global do paciente, ou seja,
os aspectos psicossociais são deixados de lado, prevalecendo fortemente o conhecimento específico e
biológico. “As escolas médicas estão submergindo os
estudantes em pormenores opressores sobre conhecimentos especializados e aplicação de tecnologias
sofisticadas, restringindo a aprendizagem de habilidades médicas fundamentais, o que pode levar a uma
fascinação pela tecnologia, tornando o artefato mais
importante que o paciente. Faz-se necessário, portanto, introduzir com maior determinação temas de bioética na grade curricular dos cursos médicos e ouvir,
com atenção (Troncon et al.5 1998).
É fato que os próprios pacientes também estão
sentindo as mudanças que ocorreram na Medicina e
os sintomas desse fato são claros. O tecnicismo e a
falta de humanização na medicina trouxeram à tona o
fato de que o homem há de ter direitos de cidadania,
entretanto, seu incremento veio atrasado, chegou de
maneira abrupta e tumultuada, utilizando como ferramenta a reclamação. Se por um lado ela é fundamental, trouxe por outro um germe perverso que
prejudica a relação médico-paciente. Foram péssimas
as consequências para o doente que, sempre desconfiado, perde a segurança no médico, gerando para
este muito desconforto. É comum e até frequente o
médico ouvir, até mesmo na entrada do centro cirúrgico, uma grosseria do paciente ou de seu familiar.
As palavras discorridas acima podem revelar que
nem sempre o paciente sente-se seguro diante de um
profissional médico, fato este que pode prejudicar a
comunicação de uma má notícia por parte do médico
e também pode alterar a interpretação do paciente
diante das palavras que lhe foram ditas. É fundamental
diante dessa problemática que o médico, a enfermeira
e toda a equipe de saúde se preocupem em superar
esses obstáculos e trazer à tona o humano que existe
dentro do homem para que se consiga humanizar a
medicina e, assim, cuidar do paciente, lembrando que
tanto o paciente quanto a família sofrem.
Venho observando rotineiramente, apesar de minha incipiente experiência, diversos pacientes indagando sobre o mau atendimento médico e relatando
intenso descontentamento por motivo de se sentirem
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como algo não humano ou, até mesmo, desprovido
de sentimentos “(...) busca-se o médico com quem
nos sentimos à vontade quando descrevemos nossas
queixas, sem receio de sermos submetidos, por causa disso, a numerosos procedimentos; o médico para
quem o paciente nunca é uma estatística e, acima de
tudo, que seja um semelhante, um ser humano cuja
preocupação pelo paciente é avivada pela alegria de
servir” (Lown6 2004).
Apoiando as ideias acima e em defesa não só do
paciente, mas também do médico, apresenta-se o Código de Ética Médica, no qual estão inseridos artigos
que fomentam todos os argumentos até aqui apresentados. Duas passagens do código me chamaram à
atenção com base na intenção da defesa moral, física
e psíquica do paciente. São elas:
Art. 6° - O médico deve guardar absoluto respeito
pela vida humana, atuando sempre em benefício do
paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do
ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa
contra sua dignidade e integridade.
Art. 41 - Deixar de esclarecer o paciente sobre as
determinantes sociais, ambientais ou profissionais de
sua doença.
Essas palavras devem estar gravadas na memória
de todo médico, principalmente daqueles que, de alguma forma, já informaram uma má notícia de maneira muito ríspida ou então não deram a devida atenção
ao paciente que passa por um momento delicado de
sua vida. Além disso, o Código de Ética Médica deve
ser conhecido por todos os profissionais da área, pois
muitos equívocos poderão ser evitados.
É imprescindível citar também que na hierarquia
hospitalar as responsabilidades e tarefas delegadas a
cada membro da equipe de saúde podem despertar
angústias de modo distinto nesses profissionais. O
médico passa menos tempo com os pacientes, mas é
quem perante a sociedade detém a maior responsabilidade de cura, apresentando maior sentimento de
fracasso e medo de errar ante a morte de seu paciente. Tem sido descrita a defasagem entre a posição
hierárquica do profissional de saúde e o tempo que
efetivamente despende com o paciente. Quanto mais
especializado for, menos tempo gastará com o doente no ambiente hospitalar, o que também ocorre nas
situações de morte do paciente, como afirma Moritz7
113
(2003).
O relato acima pode ser associado ao fato de que
grande parcela dos médicos especialistas possui dificuldades em se relacionarem com seus pacientes, o
que permite uma reflexão sobre a falta de capacidade
de passar uma má notícia. Além disso, é importante ressaltar que muitos profissionais de saúde não
têm a consciência de que os familiares dos enfermos
também estão envolvidos em todo o processo. De
acordo com Kübler8 (1992), os pacientes ou seus familiares normalmente passam pelos mesmos estágios
quando recebem uma má notícia. Esses estágios foram classificados para pacientes que estavam morrendo. Inúmeras outras situações presentes na prática
dos profissionais de saúde, como a comunicação de
diagnósticos de doenças genéticas, por exemplo, podem fazer com que as pessoas passem por estágios
semelhantes.
Os estágios são os seguintes:
Choque inicial;
Negação e isolamento;
Raiva;
Barganha;
Depressão;
Aceitação.
De acordo com os dados acima estabelecidos, é
possível o conhecimento de algumas orientações que
são disponibilizadas por alguns autores e estabelecem
formas de comportamento de um médico diante da
situação de ter que passar uma informação difícil para
o paciente. “É muito importante compreender o paciente, ter uma expressão neutra e, em seguida, informar as más notícias de maneira clara e direta. Usar
um tom de voz suave, pausado e usar uma linguagem
sincera. O profissional deverá assegurar-se que o paciente tenha compreendido a mensagem com clareza.
A maioria dos autores sugere o uso de uma linguagem
simples, sem muitos termos médicos. Isso não significa, no entanto, que o uso de terminologia específica e
adequada não seja também importante para que o paciente possa, por conta própria, encontrar informações sobre sua doença” (Ptacek e Eberhardt9 1996).
Tendo em vista toda a preocupação com a qualidade da comunicação, principalmente do médico para
com seu paciente, não podemos nos esquecer de que
a responsabilidade para passar uma má notícia sempre
recai sobre os ombros do médico, mas é importante
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ressaltar que outros profissionais de saúde como enfermeiros, psicólogos e até mesmo alunos estagiários
autorizados pelo hospital podem ser incumbidos para
tal ação.
A exposição acima permite uma reflexão sobre o
preparo de muitos profissionais de saúde, visto que
é muito difícil manter o controle emocional, ou até
mesmo ter de lidar com reações inesperadas dos indivíduos que recebem má notícia.
Método
A busca de novos horizontes para um assunto ainda tão desconhecido orientou-nos para um estudo
com caráter qualitativo, por pretender analisar essa
atividade tão difícil para qualquer profissional da saúde.
O trabalho foi realizado em três etapas, as quais
consistiram em: coleta dos dados fornecidos pelos
profissionais médicos, tabulação das respostas obtidas e elaboração de um protocolo de orientação para
os profissionais da saúde habilitados para comunicar
más notícias.
Para o alcance do objetivo proposto foi utilizado
um questionário composto de perguntas abertas e
fechadas, as quais foram empregadas para uma população delimitada de médicos que atendem nas instituições de saúde do município de São Paulo, os quais
tiveram que transmitir uma notícia de câncer, morte
na família, etc. A coleta de dados foi realizada após
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Cidade de São Paulo. Com a análise dos resultados obtidos, foi possível elaborar um protocolo
de orientação para os profissionais de saúde habilitados para comunicar más notícias.
Apresentação dos resultados
Na busca de respostas, após a aplicação do instrumento de coleta de dados, com um total de 20
profissionais médicos, foi possível obter as seguintes
informações:
Em relação à primeira questão obtivemos os dados a seguir:
1, Em sua opinião, o que é uma má notícia?
De acordo com Vandekief1 (2001), Muller2 (2002),
Lima3 (2003), más noticias são todas aquelas que causam alguma mudança brusca na vida do paciente. Com
114
isso, este pode vir a desenvolver outras patologias,
além daquelas que já o acometeram. Outra definição
é que “má notícia pode ser qualquer informação que
afeta negativamente a vida futura do individuo” (Buckman4 1992). Baseado no gráfico acima, as opiniões
dos diferentes médicos não se desviam completamente das definições utilizadas, ou seja, todas as respostas
estão diretamente relacionadas a uma mudança negativa na vida do individuo.
2. Você recebeu alguma informação sobre o assunto durante sua formação acadêmica?
O gráfico acima expressa a necessidade da introdução do tema “más notícias” nas grades curriculares
das faculdades de medicina. A falta de conhecimento sobre o assunto pode trazer diversos problemas
ao paciente, visto que manifestações psíquicas e, até
mesmo físicas, estão intimamente ralacionadas à rispidez durante o informe da má notícia.
Troncon et al.5 (1998) ressalta que ocorre um visível desinteresse da maioria das faculdades de medicina pelo conhecimento global do paciente, ou seja,
os aspectos psicossociais são deixados de lado, prevalecendo fortemente o conhecimento específico e
biológico.
3. Você se sente preparado(a) para informar uma
má noticia?
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Mesmo com todas as observações dos dados obtidos, grande parte dos médicos sentem-se preparados e autoconfiantes para passar uma má notícia. Esse
fato é muito preocupante, já que o reconhecimento
de alguma falha pode ser o primeiro passo para a melhora da qualidade do atendimento médico.
4. Qual a maior dificuldade encontrada na hora de
passar uma má notícia?
A intimidação após a reação do paciente diante
de a uma má notícia pode levar à reflexão sobre o
despreparo e a insegurança do médico em contornar
situações difíceis e que exijam um maior conhecimento sobre o tema más notícias.
5. Para você, o que é mais importante para o médico no momento de informar a má notícia?
De acordo com os diversos trabalhos já descritos,
informar uma má notícia aos poucos é uma das melhores atitudes a serem tomadas.
6. Para tomar essa atitude, você leva em consideração o atual estado emocional do paciente?
Ver: o gráfico abaixo tem menos partes que as
legendas
7. No momento em que o paciente recebe a notícia, você explica todos os riscos da doença que o
115
acomete, bem como sua chance de morte?
O gráfico acima leva a crer que, de acordo com
os diversos trabalhos descritos sobre o assunto, os
médicos estão tomando a decisão mais correta.
8. Já soube de algum paciente que tenha ficado
traumatizado após receber uma má notícia de maneira muito ríspida?
Os dados encontrados remontam a necessidade
de um maior conhecimento sobre o assunto e, além
disso, apesar de ser passada a má notícia com informações detalhadas sobre a doença do paciente, podem existir falhas na comunicação entre os médicos
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e pacientes.
9. Já teve que informar a enfermidade ao paciente
em ambientes movimentados e sem privacidade?
Os dados acima levam à reflexão sobre a estrutura
da maioria dos hospitais do município de São Paulo,
os quais não apresentam a estrutura adequada para a
atividade em questão.
10. Percebeu alguma diferença de reação do paciente quando passou a notícia em ambiente privativo?
11. Nas instituições de saúde em que você trabalha, existe algum ambiente específico para informar
uma má notícia?
A falta de conhecimento de um protocolo se reflete no gráfico acima.
15. Você considera que os médicos que atuam nas
instituições de saúde do município de São Paulo estão
preparados para passar uma má notícia?
12. Conhece algum protocolo relacionado ao assunto?
16. Você gostaria que os alunos de medicina recebessem maiores orientações sobre o assunto?
Os dados indicam a necessidade de um maior conhecimento sobre o assunto.
13. Se conhece algum protocolo, você o segue?
14. Em sua opinião, o que teria que mudar nos
atuais protocolos para melhorar a relação do médico
para com os pacientes diante da necessidade de informar uma má notícia?
Podemos refletir sobre a falta de humanização e
o excesso de tecnicidade na Medicina, fato que, nos
últimos anos, é ou foi uma realidade no meio médico.
Troncon et al.5 (1998) ressalta que ocorre um visível
desinteresse da maioria das faculdades de medicina
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pelo conhecimento global do paciente, ou seja, os
aspectos psicossociais são deixados de lado, prevalecendo fortemente o conhecimento específico e biológico.
17. Você acredita que a falta de humanização na
medicina contribuiu para que os cursos médicos tenham sido desprovidos de maiores esclarecimentos
sobre o assunto?
18. Em sua opinião, o que deve ser feito para melhorar a relação entre médico e paciente perante a
necessidade do profissional de saúde informar uma
má notícia?
Quadro 1: respostas mais frequentes
Questão
1a Em sua opinião, o que seria má
notícia?
2ª Você recebeu alguma informação
sobre o assunto durante sua
formação acadêmica?
Não - 50%
3ª Você se sente preparado(a) para
informar uma má noticia?
Sim - 65%
4ª Qual a maior dificuldade encontrada
na hora de passar uma má notícia?
Reação do
paciente - 60
%
5ª Para você, o que é mais importante
para o médico no momento de
informar a má notícia?
Informar aos
poucos - 50%
6ª Para tomar essa atitude você leva
em consideração o atual estado
emocional do paciente?
Sim - 90%
7ª No momento em que o paciente
recebe a notícia, você explica todos
os riscos da doença que o acomete,
bem como sua chance de morte?
“As escolas médicas estão submergindo os estudantes em pormenores opressores sobre conhecimentos especializados e aplicação de tecnologias
sofisticadas, restringindo a aprendizagem de habilidades médicas fundamentais, o que pode levar a uma
fascinação pela tecnologia, tornando o artefato mais
importante que o paciente”. Faz-se necessário, portanto, introduzir com maior determinação temas de
bioética na grade curricular dos cursos médicos e ouvir, com atenção (Troncon et al.5 1998).
Sim - 95%
8ª Já soube de algum paciente que tenha
ficado traumatizado após receber
Sim - 60%
uma má notícia de maneira muito
ríspida?
9ª Já teve que informar a enfermidade
ao paciente em ambientes
movimentados e sem privacidade?
Sim - 90%
10ª Percebeu alguma diferença de
reação do paciente quando passou a Sim - 80%
notícia em ambiente privativo?
11ª Nas instituições de saúde em que
você trabalha, existe algum ambiente
Não - 100%
específico para informar uma má
notícia?
12ª Conhece algum protocolo
relacionado ao assunto?
117
Resposta
obtida
Quando leva
a piora da
qualidade
de vida do
paciente - 50%
Não - 75%
Medicina
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Silva NH, Neman FA. Como comunicar más notícias
São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 111-20
13ª Se conhece algum protocolo, você
o segue?
14ª Em sua opinião, o que teria que
mudar nos atuais protocolos para
melhorar a relação do médico
para com os pacientes diante da
necessidade de informar uma má
notícia?
15ª Você considera que os médicos
que atuam nas instituições de saúde
do município de São Paulo estão
preparados para passar uma má
notícia?
16ª Você gostaria que os alunos de
medicina recebessem maiores
orientações sobre o assunto?
17ª Você acredita que a falta de
humanização na medicina contribuiu
para que os cursos médicos tenham
sido desprovidos de maiores
esclarecimentos sobre o assunto?
18ª Em sua opinião, o que deve ser
feito para melhorar a relação
entre médico e paciente diante da
necessidade do profissional de saúde
de informar uma má notícia?
ISSN 2176-9095
Não - 80%
Nada - 50%
Não - 70%
Sim - 100%
Sim - 90%
Introdução do
assunto nas
universidades
- 75%
Considerações
De acordo com a análise dos gráficos acima, podemos refletir sobre a importância do tema “más notícias” no cotidiano profissional dos médicos. A falta
de conhecimento do assunto, devido à não inclusão
de disciplinas relacionadas à humanização nas faculdades de Medicina, faz com que a comunicação entre
médico e paciente fique prejudicada. De acordo com
Quintana et al.10 (2002), essa problemática é pouco
explorada nos currículos de Medicina, o que ocasiona
uma abordagem inadequada e aumenta desnecessariamente o sofrimento do médico e do paciente, em
especial daqueles sem expectativa de cura. Ao lado
dessas informações, Ramos et al.11 (2005) propõe a
inclusão formal de vivências durante a graduação que
recorram a outras estratégias de ensino, como, por
exemplo, o emprego de técnicas psicodramáticas. Já
há trabalhos nessa linha, mas são experiências esporádicas, sem a força transformadora necessária para
aliviar a ansiedade e humanizar o ensino.
Os dados obtidos revelam que, apesar de sentir
118
insegurança e medo da reação do paciente diante da
má notícia ou então não conhecer nenhum protocolo relacionado ao assunto, a maioria dos médicos
sente-se preparada para enfrentar essa difícil situação. Essa é uma grande dualidade, visto que a falta
de aceitação do desconhecimento pode levar à falta
de novos aprendizados, menor humanização e, consequentemente, um pior atendimento individualizado
ao paciente enfermo.
A forma com que os médicos transmitem uma má
notícia e o quanto expõem a real situação de saúde do paciente também merecem destaque, já que a
maioria dos profissionais informa de maneira paulatina e leva em consideração o estado emocional dos
indivíduos. Em contraste com essas informações, diversos entrevistados afirmaram conhecer pacientes
que receberam a notícia de maneira ríspida e ficaram “traumatizados” após o fato. As considerações
de Premi12 (1993) mostram que a preocupação maior
dos pesquisadores está centrada na importância (ou
não) de informar o paciente o quanto ele deve saber,
mas que pouca atenção tem sido dada à capacitação
do médico para enfrentar essas situações.
Perante todas as considerações acima, a humanização emerge como uma das principais maneiras
de melhorar a relação médico-paciente. O papel do
médico nesse contexto é essencial, pois uma relação
mais harmoniosa, menos científica e mais humana leva
a maior credibilidade na relação com a pessoa enferma.
A seguir, apresentamos uma proposta para orientação aos profissionais, com o intuito de apoio nessa
experiência.
1. Necessidades na graduação:
2. Introdução do tema “comunicação de más
notícias” nas grades curriculares das diversas
faculdades de medicina.
3. 2- Maior divulgação de protocolos relacionados ao assunto (Spikes).
4. Orientar os alunos de medicina no sentido de
maximizar a humanização e melhorar a relação médico-paciente.
5. Maior contato dos alunos de medicina com
pacientes portadores de doenças graves, salientando a importância do cuidado especial
para com esses indivíduos.
6. Necessidades na atividade profissional:
Medicina
Relato de Pesquisa / Research Reports
Silva NH, Neman FA. Como comunicar más notícias
São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 111-20
ISSN 2176-9095
7. Conhecer o que é uma má notícia.
8. Ter conhecimento de algum protocolo de
orientação, como o protocolo Spikes, para
evitar o medo da reação do paciente.
9. Procurar seguir esses protocolos, no intuito
de minimizar o sofrimento do paciente.
10. Informar a notícia aos poucos, evitando a “rispidez” durante a transmissão da informação.
11. Considerar o estado emocional do paciente,
ou seja, dar tempo ao paciente para refletir
sobre sua atual situação.
12. Demonstrar segurança ao informar a má notícia.
13. Informar todos os detalhes da doença do individuo, bem como sua sobrevida, possíveis
tratamentos ou, até mesmo, sua chance de
morte.
14. Informar a má notícia em ambiente silencioso
e privativo.
15. Maior humanização no tratamento dos pa-
119
cientes, ou seja, menor quantidade de termos
técnicos e maior empatia e compreensão.
16. Introdução de cursos preparatórios para médicos do município de São Paulo sobre o tema
más notícias.
17. Adequação das entidades de saúde no intuito
de manifestarem o interesse em adaptarem
salas específicas para a comunicação das más
notícias.
Agradecimentos
Agradeço à professora Fabiana Neman, à qual destino grande parte do crédito deste trabalho. Além
disso, confio a meus pais a imensa gratidão de ter a
oportunidade de estudar Medicina e poder elaborar
trabalhos científicos, com o intuito de auxiliar pacientes e profissionais de saúde.
Este trabalho contou com o apoio financeiro da
Universidade Cidade de São Paulo.
Relato de Pesquisa / Research Reports
Medicina
Silva NH, Neman FA. Como comunicar más notícias
São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 111-20
ISSN 2176-9095
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120
Relato de Pesquisa / Research Reports
Enfermagem
ISSN 2176-9095
Science in Health
2010 set-dez; 1(3): 121-7
AVALIAÇÃO DO CONHECIMENTO DO PROTOCO BLS POR ALUNOS CONCLUINTES DE
GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM*
EVALUATION OF THE KNOWLEDGE OF THE STUDENTS OF GRADUATION IN NURSING ON THE PROTOCOL BLS
Karina Venâncio*
Érika Pensado Bezerra**
Viviane de Lima Rocha**
Marcos Antonio da Eira Frias***
Resumo
ABSTRACT
Introdução: A parada cardiorrespiratória é considerada uma
situação de emergência e exige avaliação e intervenção
imediata para garantir a sobrevida do indivíduo em risco
de morte. Conhecer o protocolo BLS e executar cada
etapa corretamente aumentam as chances de sucesso no
atendimento. Objetivo: Avaliar o conhecimento do aluno do
quarto ano da graduação em enfermagem no atendimento de PCR com base no protocolo do BLS. Método: Esta
é uma pesquisa de campo de abordagem quantitativa do
tipo exploratória e descritiva. A pesquisa foi realizada em
uma Instituição de Ensino Superior na Cidade de São Paulo,
com 31 alunos de graduação em enfermagem. Para a coleta de dados usamos um instrumento do tipo “check-list”,
seguindo a padronização do Basic Life Support. A técnica
de reanimação foi realizada em manequim de treinamento.
Resultados: Os resultados evidenciam deficiências no conhecimento teórico-prático dos passos do BLS. Do total de
participantes do estudo 55% não reconheceram os sinais de
PCR, 87% não solicitaram ajuda, 48% posicionaram a vítima
em DDH e superfície rígida, 39% realizaram de forma incorreta a verificação de pulso e compressão torácica e 64%
não executaram a desfibrilação. Conclusão: Os resultados
encontrados apontam uma necessidade maior do aprendizado prático de RCP/BLS pelo aluno durante a graduação
em enfermagem.
Introduction: Cardiac arrest is considered an emergency and
requires immediate assessment and intervention to ensure
the survival of the individual risk of death. Meet the BLS
protocol and perform each step correctly increase the
chance of successful treatment. Objective: To determine the
student’s fourth year of undergraduate nursing care in PCRbased protocol BLS. Method: This is a field research approach quantitative exploratory and descriptive. The survey was
conducted in a Higher Education Institution in the city of
Sao Paulo, with 31 undergraduate students in nursing. To
collect data we used a tool such as “check-list”, following
the standardization of the Basic Life Support. The technique of resuscitation was performed on the training dummy.
Results: The results showed deficiencies in the theoretical
and practical knowledge of the steps of the BLS. Among the
study participants, 55% did not recognize the signs of cardiac arrest, 87% have not sought help, 48% positioned the
patient at DDH and rigid, 39% were incorrectly checking
pulse and chest compression and 64% did not perform defibrillation. Conclusion: The results suggest a greater need
of practical learning CPR / BLS by the students during their
undergraduate nursing.
Descriptors: Heart arrest • Resuscitation • Nursing • Education, nursing • Emergencies
DESCRITORES: Parada cardíaca • Ressuscitação • Enfermagem
• Educação em enfermagem • Emergências.
*Texto extraído do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentado à Faculdade de Enfermagem da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID
em dezembro de 2009 para obtenção do Grau de Bacharel em Enfermagem
****
****
***
Aluna concluinte do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID.
Aluna concluinte do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID.
Enfermeiro, Mestre em Enfermagem, Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID.
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Enfermagem
Relato de Pesquisa / Research Reports
Venâncio K, Bezerra EP, Rocha VL, Frias MAE. Avaliação do conhecimento do protoco
bls por alunos concluintes de graduação em enfermagem. São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 121-7
INTRODUÇÃO
Entende-se por Parada Cardiorrespiratória (PCR)
a interrupção súbita e brusca da circulação sistêmica e respiratória, comprovada pela ausência de pulso
central (carotídeo e femoral), e de movimentos ventilatórios (apneia), definindo-se, assim, a Ressuscitação
cardiopulmonar (RCP) como um conjunto de procedimentos realizados após uma PCR, a fim de melhorar as chances de sobrevivência da vítima (Calil et al.1
2007; Guimarães et al.2 2009).
O pioneiro da RCP no Brasil foi o Dr. John Cook
Lane, em 1960. Quando cursava residência em cirurgia, o Dr. Lane sofreu influência do Dr. Gordon,
um dos pioneiros da reanimação moderna. Foi o Dr.
Lane quem trouxe ao Brasil o curso prático de RCP,
e a partir daí publicou os seus primeiros livros sobre
reanimação cardiorrespiratória cerebral. Através de
palestras e demonstrações em manequins, Lane difundiu em diversas instituições a finalidade e a técnica
do ABC do Suporte Básico de Vida (Guimarães et al.3
2009).
O Dr. Ari Timerman, graduado pela Faculdade de
Medicina de Sorocaba, em 1976 também desenvolveu
vários estudos sobre a RCP, e juntamente com o Dr.
Fehér, deu início no Brasil aos cursos no formato da
AHA (Tinerman et al.4 2007).
AHA é uma Sociedade que se reúne a cada 5 anos
em Dallas, Texas, Estados Unidos, para atualizar as diretrizes da RCP. A última atualização foi em 2005. As
modificações das diretrizes visam simplificar o papel
dos procedimentos do suporte básico de vida como
estratégias fundamentais para melhorar a sobrevivência após a PCR.
O enfermeiro do serviço de emergência, segundo
Calil et al.1 (2007), deve ser capacitado a assumir a
liderança em situações de RCP, para desenvolver a
atividade com habilidade motora e atitude para julgamentos e tomada de decisões. Para esses mesmos
autores, a capacitação e o conhecimento científico
são o diferencial nessa situação.
Uma situação de emergência é um momento de
estresse para todos os profissionais da área da saúde,
por isso a capacitação é necessária para se ter sucesso no atendimento, principalmente quando se trata
de uma PCR, por isso, ter domínio dos passos do BLS
é fundamental.
Para Timerman et al. 4 2007, o Suporte Básico de
122
ISSN 2176-9095
Vida inclui etapas diferentes que, realizadas de forma
disciplinada, visam melhor qualidade de circulação e
oxigenação tecidual, oferecendo chance maior de sobrevida a pacientes, muitas vezes, em risco de vida.
Na maioria das vezes, o socorro a essas vítimas inicia
fora do ambiente hospitalar, devendo-se deflagrar o
suporte básico de vida disciplinado e programado.
Sendo assim, este estudo tem como objetivo avaliar o conhecimento do aluno do quarto ano da graduação em enfermagem em relação ao atendimento
de uma PCR, com base no protocolo do BLS.
MATERIAL E MÉTODO
Tipo de pesquisa e local de estudo
Trata-se de uma pesquisa de campo de abordagem
quantitativa do tipo exploratória e descritiva.
O Projeto de Pesquisa foi submetido à apreciação
do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Cidade de São Paulo, tendo sido aprovado.
A pesquisa foi realizada em uma Instituição
de Ensino Superior localizada na Zona Leste da Cidade de São Paulo, com 31 alunos do último ano da
graduação em enfermagem.
Critérios de inclusão
Ser aluno regularmente matriculado no último ano
do Curso de Graduação em Enfermagem, ter disponibilidade e concordar em participar do estudo.
Operacionalização da Coleta de Dados
Os estudantes foram informados quanto ao objetivo da pesquisa, a forma de participação, a garantia
do anonimato e que tinham liberdade total na decisão
de participar ou não da pesquisa. Aqueles que optaram por participar deste estudo confirmaram sua
participação assinando o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
Após as explicações sobre a pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
cada participante foi, então, orientado para executar
a manobra de RCP da forma que julgasse correta.
Para a coleta de dados foi elaborado um instrumento do tipo “check-list” (Anexo I), seguindo a padronização do Basic Life Support (BLS) conforme as
diretrizes da American Heart Association.
Para realização da técnica de RCP, foi utilizado um
manequim de treinamento específico para esse fim. A
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desinfecção da boca do manequim para realização de
respiração boca a boca foi feita com algodão embebido em álcool 70% garantindo, assim, total segurança
aos participantes do estudo.
A performance dos participantes do estudo na
execução de cada item da manobra de RCP foi registrada por um dos pesquisadores no impresso Instrumento de Coleta de Dados, nos itens correspondentes a: desenvolvimento correto, incorreto ou não
executou.
ISSN 2176-9095
GRÁFICO 1: Reconhece os sinais de parada cardiorrespiratória (PCR). (São Paulo, 2009.)
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados coletados foram analisados em números
absolutos e percentuais e apresentados em gráficos.
Ressaltamos que na avaliação da performance, a
execução incorreta e/ou a não execução de um dos
passos do protocolo têm o mesmo peso em termos
de avaliação, ou seja, representam a atuação ineficaz e
ineficiente do socorrista no atendimento à vítima em
situação de emergência com risco de morte iminente; no entanto, entendemos que a execução incorreta
mostra que houve uma tentativa de fazer algo.
Para o atendimento de uma vítima em PCR, é necessário seguir as diretrizes estabelecidas pela International Liaision Committee on Resuscitation, método conhecido como mnemônico do ABCD.
O ABCD da RCP consiste em quatro partes principais: promover a Abertura das vias aéreas; restabelecer e manter Boa respiração; restabelecer e manter
a Circulação e fazer a Desfibrilação.
O profissional precisa reconhecer e confirmar a
PCR; para que isso aconteça, é necessário fazer a avaliação rápida do local e da vítima. Antes de iniciar o
atendimento, o socorrista deve avaliar se o local da
cena é seguro, para também não se tornar uma vítima.
Após esse reconhecimento, deve-se tocar o ombro
da vítima levemente, mas com firmeza, e perguntar se
está tudo bem. Se não há nenhum tipo de resposta,
entende-se que a vítima está inconsciente (American
Heart Association5 2006, Serrano et al.6 2008).
Os resultados do desempenho no quesito reconhecimento e identificação de parada cardiorrespiratória pelos participantes do estudo podem ser observados no Gráfico 1.
123
O GRÁFICO 1 mostra que, do total de 31 (100%)
alunos participantes do estudo, 42% (13) executaram
corretamente o primeiro passo do protocolo BLS,
55% (17) não executaram o procedimento e 3% (01)
executou de maneira incorreta. A somatória dos resultados não executou e executou incorretamente
corresponde a 58% do total.
O fato de 58% da população não ter executado ou
ter executado de forma incorreta o primeiro passo
do suporte básico de vida (SBV), é motivo de preocupação, pois a não identificação dos sinais de PCR
por parte do enfermeiro implica em risco de morte
do paciente.
Para melhorar a taxa de sobrevida por PCR é importante que o enfermeiro reconheça os sinais precoces de alerta de um ataque cardíaco, intervenha de
maneira imediata, correta e segura.
GRÁFICO 2: Solicita ajuda após verificar a responsividade.
(São Paulo, 2009.)
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O segundo passo do SBV foi executado corretamente por 3% (01) dos sujeitos, 87% (27) não executaram o procedimento e 10% (03) executaram de
maneira incorreta.
Nesse segundo item, 97% da população não apresentaram um desempenho adequado; entende-se que,
em uma situação real, aumentaria em muito o tempo
de chegada da equipe de socorro.
A American Heart Association (AHA5 2006) indica uma padronização de condutas que devem ser
adotadas na vigência de uma PCR no adulto. O socorrista que reconhece a situação de emergência deve
solicitar rapidamente ajuda da equipe de emergência
médica e pedir o desfibrilador externo automático
(DEA).
Durante a solicitação da ajuda, solicitar imediatamente a busca do desfibrilador externo automático
(DEA). Caso o profissional esteja sozinho, deve-se
incumbir outra pessoa para que faça esse pedido de
ajuda. No ambiente hospitalar, de imediato, é feito o
pedido do carrinho de atendimento de emergência
(American Heart Association5 2006, Serrano et al.6
2008).
GRÁFICO 3: Posiciona a vítima para iniciar a avaliação.
(São Paulo, 2009.)
A representação do desempenho no posicionamento da vítima mostra que 48% (15) da amostra
executaram esse passo de forma correta, 29% (09)
não executaram o procedimento e 23% (07) executaram de forma incorreta.
O Gráfico 3 mostra que 52% não posicionaram ou
posicionaram a vítima de forma incorreta.
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A vítima deve ser mantida em DDH (decúbito
dorsal horizontal) sobre uma superfície rígida: isso é
necessário para o desempenho máximo da massagem
cardíaca (American Heart Association5, 2006; Serrano et al.6, 2008), de maneira que, durante as manobras
de compressão torácica, haja o contra-ponto que garante a efetividade do procedimento.
GRÁFICO 4: Abertura das vias aéreas. (São Paulo,
2009.)
No Gráfico 4, se observa que 39% (12) dos sujeitos executaram corretamente o procedimento, 39%
(12) não executaram, e 22% (07) executaram de maneira incorreta.
Nesse item, 61% dos pesquisados não posicionaram e/ou posicionaram de maneira incorreta a cabeça
da vítima.
A posição inadequada da cabeça pode bloquear a
via aérea e impedir a ventilação adequada em algumas
vítimas não responsivas.
A abertura das vias aéreas é realizada com a manobra de inclinação da cabeça e elevação do queixo.
Para a execução correta desse passo da técnica, o
socorrista deve fazer a hiperextensão da cabeça da
vítima. A hiperextensão é feita posicionando-se uma
mão espalmada na região frontal da vítima e com o
dedo indicador e médio da outra mão na região mentoniana a fim de facilitar a inclinação da cabeça para
trás. Essa manobra alivia a obstrução da via aérea em
uma vítima não responsiva (American Heart Association5 2006, Serrano et al.6 2008).
Após o posicionamento da cabeça da vítima, devese avaliar a ventilação. É necessário ver se há elevação e abaixamento do tórax, ouvir se há escape de ar
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durante a exalação e sentir o fluxo de ar (American
Heart Association5 2006, Serrano et al.6 2008).
Na ausência de respiração, o profissional deverá
realizar duas ventilações de resgate (1 segundo cada),
provocando a elevação do tórax: é importante observar a elevação do tórax à medida que se vai aplicando
a ventilação; se não elevar na primeira ventilação, é
necessário repetir a manobra de inclinação cabeçaelevação do mento. Durante as ventilações é preciso
fornecer uma quantidade de ar suficiente para se conseguir elevar o tórax da vítima e para prevenir a distensão gástrica. O ar expirado contém aproximadamente 17% de oxigênio e 4% de dióxido de carbono,
o que é suficiente para fornecer oxigênio para suprir
as necessidades da vítima; por isso, o socorrista deve
respirar normalmente para aplicar a ventilação. Após
as duas ventilações, segue-se para o próximo passo
que é iniciar a ventilação da vítima (American Heart
Association5 2006, Serrano et al.6 2008).
Gráfico 5: Inicia ventilação artificial. (São Paulo, 2009.)
O Gráfico 5 mostra que 32% (10) participantes
executaram corretamente a ventilação da vítima, 45%
(14) não executaram essa manobra, e 23% (07) executaram de forma incorreta.
Em relação à ventilação artificial, 68% não executaram e/ou executaram de maneira incorreta.
Caso sejam aplicadas ventilações muito rápidas
ou com muita força, o ar provavelmente irá para o
estômago ao invés de ir para os pulmões. Essa manobra pode causar distensão gástrica e acarretar graves
complicações como vômitos, aspiração e pneumonia.
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Gráfico 6: Realiza compressões torácicas. (São Paulo,
2009.)
No Gráfico 6 referente às compressões torácicas
23% (07) executaram adequadamente, 29% (09) não
executaram o procedimento e 48% (15) executaram
incorretamente.
No item correspondente à realização de compressões torácicas, 77% não executaram e/ou executaram
de maneira incorreta.
Nesse passo ocorre a verificação do pulso carotídeo ou femoral. Se não houver pulso, é necessário
aplicar ciclos de 30 compressões e duas ventilações:
as compressões devem ser fortes e rápidas; a frequência é de 100 compressões por minuto. Para fazer
a compressão correta, o socorrista deve localizar o
gradeado costal e, a seguir, o apêndice xifoide, demarcar dois dedos logo acima do apêndice xifoide e
posicionar a região hipotenar de uma mão com os
dedos estendidos e a outra mão sobreposta a esta
no centro do tórax entre os mamilos. Manter os braços esticados e posicionar os ombros na direção das
mãos, comprimir de 4 a 5 centímetros; ao final de
cada compressão, é necessário assegurar-se de que
houve o retorno/re-expansão total do tórax. O retorno completo permite que mais sangue encha o
coração entre as compressões torácicas. Um ciclo
corresponde a uma sequência de 30 compressões e 2
ventilações, e a cada 5 ciclos o socorrista deve verificar o ritmo cardíaco (American Heart Association5
2006, Serrano et al.6 2008).
A identificação da necessidade de desfibrilação foi
executada de maneira correta por 10% (03) da amostra; 64% (20) não executaram o procedimento e 26%
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Gráfico 7: Identifica a necessidade de desfibrilação. (São
Paulo, 2009.)
(08) executaram de forma incorreta.
Quanto ao uso do DEA, 90% não executaram e/ou
executaram de maneira incorreta o procedimento.
O intervalo desde o colapso até a desfibrilação é
um dos mais importantes fatores determinantes da
sobrevivência a uma PCR. A desfibrilação precoce é fundamental para as vítimas de parada cardíaca súbita, pois a fibrilação ventricular (FV) é o ritmo inicial mais comum nesses casos
(American Heart Association5 2006, Serrano et al.6
2008).
O desfibrilador externo automático (DEA) interpreta o ritmo cardíaco e informa a necessidade ou
não do uso de choques. Esse aparelho foi desenvolvido para que qualquer pessoa possa utilizá-lo em
situação de PCR, pois não requer interpretação de
traçado eletrocardiográfico para decidir se é ou não
necessário o uso terapêutico da corrente elétrica; já
os aparelhos convencionais são usados exclusivamente no ambiente hospitalar (American Heart Association5 2006, Serrano et al.6 2008).
CONCLUSÃO
Com este estudo, pode-se concluir que, na avaliação da performance dos alunos na execução do BLS,
58% da população não executaram ou executaram de
forma incorreta o primeiro passo do suporte básico de vida; no segundo passo do protocolo, 97% da
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população não executaram ou executaram de forma
incorreta a solicitação de ajuda; o terceiro passo,
posicionamento da vítima, não foi executado ou foi
executado de forma incorreta por 52% da amostra; o
quarto item, correspondente ao posicionamento da
cabeça da vítima, não foi executado ou foi executado de forma incorreta por 61% dos pesquisados. Em
relação ao quinto passo, ventilação artificial, 68% não
executaram e/ou executaram de maneira incorreta; o
sexto item, realização de compressões torácicas, não
foi executado e/ou foi executado de maneira incorreta por 77% e no sétimo passo, uso do DEA, 90% não
executaram e/ou executaram de maneira incorreta o
procedimento.
Esses resultados são preocupantes, pois se espera
que, ao final do curso, o aluno tenha construído conhecimento e desenvolvido habilidades que lhe permitam enfrentar de maneira rápida, segura, eficiente
e eficaz as situações rotineiras ou não do seu dia-a-dia
como profissional.
Permitir que fosse avaliado e divulgado o resultado
do desempenho dos futuros profissionais formados
nessa Instituição é um ato de coragem e demonstra o
amadurecimento pessoal e profissional da Direção do
Curso. Além disso, fica evidente a preocupação real
com a qualidade do profissional que deixa a universidade e leva o nome da Instituição.
Entendemos que sempre é tempo de rever e
aprender, pois ensinar e aprender é um processo dinâmico; sendo assim, sugerimos que os alunos concluintes sejam submetidos a um treinamento sobre
BLS antes da conclusão do curso.
Entendemos ser relevante investir mais no treinamento em laboratório com situações controladas,
onde o aluno possa ser levado a desenvolver os procedimentos, perceber seu desempenho e refazer a
técnica até atingir a perfeição desejada.
Esperamos com este estudo contribuir para a reflexão dos docentes, independente da área de atuação,
pois compreendemos que estudos dessa natureza são
importantes, uma vez que mostram a compreensão
e o desempenho do aluno em relação ao seu fazer
como futuro enfermeiro.
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Anexo I
INSTRUMENTO DE COLETA
Item a ser avaliado
C
NE
Reconheceu os sinais de PCR
Solicitou ajuda
Posicionou o paciente em uma superfície rígida
Abertura da VA (extensão da cabeça para trás, deslocando a mandíbula para a frente
Respiração (Ver, ouvir, sentir)
* não: fazer 2 insuflações pulmonares e profundas, duração 1,5 a 2sg, observando a parede
torácica elevar-se com ambu e máscara
- Circulação (verificação de pulso carotídea e femoral)
* não: Iniciar compressões torácicas 30:2 (localizar porção inferior do esterno; posicionarse verticalmente acima do tórax da vítima com os braços estendidos)
Desfibrilação (se em FV/ TV sem pulso)
* após choque, fazer 5 ciclos de compressões e ventilações antes de nova verificação de
pulso
Legenda: C = correto; NE = não executou; I = incorreto
REFERÊNCIAS
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127
I
Relato de Pesquisa / Research Reports
Fisioterapia
ISSN 2176-9095
2176-9095
ISSN
Science in Health
2010 set-dez; 1(3): 128-35
EFEITOS DA DUPLA TAREFA NA MARCHA DE PACIENTES HEMIPARÉTICOS.
Dual Task Effect in Hemiparetic Gait
Camila Torriani-Pasin*
Kátia Lin**
Michelly Arjona**
Priscila Y Silva**
Roberta Zancani de Lima**
RESUMO
ABSTRACT
Introdução: Alterações cognitivas e/ou motoras na realização de dupla tarefa podem ser um importante indicador do
estado funcional em que se encontra um paciente durante
o período de reabilitação. Porém, não há indícios concretos
do impacto da natureza da dupla tarefa (demanda cognitiva
ou motora) em pacientes com lesões cerebrais vasculares.
Objetivo: Investigar a interferência motora-cognitiva em pacientes hemiparéticos após Acidente Vascular Encefálico
(AVE) com realização de tarefas duplas. Métodos: Foram
selecionados 12 pacientes com diagnóstico de AVE, de ambos os gêneros, entre 40 e 65 anos, e marcha independente. As tarefas consistiam de 4 testes que envolvem as
seguintes atividades: marcha simples, marcha com demanda cognitiva, marcha com demanda efetora e marcha com
demanda combinada (cognitivo-motora), avaliando-se velocidade e número de passos, durante um percurso de 10
metros. Resultados: Verificou-se que o desempenho nas 4
tarefas propostas, relacionadas tanto ao número de passos
quanto à velocidade média, apresentou-se comprometido
no grupo experimental (GE) quando comparado ao grupo
controle (GC), sendo que a dupla-tarefa que associou demanda cognitiva e motora impactou ainda mais sobre o GE
de forma negativa, em ambos os parâmetros avaliados. Não
houve diferença no desempenho de pacientes com lesão
encefálica à direita e esquerda, nesta amostra. Conclusão: A
realização de dupla-tarefa para o paciente com lesão encefálica encontra-se comprometida, sendo que as tarefas que
associam caráter cognitivo e motor repercutem em pior
desempenho.
Introduction: Cognitive and/or motor modification in performance of dual task could be an important indicator of
functional situation of a patient during the rehabilitation
period. However there is no concrete evidence from the
impact of the sort of dual task (cognitive or motor demand)
in patients with cerebrovascular injuries. Purpose: Investigating the motor-cognitive interference in stroke hemiparetic
patients during the performance of dual tasks. Method: 12
patients with the diagnosis of stroke were selected, both
gender, age between 40 and 65 years old and independent gait. The tasks consisted of 4 tests which included the
following activities: simple gait, gait with cognitive demand,
gait with effecter demand and gait with combined demand
(cognitive-motor demand), assessing gait speed and number
of steps, during a route of 10 meters. Results: It was verified
that the performance in the four suggested tasks, related
to the numbers of steps as well as to the gait speed, was
damaged in experimental group (EG) when compared to
control group (CG), once dual task that associated cognitive
and motor demand caused impact in EG in a very negative
way in both assessed parameters. There was no difference in performance of patients with right or left cerebral
dysfunction, in this sample. Conclusion: The performance of
dual tasks for the stroke patient is damaged, and the tasks
which associate cognitive and motor structure reverberate
in a worse performance.
Descriptors: Physical therapy • Gait • Stroke • Rehabilitation • Paresis
Descritores: Fisioterapia • Marcha • Acidente Cerebrovascular • Reabilitação • Paresia
** Fisioterapeuta Especialista em Neurofuncional e Profa Dra da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP)
** Fisioterapeutas graduados pela FMU – São Paulo – SP
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Relato de Pesquisa /Research Reports
Fisioterapia
Torriani-Pasin C, Lin K, Arjona M, Silva PY, Lima RZ. Efeitos da dupla tarefa na marcha de pacientes hemiparéticos.
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Introdução
O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é definido
pela Organização Mundial de Saúde como uma síndrome de rápido desenvolvimento, com sinais clínicos de
perturbação focal ou global da função cerebral, com
mais de 24 horas de duração, podendo levar ao óbito,
sendo de suposta origem vascular (Wolfe1, 2000).
Os sinais e sintomas do AVE variam de acordo
com a localização e a extensão da hemorragia ou isquemia, podendo haver hemiplegia completa contralateral com alteração da fala, diminuição da sensibilidade e desvio conjugado dos olhos, déficit sensitivo,
sobreposto ao déficit motor contralateral, vertigens,
desequilíbrio, afasia, alterações cognitivas, perceptuais e/ou alterações visuais (Chaves2 2000).
Nesse contexto, cabe afirmar que, após uma lesão
cerebral, alguns indivíduos podem apresentar dificuldades na realização de habilidades motoras e cognitivas, bem como para a aquisição de novas habilidades
(Caldas3 2000). Essa dificuldade deve-se, em grande
parte, à alteração na capacidade de aprendizagem,
relacionada por muitas vezes com a topografia lesional do AVE em território de artéria cerebral medial e
anterior (Bond e Morris4 2000).
Nesse contexto, já que a capacidade de aprendizagem motora pode estar afetada após o AVE, uma
das habilidades que, por conseqüência, também pode
estar comprometida é a capacidade de desempenhar
atividades combinadas, também denominadas de dupla tarefa.
A dupla-tarefa é um método que tem sido utilizado para determinar a demanda atencional de tarefas
particulares, sendo que seu desempenho, conhecido
como desempenho simultâneo, envolve a execução
de uma tarefa primária, que é o foco principal de
atenção, e uma tarefa secundária, executada concomitantemente (Teixeira e Alouche5 2007). Segundo
Bond e Morris4 (2000), no paciente neurológico essa
capacidade de realização de dupla-tarefa encontra-se
prejudicada.
Para Schmidt e Wrisberg6 (2001), a capacidade de
atenção no ser humano, além de ser limitada, apresenta-se de forma seriada em relação à natureza da
tarefa executada, pois normalmente focaliza-se primeiro a atenção em uma atividade para depois haver
possibilidade de direcionar atenção para duas tarefas
ao mesmo tempo. Sendo assim, parece ser uma tarefa
muito complexa tentar processar qualquer combina-
129
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ção dessas modalidades de informação, simultaneamente.
Segundo Teixeira e Alouche5 (2007), em circunstâncias normais, a realização concomitante de tarefas
motoras e cognitivas é comum e, nessas situações, as
atividades motoras são desempenhadas automaticamente, ou seja, não requerem recursos atencionais
conscientes. Esse estágio autônomo do desempenho
de uma habilidade motora é alcançado a partir de um
processo de aprendizagem motora no qual a prática e
sua variabilidade levam à formação de programas de
ação que permitem aumentar o repertório funcional
do ser humano.
Essa capacidade funcional encontra-se extremamente limitada em sujeitos pós-AVE, limitando a habilidade de realizar atividades funcionais como andar
e autocuidar-se (Horváth et al.7 2001). A habilidade
de andar é um fator primordial para determinar se o
paciente irá retornar à fase anterior de produtividade
após o AVE (Von Schroeder et al.8 1995).
Para Shumway-Cook e Woollacott9 (2003), durante a marcha, ao percorrer um ambiente complexo
ou cheio de objetos, informações sensoriais são solicitadas para ajudar no controle e na adaptação do
andar. Nesse sentido, o comportamento locomotor
inclui também a capacidade de iniciar e terminar a
locomoção, ajustar e adaptar o andar de maneira a
evitar obstáculos e alterar a velocidade e a direção
de acordo com o ambiente. Além dessa demanda, a
marcha geralmente contextualiza-se como tarefa primária, já que quando se analisa o andar nas atividades
diárias, este sempre está associado a uma tarefa secundária, como falar, carregar objetos ou associado
a processos mentais internos. Esse acoplamento de
tarefa primária e secundária é aprendido e adquirido
ao longo da vida com a prática e a experiência (Bond
e Morris4 2000).
Durante o processo de aquisição de uma habilidade motora, o córtex é totalmente exigido enquanto
o processo de aquisição consolida-se. Após a automatização, os movimentos passam a ocorrer na área
subcortical (núcleos da base, cerebelo e tálamo) deixando a área cortical livre para processar informações mais complexas. Ou seja, a automatização torna
possível a execução de duplas tarefas (Bond e Morris4
2000).
Caso haja um prejuízo do desempenho da tarefa
primária na execução da dupla tarefa, pode-se afir-
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mar que não há automatização desta tarefa primária, e essa piora no desempenho é denominado de
consequência da atividade dupla (Teixeira e Alouche5
2007). Esse prejuízo na tarefa primária e/ou na tarefa
secundária ocorre porque as duas tarefas competem
por demandas similares para o seu processamento.
Sabendo-se do papel fundamental da ativação da
área motora suplementar (MAS) e do córtex motor
primário (CMP) durante a execução de um ato motor,
bem como da necessidade da área frontal do cérebro
para viabilizar a construção e execução de uma ação,
supõe-se que, para viabilizar o desempenho de uma
tarefa com demanda motora e cognitiva haverá acionamento e maior conexão cerebral entre essas áreas
e as demais, fato este que pode tornar-se prejudicado
após uma lesão encefálica (Camicioli et al.10 1998).
Segundo Yang et al.11 (2007), para os indivíduos
com alguma lesão neurológica o ato de realizar duas
tarefas diferentes simultaneamente ocasiona pior desempenho após um AVE, quando comparado com
idosos saudáveis e, ainda, quando indivíduos com AVE
realizam alguma tarefa cognitiva simultaneamente com
a marcha, ocorre um decréscimo na velocidade, bem
como maior desequilíbrio durante a marcha.
Nesse contexto, a literatura não apresenta indícios
concretos da repercussão de tarefas com demandas
motoras e cognitivas associadas em pacientes com lesão cerebral após um AVE.
Assim, o objetivo deste estudo é investigar os
efeitos da realização de dupla tarefa com demandas
cognitivas, motoras e/ou cognitivo-motoras durante
a macha em paciente pós-AVE.
Métodos
A.Local
O estudo foi realizado na clínica de fisioterapia do
Centro Universitário FMU, local onde os pacientes
foram selecionados.
B. Casuística
Foram selecionados para o grupo experimental
(GE) 12 pacientes com idade entre 40 a 65 anos, com
história de lesão encefálica unilateral, único episódio
de AVE, que possuíam o diagnóstico funcional de hemiparesia e lesão em território de artéria cerebral
média ou anterior, apresentando marcha independente sem uso de auxílio externo, com pontuação
no Mini Exame do Estado Mental superior a 23 pon-
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tos, com capacidade cognitiva para realizar as tarefas a serem analisadas e que não possuíam alterações
músculo-esqueléticas, reumatológicas e cardiorrespiratórias. O grupo controle (GC) constituiu-se de 12
sujeitos saudáveis com idade entre 40 e 65 anos.
Os pacientes que apresentaram marcha dependente de recursos externos e alterações cognitivas que
comprometessem a compreensão dos testes propostos fizeram parte do grupo de exclusão.
O estudo foi aprovado pelo Comitê Ético Interno
da Instituição, e foram respeitados os aspectos éticos
concernentes à Resolução de nº 196 de 10 de outubro de 1996, que delimita diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
A coleta de dados iniciou-se após assinatura de termo
de Consentimento Livre e esclarecido, contendo explicações detalhadas sobre o estudo e sua finalidade.
C.Materiais
Durante o procedimento foram utilizados os seguintes materiais: calculadora convencional, um avental com bolsos bilaterais, uma bola de pingue-pongue
e um pedômetro Tech Line.
D. Delineamento
Após a seleção dos sujeitos foi realizada a avaliação
da velocidade da marcha de forma auto-selecionada
em uma passarela de 10 metros, sem nenhuma tarefa concorrente, por três vezes consecutivas, a fim de
garantir uma média dos valores (Tarefa 1). O método
de avaliação foi utilizar a velocidade como uma medida
isolada do andar funcional, uma vez que ela é simples,
rápida, composta das variáveis temporoespaciais, sendo a avaliação primordial para a análise da marcha humana (Horváth et al.7 2001; Titianova et al.12 2005). Essa
mensuração da velocidade de andar auto-selecionada
pelo paciente, independentemente do tipo de superfície, é fundamental, pois representa uma pontuação
acumulativa da qualidade da confiança e da capacidade
exibidas pelo paciente durante o andar.
Sequencialmente foi avaliada a marcha no mesmo
espaço de 10 metros com a atividade concorrente
de demanda cognitiva por três vezes consecutivas, a
fim de garantir uma média dos valores (Tarefa 2), na
qual o paciente deveria memorizar uma sequência de
5 números por 1 minuto e repeti-la verbalmente, enquanto realizava a marcha.
Após essa etapa, avaliou-se a marcha com a atividade concorrente de demanda motora por três
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vezes consecutivas, a fim de garantir uma média dos
valores (Tarefa 3). Para isso, enquanto o paciente realizava a marcha de 10 metros, devia pegar uma bola
de pingue-pongue situada em um bolso, sendo que
havia bolsos bilateralmente, e transferi-la para o outro. Por fim, foi avaliada a atividade concorrente de
demandas cognitivas e motoras associadas, por três
vezes consecutivas, a fim de garantir uma média dos
valores, na qual o paciente, durante a marcha, devia
repetir verbalmente a mesma sequência numérica vista anteriormente e ao mesmo tempo digitá-la em uma
calculadora (Tarefa 4).
As 4 tarefas foram realizadas aleatoriamente de
forma que suas execuções eram ordenadas diferentemente para cada sujeito. Os dados foram avaliados
por meio das seguintes medidas quantitativas: velocidade e número de passos nas quatro situações avaliadas, tanto na avaliação do GC quanto no GE.
E. Análise estatística
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A análise estatística foi realizada com base nos Softwares: SPSS V11.5, Minitab 14 e Excel XP.
Para a análise, foram utilizados os testes de MannWhitney e Igualdade de Duas Proporções. Por fim,
na complementação da análise descritiva, fez-se uso
da técnica de Intervalo de Confiança para a média.
A análise dos dados contemplou avaliação intergrupo
(Grupos: GC x GE em cada tarefa) e intragrupo (GC
e GE nas quatro tarefas)
Foi definido para este trabalho um nível de significância de 0,05 (5%) e todos os intervalos de confiança
foram construídos com 95% de confiança estatística.
Ressalta-se que foram utilizados testes e técnicas
estatísticas não paramétricas, porque as condições
para a utilização como a normalidade e homogeneidade das variâncias não foram encontradas neste conjunto de dados.
Tabela 1 - Dados relativos ao número de passos nas 4 tarefas para GC e GE.
Nº Passos
Tarefa 1. Marcha
Tarefa 2. Marcha com Demanda
Cognitiva
Tarefa 3. Marcha com Demanda
Motora
Tarefa 4. Marcha com Demanda
Cognitivo-motora
GC
GE
GC
GE
GC
GE
GC
GE
Média
Mediana
12,75
27,17
12,50
28,00
13,67
33,50
13,50
35,50
12
23,5
12
23,5
14
26,5
12,5
29,5
Desvio
Padrão
2,18
9,20
2,68
9,69
2,15
16,70
3,15
17,21
CV
Tamanho
17,1%
33,9%
21,4%
34,6%
15,7%
49,8%
23,3%
48,5%
12
12
12
12
12
12
12
12
CV
Tamanho
p-valor
0,12
0,26
0,19
0,22
0,19
0,23
0,15
0,23
9,2%
42,4%
17,9%
38,1%
18,2%
46,5%
15,9%
55,6%
12
12
12
12
12
12
12
12
p-valor
<0,001*
<0,001*
<0,001*
<0,001*
Legenda: CV: coeficiente de variação; GC: grupo controle; GE: grupo experimental
Tabela 2 - Dados relativos à velocidade média nas 4 tarefas para GC e GE.
Velocidade de Marcha
Tarefa 1. Marcha
Tarefa 2. Marcha com Demanda
Cognitiva
Tarefa 3. Marcha com Demanda
Motora
Tarefa 4. Marcha com Demanda
Cognitivo-motora
Média
Mediana
GC
GE
GC
GE
GC
GE
GC
GE
1,30
0,61
1,05
0,59
1,04
0,50
0,97
0,41
Desvio
Padrão
1,25
0,64
1,06
0,66
1,00
0,55
1,00
0,46
Legenda: CV: coeficiente de variação; GC: grupo-controle; GE: grupo experimental
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<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
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Resultados
Na Tabela 1 apresenta-se a análise intergrupo, referente à comparação do GC e GE, quanto ao desempenho durante as 4 tarefas relacionadas à variável
número de passos.
A seguir, na Tabela 2, apresenta-se a comparação
entre o GC e GE no que se refere à variável velocidade média de marcha durante as execução das 4
tarefas.
Nota-se que existe diferença estatisticamente significante (p<0,001) entre o GC e GE tanto para o
número de passos quanto para a velocidade média de
marcha durante a execução das 4 tarefas.
A seguir, ilustra-se a análise intragrupo para cada
variável mensurada.
Analisando o Gráfico 1, considerando-se que
quanto menor o número de passos melhor a execução da tarefa realizada, pode-se observar que no GC
as tarefas de melhor desempenho foram as da marcha
(Tarefa 1) e a de marcha com demanda cognitiva (Tarefa 2), seguidas da tarefa cognitivo-motora (Tarefa 4)
e por último a com demanda motora (Tarefa 3). No
GE, a ordem relativa ao melhor desempenho foi a de
marcha (Tarefa 1) e marcha com demanda cognitiva
Gráfico 1. Valores de média do número de passos realizados pelo GC e GE nas 4 tarefas testadas.
Gráfico 2. Valores de média da velocidade média realizados pelo GC e GE nas 4 tarefas testadas.
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(Tarefa 2), seguidas pela marcha com demanda motora (Tarefa 3) e, por último, com a demanda cognitivomotora (Tarefa 4), apresentando pior valor.
Considerando-se que quanto maior a velocidade
média melhor a realização da tarefa (Von Schroeder
et al.8, 1995), no Gráfico 2 pode-se notar que para
o GC a melhor performance ocorre na tarefa de
marcha (Tarefa 1), seguida pela marcha com demanda cognitiva (Tarefa 2), e por último com demanda
motora (Tarefa 3) e cognitivo-motora (Tarefa 4), que
apresentaram mesmo valor. No GE, a tarefa com demanda cognitiva (Tarefa 2) apresentou melhor resultado, seguido pela tarefa apenas de marcha (Tarefa 1),
pela marcha com demanda motora (Tarefa 3) e por
último pela marcha com demanda cognitivo-motora
(Tarefa 4).
Em relação à comparação entre as 4 tarefas no
GC (Gráfico 1, 2) observou-se que o fato de desempenhar dupla tarefa, tanto de caráter cognitivo quanto motor impactou de forma pouco significativa em
relação ao número de passos, porém, em relação à
velocidade nota-se que a realização de tarefa concorrente impactou de forma mais significativa.
Já no GE pode-se notar que o desempenho mensurado por meio da velocidade nas 4 tarefas apresentou-se de modo semelhante tanto para o número
de passos quanto para a velocidade. Portanto, assim
como nos sujeitos-controle, os pacientes hemiparéticos apresentam pior desempenho durante a combinação de tarefa com demandas cognitivo-motoras
associadas.
Realizou-se uma análise comparativa dos resultados de cada tarefa considerando-se o lado da lesão
encefálica (5 pacientes lesão à direita e 5 à esquerda).
Em ambos os parâmetros de marcha avaliados, não
houve diferença estatisticamente significante entre o
desempenho de pacientes com lesão no hemisfério
direito e esquerdo em nenhuma das 4 tarefas testadas, e obteve-se o mesmo resultado quando comparados os gêneros masculino e feminino (8 e 4 sujeitos,
respectivamente).
Discussão
O alvo deste estudo é investigar os efeitos da dupla
tarefa com demanda cognitiva e motora no desempenho da marcha de pacientes hemiparéticos pós-AVE.
Nota-se, neste estudo, que, em relação à velocidade média e ao número de passos, todas as tarefas
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apresentaram diferença estatisticamente significante,
sendo que o GC apresentou maior velocidade média
e menor número de passos quando comparado com
o GE. Durante a realização da dupla tarefa, ambos os
grupos apresentaram desempenho prejudicado.
Nesse contexto, para Titianova et al.12 (2005), a
velocidade da marcha afeta parâmetros espaciais e
temporais tanto em sujeitos saudáveis quanto em pacientes, sugerindo que o déficit da marcha poderia
ser detectado e observado em relação a essa medida.
Portanto, pode-se indicar que o GE apresentou uma
marcha mais comprometida, ou seja, houve deterioração da tarefa primária quando acoplada a tarefas
secundárias, em relação ao GC.
Segundo Camicioli et al.10 (1998), indivíduos saudáveis apresentam dificuldades ao realizar a dupla tarefa
durante a marcha no que se refere à quantidade de
passos, mas, quando comparados a pacientes neurológicos, esse prejuízo é muito menor, o que corrobora os resultados encontrados.
No presente estudo, os pacientes hemiparéticos
pós-AVE, não apresentaram disponibilidade total para
realizar uma segunda tarefa concomitante à marcha,
já que a tarefa central, no caso a marcha, mesmo sendo uma habilidade extremamente praticada antes do
evento vascular e inerente ao ser humano, ainda demanda muita atenção de tais pacientes, não favorecendo a disponibilidade de atenção necessária para a
combinação de uma segunda tarefa.
Com respeito a lesões neurológicas, O´Shea et al.13
(2002) relatam que pacientes com doença de Parkinson apresentam menor número de passos e menor
velocidade quando executam dupla tarefa, fato este
que também pode ser verificado no presente estudo
com a população AVE. Assim, apesar da topografia lesional ser distinta em pacientes hemiparéticos e com
Parkinson, pode-se notar que tais comprometimentos neurológicos incapacitam a habilidade de realizar
tarefas concorrentes, justificando-se algumas incapacidades funcionais apresentadas pelos mesmos.
Voelcker-Rehage et al.14 (2006) realizaram um trabalho e encontraram pouca diferença no desempenho
entre idosos e jovens saudáveis, quando executaram
isoladamente tarefas cognitivas e motoras, porém,
quando, associadas em dupla tarefa, apresentaram
grandes diferenças, sendo os idosos mais prejudicados na execução de tarefas concomitantes.
Neste estudo, o GE apresentou diferenças estatis-
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ticamente significantes em relação ao GC, independentemente se em única tarefa ou dupla tarefa. Com
isso, verifica-se que, além do fator idade, a lesão encefálica provavelmente agrava ainda mais a execução
de dupla tarefa. Além disso, de forma semelhante aos
achados de Voelcker-Rehage et al.14 (2006), no presente estudo o GC também apresentou desempenho
inferior ao realizar dupla tarefa.
Segundo Cockburn et al.15 (2003), os efeitos da
interferência cognitivo-motora são mais evidentes
durante a marcha do que na performance cognitiva,
sendo que as atividades de vida diárias incorporam
componentes tanto motores quanto cognitivos, ficando praticamente impossível distingui-los. Esse fato salienta a necessidade de comparação do desempenho
de tais pacientes em tarefas com demandas predominantemente cognitivas, motoras e cognitivo-motoras.
Em um estudo realizado por Roerdink et al.16
(2006), verificou-se que pacientes pós-AVE, quando
executam tarefa cognitiva, apresentam deterioração
do controle postural (mensurado pelo deslocamento
do centro de gravidade), diminuindo a estabilidade local. Além disso, a realização de dupla tarefa faz com
que os pacientes aumentem a dimensão do seu centro
de gravidade, prejudicando, também, o desempenho
de tarefas cognitivas e do controle postural.
Segundo Yang et al.11 (2007), as habilidades de andar e executar dupla tarefa são muito importantes
para os programas de reabilitação, pois fazem parte
de muitas atividades da vida diária. Assim, faz-se necessária a avaliação do desempenho de dupla tarefa
em pacientes neurológicos para que tais habilidades
possam ser mensuradas, treinadas e novamente mensuradas, visando determinar a capacidade de aprendizagem de dupla tarefa e a efetividade do programa de
fisioterapia na reinserção social dos pacientes.
Para o GE, a tarefa que propiciou desempenho pior
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foi a com demanda cognitivo-motora, que, segundo
Cockburn et al.15 (2003), demanda maior acionamento e conexão cerebral, aumentando a complexidade
da tarefa, sendo os efeitos da tarefa concorrente mais
evidentes. Essa pode ser a razão pela qual a tarefa
cognitivo-motora foi a que mais apresentou-se prejudicada no GE.
Já para o GC, a tarefa de pior desempenho foi com
demanda motora, o que pode estar relacionado ao
fato de a tarefa não apresentar nenhum desafio e ser
menos interessante aos indivíduos, o que pode ter
resultado em um desempenho inferior quando comparado com as outras tarefas.
Por meio da análise dos resultados do presente
estudo, pode-se observar que o desempenho de dupla tarefa com demanda cognitiva, quando comparada
com demanda motora e/ou demanda cognitivo-motora, apresentou menor significância devido ao fato de
os indivíduos selecionados não apresentarem déficit
cognitivo ou também por não haver uma dificuldade
acentuada na tarefa cognitiva apresentada. Sendo assim, sugere-se que, para os próximos estudos, sejam
investigadas tarefas com demandas e níveis de complexidade diferentes para avaliar se realmente essa é
a tarefa com menor dificuldade quando comparada
com outras tarefas concorrentes.
Conclusão
Conclui-se que a realização de dupla tarefa para o
paciente com lesão encefálica encontra-se comprometida, e as tarefas que associam caráter cognitivo
e motor contribuem para um pior desempenho na
marcha desses pacientes.
A realização da dupla tarefa encontra-se comprometida no GE para número de passos e velocidade,
ou seja, há impacto negativo da associação de tarefa
cognitiva com a marcha.
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Administração
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Science in Health
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Liderança: Uma relação entre predisposição biológica, INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
e diferenciação sexual.
Leadership: A relationship among biological prEdisposition, EMOTIONAL INTELLIGENCE
and sexual differentiation.
Camila Paschoal Bezerra*
Wilson Emanuel Fernandes dos Santos**
Resumo
Abstract
O presente artigo tem por objetivo evidenciar a relação
existente entre a predisposição biológica para o desenvolvimento das habilidades relacionadas à “inteligência emocional” e os componentes envolvidos na caracterização comportamental da liderança, com a finalidade de demonstrar
que, em se tratando de aspectos biológicos como uma das
variáveis que interferem diretamente na criação dessas habilidades, o sexo feminino apresenta características cerebrais
anatômicas, morfológicas e neurais que permitem uma eficaz articulação da liderança através de seus componentes. A
pesquisa foi realizada nas fronteiras interdisciplinares da Administração e da Psicologia, por meio de pesquisa bibliográfica baseada tanto em artigos científicos, revistas científicas
e periódicos reconhecidos e validados em sua devida área
de atuação, como em pesquisas previamente divulgadas,
procurando-se estabelecer conexões claras entre o gerenciamento dos componentes comportamentais e as habilidades do cérebro e, posteriormente, a configuração de perfil
de liderança. Com base no evidenciamento e caracterização desses componentes e habilidades e de sua associação
com a configuração ao perfil de liderança estabelecido, poderá ser observado como resultado a constatação de que,
sendo a inteligência um potencial biopsicológico, flexível e
inicialmente influenciado por características anatômicas,
morfológicas e neurais, podemos identificar relações entre
a predisposição de qualquer indivíduo do sexo feminino e
o desenvolvimento de características específicas e decisivas
para o surgimento de habilidades envolvidas na construção
da liderança. Compreender os aspectos relacionados à liderança permite maior clareza quanto às possibilidades de
gerenciamento e definição de objetivos e trajetórias por
parte das corporações, bem como um melhor e mais coeso
gerenciamento de suas equipes.
The present article has for objective to evidence the existent relationship among the biological predisposition for
the development of the abilities related to the “emotional
intelligence” and the components involved in the behavior characterization of the leadership, with the purpose of
demonstrating that, in if treating of biological aspects as one
of the variables that they interfere directly in the creation of
those abilities, the feminine sex presents anatomical, morphologic cerebral and neural characteristics that allow an
effective articulation of the leadership through your components. The research was accomplished in the borders of
the Administration and of the Psychology, through bibliographical research based so much on scientific goods, scientific magazines and recognized newspapers and validated in
your owed area of performance, as in researches previously
published, trying to settle down clear connections between
the administration of the behavior components and the
abilities of the brain and, later, the configuration of leadership profile. With base in the evidence and characterization
of those components and abilities and of your association
with the configuration to the established leadership profile,
it can be observed as result the verification that, being the
intelligence a biological and psychological potential, flexible
and initially influenced by characteristics anatomical, morphologic and neural, we can identify relationships among
the predisposition of any individual of the feminine sex and
the development of specific and decisive characteristics for
the appearance of abilities involved in the construction of
the leadership. To understand the aspects related to the
leadership allows larger clarity with relationship to the administration possibilities and definition of objectives and
paths on the part of the corporations, as well as a best and
more united administration of your teams.
Descritores: Liderança • Inteligência emocional • Diferen-
Keywords: Leadership • Emotional intelligence • Sexual dif-
ciação sexual.
ferentiation.
** Administradora pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), atua na IBM Brasil - GTS OM&D Team..
** Docente do curso de Administração da UNICID, Administrador e Sociólogo pela Universidade de São Paulo (USP), possui Mestrado Profissional (MBA)
pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Especialização em Gestão Bancária pela UNICID, atualmente é Mestrando no Departamento de Sociologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e desenvolve pesquisas na área de Gestão de Pessoas, especialmente relacionadas às características do trabalho nas organizações contemporâneas.
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Administração
Bezerra CP, Santos WEF. Liderança: Uma relação entre predisposição biológica, inteligência emocional e diferenciação sexual.
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1. INTRODUÇÃO
As considerações aqui propostas são baseadas no
conceito da liderança de acordo com a Ciência da
Administração. O contexto deste artigo apresenta
as relações existentes entre as habilidades presentes
para que uma liderança efetivamente ocorra tanto
para o sucesso do funcionário como para o êxito das
equipes e da organização em questão.
A partir disso, procura-se estabelecer a relação
entre a predisposição biológica e a conseguinte possibilidade de desenvolvimento das características que
definem o que é liderança. Estudos relacionados à diferenciação sexual (ou seja, as diferentes características
anatômicas, morfológicas e funcionais que ocorrem
entre homens e mulheres devido à sua constituição
biológica) também são fontes para a construção deste artigo. Tais diferenças se encontram nos mais variados órgãos e tecidos do corpo humano, definindo
diferenças básicas entre os sexos. Justamente pelo
fato de que a diferenciação sexual ocorre em todos
os tecidos do corpo humano, é vital entendermos
o funcionamento do cérebro feminino e como este
gerencia as habilidades cognitivas que irão definir e
compor a liderança.
As habilidades cognitivas demonstradas neste artigo são as habilidades definidas como inteligência
emocional e seu entendimento é também de fundamental importância para a construção e compreensão
deste artigo.
Mais do que isso, compreender os aspectos relacionados à liderança é também conhecer e entender
o comportamento humano e, dessa forma, propiciar
a utilização dessas informações, tanto no desenvolvimento do potencial humano nas organizações como
do delineamento de estratégias organizacionais.
2. MÉTODOS
Desenvolve-se a pesquisa pelo método analítico,
iniciando-se pela definição conceitual geral dos termos fundamentais dos elementos discutidos (a liderança, o comportamento abordado pela inteligência
emocional e a predisposição biológica do cérebro
feminino em relação ao comportamento de liderança em questão), seguida pelo desenvolvimento da
compreensão do conteúdo de cada componente que
caracteriza tais elementos. Por fim, estabelece-se a
relação entre esses elementos a partir de seus componentes caracterizadores.
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A pesquisa foi fundamentada em investigação teórica e de resultados empíricos de pesquisas já publicadas, a partir de bibliografia e artigos científicos em
periódicos especializados e reconhecidos internacionalmente.
3. RESULTADOS
3.1 A LIDERANÇA E SEUS COMPONENTES
“As pessoas são capazes de realizar feitos incríveis. Mas é preciso saber conduzi-las e estimulá-las
por meio da liderança e da motivação” (chiavenato,
2007, p. 172). Através dessa afirmação, Chiavenato,
autor brasileiro na área de administração de empresas e recursos humanos, e o atual conselheiro no
Conselho Regional de Administração do Estado de
São Paulo (CRA-SP), descortina os caminhos rumo
a um tema de importância vital para a continuidade
das organizações e o desenvolvimento da gestão de
pessoas: a liderança.
Foco de pesquisas no mundo todo, a compreensão
da liderança é, para a visão da ciência da Administração, simultaneamente a compreensão do comportamento dos indivíduos e da influência interpessoal sob
a ótica das estratégias das organizações.
Em se tratando do conceito de liderança, podemos afirmar que liderança é a influência interpessoal
exercida numa situação e dirigida através do processo de comunicação humana à consecução de um de
diversos objetivos específicos (chiavenato, 1983).
Seguindo essa mesma abordagem, temos que “liderança é um relacionamento de influência de pensamentos, crenças e comportamentos. É um relacionamento de visão, valores e responsabilidades
compartilhadas” (drucker, 2004, p. 59). Também podemos considerar que “a liderança é, antes de qualquer coisa, a capacidade de inspirar as pessoas” (cortella; mussak, 2009, p. 15).
Considerando que a liderança é uma influência interpessoal, é fundamental também compreendermos
o conceito de influência: “A influência é uma força
psicológica, uma transação interpessoal na qual uma
pessoa age de modo a modificar o comportamento
de uma outra, de algum modo intencional” (chiavenato, 1983, p. 126).
Para que a influência interpessoal característica da
liderança efetivamente ocorra, é fundamental que o
líder seja capaz de identificar os conflitos existentes
em seu grupo ou time, compreendendo as necessida-
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des por eles apresentadas e assegurando a compreensão dos objetivos do time, grupo ou da organização,
por parte de todos.
Essa capacidade do líder em influenciar pessoas
e identificar antecipadamente conflitos em prol de
um objetivo em comum requer significativa e correta aplicação de habilidades, como o autocontrole e
equilíbrio que, por sua vez, são pontos-chaves para
a construção e solidificação da chamada estabilidade
emocional: estabilidade emocional é associada em
manter-se equilibrado sob pressão, estar apto para
a resolução de conflitos e ser capaz de digerir feedbacks negativos, tudo para a promoção da eficácia do
time (hogan et al., 1994). De fato, estabilidade emocional e compreensão de conflitos permitem que a
organização esteja mais bem preparada para o alcance
de seus objetivos.
O alcance de objetivos a partir da ação coletiva
e sinergia de esforços é uma das evidências de que
a interdependência entre os seres humanos é natural para sua sobrevivência. Sendo o homem um ser
eminentemente social, o estabelecimento de relações sociais é uma necessidade básica e a liderança
é um dos aspectos relacionados a essa convivência
social. Por ser fruto de uma relação social, a liderança
é fundamentalmente dirigida através do processo de
comunicação. Logo, a comunicação é de crucial importância para a construção e conseguinte efetividade
da liderança.
O processo da comunicação no âmbito da liderança também se manifesta como chave para a transmissão e compreensão dos planos de uma organização.
“Um executivo eficaz se certifica de que todos entendam tanto seus planos de ação quanto a informação
de que necessita” (drucker, 2004, p. 59).
Além disso, as relações humanas no ambiente
das organizações configuram-se como um elemento
fundamental para a solidificação de uma cultura de
respeito entre os funcionários e de credibilidade nas
equipes. Essa atitude de respeito deve estar, portanto,
presente de forma constante no ambiente corporativo e “deve basear-se no princípio do reconhecimento
de que os seres humanos são entes possuidores de
uma personalidade própria que merece ser respeitada” (balcão; cordeiro, 1967, p. 38).
Essa atitude de respeito para com os demais é baseada na compreensão de suas características e necessidades peculiares e “implica uma compreensão
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sadia de que toda pessoa traz consigo, em todas as
situações, necessidades materiais, sociais ou psicológicas, que procura satisfazer e que motivam e dirigem o seu comportamento neste ou naquele sentido”
(balcão; cordeiro, 1967, p. 38).
Isso significa dizer que o desenvolvimento de relações humanas é também dependente do fator de
reconhecimento e compreensão do líder para com
cada pessoa da sua rede social em seu time e na organização da qual faz parte.
Considerando os pontos elucidados até o presente momento, a liderança é definida e caracterizada
por um conjunto de 5 (cinco) componentes principais: capacidade de influenciar pessoas; capacidade de
motivar (inspirar) pessoas; capacidade de desenvolvimento de relações humanas (sadias e através de comunicação eficaz); equilíbrio (autodisciplina) e capacidade de manutenção de relacionamentos humanos
previamente estabelecidos (através da antecipação
e resolução de conflitos). Esses cinco componentes
extraídos do conceito de liderança, a partir da ciência da Administração podem ser relacionados com os
conceitos e componentes fundamentais da chamada
“inteligência emocional”.
3.2 A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E SUA RELAÇÃO COM A LIDERANÇA
Inicialmente definida em artigos publicados em
1990, pelos psicólogos Jack Mayer da Universidade
de New Hapshire, e Peter Salovey da Universidade de
Yale, o termo “inteligência emocional” refere-se ao
“conjunto de habilidades através das quais as pessoas
lidam com suas próprias emoções e com as emoções
dos outros” (salovey; mayer, 1990, p. 443).
O conceito de inteligência emocional foi popularizado pelo psicólogo Daniel Goleman, em seus livros
Emotional Intelligence e Working With Emotional
Intelligence, entre outras publicações, em que expande a noção de inteligência emocional para incluir
um conjunto de habilidades não cognitivas. Goleman
afirma e descreve os cinco principais componentes
da inteligência emocional: autoconhecimento ou autodisciplina, equilíbrio ou autoconsciência, motivação,
empatia e habilidades sociais (goleman, 1998).
Para Goleman (1998), os cinco componentes da
inteligência emocional podem ser separados em dois
blocos principais, o bloco definido como “habilidades
de autogerenciamento”, composto por autoconhe-
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cimento, equilíbrio e motivação, e o bloco definido
como “a habilidade em se relacionar com os outros”,
composto pelos dois últimos componentes: a empatia
e habilidades sociais. As cinco habilidades são mostradas na tabela abaixo:
Podemos observar que as habilidades definidas
uma inteligência que revela aspectos introspectivos de
reflexão e autocompreensão manifestados na interpretação de sentimentos e emoções, relacionando-se
a linguagens que servem de base para entender e executar comportamentos (brennand; vasconcelos, 2005,
p. 19).
Tabela I – Blocos de habilidades da inteligência emocional.
Observando o trecho acima, é possível relacionar
a capacidade de gerenciamento dessa habilidade com
a interpretação de comportamentos humanos, fator
fundamental para o sucesso de uma liderança eficaz.
“Para constatá-la, é necessário examinar sua expressividade a partir da linguagem, da música ou de outra
forma de expressão que torne possível a observação
de sua manifestação” (gardner, 1987, p. 25). Em se
tratando de aspectos biológicos e do gerenciamento
dessa habilidade pelo cérebro humano, o lobo frontal
apresenta-se como responsável tanto pelo desenvolvimento da habilidade em questão como responsável
por seu gerenciamento saudável: “um dano na região
dos lobos frontais provavelmente produz irritabilidade ou euforia” (gardner, 1987, p. 25).
Gur et al. afirmam que:
Habilidades
Habilidade de
Habilidades em se
autogerenciamento
relacionar com os outros
Autoconhecimento
empatia
(ou autoconsciência)
equilíbrio
habilidades sociais
motivação
Fonte: Goleman (1998)
pela ciência da Administração como sendo essenciais
para a caracterização da liderança, e as habilidades
definidas pela Ciência da Psicologia (aqui representadas por Goleman, Salovey e Mayer), também como
sendo necessárias para a composição da liderança,
convergem.
3.3 O GERENCIAMENTO DA INTELIGÊNCIA
EMOCIONAL PELO CÉREBRO FEMININO
Uma vez analisado o conceito de liderança segundo
a ciência da Administração, bem como as habilidades
envolvidas para sua caracterização e sua associação
com a inteligência emocional é fundamental a evidenciação da constituição de cada uma dessas cinco habilidades previamente mencionadas e o gerenciamento
de cada uma delas pelo cérebro humano.
3.3.1 Autoconhecimento (autoconsciência)
O Autoconhecimento ou autoconsciência é a
base ou pré-requisito para a existência da inteligência
emocional: “A inteligência emocional parte desse prérequisito. Pessoas que dispõem de alto nível de autoconhecimento conhecem suas próprias fraquezas e
não têm medo de falar sobre elas” (goleman, 1998).
Além de servir de base para o desenvolvimento
das outras habilidades componentes da inteligência
emocional, essa habilidade também é componente da
inteligência intrapessoal.
O autoconhecimento é parte integrante da chamada
inteligência intrapessoal. A inteligência intrapessoal é
139
[...] diferenças sexuais em volumes regionais nos lobos
frontais, em que as regiões orbitais frontais apresentaram-se relativamente mais largas em mulheres do que
em homens.” Esses pesquisadores afirmam ainda que,
“de fato, volumes frontais reduzidos foram associados
com distúrbios de personalidade antissocial (2002, p.
1000).
Tomando por base a afirmação de Gardner anteriormente mencionada, bem como a pesquisa realizada pelos pesquisadores norteamericanos, podemos observar que o funcionamento emocional
e implicações comportamentais são processados
nos lobos frontais no cérebro que, por sua vez, ao
apresentar-se menor relaciona-se a distúrbios antissociais. Levando-se em conta que esta região cerebral é maior nas mulheres e que a compreensão de
comportamentos está totalmente relacionada a essa
região cerebral, podemos, portanto, afirmar que os
aspectos biológicos cerebrais femininos ligados aos
volumes regionais nos lobos frontais produzem uma
predisposição para o desenvolvimento de habilidades
relacionadas à inteligência intrapessoal, fundamental
para o desenvolvimento da autodisciplina, bem como
para a caracterização da liderança.
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3.3.2 Equilíbrio (autodisciplina)
A inteligência relacionada ao equilíbrio considera
que os indivíduos possuidores dessa habilidade sejam
capazes de “compreender as expectativas sociais envolvidas em suas ações” (salovey; mayer, 1990, p. 443).
Ainda segundo os pesquisadores norteamericanos, “a
inteligência autorreguladora é de importância primária para os indivíduos emocionalmente inteligentes.
(…) é o controle de impulsos emocionais inaceitáveis segundo a visão pública” (salovey; mayer, 1990,
p. 443).
Gur et al. constataram que:
Nós constatamos que as mulheres (…) apresentam volume orbital aumentado com relação ao próprio volume da amígdala comparado ao de homens, suportando
a hipótese de que as mulheres possuem maior volume de tecido disponível para a regulação de entrada
da amígdala. Essa descoberta possivelmente explica as
diferenças relacionadas ao gênero no que diz respeito
ao comportamento emocional, particularmente agressividade (2002, p. 999).
Essa descoberta é extremamente importante
quando estamos estudando os fatores relacionados
às condições que possibilitam a predisposição biológica para a liderança.
Gur et al. ainda constatam que:
Enquanto fatores ambientais e culturais certamente
contribuem para a diferenciação sexual com relação à
agressividade, a existência de tais diferenças neuroanatômicas evidenciadas na estrutura cerebral relacionadas à regulação emocional justifica esforços sistemáticos para relacionar o comportamento emocional com
substratos neurais.
Isso significa dizer que, devido ao tamanho e volume de sua amígdala, de forma geral, as mulheres têm
menor tendência à agressividade ou comportamentos
que demonstrem agressividade. De forma geral, podemos dizer que esse fato contribui significativamente para o desenvolvimento da capacidade autorreguladora por parte da mulher, auxiliando no processo
de controle de impulsos e, consequentemente, auxiliando no processo de desenvolvimento do equilíbrio
enquanto componente da inteligência emocional e
consequentemente da liderança (2002, p. 1000).
3.3.3 Motivação
“A motivação diz respeito à dinâmica do comportamento das pessoas. Motivar significa estimular as
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pessoas a fazer algo ou a se comportar rumo a determinada direção” (chiavenato, 2007, p. 172).
Ainda segundo o autor, esse fator é não somente
algo importante, como também vital para o desenvolvimento e eficácia da liderança, uma vez que “se há
um atributo que todos os líderes eficazes possuem, é
a motivação” (chiavenato, 2007, p. 172).
Os estudos, aqui pesquisados também evidenciaram a conexão entre motivação, times e desempenho:
A motivação para que membros do time performem
coletivamente é proveniente do uso simbólico de técnicas de administração pelo líder. Técnicas simbólicas de
administração como o uso de estórias, discursos inspiracionais (…) irão efetivamente estimular os indivíduos
de forma a inspirá-los a performar de acordo com os
valores do time e comportamentos-alvo definidos.
[...] através da resolução de conflitos e encorajamento
de interações de apoio entre os membros, o líder cria
um ambiente de sustentação para os membros. Esse
ambiente fornece aos membros do time certa substância de segurança emocional e fornece a base para o esforço coordenado (ashforth; humphrey, 1995, p. 97).
Observando o fato de que Ashforth e Humphrey
afirmam que o uso de técnicas de administração,
como o uso de discursos e estórias, influencia diretamente na capacidade de motivar as pessoas, podemos
automaticamente ligar a habilidade em motivar pessoas com a habilidade linguística e verbal.
Com base no levantamento dos atributos envolvidos na sustentação da motivação, temos que, “mulheres performam melhor em atividades de reconhecimento emocional rápido, e são mais expressivas”
(ashtana; mandal, 1998, p. 182). A atividade de reconhecimento emocional rápido está associada com a
capacidade de compreensão de emoções e seu processamento no cérebro. A expressividade está relacionada ao gerenciamento de atributos e técnicas que
induzem a manifestações, reflexões e formulações
ligadas à áreas da comunicação e articulação linguística.
Segundo Sosik e Megerian (1999, p.20), os chamados líderes transformacionais apresentam determinadas características que lhes permitem desenvolver
sua inteligência emocional. Entre essas características,
citam que a “motivação é atingida através do gerenciamento de conflitos entre membros de um time por
seu líder, de forma a nutrir e solidificar as relações
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entre os membros” (sosik; megerian, 1999).
Quanto aos líderes transformacionais, temos que:
Comparadas com líderes masculinos, as líderes femininas são (a) mais transformacionais (...) líderes transformacionais definem objetivos futuros, desenvolvem
planos para o atingimento desses objetivos e inovam,
mesmo quando a organização está genericamente apresentando sucesso (earli; carli, 2003, p. 817-818).
Assim como:
[...] seja transformacional ou socializada, a liderança é
direcionada rumo ao serviço de interesses coletivos,
em que os líderes reconhecem a necessidade de compreensão e demonstram respeito por seus seguidores,
intencionando motivá-los através do uso da razão e
atrativos emocionais (avolio; bass, 1995, p. 200).
Howard Gardner, psicólogo e professor da Harvard Graduate School of Education, afirma que os
líderes “devem ter liderança linguística, pois contar
suas histórias e confrontá-las com as demais é muito
importante” (gardner, 1987, p. 253).
A inteligência linguística, “potencial que revela a
capacidade do indivíduo de aprender noções dos códigos linguísticos, guardá-los na memória e aplicá-los
criativamente” (brennand; vasconcelos, 2005, p. 19)
é fator fundamental para a confirmação de uma liderança eficaz.
A inteligência linguística “traduz o valor da competência de escrever, interpretar e aplicar palavras em
situações de comunicação e se revela no domínio da
palavra, tanto representada por códigos escritos marcados em papéis e pedras, quanto na expressão oral
da fala” (brennand; vasconcelos, 2005, p. 19).
A inteligência linguística é evidenciada por Gardner como “um potencial que não depende de nenhum
órgão sensorial especificamente; depende da complexidade de como é disposta no cérebro” (gardner,
1987, p. 50).
O resultado quanto ao estudo da produção oral
pode ser acompanhado abaixo:
A produção oral é uma função fortemente esquerdodominante e que fundamenta-se sobre áreas do lóbulo
frontal. (…). São importantes para o acesso às palavras
apropriadas e o som da oratória.
Trabalhos recentes também identificaram um circuito
senso-motor responsável pela oratória no lóbulo temporal posterior esquerdo e sistemas de produção do
mesmo. Este circuito está envolvido no desenvolvimento da locução e é responsável por suportar a memória
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verbal de curto prazo. (carey, 1990, p. 31).
Gur et al. constatam:
Diferenças sexuais (…) foram reportadas na morfologia do corpo caloso. Pelo fato do corpo caloso consistir
em fibras de conexão mielínicas, o volume mais denso
de corpo caloso presente nas mulheres foi interpretado como responsável por prover melhor comunicação
entre os hemisférios cerebral e consequentemente,
menor necessidade de especialização funcional dos dois
hemisférios.
[...] os resultados anatômicos sugerem algum paralelo entre diferenças sexuais em cognição e diferenças
na massa cinzenta devido ao fato de ambos, mulheres
e seu lado hemisférico esquerdo, responsável pela linguagem, possuírem uma maior porcentagem de massa
cinzenta; e mulheres superam os homens em atividades
relacionadas à linguagem (2000, p. 999).
3.3.4 Empatia
A empatia é particularmente importante hoje,
como componente da liderança, devido a, pelo menos, três razões: aumento no uso de times, rápido
crescimento da globalização e a crescente necessidade na retenção de talentos (goleman, 1998).
Fundamental para as organizações, o desenvolvimento de times torna-se fator decisivo para o sucesso das mesmas:
Times são caldeirões de emoções borbulhantes. Normalmente, são responsáveis pelo atingimento de um
consenso – difícil suficiente entre duas pessoas e muito
mais difícil conforme o número de pessoas aumenta.
[...] o líder de um time deve ser capaz de perceber e
compreender os pontos de vista de todos os envolvidos.
[...] estimular as pessoas a falarem mais abertamente
sobre suas frustrações, compreendendo o fundo emocional do time (goleman, 1998, p. 71).
Os efeitos da globalização quanto ao desenvolvimento dos negócios em escala mundial também se
definem como fator essencial para o sucesso das organizações:
Globalização é outra razão pelo aumento da importância de empatia pelos líderes de negócios. O diálogo
‘cross-cultural’ pode levar facilmente a mal-entendidos.
A empatia é um antídoto. Pessoas que a possuem estão
alerta às sutilidades na linguagem corporal; são capazes
de ouvir a mensagem por trás das palavras ditas. Além
disso, possuem um conhecimento mais amplo tanto da
existência como da importância das diferenças culturais
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Gur et al. afirmam que:
e étnicas (Goleman, 1998, p. 75).
Sabbatini considera:
Um estudo dirigido pelo Dr. Godfrey Pearlson, da Universidade John Hopkins, Estados Unidos, demonstrou
que duas áreas nos lobos frontais e temporais relacionados à linguagem (conhecidos como áreas de Broca e
Wernicke, em homenagem a seus descobridores) são
significativamente maiores nas mulheres, fornecendo
assim um motivo biológico para a notória superioridade mental das mulheres relacionada à linguagem (2000,
s/n).
Essa constatação é de fundamental importância
para a compreensão, desenvolvimento, manutenção
e coordenação de novas linguagens e relacionamentos já existentes: por meio da utilização eficaz da
linguagem e da compreensão, as diferenças culturais
e étnicas advindas da globalização podem manter-se
sólidas, intactas e com seu valor preservado.
A retenção de talentos e o papel da empatia também foram alvo dos estudos de Goleman:
A empatia interpreta um papel chave na retenção
de talentos, particularmente na economia da informação de hoje. Líderes sempre necessitaram de empatia
para desenvolver e manter boas pessoas, mas hoje as
apostas são mais altas. Quando boas pessoas saem,
elas levam consigo o conhecimento da empresa (goleman, 1998).
Quando consideramos a retenção de talentos, a
empatia apresenta-se como base para o desenvolvimento de práticas que sustentam e garantem não
somente o desenvolvimento da carreira do funcionário, como também o desenvolvimento da própria
organização.
Nesse cenário é que mentorização e coaching
entram. Tem sido repetidamente demonstrado que,
coaching e mentorização compensam não apenas na
performance, mas também no aumento de satisfação
com relação ao trabalho e diminuição do turnover.
Mas o que fazem com que mentorização e coaching
funcionem melhor é a natureza do relacionamento.
Mentores sensacionais entram na cabeça das pessoas
que eles estão mentorizando. Eles percebem como
efetivamente fornecer feedback. Eles sabem quando
estimular para melhorar a performance e quando segurar. Através da forma pela qual eles motivam seus
protegidos, eles demonstram a empatia em ação (goleman, 1998).
142
[...] as implicações comportamentais relacionadas às
regiões frontal e orbital relativamente mais largas nas
mulheres justificam investigações adicionais baseadas
na evidência do papel crítico do córtex frontal orbital
no comportamento social, funcionamento emocional e
habilidades cognitivas de ordem maior, como argumentação lógica e tomada de decisão (2002, p. 1002).
3.3.5 Habilidade social
Pessoas com habilidade social (…) trabalham a
partir da consciência de que nada que seja importante
é realizado de forma sozinha (goleman, 1998).
Goleman ainda afirma que pessoas com habilidade social: Estão aptas para gerenciar times (…) bem
como apresentam capacidade de persuasão excelente.
Estão orientadas a encontrar soluções. Líderes precisam gerenciar efetivamente seus relacionamentos;
nenhum líder é uma ilha. Afinal de contas, o trabalho
do líder é conseguir que as coisas sejam feitas através
de outras pessoas, e as habilidades sociais permitem
que isso seja possível (...). A habilidade social permite
que os líderes insiram sua inteligência emocional no
ambiente de trabalho (goleman, 1998).
Gur et al. constatam:
Diferenças relacionadas ao sexo têm sido observadas
em medidas neurocomportamentais e estudos neuroanatômicos. Homens e mulheres diferem quanto ao
processamento de emoções, incluindo percepção, experiência e expressão (…) (2002, p. 1003).
Ruderman et al. constatam:
Não importa o quão forte sejam as habilidades intelectuais ou técnicas; os gerentes que se importam pouco
em serem cooperativos e contribuem pouco com os
membros do grupo, e que não são capazes de suportar
pressão, que explodem facilmente e direcionam suas
frustrações nos outros membros, e que não são capazes de entender ou apreciar os sentimentos dos outros
estão seriamente fadados ao desastre (2001, p. 10).
4. DISCUSSÃO
Com base nas pesquisas e observações evidenciadas anteriormente, pode-se afirmar que a constituição do cérebro feminino tendencia o surgimento e o
desenvolvimento de habilidades relacionadas à compreensão, processamento e formação do discurso e
locução, desenvolvimento verbal, escrito e linguístico, características essas que podem ser empregadas
Comunicação Curta /Short Communication
Administração
Bezerra CP, Santos WEF. Liderança: Uma relação entre predisposição biológica, inteligência emocional e diferenciação sexual.
São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 136-44
para a resolução de conflitos, melhor capacidade de
compreensão e identificação de comportamentos e
emoções, expressividade, solidificação de relacionamentos e desenvolvimentos de discursos inspiracionais, habilidades estas favoráveis ao estabelecimento
de um ambiente organizacional que inspire segurança
e seja, consequentemente, motivador.
Após a evidenciação de uma proximidade entre
o gerenciamento de habilidades (que caracterizam o
que é liderança pela ciência da Administração) pelo
cérebro e a forma de gerenciamento dessas mesmas
habilidades pelo cérebro feminino, pode-se estabelecer as seguintes constatações:
Tal qual afirma Gardner, a inteligência humana é
um “potencial biopsicológico” (gardner, 1987, p. 47).
Não menos importante é mencionar que diversas variáveis influenciam o desenvolvimento de habilidades
cognitivas e, consequentemente, interferem na cria-
ISSN 2176-9095
ção de um ambiente propício para o desenvolvimento
da liderança, como os aspectos estruturais, sociais e
culturais.
No entanto, ao estudar-se uma dessas variáveis
separadamente - a predisposição biológica -, tornase possível identificar relações entre a predisposição
dos indivíduos do sexo feminino e o desenvolvimento
de características específicas e decisivas para o surgimento de habilidades envolvidas na construção da
liderança.
Compreender os aspectos relacionados à liderança, como suas características principais e sua relação
com o êxito dos funcionários, times e organizações,
permite maior clareza e gerenciamento de habilidades e objetivos por parte de gerentes e corporações,
bem como desenvolvimento de habilidades específicas e essenciais para a liderança tanto para o sucesso
do funcionário como o da própria organização.
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Medicina
ISSN 2176-9095
2176-9095
ISSN
Science in Health
2010 set-dez; 1(3): 145-60
MUCOSITE NO PACIENTE EM TRATAMENTO DE CÂNCER
Mucositis related-cancer treatment
Ana Paula Pinho*
José Carlos Misorelli**
Roberto Montelli**
Sergio Emerici Longato***
RESUMO
ABSTRACT
O aumento da intensidade da quimioterapia e radioterapia no tratamento do câncer tem elevado a incidência de
efeitos colaterais, em especial da mucosite bucal. Através
de revisão bibliográfica procurou-se atualizar informações
quanto à definição, características clínicas, incidência, etiologia, patofisiologia, morbidade associada, prevenção e tratamento dessa manifestação clínica. Estudos atuais definem
a mucosite bucal como uma inflamação e ulceração dolorosa bastante frequente na mucosa bucal apresentando formação de pseudomembrana. Sua incidência e severidade
são influenciadas por variáveis associadas ao paciente e ao
tratamento a que ele é submetido. A mucosite é consequência de dois mecanismos maiores: toxicidade direta
da terapêutica utilizada sobre a mucosa e mielossupressão gerada pelo tratamento. Sua patofisiologia é composta por quatro fases interdependentes: fase inflamatória/
vascular, fase epitelial, fase ulcerativa/bacteriológica e fase
de reparação. É considerada fonte potencial de infecções
com risco de morte, sendo a principal causa de interrupção de tratamentos antineoplásicos. Algumas intervenções
mostraram-se potencialmente efetivas para sua prevenção
e tratamento. Entretanto, faz-se necessária a realização de
novos estudos clínicos mais bem conduzidos para obtenção
de melhor evidência científica acerca do agente terapêutico
de escolha para o controle da mucosite bucal, permitindo
a realização da quimioterapia e radioterapia do câncer em
parâmetros ideais.
The increasing intensity of radiation therapy and chemotherapy in the management of cancer has increased the
incidence of adverse effects, especially oral mucositis. A
bibliographical review was conducted on the definition of
oral mucositis, its clinical findings, the incidence, its etiology, the pathofisiology, associated morbidity, prevention
and treatment. Current studies define oral mucositis as a
very frequent and painful inflammation with ulcers on the
oral mucosa that are covered by a pseudo membrane. The
incidence and severity of lesions are influenced by patient
and treatment variables. Oral mucositis is a result of two
major mechanisms: direct toxicity on the mucosa and myelosuppression due to the treatment. Its pathofisiology is
composed of four interdependent phases: an initial inflammatory/vascular phase; an epithelial phase; an ulcerative/
bacteriological phase; and a healing phase. It is considered
a potential source of life-threatening infection and often is
a dose-limiting factor in anticancer therapy. Some interventions have been shown to be potentially effective to prevent
and treat oral mucositis. Further intensive research through well-structured clinical trials to obtain the best scientific evidence over the standard therapy of oral mucositis is
necessary to attain ideal parameters for radiotherapy and
chemotherapy.
Descriptors: Mucositis • Drug therapy • Radiotherapy •
Therapeutics
Descritores: Mucosite • Quimioterapia • Radioterapia •
Tratamento.
*** Professora da Disciplina de Gestão do Curso de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo
*** Médicos do Hospital Santa Ana - Santana de Parnaíba
*** Médico Estagiário do Hospital Santa Ana - Santana de Parnaíba
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Medicina
Pinho AP, Misorelli JC, Montelli R, Longato SE. Mucosite no paciente em tratamento de câncer.
São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 145-60
O problema da mucosite no câncer
As mucosas servem como importante mecanismo
de proteção. Essas camadas brandas, lisas e úmidas
de células epiteliais e tecido conjuntivo revestem as
passagens e cavidades do organismo que têm contato direto ou indireto com o meio externo. As mucosas intactas dos tratos gastrintestinal, urogenital e
respiratório têm funções de proteção, sustentação,
absorção de nutrientes e secreção de muco, enzimas
e sais.
O revestimento mucoso é autorrenovante. As
células-tronco, que formam uma membrana basal, sofrem replicação e diferenciação formando as diversas
células da superfície epitelial. Essas células vivem cerca de 3 a 5 dias, resultando em renovação do revestimento epitelial externo a cada 7 a 14 dias (Sonis et
al.1, 2004). Esse padrão de proliferação celular deixa
a mucosa extremamente vulnerável a fontes de irritação, traumatismos ou lesão celular, como a causada
pelos efeitos citotóxicos do tratamento do câncer.
O resultado é a mucosite, temo geral que se refere à
inflamação da mucosa.
Incidência no Câncer
A mucosite oral, denominada às vezes de estomatite, é uma das formas mais comuns e molestas
da mucosite no indivíduo com câncer. Essa resposta
inflamatória e ulcerativa da mucosa oral decorre dos
efeitos fisiológicos de múltiplos agressores, como o
câncer e seu tratamento. De todas as pessoas com
diagnóstico recente de câncer, 40% virão a apresentar complicações orais relacionadas à doença ou a seu
tratamento; dessas complicações, a mais comum é a
mucosite. (Rubstein et al.2, 2004)
A mucosa oral, revestimento úmido e contínuo
da boca, desempenha importante função de proteção. Essa membrana epitelial é parte integrante
da defesa de primeira linha do organismo contra o
meio ambiente. A mucosa junta-se à pele e ao revestimento do trato gastrintestinal para formar uma
barreira completa contra microrganismos externos.
As alterações da integridade do revestimento mucoso proporcionam porta de entrada para microrganismos, causando infecção localizada com potencial de
disseminar-se através da corrente sanguínea. Assim,
a cavidade oral pode servir de porta de entrada para
infecções sistêmicas potencialmente letais. (Rubstein
146
ISSN 2176-9095
et al.2, 2004) Essa possibilidade aumenta no indivíduo
com comprometimento imunológico decorrente do
tratamento do câncer. A capacidade de combater infecções nesse indivíduo é limitada pela diminuição do
número de neutrófilos decorrente dos efeitos citotóxicos do tratamento do câncer nas células-tronco
da medula óssea. Assim, a flora endógena normal da
boca, que inclui bactérias gram-positivas e gram-negativas, fungos e vírus, pode infectar as áreas onde a
integridade da mucosa está comprometida. As infecções localizadas podem transmitir-se com facilidade
pela corrente sanguínea através dos ricos leitos capilares que perfundem a mucosa, acarretando septicemia. De fato, em estudos tem-se observado relação
entre septicemia e infecções orais até em 54% dos indivíduos neutropênicos. (Hadon et al.3, 1996) Em uma
instituição, a tendência ascendente a bacteriemia por
gram-positivos mostrou relação significativa com o
aumento da mucosite oral. (Samerfield et al.4, 2000)
Impacto na Qualidade de Vida
A mucosa oral também recebe e transmite estímulos táteis, função que confere à boca um papel
importante na sensação e nutrição. A mucosite pode
alterar os receptores gustativos, causando sensação
de gosto desagradável, conhecida como disgeusia, ou
ausência da sensação gustativa, denominada ageusia.
A mucosite oral quase sempre acompanha-se de
dor oral. A dor decorre de exposição do revestimento do epitélio, ulceração e edema. Os neurotransmissores liberados no processo da resposta inflamatória
estimulam o vasto leito de fibras nociceptivas da mucosa. A dor oral resultante dificulta a alimentação, a
fala e a deglutição.
São manifestações e consequências da mucosite
oral a ulceração, a xerostomia ou boca seca, a ageusia, a dor, as infecções, o sangramento e a alteração
do estado nutricional. As abordagens gerais desses
sintomas discutem-se em detalhes em outros capítulos. A mucosite não constitui um simples fenômeno,
mas pode encarar-se como componente de um complexo sintomático bastante intrincado. À medida que
se acrescentam outros sintomas, aumentam a intensidade e a duração da mucosite. O impacto negativo
da mucosite no conforto, na capacidade de alimentarse e comunicar-se e no bem-estar geral do indivíduo
pode diminuir significativamente a qualidade de vida.
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Fatores que Aumentam o Risco de Mucosite Oral no Indivíduo com Câncer
Fator de Risco
Mecanismo de Ação
Estratégias de Prevenção
Crianças
• Não está bem esclarecido o aumento da
prevalência, mas pode dever-se à imaturidade da
resposta imunológica, ao aumento da proliferação
celular, e à maior prevalência de malignidades
hematológicas
• Higiene oral frequente e cuidadosa
Idosos
• Alterações degenerativas: diminuição do fluxo
salivar, diminuição da queratinização da mucosa e
aumento da prevalência de gengivite
• Higiene oral frequente e cuidadosa
• Hidratação adequada
• Umectantes bucais
• Evitar traumatismos
• Tratamento dentário da gengivite
Exposição a
álcool e tabaco
• Irritação crônica da mucosa
• Evitar ou limitar bebidas alcoólicas e
produtos de tabaco, especialmente durante o
tratamento
Má higiene oral
• O aumento de detritos favorece a infecção
• Falta de estimulação para melhorar a circulação
• Higiene oral frequente e cuidadosa,
incluindo escovação da língua e das gengivas
Terapêutica com
oxigênio
• A umidade retirada da mucosa para o oxigênio
causa secura do revestimento mucoso
• Umidificar o oxigênio
• Umectantes orais
• Hidratação adequada
Aspiração oral ou
nasogástrica
Alterações
do padrão
respiratório
Certas drogas
Anticolinérgicos e
anti-histamínicos
Fenitoína
Corticosteroides
• A sonda e o processo de aspiração causam
rupturas traumáticas da integridade da mucosa
• Minimizar a frequência e a duração das
aspirações
• A taquipneia e a respiração oral ressecam a mucosa
• Higiene oral frequente e cuidadosa
• Umidificador de ambiente
• Diminuem o fluxo salivar
• Hiperplasia gengival
• Colonização com fungos
• Higiene oral frequente e cuidadosa
• Se possível, evitar essas drogas
• A movimentação irrita a mucosa e rompe a
integridade
• Realinhar as dentaduras
• Remover as dentaduras à noite e usá-las
somente para alimentar-se, até ocorrer a
cura
• Os irritantes térmicos e químicos inflamam e
traumatizam a mucosa
• Alimentos leves e macios
• Evitar alimentos ácidos, apimentados e
condimentados
• Deixar os alimentos quentes esfriarem
antes de ingeri-los
Idade
Dentaduras mal
ajustadas
Alimentos
quentes,
ácidos ou
condimentados
Mau estado
nutricional
Desidratação
• Os açúcares refinados aumentam as cáries
dentárias
• A má nutrição calórico-proteica retarda a cura
• As deficiências de vitaminas causam complicações
orais
• A extração de líquidos da mucosa e dos lábios
como mecanismo de proteção acarreta secura e
fissuras
147
• Minimizar os açúcares refinados
• Dieta cotidiana bem balanceada, incluindo
frutas, verduras, grãos e fontes de proteínas
• Suplementação vitamínica diária
• Ingestão líquida diária mínima de 2000 mL
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Etiologia e fisiopatologia
Fatores de Risco
A mucosite oral constitui problema comum e
significativo no indivíduo com câncer. A etiologia da
mucosite relaciona-se quer ao câncer em si, quer
aos efeitos diretos e indiretos dos tratamentos do
câncer. Essas causas primárias intensificam-se em alguns indivíduos pela existência de uma variedade de
fatores que aumentam o risco de complicações orais.
(Keefe5, 2006)
Câncer
A mucosa oral pode ser agredida por uma variedade de entidades mórbidas. Os tumores orais, por
exemplo, comprometem a integridade da mucosa e,
com freqüência, inflamam-se e infectam-se. (Keefe5,
2006) O tipo predominante é o epitelioma espinocelular, responsável por 90% das neoplasias orais.
(Keefe et al.6, 2006) Os carcinomas orais, na maioria,
diagnosticam-se em estádios avançados e, com freqüência, manifestam-se como massas ulceradas e necróticas. No indivíduo com leucemia, os infartos decorrentes da infiltração de células malignas nos capilares
podem acarretar exfoliação da mucosa. É frequente
o indivíduo com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) apresentar lesões orais de sarcoma de
Kaposi ou de linfoma não-Hodgkin, duas neoplasias
comuns nessa população. (Peterson et al.7, 2006)
As neoplasias orais são responsáveis por menos de
5% de todos os tumores; as causas mais comuns de
mucosite oral são os tratamentos do câncer, como a
quimioterapia, a radioterapia e o transplante de medula óssea.
Quimioterapia
Acredita-se que a quimioterapia tenha efeito estomatotóxico direto e indireto. O efeito direto na
mucosa oral dá-se em nível celular. O processo de
renovação epitelial constante torna a mucosa muito
vulnerável aos efeitos dos antineoplásicos. (Jones et
al.8, 2006) Muitas dessas drogas causam destruição
de células em reprodução ativa, por interferirem no
DNA, no RNA ou na síntese de proteínas. São particularmente sensíveis aos efeitos citotóxicos diretos
dos antineoplásicos as regiões de proliferação acelerada, como, por exemplo, as células-tronco da mucosa oral. Decorrem redução da produção, diminuição
da diferenciação e aceleração do destacamento das
148
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células epiteliais, levando ao desnudamento da mucosa. (Antony et al.9, 2006) Uma vez rompida a continuidade do revestimento epitelial, a sequência de
destruição tecidual, inflamação e infecção acarretam
mucosite dolorosa e debilitante. (von Bultzingslowen
et al.10, 2006)
Acredita-se que o efeito indireto das drogas quimioterápicas ocorra ao ser suprimida a função da medula óssea durante o nadir do tratamento, momento
em que são mais baixos os números de plaquetas
e granulócitos em decorrência do efeito citotóxico
das drogas nas células precursoras da medula óssea.
Nesse momento o indivíduo está imunossuprimido
e extremamente suscetível a infecções. As pesquisas indicam que o aumento da estomatotoxicidade
associa-se à diminuição dos números de granulócitos
que ocorre durante o nadir. Acredita-se assim que a
estomatotoxicidade indireta seja mediada através da
supressão da resposta imunológica. (von Bultzingslowen et al.10, 2006)
Quimioterápicos com Alto Potencial de Causarem Estomatite
Antimetabólitos
Citarabina
5-Fluorouracil
Floxuridina
Hidroxiureia
6-Mercaptopurina
Metotrexato
6-Tioguanina
Fármacos que Interagem com o DNA
Actinomicina D
Amsacrina
Cloridrato de procarbazina
Daunomicina
Doxorrubicina
Etoposido
Idarrubicina
Mitomicina C
Mitoxantrona
Mitramicina
Sulfato de bleomicina
Fármacos que Interagem com a Tubulina
Docetaxel
Paclitaxel
Sulfato de vinblastina
Sulfato de vincristina
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São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 145-60
Como nem todas as drogas quimioterápicas causam mucosite, é importante identificar as drogas específicas incluídas no esquema de tratamento.
As drogas de potencial estomatotóxico mais alto
são os antimetabólitos, certos fármacos que interagem com o DNA, especialmente os antibióticos antineoplásicos, e os fármacos que interagem com a tubulina. (Barasch et al.11, 2006)
A mucosite causada pela quimioterapia pode ser
profunda. O padrão da mucosite varia, tanto com o
esquema farmacológico quanto com o indivíduo. A
inflamação decorrente da estomatotoxicidade direta
pode ocorrer pela primeira vez na faixa de 2 a 14 dias
a partir do momento da administração da droga. A
intensidade e a duração variam não somente com os
tipos de drogas mas também com a posologia e a frequência de administração. A intensidade da mucosite
aumenta com doses mais altas de drogas citotóxicas;
até mesmo drogas que em geral não são estomatotóxicas (como a ciclofosfamida, por exemplo) podem
causar dano celular à mucosa em altas doses. A duração da mucosite pode prolongar-se com a administração frequente, pois não há tempo para recuperação
celular e cura.
Na maioria dos casos, administram-se combinações de drogas, e tem havido pouca pesquisa para
descrever sistematicamente os padrões de resposta
em protocolos variados. Como se descreveu anteriormente, a resposta inflamatória causa diminuição
do paladar, dor e dificuldade de engolir. Em geral a
resposta intensifica-se quando o indivíduo entra no
nadir do tratamento. Sobrevêm ulceração, inflamação grave, infecção e sangramento em decorrência da
perda da integridade mucosa, da destruição celular,
da neutropenia e da trombocitopenia. A localização
cronológica e a duração do nadir variam com o protocolo farmacológico, sendo frequente a quimioterapia de combinação acarretar períodos prolongados
de imunossupressão devido à imbricação do nadir de
uma droga com o de outra.
Radioterapia
A radioterapia constitui tratamento localizado do
câncer. A mucosite decorre da aplicação de radiação
na região da cabeça e do pescoço quando a boca ou
as glândulas salivares estão incluídas no campo de tratamento. Sobrevém resposta inflamatória em decorrência da destruição das células mucosas ou glandu-
149
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lares, influenciada pela profundidade de penetração,
pelo total de Gy aplicados, e pelo número e frequência de tratamentos (Migliorati et al.12, 2006). O surgimento, a intensidade e a duração da mucosite variam
de indivíduo para indivíduo, mas as mais das vezes o
quadro tem início na segunda semana de radioterapia,
ou após uma dose de cerca de 2000 cGy. A mucosa
no campo de tratamento apresenta-se de início tumefacta e eritematosa, e à medida que o tratamento
prossegue torna-se exposta, ulcerada e coberta de
exsudato (Jones et al.8, 2006). São comuns a dor e o
ardor, agravados por irritantes como alimentos ácidos
ou condimentados. A mucosite persiste por várias semanas após concluídos os tratamentos. É frequente
ocorrerem infecções secundárias, especialmente candidíase, que prolongam a duração da mucosite.
A mucosite pode complicar-se com o declínio dramático da produção salivar quando se irradiam todas as glândulas salivares maiores. A diminuição do
fluxo salivar – xerostomia - é de rápida instalação,
sobrevindo em geral durante a primeira semana de
tratamento. A xerostomia pode ser progressiva e irreversível, com declínio de cerca de 95% da produção
salivar em 3 anos após o tratamento (McGuire et al.13,
2006) A xerostomia persistente torna-se efeito colateral danoso, já que. sem adequada e agressiva higiene
oral e prevenção de cáries, observa-se uma escalada
das cáries dentárias.
A radioterapia do câncer oral também causa perda
do paladar por danificar as microvilosidades e a superfície exterior das células gustativas. A instalação é
rápida e progressiva, ocorrendo ageusia ou cegueira
oral após 3000 cGy. A acuidade gustativa em geral
melhora no prazo de 2 a 4 meses do tratamento, embora em alguns indivíduos ocorra diminuição permanente da percepção gustativa.
Terapêutica de transplante de medula óssea
Até 70% dos indivíduos transplantados com medula óssea apresentam complicações orais decorrentes da natureza agressiva e sinérgica das terapêuticas
purgativas pré-transplante (McGuire et al.14, 2006).
Utilizam-se antes do transplante esquemas de altas
doses de antineoplásicos e irradiação corporal total
na tentativa de destruir todas as células neoplásicas
e induzir aplasia da medula óssea. Alguns dias após
o início do tratamento, surgem placas esbranquiçadas, eritema, atrofia e aumento da vascularidade, que
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se intensificam progressivamente durante o período
pós-transplante. As ulcerações ocorrem, na maioria,
em áreas não-queratinizadas, como a língua e a mucosa jugal e labial (McGuire et al.14, 2006). A terapêutica
imunossupressora após o transplante e o surgimento
da doença enxerto versus hospedeiro (DEVH) prolongam e agravam as complicações orais. São comuns
as infecções bacterianas, fúngicas e viróticas. Em decorrência da irradiação, sobrevém xerostomia, presente durante todo o período pós-transplante. A dor
que se associa à mucosite atinge seu pico cerca de 2
semanas após o transplante, quando em geral a cavidade oral está infectada e ulcerada.
Na DEVH crônica, a mucosa torna-se cronicamente irritada, mosqueada e friável. Há episódios
intermitentes de inflamação aguda, frequentemente
associada a infecções bacterianas, fúngicas e viróticas.
A xerostomia persiste, e o risco de cáries é alto.
Terapêutica multímoda
As causas da mucosite, na maioria dos indivíduos
com câncer, são multifatoriais. A terapêutica moderna do câncer é multímoda - combinam-se tratamentos para produzir o máximo efeito citotóxico. Infelizmente, esse efeito estende-se às células normais,
como as da mucosa, acarretando profundos efeitos
na mucosa oral. O câncer e seus tratamentos múltiplos interagem com os fatores de risco presentes no
indivíduo com câncer. O resultado é exemplificado
pelo desafio de se cuidar do indivíduo com tumor
oral invasivo que tem história de abuso de álcool, é
fumante, tem má higiene bucal e está em terapêutica
com oxigênio. A terapêutica multímoda do câncer,
consistindo em cirurgia extensa e combinação de radioterapia e quimioterapia, traumatiza a mucosa (lada
et al.15, 2006). As sequelas de xerostomia, ulceração,
dor e incapacidade de alimentar-se desencadeiam um
círculo vicioso e persistente de intensa inflamação e
infecção.
Avaliação
A avaliação completa e sistemática da boca deve
fazer parte da avaliação abrangente de todos os indivíduos com câncer. A avaliação sistemática requer
equipamento e técnica apropriados.
A mucosa oral normal e sadia é rósea, úmida,
limpa e intacta. Podem ocorrer: alterações da cor,
como palidez, eritema de vários graus, placas esbran-
150
ISSN 2176-9095
Guia Clínico: Procedendo à Avaliação Oral
Avaliação Oral
1. Reunir o equipamento:
•
boa fonte de luz
•
luvas não estéreis
•
gaze
•
abaixador de língua
• espelho dentário (opcional)
2. Lavar as mãos.
3. Calçar as luvas não estéreis.
4. Retirar todos os aparelhos dentários. Indagar quanto
a ajuste de dentaduras e a alguma área machucada ou
dolorosa.
5. Indagar sobre alterações da voz, do paladar, da capacidade de alimentar-se ou engolir, e desconforto.
6. Efetuar sistematicamente cada um dos procedimentos abaixo, usando luz direta para observar umidade,
cor, integridade e limpeza:
a. Observar o exterior dos lábios.
b. Puxar o lábio inferior para baixo e levantar o lábio
superior a fim de observar os dentes e o revestimento mucoso do vestíbulo externo. (Nota:
verificar a cor e o brilho dos dentes, e a presença
de detritos ou cáries.)
c. Instruir a pessoa a abrir a boca para poder observar o palato mole e o palato duro.
d. Usar um dedo para deslocar e examinar a mucosa
do interior das bochechas.
e. Observar a quantidade e a qualidade da saliva.
(Nota: a saliva normal é rala e aquosa.)
f. Examinar o topo da língua. A seguir, solicitar à pessoa que dobre a língua para cima até o palato para
se poder observar o lado de baixo da língua.
g. Usar a gaze para deslocar a língua para cada lado a
fim de observar as faces laterais da língua.
h. Solicitar à pessoa que respire fundo para poder se
observar a orofaringe, a parte posterior da língua
e a úvula. Se essa técnica não permitir visualização
adequada, usar o abaixador de língua suavemente
e usar o espelho dentário para melhor visualização.
7. Com base nos resultados desta avaliação, pontuar
cada categoria no instrumento de avaliação.
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quiçadas, ou lesões ou úlceras discrômicas; alterações da umidade, que se refletem em textura e brilho
alterados, aumento ou diminuição da quantidade de
saliva, e modificação da qualidade e tenacidade das
secreções; alterações da limpeza, representadas por
acúmulos de detritos e películas, maus odores e mudanças da cor dos dentes; alterações da integridade,
como rachaduras, fissuras, úlceras, vesículas, ou lesões isoladas, agrupadas, em placas, confluentes ou
generalizadas; alterações da percepção, como diminuição ou ausência do paladar; rouquidão ou diminuição do tom audível e da força da voz; dificuldade de
engolir, que pode ser precursora de esofagite; e dor,
ardor ou sensação de picada.
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O profissional de enfermagem deve procurar descrever com precisão a qualidade das alterações. O
resultado da avaliação deverá ser uma lista específica
de diagnósticos de enfermagem ou problemas colaborativos que estão ligados à possível etiologia.
Os resultados dessa avaliação física devem então
abordar-se no contexto de uma avaliação abrangente, incluindo a triagem dos fatores de risco. O plano
de assistência deve guiar-se pelos problemas reais ou
potenciais.
Um guia de avaliação do tipo do Guia de Avaliação
Física da Cavidade Oral proporciona um instrumento para a quantificação da intensidade da mucosite e
também para a avaliação da limpeza e umidade orais.
Guia da Avaliação Física da Cavidade Oral: Pontuações Numéricas e Descritivas
Categoria
Lábios
Pontuação
1234
1
Lisos, róseos,
úmidos e
intactos
Gengiva
e Mucosa
Oral
1234
Lisas, róseas,
úmidas e
intactas
Língua
1234
Lisa, rósea,
úmida e intacta
Dentes
1234
Limpos, sem
detritos
Saliva
1234
PONTUAÇÃO DE
DISFUNÇÃO ORAL
TOTAL _____________
2
Ligeiramente vincados
e secos; uma ou mais
áreas avermelhadas
3
Secos e um tanto
edematosos; pode
haver uma ou duas
vesículas isoladas;
linha ou demarcação
inflamatória
Pálidas e ligeiramente Secas e um tanto
secas; uma ou duas
edematosas; eritema
lesões isoladas,
generalizado; mais que
vesículas ou áreas
duas lesões isoladas,
avermelhadas
vesículas ou áreas
avermelhadas
Ligeiramente seca;
Seca e um tanto
uma ou duas áreas
tumefacta; eritema
avermelhadas isoladas; generalizado, mas com
papilas proeminentes, a ponta e as papilas
particularmente na
mais vermelhas; uma ou
base
duas lesões isoladas ou
vesículas
Mínimo de detritos,
na maioria entre os
dentes
Quantidade moderada
de detritos aderentes
à metade do esmalte
visível
Delgada, aquosa, Aumento da
Saliva escassa, que pode
abundante
quantidade
estar um tanto mais
espessa que o normal
Sem disfunção: 5 Disfunção leve: 6–10 Disfunção moderada:
11–15
Fonte: Beck SL, Yasko, JM. Guidelines for Oral Care (ed 2). Crystal Lake, IL. Sage, 1993. Reproduzido com autorização
151
4
Muito secos e
edematosos; todo
o lábio inflamado;
vesículas ou ulcerações
generalizadas
Muito secas e
edematosas; toda
a mucosa muito
vermelha e inflamada;
múltiplas úlceras
confluentes
Muito seca e
edematosa; espessa
e tumefacta; toda a
língua muito inflamada;
pon-ta muito vermelha
e demarcada com
pe-lículas; múltiplas vesículas ou úlceras
Dentes cobertos de
detritos
Saliva espessa e
filamentosa, viscosa ou
mucosa
Disfunção grave:
16–20
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O profissional de enfermagem pode utilizar tal
instrumento para documentar padrões e avaliar alterações que possam ocorrer em consequência do
tratamento do câncer ou de intervenções. Podem-se
utilizar para descrever a intensidade da disfunção oral
a pontuação numérica e os critérios descritivos verbais (como ‘moderado’, por exemplo).
Avaliação Diagnóstica
A extensão da avaliação diagnóstica depende do
potencial de impacto da mucosite. No indivíduo imunocompetente, a abordagem de primeira linha é a terapêutica empírica com cuidadosa avaliação da melhora. No indivíduo imunocomprometido, é crítica para
o diagnóstico acurado a cultura, já que a neutropenia
pode impedir a manifestação habitual da inflamação
mesmo nas infecções mais comuns. Em particular as
infecções fúngicas e herpéticas podem não se manifestar da forma clássica e facilmente passarem despercebidas (Bensadoun et al.16, 2006) A cultura é o único
meio preciso de diagnosticar a presença de infecção e
identificar o microrganismo causador. Indica-se cultura da cavidade oral em caso de rotura da integridade
da mucosa, como uma lesão, vesícula ou úlcera; na
presença de mucosite generalizada moderada (pontuação de 11 a 15); ou na presença de exsudato.
Podem também ajudar, no diagnóstico de infecções, alterações de sinais vitais como elevação de temperatura e aumento de frequência cardíaca, e achados
laboratoriais como anormalidades do hemograma
completo (com contagem diferencial de leucócitos).
No indivíduo normal, a infecção pode ser indicada
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pelo desvio da contagem diferencial manifestando-se
através do aumento do número e da percentagem de
granulócitos imaturos. No paciente imunocomprometido, essa tendência pode não evidenciar-se devido
ao baixo número de leucócitos. A neutropenia grave
(número absoluto de neutrófilos por mm3 inferior a
500) indica risco extremamente alto de infecção. As
lesões orais localizadas podem, nesse indivíduo, evoluir para sepse sistêmica potencialmente letal.
Graus de Toxicidade
No âmbito dos ensaios clínicos oncológicos, há
critérios estabelecidos para monitorar os graus de
toxicidade (Brennam et al.17, 2006). Tais critérios de
gradação constituem apenas um indicador grosseiro
do grau de toxicidade, e têm sido alvo de críticas devido à inconsistência das variáveis em cada um dos
níveis. Os guias de avaliação oral geram pontuação
numérica que pode traduzir-se em pontuação de intensidade da disfunção oral - leve, moderada e grave.
Tais pontuações podem projetar-se em gráfico a fim
de avaliar os padrões de mucosite com o tempo.
Conduta nos sintomas
Há muitas abordagens de tratamento da mucosite; nenhum fármaco único demonstrou ser mais eficaz. Não é surpresa a conduta na mucosite variar de
instituição para instituição (Trotti et al.18, 2003). O
clínico deve personalizar os cuidados para com cada
indivíduo baseando-se numa visão dual, qual seja, dos
problemas reais e potenciais identificados pela avaliação e pelos objetivos da assistência. Apresentam-se,
Diretrizes Clínicas de Prevenção e Conduta na Mucosite Oral
PROBLEMA: MUCOSITE, potencial ou real
META: MANTER A LIMPEZA E PREVENIR INFECÇÕES
META: MANTER A INTEGRIDADE E PROMOVER A CURA DA MUCOSA
•
Escovar os dentes com escova de cerdas de nylon macias e dentifrício fluoretado com bicarbonato de sódio
no prazo de 30 minutos após as refeições e na hora de deitar-se. A escovação antes das refeições pode estimular o apetite.
•
Limpar e massagear a língua e a mucosa oral com escova de cerdas macias e dentifrício com bicarbonato de
sódio após escovar ou retirar dentaduras. Pode-se utilizar um aplicador com ponta esponjosa para limpar os
dentes e a língua caso a escovação cause desconforto ou sangramento.
•
Enxaguar a boca com 30 mL de salina, sal e bicarbonato, água da torneira ou peróxido de hidrogênio a 1,5%
por 1 a 2 minutos. Caso se utilize salina ou peróxido, enxaguar com água para intensificar a limpeza mecânica
e minimizar o sabor residual.
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•
Retirar e escovar as dentaduras no prazo de 30 minutos após as refeições e na hora de deitar-se, depois deixálas de molho em peróxido de hidrogênio a 1,5% por vários minutos.
•
Passar fio dental uma vez por dia após a escovação. Não passar fio dental se ele causar dor, se o número de
plaquetas por mm3 for inferior a 40 000, ou se o número de leucócitos por mm3 for inferior a 1500.
•
Usar de especial cautela para evitar aspiração em caso de comprometimento do reflexo nauseoso.
•
Consumir dieta de alto teor protéico com suplementos vitamínicos.
•
Aplicar produtos para proteção da mucosa e promoção da cura, como, por exemplo, substratos de antiácidos
ou sucralfato.
•
Manter ingestão ótima de líquidos e nutrientes evitando alimentos irritantes.
•
Verificar com o médico e nutricionista a necessidade de nutrição entérica ou parenteral.
PROBLEMA: XEROSTOMIA, potencial ou real
META: UMIDIFICAR A CAVIDADE ORAL
•
Aplicar umectante (como, por exemplo, gel de petrolato) com frequência nos lábios e na mucosa. Usar lubrificante hidrossolúvel (como, por exemplo, gel K-Y ou Mouth-Moisturizer) no interior da boca se a pessoa
estiver usando oxigênio ou se houver perigo de aspiração.
•
Salvo contraindicação, tomar 300- mL de líquido por dia.
•
Aplicar frequentemente aerossol, solução ou esfregaço de saliva sintética.
•
Usar goma de mascar ou balas sem açúcar para estimular o fluxo salivar.
•
Verificar com o médico a necessidade de epilocarpinol.
•
Usar umidificador de ambiente.
•
Caso a xerostomia se prolongue, instituir profilaxia de cáries com fluoreto/ clorexidina diariamente.
Nota: Não usar esfregaços de limão ou glicerina, pois são secantes e irritantes.
PROBLEMA: DOR RELACIONADA À MUCOSITE
META: PROMOVER BEM-ESTAR E MINIMIZAR A DOR
•
Usar anestésicos tópicos, como, por exemplo, benzocaína ou diclonina, antes das refeições e conforme necessário para o controle da dor.
•
Evitar irritantes, como o álcool e o tabaco, por exemplo.
•
Usar analgésicos para o controle da dor: 1,5 h antes das refeições; em intervalos regulares nas 24 horas se a
dor for constante.
•
Evitar alimentos que causem irritação térmica, mecânica ou química.
PROBLEMA: INFECÇÃO RELACIONADA À MUCOSITE
META: TRATAR A INFECÇÃO
•
Monitorar a temperatura do paciente a cada 4 horas e comunicar toda elevação acima de 38o C.
•
Utilizar antibióticos, antifúngicos e antiviróticos, tópicos ou sistêmicos, de acordo com a prescrição.
Nota: É crítica no indivíduo imunocomprometido a realização de cultura oral para identificar o microrganismo causador.
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PROBLEMA: SANGRAMENTO DECORRENTE DA MUCOSITE
META: CONTROLAR O SANGRAMENTO
•
Monitorar os sinais vitais a cada 4 horas.
•
Avaliar a função plaquetária mediante hemograma completo.
•
Inspecionar a mucosa e comunicar todo sangramento.
•
Enxaguar a boca com água gelada e/ou aplicar pressão a uma área de sangramento descontrolado utilizando
um pedaço de gaze embebida em água gelada ou um saquinho de chá molhado e congelado.
•
Verificar com o médico a necessidade de trombina ou ácido aminocaproico. (Usar com cautela em pessoas
com trombocitopenia, pois pode ocorrer coagulação intravascular disseminada.)
Fonte: Beck SL, Yasko, JM. Guidelines for Oral Care (ed 2). Crystal Lake, IL. Sage, 1993.
assim, diretrizes específicas para prevenir e abordar
problemas relacionados à mucosite oral no contexto
de cinco possíveis problemas e metas.
Esta apresentação difere das diretrizes baseadas
na intensidade da mucosite e destina-se a facilitar a
elaboração de um plano de assistência para ir ao encontro da resposta única do indivíduo ao câncer e seu
tratamento.
Higiene Oral
A melhor forma de se obter higiene oral efetiva é
escovando, enxaguando, passando fio dental e umidificando.
A escovação requer a utilização de uma escova estreita de cerdas de nylon macias e uma técnica efetiva
de aplicação de movimentos curtos, horizontais ou
circulares, com pressão suave na junção entre dentes
e gengivas (Cella et al.19, 2003). As superfícies oclusais são massageadas com movimentos mais longos;
a língua é suavemente escovada para estimular a circulação e remover detritos. A Associação Dentária
Americana recomenda creme dental fluoretado para
prevenir cáries dentárias. Os cremes dentais de bicarbonato são limpadores efetivos, ajudam a dissolver o
muco e reduzem a acidez decorrente da inflamação.
O fio dental melhora o processo de limpeza ao remover detritos localizados entre os dentes. Enrola-se
fio dental, encerado ou não, ao redor dos dedos, segura-se com firmeza e força-se suavemente para cima
e para baixo nas superfícies entre os dentes desde a
linha da gengiva até a extremidade de cada dente.
São enxaguantes recomendados a água, salina, sal
e bicarbonato, e peróxido de hidrogênio de meia potência (Keefe5, 2006). Devem-se evitar enxaguantes
154
bucais comerciais, por conterem altas percentagens
de álcool, que pode irritar e ressecar a mucosa (Cleeland et al.20, 2003). A água e a salina são soluções
neutras não irritantes que proporcionam enxágue
mecânico. Sal e bicarbonato (mistura de água, sal e
bicarbonato de sódio) têm ainda a vantagem de diminuírem a acidez, tendo demonstrado eficácia comparável à do peróxido de hidrogênio de meia potência
(Dodd et al.21, 2004)
Múltiplos estudos têm falado a favor da utilização
de peróxido de hidrogênio (Eilers e Epstein22, 2004;
Elting et al.23, 2004). que não somente tem efeito
limpador mecânico como também quimicamente terapêutico. A peroxidase salivar libera o oxigênio do
peróxido, causando reação borbulhante que solta o
muco e os detritos. O peróxido de hidrogênio exerce ainda efeito antimicrobiano. A utilização de peróxido, no entanto, tem sido objeto de certa controvérsia
no que diz respeito à sua segurança (Miakoswski et
al.24, 2004). Não se documentaram efeitos danosos
do peróxido de hidrogênio a 1,5% em indivíduos com
mucosite. Fazem-se necessárias mais pesquisas para
avaliar a segurança e a eficácia do peróxido.
A clorexidina pode ser benéfica se a meta for evitar infecções. Atua contra numerosas bactérias e fungos. A preparação disponível comercialmente nos Estados Unidos contém 9,6% de álcool e causa sensação
de picada e ardor. Outro importante efeito colateral
da clorexidina é a coloração acastanhada dos dentes;
essas manchas podem ser removidas com oxidantes e
abrasivos. São inconsistentes os achados de pesquisa
relacionada à clorexidina (Ilman et al.25, 2005; Kin et
al.26, 2005). que embora possa reduzir os potenciais
patógenos não tem mostrado eficácia claramente do-
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cumentada na redução da mucosite. 25,26,27,28.
O fluoreto atua diminuindo a desmineralização e
aumentando a remineralização das lesões dentárias.
Embora haja controvérsias quanto ao valor dos enxágues diários com fluoreto no adulto, é essencial a
aplicação diária de fluoreto tópico na pessoa em alto
risco de vir a apresentar cáries dentárias em decorrência de irradiação das glândulas salivares. Os enxágues com clorexidina podem aumentar os efeitos
protetores do fluoreto nesses pacientes de alto risco
(Peterson e Sonis29, 2004)
Há várias formas de se intensificar a umidade da
mucosa oral. É essencial a hidratação adequada mediante ingestão frequente de líquidos. Chupar balas
ou mascar goma sem açúcar estimula o fluxo salivar.
Devem-se aplicar com frequência, especialmente à
noite, umectantes como manteiga de cacau, gel de
petrolato, bálsamos em bastão ou lubrificantes aquosos nos lábios. As pesquisas documentam a eficácia
dos produtos de saliva sintética (Sonis et al.30, 2006)
Aerossóis, soluções e esfregaços contendo saliva artificial são agentes neutros que mimetizam a viscosidade e o teor mineral da saliva; é necessário aplicá-los
com frequência, por terem efeito de curta duração. A
pilocarpina é um sialagogo, que atua por estimulação
direta das células das glândulas salivares. Graças aos
resultados de ensaios clínicos, essa droga colinérgica
tem hoje aprovação para ser usada na xerostomia decorrente de radiação (McGuire31, 2003; Stokman et
al.32, 2003).
Intervenções Protetoras
Podem também utilizar-se, na prevenção e no tratamento da mucosite, intervenções visando proteger
as células da mucosa. Uma dessas abordagens é a
crioterapia, utilizando sucção de fragmentos de gelo
por 5 minutos antes e 25 minutos depois da administração de fluorouracil em bolus. A intenção é minimizar os efeitos citotóxicos do fluorouracil na mucosa
por redução da circulação durante os períodos de
pico dos níveis sanguíneos. A eficácia dessa intervenção demonstrou-se em vários ensaios clínicos.33,34,35
Embora o risco pareça ser baixo, há indicação de pesquisas adicionais.
Outra forma de intervenção é a aplicação tópica
de substratos de antiácidos ou suspensão de sucralfato, sal de alumínio básico usado no tratamento de
úlceras gástricas. Acredita-se que o sucralfato atue
155
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formando cobertura de proteção sobre as proteínas
de superfície danificadas da mucosa. Pode também
aumentar a produção local de prostaglandina E2, intensificando o fluxo sanguíneo e a produção de muco
(kouvaris et al.36, 2002). Sua utilização em indivíduos
com mucosite tem sido apoiada por relatos de estudos de casos. Em ensaio clínico randomizado em
crianças, o sucralfato associou-se a diminuição nãosignificativa da incidência de mucosite. A dor foi significativamente menor no grupo de sucralfato (BenJosef et al.37, 2002). Pesquisas subsequentes falam a
favor dos efeitos analgésicos do sucralfato, mas os
achados relativos à sua eficácia na redução da mucosite são conflitantes.38,39,40,41
O uso de fatores de crescimento hematológicos
tornou-se abordagem padrão na assistência ao paciente em quimioterapia com alto potencial de causar
mielossupressão. No momento, a maioria das evidências não falam a favor da utilização de fatores de
crescimento na prevenção da mucosite (Migliorati et
al.12, 2006).
Estão hoje em investigação numerosas outras
abordagens para proteger a mucosa. São intervenções
de interesse as vitaminas tópicas, as prostaglandinas,
as bandagens orais e o alopurinol tópico.
Conduta nas Complicações da Mucosite
São complicações comuns associadas à mucosite a
dor, a infecção e o sangramento. A conduta em cada
um desses problemas pode ser de natureza local ou
sistêmica.
Os anestésicos locais (como, por exemplo, a benzocaína a 20% ou a lidocaína viscosa) e as misturas
contendo tais anestésicos (como Orabase, por exemplo) produzem redução temporária da dor. A dormência resultante também diminui a percepção gustativa e térmica. Está hoje em investigação a capsaicina
oral em forma de balas para o tratamento da dor oral
(Braun et al.42, 2002). As bandagens orais (como, por
exemplo, Orahesive) e as formulações de gel que se
solidifica formando cobertura oclusiva (como, por
exemplo, Zilactin e Oratect) proporcionam alívio significativo da dor, com duração até de 6 horas (Sonis43,
2004). Constitui abordagem sistêmica de conduta na
dor aguda e persistente associada à mucosite a administração contínua de analgésicos no decorrer das 24
horas. Recomendam-se na mucosite moderada combinações de drogas opiáceas e não opiáceas, como
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acetaminofeno com codeína. Quando não há alívio
da dor, ou a mucosite é grave, pode ser necessário
administrar doses orais de liberação prolongada ou
infusões intravenosas contínuas de morfina até que
ocorra a cura.
As infecções da cavidade oral podem ser de origem
bacteriana, fúngica ou virótica, devendo selecionar-se
os antibióticos de acordo com o microrganismo causador. Podem-se aplicar os antibióticos topicamente
em pomadas (como, por exemplo, a bacitracina ou
o aciclovir), bastões ou pastilhas (como, por exemplo, a nistatina) ou tabletes (como, por exemplo, o
clotrimazol). Podem indicar-se também antibióticos
sistêmicos sensíveis, especialmente no indivíduo imunocomprometido. No indivíduo soropositivo para
herpes simples e em alto risco de imunossupressão,
como, por exemplo, antes de um transplante de medula óssea, recomenda-se a utilização profilática do
antivirótico aciclovir (Meropol et al.44, 2003). Tem-se
relatado também nessa população a utilização profilática de antifúngicos.
O risco de sangramento secundário à mucosite é
especialmente alto no indivíduo com baixo número
de plaquetas (<50 000/mm3). Pode-se obter o controle local do sangramento aplicando-se pressão com
gaze embebida em água gelada ou irrigações com água
gelada. A vasoconstrição promove a hemostasia. Podem-se utilizar trombina tópica ou xarope de ácido
aminocapróico para promover a coagulação (Spielberg et al.45, 2004). A terapêutica sistêmica limita-se a
transfusões de plaquetas.
À medida que aumenta a intensidade da mucosite,
torna-se cada vez mais provável que seja necessário
incluir no plano de assistência uma ou mais dessas
intervenções; a frequência de intervenções, ademais, deve aumentar em relação com a intensidade.
A omissão de cuidados, mesmo por algumas horas,
pode anular esforços terapêuticos anteriores. Se a
mucosite for leve, recomenda-se higiene oral a cada 2
a 4 horas. Com o aumento da intensidade, podem-se
indicar cuidados de hora em hora. É de especial importância prosseguir com os cuidados orais durante
a noite a fim de manter os progressos feitos durante
o dia.
Conduta Dentária
Recomenda-se assistência odontológica profissional, incluindo exame, raios X, limpeza, remoção
156
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de placas e aplicação tópica de fluoreto, pelo menos
uma vez por ano. Exame e profilaxia dentária antes
do início do tratamento do câncer podem diminuir a
possibilidade de complicações orais e melhorar a probabilidade de o paciente vir a tolerar doses ótimas de
tratamento. São essenciais o tratamento de cáries e
doença periodôntica e a extração de dentes propensos a problemas antes de começar tratamentos de
câncer como quimioterapia ou radioterapia de cabeça
e pescoço. Uma vez iniciada a terapêutica, a neutropenia e a trombocitopenia constituem contraindicações
à manipulação dentária. Uma vez concluída a radioterapia e diminuídos os efeitos colaterais orais agudos,
o dentista deve acompanhar o paciente a cada 4 a 8
semanas nos primeiros 6 meses (Aisa et al.46, 2006).
Educação do Paciente
A educação do paciente deve levar em conta a importância da saúde e higiene oral, e identificar as possíveis causas de disfunções orais. Com o surgimento
da mucosite, as abordagens de natureza preventiva
devem expandir-se de forma a incluir intervenções
que mantenham a integridade e promovam a cura,
promovam bem-estar, combatam infecções e controlem sangramentos.
Avaliação
A avaliação da assistência decorre da verificação
contínua da resposta do indivíduo ao tratamento. A
utilização consistente de um guia de avaliação numérica proporciona forma definitiva de monitorar a
resposta. Também os progressos no sentido de se
atingirem as metas da assistência devem monitorar-se
e documentar-se.
Conclusão
A mucosite oral constitui sintoma complexo e
significativo no indivíduo com câncer. A abordagem
sistemática de avaliação oral facilita a detecção precoce e a contínua avaliação das complicações orais. A
indicação de culturas no indivíduo imunossuprimido
deve-se ao fato de que as manifestações típicas da
infecção podem não ocorrer. A prevenção e a conduta requerem plano de assistência personalizado e
abrangente envolvendo o indivíduo e o prestador de
assistência na manutenção da higiene oral e no combate a problemas como xerostomia, infecções, sangramento e dor.
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2010 set-dez; 1(3): 161-9
Fisiopatologia do transtorno afetivo bipolar
Pathophysiology of Bipolar Disorder
Ana Paula Pinho*
Joao Paulo Simoes Domeni**
Vitor Marcelo Cortat Coca**
Sergio Emerici Longato**
Resumo
Abstract
O distúrbio bipolar é um transtorno afetivo que se caracteriza por altas taxas de suicídio e o prejuízo no desempenho
das funções do dia-a-dia. Vários eventos podem levar a essa
patologia, mas os mecanismos exatos ainda são desconhecidos. No transtorno bipolar, há uma rápida alternância de
humor, acompanhada por sintomas maníaco-depressivos.
Considerando tais questões, esta revisão teve como objetivo reunir informações sobre o transtorno bipolar, incluindo
as hipóteses já existentes sobre a causa da doença, bem
como de seus sintomas.
Bipolar disorder is a devastating major mental illness associated with higher rates of suicide and work loss. This disorder presents many causes but the exact mechanisms underlying its pathophysiology are still not understood. Affected
patients present mood alterations characterized by depressive and manic episodes. The main symptoms are excessive excitement, insomnia, appetite disorder, psychotics and
suicidal tendencies. This article aims to review information
about bipolar disorder and its pathophysiology. Besides, the
etiology and main symptoms are discussed.
Descritores: Mitocôndrias - Transtorno bipolar
Descriptors: Mitochondria - Bipolar disorder
** Professora da Disciplina de Gestão do Curso de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo
** Alunos do Curso de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo
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Introdução
O transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma doença
crônica que afeta cerca de 1,6% da população (Blazer1
2000, Murray e Lopes2 19997) e tem sido demonstrado que o TAB é um transtorno heterogêneo, com
uma ampla variação de sintomatologia e curso (Ackenheil3 2001).
Apesar dos avanços nos métodos de pesquisa em
psicobiologia e do atual conhecimento sobre os mecanismos de ação dos estabilizadores de humor, a
fisiopatologia do TAB está ainda distante de ser completamente entendida. As teorias iniciais a respeito da
fisiopatologia do TAB focaram-se particularmente no
sistema de neurotransmissão das aminas biogênicas
(Ressler4 1999).
As manifestações comportamentais e fisiológicas
do TAB são complexas e indubitavelmente mediadas
por uma cadeia de circuitos neurais interconectados;
logo, não é surpreendente que os sistemas cerebrais
que receberam maior atenção nos estudos neurobiológicos dos transtornos de humor tenham sido os
monoaminérgicos, visto serem extensivamente distribuídos nos circuitos límbico-estriado-córtex préfrontal, regiões que controlam as manifestações comportamentais dos transtornos de humor (Brunello e
Tascedda5 2003). Inicialmente, hipotetizou-se que a
depressão e a mania resultariam de uma diminuição
no transporte de transmissores no neurônio pré-sináptico e/ou nas vesículas sinápticas.
As vesículas sinápticas, servindo como sistemas de
“tampão”, não seriam capazes de exercer sua função
plenamente, e um déficit tanto quanto um superfluxo do neurotransmissor não seria satisfatoriamente
contrabalançado.
Uma resultante de maior flutuação do transmissor
na fenda sináptica poderia, portanto, ser responsável
pela flutuação do humor (Blazer1 2000). Entretanto,
modelos de TAB focados em um único sistema de
neurotransmissor ou neuromodulador não conseguem explicar suficientemente as diversas apresentações clínicas desse transtorno.
Diferentes estudos têm demonstrado que a regulação do humor envolve uma interação de múltiplos sistemas e que a maioria dos fármacos efetivos
provavelmente não atua sobre um sistema de neurotransmissão particular isoladamente, mas modula
o balanço funcional entre os diversos sistemas que
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ISSN 2176-9095
interagem Chen et al.6 1999).
Interações complexas entre sistemas neurais semi-independentes, funcionando harmonicamente, são
necessárias para a manutenção do apetite, do sono, da
estabilização do peso e do interesse na atividade sexual, funções neuro-vegetativas geralmente alteradas
nos transtornos de humor (Davidson et al.7 2002).
De fato, estudos pós-mortem demonstraram diminuição significativa de células gliais no córtex préfrontal e sistema límbico e de células neuronais no
córtex pré-frontal e hipocampo de indivíduos com
TAB, (Rajoska8 2002) corroborando os achados de
alterações anatômicas e funcionais observados nos
estudos de neuroimagem (Strakowisk et al.9 2000)
Além disso, estudos farmacológicos evidenciaram
atividade neuroprotetora dos estabilizadores de humor diante de uma série de modelos de neurotoxicidade (Chuang et al.10 2002) e pesquisas recentes
identificaram que a ação terapêutica desses fármacos
envolve a regulação de diversos sistemas de sinalização intracelulares, segundos mensageiros e regulação
da expressão gênica (Li et al.11 2002).
Neurobiologia da regulação do humor
O processo de geração de estados afetivos complexos, isto é, a resposta sentimental e comportamental diante de diferentes estímulos (eventos estressantes) envolve:
1) a identificação do significado emocional do estímulo (estresse),
2) a produção de um estado afetivo específico em
resposta ao estímulo e
3) a regulação da resposta afetiva e comportamental, que envolve a modulação dos processos 1 e 2,
passos necessários para a obtenção de uma resposta
contextualmente apropriada (Phillips et al.12 2003).
Estudos de estimulação e de neuroimagem funcional em animais e humanos, incluindo pacientes com
lesões cerebrais focais, demonstraram que a amígdala, o córtex insular e o núcleo caudado participam
do processo de identificação do significado emocional
do estímulo (passo 1), enquanto que o córtex préfrontal ventrolateral, o córtex orbitofrontal, o córtex insular, o giro cingulado anterior, a amígdala e
o estriado participam da resposta afetiva diante dos
estímulos (passo 2).
A regulação afetiva e comportamental, por sua vez
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(passo 3), é desempenhada pelo córtex pré-frontal
dorsolateral e dorsomedial, pelo hipocampo e pelo
giro cingulado anterior dorsal. .( Davidson et al.7 2002,
Phillips et al.12 2003)
Estudos que avaliaram o desempenho de pacientes
bipolares em tarefas cognitivas demonstraram prejuízo nos testes de atenção e de memória de trabalho,
além de dificuldade de reconhecimento de expressões faciais de medo, tristeza e alegria e tendência
a perceber estímulos neutros como particularmente
negativos (Phillips et al.13 2003).
Esses achados são apoiados pelos estudos pósmortem, que demonstraram diminuição significativa
do número e densidade de células neuronais no córtex pré-frontal subgenual, dorsolateral e hipocampo8
e pelos estudos neurofuncionais, que observaram alterações no metabolismo da amígdala, do córtex insular, orbitofrontal e cingulado anterior dorsal e na
cabeça do caudado (Phillips et al.13 2003).
Em conjunto, esses estudos sugerem que sintomas
como labilidade afetiva, ciclagem depressão/mania e
distratibilidade, comumente associados ao TAB, podem estar associados a essas alterações em regiões
cerebrais envolvidas no processamento das emoções.
Neurotransmissores
Sistema serotoninérgico
A serotonina (5-HT) modula diferentes atividades
neuronais e, desse modo, diversas funções fisiológicas e comportamentais, como controle de impulsos,
agressividade e tendências suicidas (Shiah e Yathan14
2000).
Dessa forma, a diminuição da liberação e da atividade da 5-HT podem estar associadas a algumas
anormalidades como ideação suicida, tentativas de
suicídio, agressividade e distúrbios do sono, achados
frequentes nos transtornos bipolares (Ackenheil3
2001).
Desde a década de 70, Prange et al.15 (1974) sugeriram a participação da 5-HT na fisiopatologia do
TAB, formulando a hipótese permissiva, na qual um
déficit na neurotransmissão serotoninérgica central
permitiria a expressão tanto da fase maníaca, quanto
da depressiva; contudo, tais fases difeririam em relação aos níveis de catecolaminas (noradrenalina e dopamina) centrais, que estariam elevadas na mania e
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diminuídas na depressão.
Além disso, foi demonstrada diminuição dos níveis
de ácido 5-hidroxi-indolacético (5-HIAA), principal
metabólito da serotonina, no liquido cefalo-raqueano
de pacientes maníacos e deprimidos em comparação
a controles normais, sugerindo que tanto a mania
quanto a depressão estão associadas a uma redução
na função serotoninérgica central.
Um estudo pós-mortem de cérebros de pacientes
com TAB também constatou níveis significativamente menores de 5-HIAA no córtex frontal e parietal,
comparados com controles, fornecendo mais uma
evidência para a hipótese de diminuição na atividade serotoninérgica central em transtornos bipolares
(Young et al.16 1994)
Estudos de desafio neuroendócrino, quando analisados em conjunto, sugerem que a atividade pré-sináptica da serotonina no SNC está diminuída, ao passo que a sensibilidade dos receptores pós-sinápticos
está aumentada na mania (Shiah e Yathan14 2000).
2. Sistema dopaminérgico
Um dos achados mais consistentes em relação ao
papel da dopamina na neurobiologia do TAB é o fato
de agonistas dopaminérgicos diretos e indiretos simularem episódios de mania ou hipomania em pacientes
com transtorno bipolar subjacente ou predisposição
ao mesmo.1,5 Ackenheil3 (2001) sugeriu que, embora os resultados não tenham sido consistentes, uma
maior atividade dopaminérgica induzida por aumento
da liberação, diminuição da capacidade de tamponamento pelas vesículas sinápticas ou pela maior sensibilidade dos receptores dopaminérgicos pode estar
associada ao desenvolvimento de sintomas maníacos,
enquanto a diminuição da atividade dopaminérgica estaria associada à depressão.
3. Sistema noradrenérgico
Estudos descrevem uma subfunção desse sistema
nos estados depressivos. Nesses estados, um menor
débito de noradrenalina e uma menor sensibilidade
dos receptores α 2 são relatados, em contraste com
uma tendência de maior atividade da noradrenalina
em estados maníacos (Ackenheil3 2001).
Nesse sentido, Baumann et al.17 (1999) observaram que indivíduos com TAB apresentaram um maior
número de células pigmentadas no locus ceruleus, em
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comparação com pacientes unipolares. Além disso,
(Shiah e Yatham.14 2000) sugeriram que uma função
serotoninérgica central diminuída, associada a uma
função noradrenérgica aumentada, poderia estar envolvida na gênese da mania.
Sistema GABAérgico
Dados clínicos indicam que um decréscimo na
função GABAérgica acompanha os estados maníacos
e depressivos, e que agonistas do GABA possuem
propriedades antidepressivas e antimaníacas (Petty18
1995) Baixos níveis de GABA foram encontrados no
plasma de pacientes bipolares em depressão e mania
(Petty et al.19 1993).
Sistema glutamatérgico
A participação desse sistema na etiologia do TAB
tem sido constatada por meio da ação dos estabilizadores do humor sobre a neurotransmissão glutamatérgica. O ácido valproico aumenta a concentração
de glutamato em culturas de neurônios e cérebros
de animais e também estimula a liberação de glutamato no córtex cerebral do rato. Consequentemente,
o aumento do glutamato pode induzir cronicamente
mecanismos que mantêm o balanço do glutamato na
sinapse por meio de um feedback negativo (Li et al.11
2002). O ácido valproico também modula respostas
fisiológicas mediadas por receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), a-amino-3-hydroxy-5-metil-4-isoxazol-ácido propiônico (AMPA) e ácido kaínico (KA)
(Lenox e Frazer20 2002).
A carbamazepina, por outro lado, suprime a liberação de glutamato, reduz a despolarização produzida por NMDA e bloqueia a elevação dos níveis de
cálcio intracelular induzida por receptores NMDA e
KA. O lítio agudamente aumenta as concentrações
de glutamato na sinapse, cronicamente causando upregulation da atividade do transportador.
Hipotetiza-se que, eventualmente, ocorra estabilização da neurotransmissão excitatória com o uso
crônico de lítio (Li et al.11 2002). Além disso, estudos
recentes utilizando a técnica de espectroscopia por
ressonância magnética demonstraram in vivo que pacientes bipolares apresentam aumento significativo da
concentração de glutamina/glutamato no córtex préfrontal dorsolateral e giro do cíngulo (Michael et al.21
2003, Dager et al.22 2004)
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Sinalização intracelular
Apesar da gama de alterações observadas no nível
dos neurotransmissores e da interação desses com
seus receptores, tem-se demonstrado que anormalidades em rotas de sinalização intracelular estão diretamente relacionadas a uma série de alterações nos
sistemas de neurotransmissão (Manji e Lenox23 2000,
Bezchlibnyk e Young24 2002). De fato, funções cerebrais de maior complexidade como o comportamento, o humor e a cognição são criticamente dependentes dos processos de transdução de sinal para o seu
funcionamento adequado.
Além disso, enquanto os efeitos bioquímicos do
tratamento de transtornos do humor sobre os neurotransmissores na junção sináptica são imediatos
(horas), a resposta clínica ocorre mais tardiamente
(dias-semanas), salientando a importância central dos
eventos intracelulares, envolvendo a regulação da expressão gênica e a plasticidade celular na regulação do
humor (Manji e Lenox23 2000, Bezchlibnyk e Young24
2002, Ghaemi et al.25 1999).
Proteínas G (proteínas ligantes de GTP) são moléculas que traduzem o sinal de um receptor transmembrana a ela acoplado para os segundos mensageiros intracelulares. A especificidade da interação do
receptor com uma proteína G em particular determina a natureza do mecanismo efetor ao qual o receptor ativado estará acoplado. As proteínas G realizam
a transdução de sinal de mais de 80% das moléculas
extracelulares de sinalização, incluindo hormônios,
neurotransmissores e neuromoduladores. Logo, são
interessantes candidatas para anormalidades envolvendo a comunicação entre múltiplos sistemas neurais (Gould e Manji26 2002).
Dois estudos iniciais demonstraram um aumento
dos níveis da proteína G estimulatória (G) no córtex
frontal, temporal e occipital de indivíduos com TAB,
(Young et al.27 1991, Young et al.28 1993) enquanto
outro estudo demonstrou um aumento da atividade
da G, quando estimulada por agonista (Friedman e
Wang29 1996) Em um estudo mais recente, foi demonstrado um aumento significativo da G entre os
pacientes que não estavam em uso de lítio, mas não
houve diferenças entre o total dos pacientes e os voluntários normais, sugerindo uma possível ação do lítio na atividade da G (Dowlatshahi et al.30 1999) Além
disso, estudos com marcadores periféricos também
demonstraram alterações dos níveis de G em pa-
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cientes com TAB, (Spleiss et al.31 1998, Avissar et al.32
1997, Mitchel et al.33 1997) sugerindo que alterações
dessa proteína podem estar envolvidas na fisiopatologia do TAB.
Rota de sinalização da adenilato ciclase
A adenilato ciclase é uma enzima que converte o
ATP no segundo mensageiro AMP cíclico (AMPc). A
proteína Gs está envolvida na estimulação da adenilato ciclase, ao passo que a proteína Gi inibe essa enzima, sendo que a maioria dos receptores que regulam
a ação do AMPc o fazem através do seu efeito em
uma dessas proteínas G.
Um efeito central do AMPc é a ativação da proteína quinase A (PKA), uma enzima que regula canais iônicos, elementos do citoesqueleto e fatores de transcrição, constituindo, desse modo, um passo crítico
nas modificações neurobiológicas duradouras. Um
dos fatores de transcrição fosforilados e modulados
pela PKA é a AMPc response element binding protein
(CREB), que regula numerosos processos neuronais,
incluindo excitação, desenvolvimento e apoptose de
neurônios e plasticidade sináptica (Walton e Dragunow34 2000)
Estudos pós-mortem e com células periféricas têm
demonstrado, com consistência, aumento da atividade da adenilato ciclase, AMPc e da PKA em pacientes
com TAB.35-36 Além disso, estudos farmacológicos
têm demonstrado que o lítio, ácido valpróico e a carbamazepina possuem ação regulatória nessa via de
sinalização (Lenox e Frazer20 2002).
Rota de sinalização do fosfatidilinositol
A ativação de um receptor acoplado à cascata do
fosfatidilinositol (PIP2) estimula uma proteína efetora
chamada fosfolipase C, que induz a formação de dois
importantes segundos-mensageiros: o diacilglicerol
(DAG) e o inositol-1,4,5-trifosfato (IP3). A DAG, por
sua vez, ativa a proteína quinase C (PKC), envolvida
em processos celulares incluindo secreção, exocitose, expressão gênica, modulação da condução iônica,
proliferação celular e down-regulation de receptores
extracelulares. O IP3 regula a liberação das reservas
de cálcio intracelular armazenadas no retículo endoplasmático. O cálcio liberado interage com numerosas
proteínas celulares, incluindo um grupo de receptores sensíveis ao cálcio intracelular denominado cal-
165
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modulinas (CaM), que ativam proteínas quinases dependentes de calmodulina (CaMK), levando à ativação
de canais iônicos, moléculas sinalizadoras, apoptose e
fatores de transcrição (Gould e Manji26 2002)
Brown et al.37 (1993) observaram níveis aumentados de PIP2 em plaquetas de bipolares maníacos. Esse
achado também foi observado na fase depressiva, (Soares et al.38 2001) enquanto outros estudos encontraram níveis diminuídos após tratamento com lítio.
(Soares et al.39 2000, Soares et al.40 1999) Da mesma
forma, estudos pós-mortem e com células periféricas
evidenciaram um aumento dos níveis de PKC em indivíduos com TAB (Wang e Friedman41 1996, Wang et
al.42 1999) e subsequente diminuição pelo tratamento
com o lítio (Manji et al.43 1993). De fato, a ação do
lítio nessa via de sinalização foi demonstrada em dois
estudos com espectroscopia por ressonância magnética (ERM), que demonstraram que o lítio diminui significativamente os níveis de myo-inositol, diminuindo,
assim, a atividade dessa via de sinalização (Moore et
al.44 1999, Davanzo et al.45 2001).
Utilizando a técnica de ERM, nosso grupo recentemente demonstrou que bipolares em episódio maníaco apresentam níveis significativamente aumentados
de myo-inositol no córtex pré-frontal dorsolateral
esquerdo, em comparação a voluntários normais.
Regulação da expressão gênica e neuroproteção
A regulação das diversas cascatas de sinalização
intracelular modula os fatores de transcrição gênica,
proteínas que se ligam a genes específicos no DNA,
induzindo a formação de novas proteínas envolvidas
na plasticidade celular. Dessa forma, alterações em
qualquer nível da cascata podem provocar a morte
celular através da formação de proteínas pró-apoptóticas ou da diminuição dos fatores de proteção/
sobrevivência celular, como as neurotrofinas e proteínas estabilizadoras do citoesqueleto.
Estudos farmacológicos demonstraram com consistência que o lítio aumenta a sobrevivência celular
em uma série de modelos de neurotoxicidade.10 Mais
especificamente, o lítio promoveu aumento significativo da expressão da bcl-2 e do BDNF, proteínas envolvidas com neuroproteção (Chen e Chuang46 1999,
Hashimoto et al.47 1997) e inibição da atividade da
GSK3-b, uma proteína associada à apoptose, (Hong et
al.48 1997) enquanto o ácido valproico e, mais recen-
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Pinho AP, Domeni JPS, Coca VMC, Longato SE. Fisiopatologia do transtorno afetivo bipolar
São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 161-9
temente, a lamotrigina, também demonstraram efeito inibitório na atividade da GSK3-b (Li et al.49 2002)
Além disso, a regulação da estabilidade do RNAm durante a fase de transcrição gênica e formação de novas proteínas é um fator essencial na resposta celular
em situações de estresse. Nesse sentido, Chen et al.50
(2001) demonstraram que o lítio e o ácido valproico
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aumentam a expressão da proteína AUH, uma das
proteínas que estabilizam o RNAm durante a fase de
transcrição; desse modo, esses fármacos são capazes
de regular a expressão de múltiplos genes no SNC,
efeito este que pode ter um papel central no tratamento de uma doença complexa como o TAB.
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2010 set-dez; 1(3): 170-8
A utilização da filosofia do Tratamento Restaurador Atraumático (ART) na
parceria ensino-serviço. Parceria UNICID - Município de Itapira-SP: Relato de
experiência exitosa
The use of Atraumatic Restorative Treatment (ART) philosophy in partnership between UNICID
and Itapira City - SP: Report of a successful experience
Gerson Lopes*
Vladen Vieira**
Resumo
Abstract
O Programa implica em envolver os alunos de Odontologia
no desenvolvimento de ações integradas, nas quais os diversos atores estejam engajados em amplas intervenções para
promover saúde, participando no planejamento de ações
coletivas, rompendo com a restrita visão técnica e individualista do processo saúde-doença bucal. Visa à formação
de um cirurgião-dentista capaz de desempenhar seu papel
no âmbito do SUS, com comprometimento social, maior
participação em atividades globais, integradas às estruturas
acadêmicas. O grande desafio está em superar um modelo
centrado no diagnóstico de doenças e orientado para o tratamento invasivo, com tecnologia de alto custo, e, por outro lado, centrar-se no diagnóstico integral, na Promoção da
Saúde, na prevenção de doenças e no cuidado vigilante das
pessoas da comunidade onde o cirurgião-dentista está inserido. Os movimentos mundiais em prol das mudanças nos
projetos educacionais e a valorização recente da Promoção
da Saúde podem oferecer um bom roteiro para essa agenda
de mudanças. A reorientação dos serviços é um fenômeno
observável em várias partes do mundo, já que acompanha a
dinâmica mundial de reestruturação de Sistemas Nacionais
de Saúde; espera-se que essa ideia-força, já presente no
Brasil a partir de 1988, seja capaz de influenciar definitivamente o planejamento político-pedagógico das instituições
de ensino e a organização e gestão dos serviços de saúde
bucal, repercutindo favoravelmente para a sociedade e para
os profissionais da Odontologia.
The Program involves the development of integrated actions, where various actors are engaged in extensive interventions to promote health, participating in planning
collective actions, breaking with the strict technical and
individualistic vision of the health mouth-disease. It aims at
training a dentist to be able to play his role in the SUS, with
social commitment, greater participation in global activities,
integrated into academic structures. The challenge is to
overcome a model based on disease diagnosis and treatment oriented invasive, expensive technology and to focus
on comprehensive diagnosis in health promotion, disease
prevention and care of people in the watchful community
where the dentist is inserted. The global movement in support of changes in educational projects and the recent appreciation of the Health Promotion can offer a good script
for this change agenda. The redirection of services is a phenomenon observable in many parts of the world, since it
follows the global trend of restructuring of National Health
Systems and it is hoped that this idea-power, already present in Brazil after 1988, is capable of influencing the final
political-pedagogical planning of educational institutions and
organization and management of oral health services, impacting positively on society and professionals in dentistry.
Descriptors: Dental atraumatic restorative tratament •
Health promotion • Oral health.
Descritores: Tratamento dentário restaurador sem trauma
• Promoção de Saúde • Saúde bucal.
** Mestre em Odontopediatria. Prof. da Universidade Cidade de São Paulo. UNICID
** Especialista e Mestre em Saúde Pública. Coordenador da Atenção Básica do Município de Itapira
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Odontologia
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Lopes G, Vieira V. A utilização da filosofia do Tratamento Restaurador Atraumático (ART) na parceria ensino-serviço.
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INTRODUÇÃO
Desde início do século XX, o Brasil vem apresentando movimentos para modificar estruturas e
práticas na área da saúde, inclusive na saúde bucal.
Na VII Conferência Nacional de Saúde1 (1980), as
conclusões apresentadas, em relação à participação
da Odontologia nos serviços básicos de saúde, foram
que o modelo de prática e assistência caracterizavase pela ineficácia, ineficiência, descoordenação, má
distribuição, baixa cobertura, alta complexidade, enfoque curativo, caráter mercantilista e monopolista
e inadequação no preparo de recursos humanos. Tal
inadequação é caracterizada pela formação de profissionais de maneira desvinculada das reais necessidades do País, precocemente direcionados para as
especialidades e totalmente dissociados das características dos serviços, onde deveriam atuar. Notandose que mesmo quando aborda aspectos técnicos, o
faz utilizando-se de mecanismos formais, já superados
por procedimentos comprovadamente mais ágeis e
de menor custo, como o treinamento ou preparação
em serviço.
Mais adiante, em 1986, na VIII Conferência Nacional de Saúde2 e 1ª Conferência Nacional de Saúde
Bucal, um marco e, certamente um divisor de águas
dentro do Movimento pela Reforma Sanitária, foram
criadas as bases para as propostas de reestruturação
do Sistema de Saúde Brasileiro a serem defendidas na
Assembleia Nacional Constituinte, instalada no ano
seguinte. O Relatório da Conferência, entre outras
propostas, destaca o conceito ampliado de saúde, a
qual é colocada como direito de todos e dever do Estado, e, em seu sentido mais abrangente, é resultante
das condições de alimentação, habitação, educação,
renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego,
lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a
serviços de saúde.
Em 1988, a Assembleia Nacional Constituinte
aprovou a nova Constituição Brasileira, incluindo,
pela primeira vez, uma seção sobre a Saúde, incorporando, em grande parte, os conceitos e propostas
da VIII Conferência Nacional de Saúde2, podendo-se
dizer que, na essência, a Constituição adotou a proposta da Reforma Sanitária.
A Constituição, no Título VIII (Da Ordem Social),
Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II (Da Saúde), no Art. 196 afirma que “A saúde é direito de
171
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”. E, no Art. 200, ao Sistema
Único de Saúde - SUS compete, além de outras atribuições, “ordenar a formação de recursos humanos
na área de saúde”.
Em consonância, a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/
CES)3 instituiu, em fevereiro de 2002, as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Odontologia, que em seu Art. 3º afirma que “O curso
de Graduação em Odontologia tem como perfil do
formando egresso/profissional, o Cirurgião-dentista,
com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico. Capacitado
ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da
população, pautado em princípios éticos, legais e na
compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade”.
De acordo ainda com essas diretrizes, a formação
do cirurgião-dentista tem como objetivos a atuação
multiprofissional, interdisciplinar e transdisciplinar
como forma de participação e contribuição social, o
desenvolvimento da assistência odontológica individual e coletiva, a administração e o planejamento de
serviços de saúde comunitária.
Em 2004, o relatório final da 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal4 reforça a necessidade de estabelecimento de estágios e convênios afirmando:
“Promover a mudança dos cenários de práticas nos
cursos de graduação por meio da realização de convênios entre as instituições de ensino superior e as
secretarias estaduais e municipais, possibilitando
contato direto dos estudantes de Odontologia com
a realidade social, incluindo a prestação de serviços
odontológicos, durante o período de um ano junto à
comunidade carente” (Brasil5, 2007).
Visando, então, a aproximação entre a graduação
no ensino superior e as necessidades da atenção à
saúde, por meio da parceria entre o Ministério da
Saúde e o Ministério da Educação, foi lançado em
2005 o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde.
Odontologia
Ponto de Vista /Point Of View
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Lopes G, Vieira V. A utilização da filosofia do Tratamento Restaurador Atraumático (ART) na parceria ensino-serviço.
Parceria UNICID - Município de Itapira-SP: Relato de experiência exitosa • São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 170-8
Busca-se com este programa a intervenção no
processo formativo para que os programas de graduação possam deslocar o eixo de formação – centrado na assistência individual prestada em unidades
especializadas – usando outro processo em que a formação esteja sintonizada com as necessidades sociais,
calcada na proposta de hierarquização das ações de
saúde e que levem em conta as dimensões sociais,
econômicas e culturais da população.
A educação dos profissionais deve ser entendida
como processo permanente, que se inicia na graduação, mediante o estabelecimento de parcerias entre
as instituições de ensino superior, os serviços de saúde, a comunidade, as entidades e outros setores da
sociedade civil e mantida na vida profissional.
Buscando a potencialização dessas relações de
parcerias, foi criado o Projeto Sorria Itapira, que caminha para a universalização ao realizar ações capazes de transcendência social e setorial. Parceria esta,
realizada por meio do Termo de Cooperação Técnica Didática e Científica, celebrada entre a Prefeitura
Municipal de Itapira e a Universidade Cidade de São
Paulo – UNICID, junto ao curso de Odontologia.
Este Projeto implica em envolver os alunos de
Odontologia no desenvolvimento de ações integradas, onde os diversos atores estejam engajados em
amplas intervenções para promover saúde, participando no planejamento de ações coletivas, rompendo
com a restrita visão técnica e individualista do processo saúde-doença bucal.
O trabalho de parcerias é hoje apontado como
uma das principais armas no combate à desigualdade social e na busca da humanização das sociedades
modernas. Este tipo de trabalho traz resultados importantes para as comunidades atendidas e cria aproximações fundamentais para toda a sociedade.
A Universidade, no desenvolvimento deste projeto, visa a formação de um cirurgião-dentista capaz
de desempenhar seu papel no âmbito do SUS, com
comprometimento social, maior participação em atividades globais, integradas às estruturas acadêmicas.
Há que se considerar, atualmente, a existência de
elementos capazes de dificultar o processo de mudança. De um lado, os estudantes, que, apesar de sensibilizados ao participarem de projetos de saúde bucal
coletiva, não são seduzidos totalmente, como fazem
as disciplinas clínico-assistenciais. E de outro, os pro-
172
fessores, basicamente especialistas, que apresentam
dificuldades que podem estar situadas no campo da
resistência ideológica e/ou na insegurança perante o
desafio em participar de um processo de mudança no
perfil de formação profissional, geralmente pautado
em modelo desconectado entre o biológico e o social, para o qual não se sente devidamente preparado.
Aspecto este de importância fundamental e que foi
abordado na 43º Reunião da Associação Brasileira de
Ensino Odontológico – ABENO6 (2008) com o tema
“O Dilema do Professor Especialista no Ensino Generalista”.
É neste contexto que o programa de parceria ensino-serviço foi criado para contribuir no processo
de formação dos alunos de graduação e na melhoria
das condições bucais da população atendida.
O PROJETO
Em março de 2007, com a assinatura do Termo
de Cooperação Técnica Didática e Científica entre a
Prefeitura Municipal de Itapira e a Universidade Cidade de São Paulo – UNICID, o Coordenador de Saúde
Bucal, professores e estudantes do 3° ano do Curso
de Odontologia desenvolveram as etapas e estratégias de ação do projeto, baseados na avaliação situacional e epidemiológica do município.
Avaliação Situacional e Epidemiológica em Saúde
Bucal
O Município de Itapira fica localizado no interior
do Estado de São Paulo, a 175 km da cidade de São
Paulo, com uma população de 68.396 habitantes e
98% de taxa de urbanização em 2007.
A saúde bucal no município é universalizada, baseada em ações coletivas (procedimentos coletivos)
implantadas em 1992 e de assistência individual, com
ações programáticas para pré-escolares, escolares
(ensino fundamental e médio), gestantes, adultos
e idosos e a urgência é assegurada a todos os cidadãos.
Um dos problemas de saúde bucal enfrentado
pelo município era o alto índice de cárie dentária em
pré-escolares das EMEIs (Escola Municipal de Ensino
Infantil), com prevalência do componente cariado,
acompanhado pelo fenômeno da “polarização”.
Em levantamento epidemiológico realizado em
2005, foi encontrado índice ceo para 5 anos de idade
cronológica = 2,15 com a seguinte distribuição per-
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centual de seus componentes:
Tabela 1- Distribuição percentual dos componentes do índice de ceo do Município de Itapira, aos 5 anos de idade.
2005
Cariados
Obturados
Extraídos
62,8%
33,5%
3,7%
Baseados nesses dados, nas necessidades de atenção à população e no perfil de formação dos estudantes de Odontologia, o projeto foi assim definido:
1. Público-alvo
- Pré-escolares das EMEIs do Município de Itapira
- Alunos do 3° ano (5° e 6° semestres) do Curso
de Odontologia da UNICID
2. Objetivos
2.1 - Para pré-escolares:
- Melhoria do quadro epidemiológico.
- Desenvolver ações para crianças matriculadas
em escolas de educação infantil, colaborando com o
sistema de saúde bucal do município, favorecendo o
acesso à assistência devido à alta demanda.
- Realizar tratamento das necessidades acumuladas.
- Dar maior atenção às crianças identificadas com
maior ceo e maiores necessidades de tratamento
(grupo polarizado).
- Ampliação da cobertura do atendimento aos
pré-escolares.
2.2 - Para os alunos do Curso de Odontologia:
- Contribuir para a formação de Cirurgiões-dentistas com perfil proposto nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para os Cursos de Odontologia.
- Sensibilização e capacitação dos alunos para trabalhar em Saúde Coletiva, em todos os níveis de prevenção, desenvolvendo as competências, habilidades
e conteúdos necessários para esse tipo de atuação.
- Desenvolver ações integradas, engajadas em amplas intervenções multissetoriais para promover saúde, participando no planejamento de ações coletivas
e/ou influenciando decisões de saúde.
- Desenvolver atividades que os capacitem a construir e gerenciar programas em saúde bucal, em to-
173
dos os níveis de prevenção.
- Possibilitar o estudo e a realização de trabalhos
científicos que deem subsídios para a melhoria da
saúde da população envolvida.
- Capacitação para estabelecer sistemas de triagem e encaminhamento, identificar e avaliar tendências e realizar estudos comparativos de saúde bucal.
- Capacitação para trabalhar com Educação em
Saúde, estratégias de utilização do flúor, métodos de
controle de placa bacteriana e tratamento restaurador atraumático (ART).
3. Metas
A serem atingidas em um período de 6 anos:
- redução de 50% no índice CPO aos 12 anos.
- assegurar acesso a 100% das crianças matriculadas nas EMEIs.
- realizar tratamento em 100% das crianças matriculadas nas EMEIs.
- sensibilização de 100% dos alunos de Odontologia para promoção da saúde e prevenção das doenças
bucais.
- capacitar 100% dos alunos na filosofia do Tratamento Restaurador Atraumático (ART).
4. Seleção de estratégias (metodologia)
4.1- Etapa Preparatória
- Avaliação do plano de ensino do curso de graduação em Odontologia da instituição.
- Sensibilização e constituição de grupo de professores para coordenação do programa.
- Estudo do Sistema Único de Saúde, Epidemiologia, Principais Problemas de Saúde Bucal, Estratégias
de Promoção, Prevenção e Recuperação da Saúde
Bucal, Elaboração de Programas em Saúde Bucal.
4.2 – Etapa Investigativa ou de Diagnóstico
- Avaliação da percepção dos alunos de graduação
em relação à saúde coletiva.
- Avaliação da expectativa profissional do aluno de
graduação.
- Avaliação dos índices ceo aos 5 e CPO aos 12
anos de idade.
- Avaliação das condições de acesso à atenção em
saúde bucal dos pré-escolares.
5. Ações
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- Palestra na Prefeitura de Itapira para todos os
estudantes, abordando temas relacionados ao Município: O desenvolvimento do SUS, a implantação do
PSF e atuação da Saúde Bucal no serviço.
- Visitas técnicas ao Hospital Municipal, a UBS,
Pronto Atendimento e Centro de Especialidades
Odontológicas.
- Visita às EMEIs para análise e planejamento.
- Triagem e encaminhamento.
- Ações de Educação em Saúde bucal e preventivas
(escovação supervisionada e utilização do flúor).
- Atendimento clínico em campo – aplicação de
ART (restaurações e selantes).
6. Recursos humanos e materiais
Os recursos foram definidos de acordo com o
contrato de parceria, com atribuições especificas de
acordo com as ações.
6.1 - Recursos Humanos:
- professores responsáveis pelo programa
- alunos do curso de Odontologia (3° ano)
- auxiliar odontológica
- cirurgião-dentista da rede pública
- professores das EMEIs
- Coordenador de Saúde Bucal
- motorista
ção dos professores responsáveis pelo Projeto, Coordenador de Saúde Bucal do Município e estudantes
participantes, sendo sugeridos ajustes e correções.
8.2 - dos resultados
8.2.1 - Desenvolvimento de trabalhos científicos
Pesquisas sugeridas pelos coordenadores e/ou estudantes, de acordo com objetivos e metas estabelecidas no programa, ou até mesmo por alguma necessidade detectada.
8.2.2 – Plenária
Ao final do ano letivo, em reunião com representantes de todos os seguimentos envolvidos (professoras das EMEIs, comunidade escolar, equipes de saúde
bucal do Município, coordenadores e estudantes),
para avaliação sobre a percepção do projeto, avaliação dos resultados alcançados e elaboração das ações
para o ano seguinte.
RESULTADOS
6.2 - Recursos Materiais:
Instrumental e Material de consumo utilizados para
a realização da Técnica de ART, em número e quantidade suficiente para os atendimentos; Equipamento de Proteção Individual e outros (mesas, colchões
de ginástica, pias, autoclave); Impressos (Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido para exame clínico, tratamento e autorização para pesquisa e Ficha
de Triagem e Encaminhamento), além de transporte
e alimentação.
7. Cronograma
As atividades foram programadas de março de
2007 a novembro de 2011, com ações mensais durante o período letivo, contemplando 8 ações anuais.
8. Avaliações
8.1 - do processo
De forma contínua e permanente, com a participa-
174
A Estratégia do ART no Projeto
Este tipo de trabalho traz resultados importantes
para as comunidades atendidas e para os estudantes
de Odontologia como forma de aprendizado em diferentes cenários, modificando paradigmas ( Freire et
al.7, 2003). Atua na Promoção da Saúde por meio da
Educação, com caráter contínuo e permanente partindo da realidade local, e não por ações pontuais
(eventos), normalmente de caráter político e descontextualizadas, utilizando-se de palestras, verdadeiros
minicursos de Odontologia e com resultados duvidosos a médio e longo prazo (Pauleto et al.8, 2004). E
mesmo quando atua em recuperação da saúde, propõe estratégias inovadoras, simples, eficazes e de baixo custo, como neste caso a utilização da filosofia de
mínima invasão, com o tratamento restaurador atraumático (ART) de forma estratégica, para diminuição
da demanda nas UBS e dos índices de cárie.
Com o objetivo da utilização da filosofia ART no
Projeto Sorria Itapira, estabeleceu-se um sistema de
triagem e encaminhamento, adotando-se critérios de
inclusão/exclusão dos procedimentos de restaurações e selantes oclusais.
Estavam indicadas restaurações na presença de lesão cariosa envolvendo dentina em uma única face,
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ausência de sintomatologia dolorosa, mobilidade e
fístula. E os critérios de exclusão, envolvimento pulpar, presença de dor, abscesso, mobilidade ou fístula
e ainda a dúvida no diagnóstico da condição pulpar.
Para selamento oclusal dos primeiros molares permanentes, consideraram-se as condições de erupção
parcial ou total, superfície hígida, presença de lesão
branca e/ou sulcos pigmentados, levando-se em conta
ainda o determinante social de risco à cárie dentária.
Para todas as crianças foram estabelecidas ações
de promoção de saúde bucal por meio da educação
e de prevenção, utilizando-se escovação supervisionada e aplicações tópicas de flúor, segundo critérios
de risco.
As crianças passavam por escovação supervisionada, sendo dirigidas para triagem e nesta foi utilizada ficha especifica desenvolvida para o projeto. Após
exame eram encaminhadas para realização do ART
no sistema de mutirão em situação de campo. Ou,
ainda, de acordo com necessidade de maior comple-
xidade de tratamento, referenciadas para a UBS adstrita à EMEI.
Os resultados obtidos no período de março de
2007 a junho de 2009 são apresentados na Tabela 2.
Portanto, 2004 crianças passaram a ter acesso à
atenção em saúde bucal; destas, 1114 receberam procedimentos na filosofia ART e apenas 291 (14,52%)
foram referenciadas para serviços de maior complexidade, neste caso para as UBS. Houve, assim, a diminuição da demanda e melhor organização do serviço,
além de minimizar tratamentos de maior complexidade como terapias pulpares e exodontias.
Quando se comparam os dados epidemiológicos
de 2005 e 2007 (tabelas 3 e 4), os números também
são animadores:
Tabela 3 - Índice de cárie – ceo – para 5 anos de idade
Ano
ceo
2005
2,15%
2007
1,79%
A ções em E ducação, Pr evenção, Recuper ação e Manut enção da S aúde Bucal
Educação em Saúde, Prevenção e Manutenção
ART (restauração e selante)
TRIAGEM
UBS (outras necessidades)
Figura 1: Esquema da atenção integral do Projeto Sorria Itapira
Tabela 2 - Situação alcançada, conforme demonstrado pelos números observados após as 20 ações:
Ano
Total de crianças
Total de crianças
sem necessidade de
examinadas
tratamento
Total de crianças
com indicação de
ART (selantes e
restaurações)
Total de
Total de
Total de crianças com
selantes restaurações maiores necessidades
aplicados
realizadas (referenciadas para UBS)
2007
458
231
227
501
515
73
2008
2009*
total
1092
454
2004
532
127
890
560
327
1114
1228
238
1967
1307
400
2222
146
72
291
Fonte: Sistema de informações – Projeto Sorria Itapira. *Dados referente ao período de março a junho de 2009.
175
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Fonte: Sistema de informações – Projeto Sorria Itapira
Tabela 4 – Distribuição percentual dos componentes cariados, extraídos e obturados, dos 5 anos de idade,
Itapira 2005 e 2007.
Componente
Cariados
Extraídos
Obturados
2005
62,8%
3,7%
33,5%
2007
35,7%
64,7%
Fonte: Sistema de Informações - Projeto Sorria Itapira
Analisando as duas tabelas, observa-se que ações
de promoção e prevenção desenvolvidas em outros
programas apresentaram resultados positivos com a
diminuição do índice ceo e que as ações do Projeto
contribuíram para modificar a distribuição dos componentes, levando a um aumento de aproximadamente 50% do componente obturado.
Com isso, o programa construído e executado
pelos alunos contribuiu para a melhoria na condição
de saúde bucal da população atendida, atuando em
grande escala, diminuindo a demanda nas UBS, facilitando o acesso dessa população ao tratamento, aumentando a consciência da necessidade de cuidados
com a saúde bucal, motivando inclusive responsáveis
e professores.
Foram apresentados, assim, ótimos resultados por
meio da simplicidade da técnica, do baixo custo e da
grande efetividade da prática desenvolvida no interior
dos espaços sociais, alcançando-se um incomparável
ganho epidemiológico e social.
Quadro I: Resumo dos objetivos da utilização da filosofia
ART no Projeto Sorria Itapira.
ART
RESTAURAÇÃO
SELANTE
OBJETIVOS
Aumento do acesso a tratamento
odontológico
Diminuição da demanda nas UBS
Diminuição da necessidade
de tratamentos de maior
complexidade (exodontias,
endodontias e restaurações)
Diminuição da incidência de cárie
oclusal nos primeiros molares
permanentes, refletindo no índice
CPO aos 12 anos.
176
DISCUSSÃO e CONCLUSÕES
O Projeto é uma oportunidade fundamental de
consolidação do espaço pedagógico capaz de enfrentar, positivamente, os desafios lançados pelas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em
Odontologia. Não se trata de uma proposta nova,
mas de uma forma de transformação das práticas de
ensino por meio da integração docente assistencial.
Aborda o espaço dos serviços públicos de saúde e o
mundo do trabalho como aspectos centrais de uma
nova prática pedagógica, com potencial para se alcançar um perfil profissional com consciência crítica e capacidade de compreender a realidade e intervir sobre
ela. Consegue atuar em todos os níveis de atenção
à saúde sem confundir-se com a prática tradicional
intramuros, que normalmente dá ênfase aos aspectos
tecnicistas e biologicistas sem potência para alcançar
as mudanças propostas pelas Diretrizes Curriculares
e do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde.
A diversificação dos cenários de ensino é tida
como essencial para o desenvolvimento do perfil do
graduando. É no mundo do trabalho, em contato com
diferentes realidades, que se espera que as maiores
experiências educativas ocorram.
Com isso, o
programa contribui para a formação de profissionais
capazes de desenvolver uma assistência humanizada e
de alta qualidade e resolutibilidade, sendo impactante
até mesmo para os custos do SUS (Santos e Westphal9, 1999).
O resultado da experiência pelos alunos participantes pode ser avaliado pelo método do Discurso
do Sujeito Coletivo (Lefèvre et al.10, 2000), do qual
resultou a seguinte fala:
“O Projeto Sorria Itapira contribuiu para minha
formação profissional em diversos aspectos: Desenvolveu meu senso de coletivo e trabalho em equipe;
por trabalhar em cenários diferentes ao da clínica da
faculdade, inclusive do próprio consultório odontológico; observar e tratar uma grande diversidade de
casos e enfrentar novas situações; aprender a trabalhar de forma simples, devido às limitações de recursos; por meio de treinamento desenvolveu um pouco
mais minha habilidade; observar que é possível realizar bons trabalhos com pequenos gastos; ampliou
minha visão em relação à realidade da Odontologia,
melhorando meu amadurecimento pessoal e profis-
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sional”.
Assim, o Projeto apresentou potencial para melhorar a qualidade de vida da população atendida e colaborar na formação do cirurgião-dentista com alguns
atributos requeridos para a atuação clínica ampliada
e a intervenção familiar e comunitária, com ênfase na
Promoção da Saúde, ou seja, deste profissional que o
Brasil e outras nações atualmente buscam produzir
(Moyses11, 2008).
O grande desafio está em superar um modelo
centrado no diagnóstico de doenças e orientado para
o tratamento invasivo, com tecnologia de alto custo, para outro, centrado no diagnóstico integral, na
Promoção da Saúde, na prevenção de doenças e no
cuidado vigilante das pessoas da comunidade onde
o cirurgião-dentista está inserido. Os movimentos
mundiais em prol das mudanças nos projetos educacionais e a valorização recente da Promoção da Saúde
podem oferecer um bom roteiro para essa agenda
de mudanças. A reorientação dos serviços é um fenômeno observável em várias partes do mundo, já
que acompanha a dinâmica mundial de reestruturação de Sistemas Nacionais de Saúde; espera-se que
essa ideia-força, já presente no Brasil após 1988, seja
capaz de influenciar definitivamente o planejamento
político-pedagógico das instituições de ensino e a organização e gestão dos serviços de saúde bucal, repercutindo favoravelmente para a sociedade e para os
profissionais da Odontologia.
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Ponto de Vista /Point Of View
Formação e capacitação na Área da Saúde
ISSN 2176-9095
Science in Health
2010 set-dez; 1(3): 179-86
Leadership and governance for curriculum change
Liderança e governabilidade em mudanças curriculares
José Lúcio Martins Machado*
Maria Cristina Iwana de Mattos**
Joaquim Edson Vieira*
ABSTRACT
RESUMO
The Implementation of an innovative curriculum in a new
school and the reform of a curriculum in a non-profit public
medical school are both tough but interesting tasks. Two
contrasting situations experienced by the authors are discussed here relating to leadership and governance issues
in medical undergraduation. Aspects of stakeholder commitment, educational policy, educational planning strategies
and evaluation are briefly discussed. Successes and failures
in the governance and leadership of these processes are
highlighted.
A Imentação de um currículo inovador em uma nova escola
bem como uma reforma curricular de uma escola sem fins
lucrativos são tarefas difíceis, mas interessante. Duas situações contrastantes experimentadas pelos autores são aqui
discutidas, relativas à liderança e questões de governança
no ensino de graduação em medicina. Os aspectos relacionados ao compromisso das partes envolvidas, a política
educacional, as estratégias de planejamento e avaliação educacional são discutidos brevemente. Os sucessos e fracassos da gestão e liderança desses processos são destacados.
Key words: Education, medical, undergraduate • Problem-
Palavras-chave: E ducação de graduação em Medicina •
Aprendizado baseado em problemas •
Liderança • Setor Privado • Setor Público.
Based Learning • Leadership • Private sector •
Public sector.
**
**
UNICID – Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
UNIDERP - University for the Development of the State and the Region of Pantanal, Mato Grosso do Sul, Brasil.
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Formação e capacitação na Área da Saúde
Machado JLM, Mattos MCI, Vieira JE. Leadership and governance for curriculum change
São Paulo • Science in Health • 2010 set-dez; 1(3): 179-86
Introduction
Educational hange is moved by the influence of the
changes occurring in the world but educational principles cannot be forgotten (Walton1 1993a, Walton2
1993b). Innovation in education is related to the acceptance of logic and based on a deep understanding
of the educational principles (Venturelli3 1997).
Medical education should be intimately related
to a health service provided by a health system. A
medical school integrated to its local society would
need to consider its focus and attention to the public
needs. This means to adapt its curriculum to provide
teaching and learning embedded into recognized environments – not just the university hospital. In addition, the requirements for higher health care standards drive professionals to be better prepared in order
to fit into a better organised and improved health care
system (McGuire4 1989, McMahon5 1992). However,
medical schools seems to be slower in their response
to these challenges (Fraser6 1991, Boelen7 1991).
It has been presented that much of proposed reforms depend upon a strong leader, a dean focused
on the cause who will lead the process conscientiously and with wisdom. Every member of staff can represent either the support or the resistance to change
(McMahon5 1992, Harden8 1995, Tosteson9 1990).
Notwithstanding, new proposals can be stimulated
externally by action and policy at a varying levels and
has been referred to as “forced change” by Grant and
Gale10 (1989). On the other hand, it can come from
inside the institutions in the form of monetary incentives to create new educational experiences – like
new departments or courses.
Implementing a new curriculum and reforming a traditional one: comparisons.
Implementing a new curriculum in a brand new
school allows the implementation and development
of unbiased and futurist staff. They are usually recruited at the beginning of a new school with the opportunity to pursue an ideal program that gives a forward
momentum to the group.
On the other hand, changing an existing curriculum in a traditional school is a monumental task
demanding a major transformation in philosophy and
vision within the school. The major challenge seems
to engage the staff as a team where there would be
180
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no initial consensus.
Historically, McMaster, Maastricht, and the Harvard Medical School initiated changes in their medical
school pedagogy that have influenced the education
of medical students around the world. (Neville and
Norman11 2007, Ten Cate12 2007, Tosteson9 1990).
In Brazil three universities started a curriculum
changing process in 1996 with the sponsoring from
the Kellogg Foundation. Two of them succeeded implementing a new curriculum. The challenge was to
innovate the teaching method in these schools and
to have graduates that could take care of the health
needs of local communities. In the year 2000, among
others, a new medical school was set up allowing the
experience of two authors (JLMM and MCIM) with
both processes, the formation of a brand new curriculum as well as the reform of a traditional one.
Onset of a new course
A new course of medicine was created and implemented in a Brazilian private for-profit university
in the year 2000. The educational program was collectively structured in order to have the new model
of educational strategies and the spirit of innovation
incorporated by the staff before the beginning of the
course. Dean, coordinators and teachers met frequently for faculty development directed to the challenge of being tutors in a problem-based educational
method.
Resistance and difficulties in accepting new strategies of teaching appeared in a small percentage of the
staff. Some of these teachers were asked to work initially at outpatient clinics, wards and skill laboratories
in order to keep their interest, besides their disbelief,
and not demising the group.
Payment incentives and rewards to the many kinds
of educational roles performed by the teachers could
be clearly established through an open channel to the
superior administration. This enticement improved
the recruitment of medical teachers who had to leave
their private offices to dedicate part of their time for
educational purposes.
Curriculum reform
On the other hand, the reform of a curriculum in a
traditional school would found a very different frame.
A curriculum reform in a public institution (not for
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Machado JLM, Mattos MCI, Vieira JE. Leadership and governance for curriculum change
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profit) started with a financial support from Kellog
Foundation (The New Initiative – UNI). There was
a clear opposition right at the beginning from supporters of their traditional educational strategies. The
strong will of the coordinator and his supporters, as
well as the Dean and Vice-dean allowed the engagement of a curriculum reform.
The UNI program played an important role with
the new paradigm for preparing health professionals.
It brought together people and institutions that synchronized the university, the community and the health services, and enable the development of teaching
and learning methods and the integration of multiprofessional teams (Almeida13 2001).
The most important political maneuver was to
nominate the UNI program coordinator as also coordinator of undergraduate medical school. This action demonstrated a philosophical harmony between
the Dean and undergraduate committee as a way to
set the Dean’s leadership skills (Kaufman14 1998, Des
Marchais15 1993, Tosteson9 1990).
Leadership Development
Kaufman14 (1998) relates that at most institutions
formal leaders such as deans, educational coordinator
and educational committees are not prepared in terms of academic management and are not concerned
with the major national and international educational
guidelines.
Des Marchais15 (1993) during the implementation
of a new curriculum at the University of Sherbrooke
Faculty of Medicine highlighted the importance of the
leadership of the person in charge. According to Fisher and Koch16 (1996) a college president is a transformational individual who can make a dramatic, and
positive difference to the life of his institution.
Clark17 (1995) regarding leadership and innovation
in universities formulated a hypothesis: “Innovating
universities depend heavily on leadership at middle
and lower levels of management that successfully reconciles the entrepreneurial drives of central leaders
with the drives of disparate academic professional
groups. In American terms, deans become more critical.”
The dean of a medical school
The importance of leadership has grown as medical
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education has come under increasing scrutiny. Management skills (institutional assessment, strategic planning, financial stewardship, recruitment and retention
of talent) and leadership skills (visioning, maximizing
values, building constituency) could be cited. In addition, content knowledge and attitudes (commitment
to the success of others, appreciation of institutional
culture) are also noted to be valuable qualities for
medical school deans (Rich18 2008). Being aware of
the main guidelines of medical education and be able
to apply what the national policy is recommending
should also be the skills that a dean of medical school
is expected to have.
The process of choosing a Dean would better
suit the competence in education, educational management and educational policies. Many of these attributes are supposed to be an intrinsic part of the
candidate to become a dean, but usually they are not.
Therefore, actions related to these attributes generally are performed in a non professional way.
Sachdeva19 (2000) refers that the dean of the
school and the dean for education need to convey
the vision for change to department chairs and the
faculty. Clear articulation of the vision, definition of
the expected outcomes, and expression of personal
support by institutional leaders will go a long way toward motivating the faculty to consider seriously a
proposal for change.
The differences in academic empowerment:
public and private institutions
At public Brazilian institutions the rector, prorectors and other coordinators are elected by the
university community. It is not unusual to have the
institutional interests set aside in favour of the electors’ will. This is one of the crucial points in public
academic administration, since decisions made at the
high levels of the organizational structure can find an
attitude of non declared resistance. In other words,
projects can be impaired at any level of the academic
community.
On the other hand, in private for-profit institutions
the decision is inherent to the owners and a council
that defines and legitimates the administrator’s power. Channels of communication between the owners and the academic management group are open
to discussion and decisions. When the main adminis-
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trative guidelines are not followed, a change within
administrative levels can be exercised, faster than at
public institutions.
It is important to emphasize this difference to understand the inner facts related to the implantation
of curricular innovations in universities from those
institutions. It is obvious that at any of the institutions
a process of changing has to be clearly defined and
presented to faculty, students and staff. It seems clear
that the process of decision could be more dynamic
and fast at the private university where economic reasons guide their actions.
In general, funding for medical education are not
related to the achievement of institutional goals and
performance evaluations of institutions. In the United
States, funds are tied to welfare programs like Medicare and Medicaid, but not with indicators of teaching
and performance of the faculty (Kohn20 2004). In addition, there are usually more financial incentives for
research activities than teaching activities.
The more conservative economic theories recommend to reduce the costs of education, reducing the
costs of teaching hospitals related to medical education, either at the undergraduate level or residency
programs. The basis for this argument is that the
additional costs allegedly owed to medical education
were indeed due to a combination of patient care
and research activities (Newhouse and Wilmensky21
2001). In contrast, other economists argue the medical education as a social good, justifying the investment made by society through federal funding of educational programs (Gbadebo and Reinhardt22 2001).
Educational Management
A new organisational structure is of paramount
importance when a school has a new curriculum
(Bush231986). The lack of educational management
impairs the control of the implementation in such a
way that may allow the development of a parallel curriculum.
Bloom24 (1988) reviewing 50 years of reforms
without change in medical education, refers to the
following obstacles: no reduction in departmental autonomy (Table 1), no change in the reward system
and no great disruption of the traditional curriculum,
maintenance of the status quo, academic promotion
based more upon research and clinical service than
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on teaching, and educational innovation being too
costly in terms of time, money, and resources. The
common source of these obstacles lies mainly in the
faculty’s resistance to innovation. This contention
could be related to the fact that the scientific mission
of academic medicine has displaced its social responsibility to train for health-care needs of most societies
(Bloom25 1989).
It is noteworthy that in many public Brazilian universities the departmental autonomy prevails, leading
to a fragmentation of the power that impairs the implementation of any central decision like the one involving undergraduation. On the other hand, some
good qualities result from characteristics of the public
universities like the integral tenure to research and
community extension activities, characteristics that
bring quality to universities (Table 1).
In private Brazilian universities some advantages prevail in managing the institution, following the
council plans. As emphasis is mainly given to the undergraduate courses, most of the private institutions
downsizes research and post-graduation courses. The
institution follows the demands for professionals, or
the market logic that may prompt the institution’s
philosophy to change in accordance to the movement
of those demands adopting a matrix model of management (Table 1).
Matrix management is not only recommended
for education but is in fact frequently used in general
administration. The curriculum management may demand a Planning Group committed to study the curriculum, the innovations, and to oversee its implementation. The evaluation of each step should be carried
out frequently by a second organized committee, an
Evaluation Group that should provide an immediate
feedback to staff and students so that problems can
be resolved as fast as they appear.
The evaluation group should be responsible for
quality assurance in medical education in order to
promote a balance between the educational program
and the methods of teaching and the outcomes of learning (Mennin and Krackov26 1998).
The lack of evaluation may lead to a state of independence of departments ultimately allowing teachers to choose “what” and “how” to teach as well as
the assessment. A central committee would do more
for the overall quality of teaching and learning once
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an effective monitoring of the process could be implemented.
The culture of traditional institutions is that such
committees would lessen the department power and
limit the freedom of the academic staff. In order to
allow new ideas, stakeholders have to be the first
group to discuss and even accept the idea of change.
They ought to demonstrate to the institution the main
reasons for and ways to achieve changes and that the
fear of losing power can be replaced by valuable gains
from the institution’s image to the society.
There are many similarities between educational
and entrepreneurial management. Once strategic
planning and other necessary groups were established, the responsibilities of each group will be clearly
defined and suitable evaluation will guide the process
towards the main purpose of the institution.
Lessons learned
The major obstacles for education change could
be identified as resource allocation, structure of the
medical faculty, departmental power and the relative
reduced importance of educational activities in comparison to research (Leinster & Dangerfield27 1996).
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The implementation of a new curriculum should
be followed by educational management. The process
of spreading the workload during the first steps of
implementation should be shared by all staff and students under the guidance of a leader with institutional
power to coordinate the activities. Every step should
be known, an approach that would lead to team involvement and the empowerment of each member
feeling responsible for new ideas becoming reality.
A professional view of educational management
should support the whole process beyond implementation. Besides the incentive to research and publish,
teaching training and improvement in administration
and educational management had to be considered in
a same level of importance. A central committee of
evaluation would do more for the overall quality of
teaching and learning, once monitoring the process
was implemented to promote quality.
There should be an institutional guidance to encourage medical education oriented to community
in the core curriculum. This approach brings undergraduates to recognize the importance of community
needs, and to consider the social and political aspects
that might improve it.
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Table 1 - Private and public institution dynamic and characteristics
Institution
Process
Project
Staff development
Private
Creation
Innovative course
Before reform and during
implementation for the entire staff.
Maintenance for new teachers.
Academic management
Matrix management.
High influence of the owners and
council in “academic decisions”.
Departments influence in the
institutional decisions
No departments
Leadership
Institutional leadership
Institutional Focus and Priorities.
1. Undergraduation
2. Services
Logic market roles
Philosophy of the institution
Staff´s liaison
Institutional Financial Support for
infra-structure and equipments
Institutional dynamic
Public
Reform
Reform and adaptation.
Before starting the course.
Maintenance for new teachers.
Departmental, fragmented
management
Variable influence of individual or
corporative interests over institutional.
Relative didactic autonomy
of departments and possible
fragmentation of decisions.
Local group leadership
1. Research
2. Services
3. Post-graduation
4. Undergraduation
Guided by the professional necessity
pointed by the (logic) market
Possibility of change
Work contract – part time
Stable, bureaucracy
Tenure contract.
Total support
Partial support
Faster
Complexity of decisions due to power
fragmentation.
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Partially guided by the logic market
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Volume 1 - Número 3 • SeT/DeZ 2010