“O OUTRO E AS OUTRAS”: DISCUTINDO A CONDIÇÃO DE
SUBALTERNIDADE EM NIKETCHE
Luciene do Rêgo da Silva1
Fabiana Viana Cruz2
Alcione Corrêa Alves3
Introdução
Este trabalho propõe uma análise da condição de subalternidade da mulher negra
na obra Niketche (2004) de Paulina Chiziane. Verifica-se a posição subalterna presente
no desenrolar da trama e a tomada de consciência por parte do Outro e da protagonista
juntamente com as Outras personagens. Há uma sugestão estratégica de enfrentamento a
esta condição na narrativa. Destaca-se a importância das relações de gênero para a
articulação do Feminismo Negro em Moçambique. Nosso objetivo é analisar a condição
de subalternidade da mulher negra na obra Niketche (2004), enfatizando a importância
da noção de identidade e das relações dialógicas para a mudança desta situação da
mulher.
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Graduanda no curso de licenciatura plena em letras - língua e literatura portuguesa e francesa da
Universidade Federal do Piauí. Colaboradora no Projeto de Pesquisa Teseu, o labirinto e seu nome. Email: [email protected]
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Graduanda no curso de licenciatura plena em letras - língua e literatura portuguesa e francesa da
Universidade Federal do Piauí. Colaboradora no Projeto de Pesquisa Teseu, o labirinto e seu nome. Email: [email protected]
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Orientador. Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí. Coordena o Projeto de Pesquisa Teseu,
o labirinto e seu nome, além de integrar a rede internacional de pesquisadores Diálogos en Mercosur. Email: [email protected]
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Metodologia
Durante esta pesquisa foi feito um levantamento bibliográfico, leitura e
fichamentos de textos teóricos que discutem as construções identitárias, tais como:
Identidade, Cultural e Educação (1987) de Maria de Lourdes Teodoro e A Identidade
Cultural na Pós-Modernidade (2011) de Stuart Hall. Os sujeitos subalternos são
estudados a partir de:Pode o Subalterno Falar? (2010) da autora Gayatri Chakravorty
Spivac. As relações dialógicas entre os sujeitos são compreendidas a partir do texto,
Reformulação do livro sobre Dostoievski. In: Estética da Criação Verbal de Bakthin
(2003) e a análise da suposta sugestão estratégica de enfrentamento à condição
subalterna vivenciada pelas personagens toma como pressuposto teórico, Enegrecer o
Feminismo: A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma
Perspectiva de Gênero de Sueli Carneiro (2003).
Resultados e discussões
Em Niketche a protagonista, Rami, percebe que não é a única mulher que passa
pela situação de desprezo e abandono de seu homem e observa que esta é uma realidade
das mulheres pobres da sua localidade. “Um desfile de mulheres vem ao meu encontro.
Consolam-me. Dona Rami, as crianças são assim. Elas falam das crianças e do vidro
partido. E falam também dos maridos ausentes que nem cuidam dos filhos.”
(CHIZIANE, 2004, p. 12).
Nesse sentido, ao abordar-se a condição subalterna da mulher, na obra, constatase que a protagonista sai da condição de inferiorizada e a partir desta tomada de
consciência há um auto reconhecimento de sua identidade como mulher e a
conscientização das outras mulheres envolvidas pelo seuesposo em um relacionamento
poligâmico. Rami promove um encontro entre essas mulheres, que formam,ao seu
modo, uma família e partilham juntas dos seus sofrimentos. Juntas essas mulheres
confrontam a condição do protagonista masculino e discutem suas situações. “
Obrigado, meu Deus, o meu plano deu certo. Todas estavam traiçoeiras como serpentes.
Suaves como a música da alma.(...) No rosto de Tony surpresa, vergonha, lágrimas e
raiva. (CHIZIANE, 2004, p.108).
O reconhecimento dos processos de construções identitárias do eu lírico, na
obra, ocorre através da escrita ficcional ou autobiográfica da autora e caracteriza-se
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como uma forma inovadora constante em suas narrativas. Essas narrativas possuem um
caráter de crítica ao Cristianismo, a qualse percebeque, de certa forma, é
disfarçada,porém profundamente arraigada na sociedade moçambicana. Evidencia-se o
papel da protagonista em relação a crítica àsrelações de gênero que permeiam sua
sociedade,mostrando o pensamento bíblico sobre as mulheres,questionamentos sobre a
existência de Deus e da igreja remontando a idéia de que as mulheres são nutridoras de
maldades e injustiças:
Até na Bíblia a mulher não presta.Os santos,nas suas pregações antigas,dizem
que a mulher nada vale,a mulher é um animal nutridor de maldade,fonte de
todas as discussões,querelas e injustiças.É verdade.Se podemos ser
trocadas,vendidas,torturadas,mortas,escravizadas,encurraladas
em
haréns
como gado,é porque não fazemos falta nenhuma. (NIKETCHE,2003,P.68).
Diante desse jogo de identidades,as diferenças culturais são confrontadas,as
mulheres constroem na sua própria fala, há a conscientização da submissão do gênero
feminino ao masculino. Ao patriarca é atribuído um caráter dominador da figura
feminina e detentor do poder cultural. Partindo da definição
dada por
Chiziane(2003,p.96), de que a poligamia é uma nova forma de “escravatura”,nota-se
que a situação da
mulher em
Moçambique continua a ser
influenciada
predominantemente pela tradição,por atitudes e estruturas do passado,demonstrando que
esse romance dialoga com o contexto sociocultural Moçambicano. O trecho a seguir
mostra uma comparação entre os hábitos culturais do norte e do sul,contribuindo para
uma melhor compreensão das individualidades existentes entre as duas regiões de
Moçambique:
As mulheres do sul acham que as do norte são umas frescas,uma falsas.As do
norte acham que as do sul são umas frouxas,umas frias.Em algumas regiões
do norte,o homem diz:querido amigo,em honra da nossa amizade e para
estreitar os laços da nossa fraternidade,dorme com a minha mulher esta
noite.No sul o homem diz:a mulher é meu gado,minha fortuna.Deve ser
pastada e conduzida com vara curta. (NIKETCHE,2004,p.36).
Sobre o conceito de subalternidade,Spivak afirma que o processo de fala se
caracteriza por uma posição discursiva,por uma transação entre falante e ouvinte.De
acordo comSpivak (2010, p.13)considera-se que este espaço dialógico de interação não
se concretiza para o sujeito subalterno que, desprovido de poder de agenciamento,de
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fato, não pode falar.Através da análise desse trecho,percebe-se,também que o romance
se articula ideologicamente,ou seja, a consciência do Outro e das Outras é evidenciada
na narrativa,onde as relações dialógicas entre os sujeitos podem ser compreendidas e
investigadas e colaboram para as re-significações e construções identitárias das
personagens.
As relações dialógicas podem ser verificadas através das falasdos personagens,
bem como das comparações entre as mulheres do Norte e as mulheres do Sul e suas
identificações e diferenciações, como no trecho a seguir: “ – Mulheres bonitas só no
norte, seus machanganas! As nortenhas são livres. As nortenhas são belas As vossas
mulheres pesadas e grossas , têm o rabo grande de comer tanto amendoim!
(CHIZIANE, 2004, p. 206).
Considerações finais
Considerou-se neste trabalho a condição de subalternidade da protagonista e das
outras mulheres da obra e suas identificações através das relações dialógicas existentes
ao longo da narrativa.Esta condição vai sendo modificada pelas mulheres através dos
constantes diálogos e confrontos. A protagonista, Rami, encabeça estas mudanças
perguntando-se por vários momentos sobre sua própria condição e tomando consciência
de sua desvantagem em relação ao esposo, promove discussões entre as mulheres
envolvidas. Posteriormente estes questionamentos são levados ao protagonista, que de
lugar de controle passa a ocupar um lugar de questionado e se depara com mulheres que
antes subalternas passam a ser protagonistas de suas vidas e relacionamentos.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. , Reformulação do livro sobre Dostoievski.In: Estética da
Criação Verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.
333-357.
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o Feminismo:A Situação da Mulher Negra na América
Latina a partir de uma Perspectiva de Gênero.In:ASHOKA EMPREENDIMENTOS
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SOCIAIS; TAKANO CIDADANIA (Orgs.). Racismos contemporâneos. Rio de
Janeiro: Takano Editora, 2003, p. 49-58.
CHIZIANE, Paulina. Niketche. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da
Silva, Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
SPIVAC, Gayatri Chakravorty. Pode o Subalterno Falar?. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2010, p.19-47.
TEODORO, Maria de Lourdes. Identidade, Cultural e Educação. In: Raça negra e
educação. São Paulo:Cadernos de Pesquisa/ Fundação Carlos Chagas, n.º 63, nov.,
1987, p. 46-50.
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