O PRIMEIRO MOTOR NO LIVRO XII DA METAFISICA DE ARISTÓTELES
Auro José da Silva Rafael
Grupo PET- Ciências Humanas, Estética e Artes – UFSJ
Orientadora: Profa. Dra.Glória Ribeiro (DFIME/UFSJ)
Agência Financiadora: MEC/ SESu
Resumo: O Programa Especial de Treinamento integra atividades de ensino, pesquisa e exte nsão. O nosso Grupo de Ciências Humanas, Estética e Artes investiga a questão da obra de arte. Para isso o
bolsista trabalha o autor de sua preferência – autor que permite estabelecer um diálogo com a perspectiva
adotada pela estética contemporânea representada pelo pensador Martin Heidegger. Os resultados dessa
pesquisa deverão servir de base teórica para o projeto de extensão e para o ensino da Estética. Nesse tr abalho iremos nos ater ao pensamento aristotélico, buscando compreender a questão do Primeiro Motor e do
movimento de todas as coisas.
Palavras-chave: Aristóteles, Existência, Primeiro Motor.
A
ristóteles trata, no Livro XII da Metafísica, de questões acerca da teologia e do m ovimento de todas as coisas. O cerne da discussão, aí, está no que seja a substâ n-
cia primeira de maneira a poder explicar o vir -a-ser das substâncias sensíveis que constituem
nosso mundo.
Uma vez que sua filosofia busca compreender os primeiros princípios e as causas , Aristóteles trata a questão da substância como a unidade indivisível de matéria e forma, do particular e
universal, de potência e ato. A substância é a primeira coisa que se apreende, porque ela está
presente em todos os entes – é o que há de comum entre eles. Ela (a substância) é entendida por
Aristóteles como a união entre a matéria e a forma. A matéria é o que resguarda em si a p otência.
A potência é o poder que a matéria tem de tornar -se algo, ou seja, assumir uma forma ( eidos). A
forma é o que de ess encial possui a matéria, o que irá defini -la, delimitá-la. A essência é aquilo
que é e não pode ser de outro modo. Assim o Filósofo distingue:
Existe três classes de substâncias. Uma é a sensível, que se divide em eterna e corruptível [...]; [essa é,]
por exemplo, as plantas e os animais. A outra é a eterna, cujos elementos são necessários inquirir, são
um e vários. A terceira é imóvel, [...]As duas primeiras pertencem ao domínio da Física (pois implicam
movimento); mas a terceira corresponde a outra ciên cia, que não tem nenhum princípio comum a todas
elas (Met. XII, 1, 1069a 30 – 1069b 2).
Assim, Aristóteles afirma a existência de duas espécies de substâncias sensíveis: uma suje ita à corrupção, ao devir e à geração; e a outra, incorruptível e eterna, qu e inclui, por exemplo, os
astros, e que é objeto da Astronomia. “Assim, pois, está claro que são substâncias, e que delas é
primeira, e outra, segunda, segundo a mesma ordem das translações dos astros. Para averiguar
quantas são as translações tem que busc ar à mais afim, à filosofia entre as ciê ncias matemáticas,
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é dizer, à Astronomia” (Met. XII, 8, 1073b 1 – 5). Além dessas, existe a substância não sensível
igualmente eterna e imóvel. Está é a causa de todo o movimento e obj eto de estudo da Metafísica.
O Filósofo nos fala que as substâncias sensíveis são os objetos passíveis de mudança. M udança esta que se realiza do processo ato - potência - ato. O ser em ato é o que já é existente e,
em potência é o que pode ou não vir -a-ser. Em estado de potência, uma su bstância pode em determinado momento apresentar uma característica e em outro momento, outra. O Estagirita co ncebe o movimento como aquele que se constitui na passagem da potência ao ato, e, o movimento
se dá na substância ao fazer com que suas potencialid ades se tornem ato. Para que ocorra a realização do movimento, é necessário que a passagem de um elemento a outro, ou seja a transfo rmação da semente em árvore, a árvore que produz o fruto e volta a ser semente, o que move não
é o contrário em si, mas uma força interna ou externa a este. Pois, a substância é gerada a partir
de outra. E o que é produzido, é produzido por arte, ou por azar, ou por sorte, ou ainda, por ca usalidade. A arte, porém, tem seu princípio em outro, exemplo: o homem que faz uma cadeir a. A
natureza tem em si a causa do movimento, seu princípio se dá em si mesma, ou por exemplo um
homem gera outro homem. Assim sendo, Aristóteles concebe o movimento, tanto da natureza,
quanto o da arte, como aquele que constitui a atualização da potência em que ocorre pela ação de
um ser em ato.
Três são os modos pelos quais são apresentadas as sub stâncias:
I. A material é algo mutável e corruptível, que determina e delimita o ente a partir da forma, ou
seja, é a idéia, a essência da coisa, aquilo sem o qual o ente deixaria de ser. É o aparente que é
percebido pelos sentidos. A matéria ao aceitar ser determinada, ganha a forma que constitui o
ente e possibilita o conhecimento da realidade. Ela se transforma com os efeitos do tempo, prov ocando no ente, a dinâmica de ato e potência; II. a natural, como algo determinado na tensão do
que a matéria vem a ser, ou ganha forma, porém essa disposição é a própria disposição de m udança que se encontra no íntimo do ser; e, III. a individual ou singular é composta da uni ão entre a
matéria e a forma e é responsável na composição do indivíduo. Para Aristóteles, o que é determ inado o é enquanto substância composta e, a existência fora da substância composta seria inco mpreensível para os seres sensíveis, por ser a substância composta a que possibilita a variedade
de elementos e coisas. Por outro lado, se é possível a existência fora da substância composta
isso ocorreria nos entes produzidos por ante, quando se apresenta a imaterialidade da casa e a
saúde como pertencentes à produção artística.
Há também a substância eterna, imóvel e imutável que é causa primeira, onde se principia
todo esse movimento. E no capítulo 6 (seis), encontra -se uma argumentação acerca dessa sub stância:
Posto que temos distinguido três classes de subs tâncias, duas naturais e uma imóvel, há que dizer acerca
desta última que tem que haver um substância eterna imóvel. As substâncias, com efeito, são os entes
primeiros, e se todas fossem corruptíveis, todas as coisas seriam corruptíveis. Mas é impossível
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que o
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movimento se gere ou corrompa (pois, como temos dito, tem existido sempre), nem o tempo. Pois não
poderia haver antes nem depois se não houver tempo. E o movimento, por conseguinte, é contínuo no
mesmo sentido que o tempo; este, com efeito, ou bem é o mesmo que o movimento ou é uma afeição s ua. Mas o m ovimento não é contínuo, exceto o movimento local, e deste, o circular (Meta. XII, 6, 1071b 4
-
11) .
Se a substância primeira, como causa de todas as coisas, fosse, por hipótese, corruptível,
todas as demais substâncias necessariamente deveriam ser também corrupt íveis, incluindo as
acidentais. Mas, uma vez que as categor ias de tempo e movimento são eternas, incorruptíveis e
têm existência na substância, deve haver uma substância que seja eterna e incor ruptível, que admitem as categorias de tempo e movimento. E os corpos celestes são as únicas substâncias ete rnas que comportam as tais categorias do movimento e do tempo como contínuos, e o único m ovimento possível é o local e deste, o circular, pios não a dmite possíveis alterações, circulam se mpre no mesmo local. Já, todas as demais categorias (substância, qualidade, quantidade, rel ação,
tempo, situação, posição, ação e paixão), exceto a de lugar, não admitem a possibilidade de pe rmanência contínua, ou seja, podem ou não se tornar algo, distanciando assim, da substância pr imeira.
Aristóteles argumenta que, para tratar da substância móvel, é necessário, porém, referir -se
então a fala da substância imóvel, já que, para se chegar à substância móvel tem de hav er a imóvel, eterna e incorruptível. Essa substância imóvel é o Primeiro Motor.
Mas, se tem algo que pode mover ou fazer, mas não opera nada, não haverá movimento; é possível, com
efeito, que o que tem potência não atue. De nada serve tampouco, por conseg uinte, que suponhamos
substâncias eternas, como os partidários das Espécies, se não tem algum princípio que possa produzir
mudanças. Mas tampouco este é suficiente, nem outra substância a parte das Espécies; porque, se não
atua, não haverá movimento. E, ai nda que atue, tampouco, se sua substância é potência; pois não será
um movimento eterno; é possível, com efeito, que o que existe em potência deixe de existir. Por cons eguinte, é preciso que haja um princípio tal que sua substâ ncia seja ato.
Também, é prec iso que estas substâncias sejam imateriais; pois, se tem alguma coisa eterna, devem ser
eternas prec isamente elas. São por conseguinte, ato (Meta. XII, 6, 1071b 12 - 22) .
O Primeiro Motor ou Motor Imóvel é responsável pelo princípio do movimento dado na causa
eficiente ou final. O Motor é o que move sem ser movido. Segundo Aristóteles, o Primeiro Motor é
a causa do movimento das estrelas e das esferas celestes. Ele é necessário; existe de um único
modo e não pode ser de outro; é eterno, incorruptível e im óvel. Necessário, porque os seres m ovidos necessitam de um movente que os mova. Eterno, pois não foi criado e se e ncontra dentro
da eternidade de movimento e tempo que são eternos. Imóvel, devido ao fato de o movimento
exigir uma força infinita que não possa provir dos entes, mas é causa última do movimento dos
entes. Incorruptível, pois não possui a matéria que é passível de corrupção. Ora, conclui Aristót e-
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les, é impossível que ele tenha sido gerado ou que venha a corromper. Ele deve ter existido se mpre.
O Primeiro motor opera como causa final pela atração do amor, o que Aristóteles chama de
Théos, ser supremo e forma pura sem matéria.
O que muda, muda em substancialidade, quantidade, qualidade ou lugar. Fora dessas cat egorias não pode haver o movimento. O movimento ocorre na matéria, exceto o movimento das
coisas eternas que são movidas por translação, ou seja, o movimento que exerce em torno de
algo – a causa final, ou Théos.
Já o Motor Imóvel, move sem ser movido, é eterno, essência pura e ato puro. Maxim ante
desejável, assim como inteligível, move sem ser movido, por este motivo, o objeto de desejo é o
que parece bom. O bom faz com que ocorra o m ovimento sem ele se mover.
O pensamento é posto em movimento pelo inteligível – o belo e o desejável em si, in tegramse na ordem do inteligível, o que é primeiro e excelente. A causa final reside nos seres imóveis. O
ser imóvel move enquanto é objeto do amor. O movido está em contínua mudança. O movimento
de translação é o primeiro movimento que existe em ato. A m udança primeira é o movimento de
translação – movimento circular realizado pelo motor imóvel, que é um ser necessário, o necess ário é o bem, que por sua vez , é um princípio.
Ora, Théos é um pensamento em si, isto, é o pensamento de si em que enfrenta a existência excelente, integralmente realizada em ato, do bem por excelência, pois o pensamento man ifesta sua excelência através da idéia simples e mais excelente de todas, o sumo bem e a sub stância primeira. A inteligência pensa -se a si própria ao apreend er o inteligível. A inteligência é a
faculdade de compreender o inteligível e a essência. E o caráter divino da inteligência encontra -se
em maior grau na inteligência divina que co ntempla.
Percebemos que, sem a substância primeira, o movimento não existe, e uma vez que o movimento é algo eterno e existente na substância, deve haver uma substância que seja eterna, a
substância primeira – causa de todo movimento. Daí, percebe-se que a substância está presente
em todas as coisas desde a material, sensível, até a eterna e incorruptíveis. E, embora o mov imento ocorra nas coisas sensíveis, elas (as substâncias) não podem explicar o m ovimento, pois a
causa do movimento é o desejo que está na substância imóvel, eterna, inteligível e incorruptível –
o Primeiro Motor.
Referências bibliográficas:
GARCIA YEBRA, Valentin. Metafísica de Aristóteles. In: livro XII. 2 ed. Madri: Editorial Gredos. Edição
trilingüe, 1998. 830 p.
VIEIRA, Susana de Castro Amaral. O livro lambda da Metafísica, a teologia. In: Sofia – ano VII – Nº 07.
2001/1. p. 244
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