VI Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental
Porto Alegre/RS – 23 a 26/11/2015
ESTRATÉGIAS DE CONVIVÊNCIA NO SEMIÁRIDO POTIGUAR: O CASO DO
ASSENTAMENTO DE REFORMA AGRÁRIA SÍTIO DO GÓES, APODI-RN
Alan Martins de Oliveira(*), Neurivan Vicente da Silva
* Universidade Federal Rural do Semi-árido – UFERSA, Departamento de Ciências Ambientais e Tecnológicas –
DCAT. e-mail: [email protected]
RESUMO
A seca é um fenômeno ambiental que tem forte presença nas áreas de clima semiárido. As comunidades rurais que são
submetidas a essa condição natural precisam ter estratégias tecnológicas de convivência com a escassez de chuvas para
viabilizar seus aspectos econômicos, sociais e ambientais. Neste trabalho o objetivo é estudar as estratégias de
convivência com as condições ambientais do semiárido potiguar, tendo como locus, o Projeto de Assentamento de
Reforma Agrária Sítio do Góis, município de Apodi, Rio Grande do Norte, cujo sistema de produção está em transição
agroecológica. Realizou-se um estudo de caso. A coleta de dados com a população local foi por meio de observação
dialogada, registro fotográfico, entrevistas com produtores e produtoras, visitas às unidades familiares de produção e
entrevistas com lideranças comunitárias e assessores técnicos. Como resultado, é possível afirmar que as estratégias de
convivência no semiárido nessa área são notadamente pela implantação tecnologias adaptadas às baixas precipitações
anuais, elevadas temperaturas e exploração racional das espécies vegetais e animais: cisternas de placas, manejo
sustentável da caatinga, quintais produtivos, caprinovinocultura e apicultura. Nesse viés, o papel da assessoria técnica,
dos programas governamentais de assistência técnica e dos movimentos sociais tem sido fundamentais. Assim, propõemse análises mais profundas sobre a sustentabilidade em longo prazo e os diversos aspectos não agrícolas que merecem
igualmente prioridade no que diz respeito às políticas públicas para as famílias do campo.
PALAVRAS-CHAVE: agricultura familiar, transição agroecológica, tecnologias adaptadas, assentamento rural.
INTRODUÇÃO
As características econômicas, sociais e ambientais no sertão nordestino são frequentemente associadas à miséria e a
inviabilidade de desenvolvimento, especialmente na zona rural. Não obstante, no meio rural, verifica-se um contraste
entre a grande produção convencional do agronegócio, realizada por grandes empresas com vistas à exportação
(SAUER, 2008) e os diversos projetos de assentamentos rurais (PAs), no semiárido, cujas tecnologias de produção têm
caráter familiar. Ambos os modelos possuem desafios quanto à sustentabilidade.
Este último tem diversos exemplos de modelos de produção baseados em princípios agroecológicos e que, no caso do
semiárido, tem como elemento limitante a convivência com as imposições ambientais geradas pelas secas que marcam
fortemente a região (SILVA, 2003). Além disso, as características singulares do bioma caatinga, os aspectos culturais e
sociais do povo que habita o meio rural, devem igualmente ser consideradas nas definições de estratégias de produção.
Os modelos baseados em princípios agroecológicos, são aqueles onde todas as variáveis do sistema são respeitadas,
buscando harmonizar as questões sociais, ambientais e econômicas. No senso comum, a agroecologia é frequentemente
confundida com a produção orgânica, onde não se permite o uso de produtos sintéticos como fertilizantes químicos e
agrotóxicos, nem de organismos geneticamente modificados (transgênicos).
A rigor, a agroecologia, é uma ciência que transcende o processo de produção de alimentos e suas características são tão
abrangentes que extrapolam a agricultura orgânica, uma vez que levam em conta os ecossistemas agrícolas em seus
aspectos produtivos, sociais, ambientais, econômicos e políticos. Assim, é mais conveniente utilizar o termo transição
agroecológica do que “produção agroecológica”, uma vez que, como exposto, a agrocologia, a rigor, não é um modelo
de produção.
De tal forma, os métodos de produção baseadas em princípios agroecológicos ou em transição agroecológica,
frequentemente trabalham com baixos orçamentos e com elevada valorização dos conhecimentos empíricos dos/as
agricultores/as experimentadores/as. São valorizados os arranjos produtivos locais e as tecnologias sociais que se
apresentam em alguns cenários como soluções simples para problemas aparentemente complexos (Martins, 2005).
Como exemplo, é possível citar algumas das ações realizadas pela ASA (Articulação do Semiárido): cisternas de placa
com capacidade para armazenar 16 mil litros de água; o programa P1+2 (Programa Uma Terra e Duas Águas), que
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constrói barragens subterrâneas, barreiros trincheiras e cisternas calçadão com capacidade para armazenar 52 mil litros
de água de chuva para as famílias utilizarem na produção, principalmente nos espaços dos quintais.
Nessa linha, os projetos de assentamento rural da Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte se destacam por abranger
diversas cadeias produtivas da agropecuária familiar. A maior parte das comunidades e assentamentos de reforma
agrária localizados nesta microrregião organiza-se em associações ou grupos de produção, em cujas áreas os processos
de transição agroecológica dão passos significativos.
A seguir as principais cadeias produtivas, características da agricultura familiar nessas áreas (SILVA, 2014). A
caprinovinocultura, com um dos maiores rebanhos do Estado, destacando-se o PA Sítio do Góis que realiza anuamente o
torneio leiteiro caprino.
A apicultura, pois desde 2008 o município de Apodi é considerado o segundo maior produtor de mel do Brasil, com
contribuição expressiva dos assentamentos rurais. A produção de polpas de frutas, que gera oportunidade de
aproveitamento dos espaços dos quintais para o cultivo de frutíferas nativas de época, que são processadas e vendidas
no comércio local.
A bovinocultura, atividade que frequentemente não é indicada para áreas do semiárido nordestino pelo seu elevado
aporte de energia. No entanto, existe um rebanho significativo na região. Segundo os produtores a atividade tem
acumulado prejuízos nos últimos anos, em virtude das intercorrências climáticas (secas) que provocaram a falta de
suporte forrageiro.
As culturas de sequeiro (milho e sorgo), com técnicas de estocagem de suporte forrageiro sem uso de irrigação,
apresentam-se como estratégias viáveis para que os períodos de estiagem sejam menos agressivos aos rebanhos,
principalmente o bovino. O cultivo de algodão com base agroecológica em consórcio, prática comum nos últimos anos
entre os agricultores/as, que organizam-se para realizar o processo de beneficiamento e comercialização da pluma e da
semente. Como fruto desta organização foi fundada a ACOPASA (Associação de Certificação Orgânica Participativa do
Sertão do Apodi), que tem por finalidade certificar toda produção dos agricultores/as associados/as;
Outras atividades produtivas como a suinocultura e a avicultura são realizadas em escala não comercial, ocorrendo
como estratégias de segurança alimentar e para serem abatidos em datas comemorativas. As produções de hortaliças e
de plantas medicinais também atendem prioritariamente ao consumo próprio, mas uma parte, esporadicamente, tem
seguido para comercialização.
OBJETIVOS
Geral: estudar as estratégias de convivência nas condições ambientais do semiárido potiguar no Projeto de
Assentamento de Reforma Agrária Sítio do Góes, município de Apodi, Rio Grande do Norte.
Específicos: Identificar o perfil socioeconômico e ambiental da comunidade; e, diagnosticar as intervenções realizadas
PA Sítio do Góes a partir das tecnologias sociais de convivência com o semiárido: cisternas de placas, manejo
sustentável da caatinga, quintais produtivos, caprinocultura e apicultura.
METODOLOGIA UTILIZADA
Locus da Pesquisa e população
Município de Apodi-RN, PA Sítio do Góis. Foi considerado como população, os/as agricultores/as que residem na
comunidade.
A escolha da área se deu por ser um dos assentamentos rurais com maior inserção de técnicas baseadas em princípios
agroecológicos do Rio Grande do Norte, em especial, o manejo sustentável da caatinga, cuja experiência, tem sido
replicada em outras áreas.
Coleta dos dados
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Os procedimentos constaram de técnicas observacionais e de coleta de informações por meio de entrevistas, conforme
descrito a seguir:
a) Observação dialogada. Rodas de conversa com lideranças comunitárias, assessores técnicos/as e agricultores/as
locais. Nessas ocasiões, também foram realizados registros fotográficos.
b) Entrevista coletiva em Assembleia da Associação Comunitária Sítio do Góis, em três momentos diferentes. São
nessas plenárias onde a comunidade se reúne, discute e delibera sobre vários assuntos de interesse coletivo. Nas três
ocasiões, foi dada oportunidade para a realização de coleta de dados para a pesquisa, cujos objetivos foram
oportunamente esclarecidos.
c) Visitas às unidades familiares, para proceder as entrevistas com os/as agricultores/as.
d) Entrevista com assessores técnicos. No PA Sítio do Góis. A Cooperativa de Assessoria e Serviços Múltiplos ao
Desenvolvimento Rural - COOPERVIDA realiza assistência técnica, gerencial, comercial, ambiental e social desde
2000, quando iniciou a produção a partir dos princípios da agroecologia. O Projeto Dom Hélder Câmara - PDHC,
viabiliza recursos para a agricultura familiar a partir da parceria entre o Governo Federal e o Fundo Internacional para o
Desenvolvimento da Agricultura - FIDA.
RESULTADOS OBTIDOS
O PA Sítio do Góis está localizado na zona rural do município de Apodi-RN. É constituído por 60 famílias assentadas
em uma área total de 1.364,50 ha, dividida em 60 lotes de 19 ha, com uma área coletiva e uma área de reserva legal
(SILVA, 2014).
A fundação aconteceu em 1997, para atender às famílias organizadas pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais de Apodi - STTR e de outras entidades e movimentos sociais ligados ao campo, como a Comissão Pastoral da
Terra – CPT.
Após a desapropriação da terra as famílias deixaram de trabalhar como meeiras e passaram a trabalhar em terras
próprias introduzindo o cultivo consorciado, possibilitando a integração de varias culturas que complementam-se em
cadeias produtivas de alguns seguimentos e fortalecem a criação de pequenos animais.
Estratégias de Convivência
a) Manejo Sustentável da Caatinga
Como alternativa às pressões exercidas à caatinga, tem-se o seu manejo agroecológico, que envolve a formação dos
sistemas agroflorestais, que segundo Costa (2002) classificam-se em silviagrícolas, silvipastoris e agrossilvipastoris.
Conforme Melo (2002), esses sistemas valorizam a biodiversidade, garantem a estabilidade e elevam a produtividade da
terra, aumentam a oferta de alimentos e permitem uma alimentação equilibrada mesmo nos anos de déficit pluvial. Para
Araújo Filho (2006), a técnica também diversifica a produção, melhora a fertilidade do solo, aumenta a oferta de
forragem, reduz a degradação ambiental pela exclusão de queimadas e do desmatamento, fixa a agricultura itinerante, e
melhora a renda e a qualidade de vida dos agricultores.
No PA Sítio do Góis um grupo constituído por seis famílias, contando com a assessoria técnica da COOPERVIDA,
desenvolve desde 2012 a estratégia de integração de atividades no que se refere ao consórcio de culturas de sequeiro
(algodão, milho, feijão, gergelim, sorgo, gerimum etc.) com a vegetação do bioma caatinga.
Segundo um dos assessores técnicos da COOPERVIDA, o trabalho é realizado com princípios agroecológicos e
emprego de tecnologia social adaptada à realidade local. A atividade de manejo sustentável da caatinga realizada no
Território da Cidadania Sertão do Apodi, em especial no PA Sítio do Góis, consiste em três intervenções básicas, após o
isolamento da área que se quer trabalhar:
- Raleamento da caatinga: eliminação das plantas de espécies consideradas de baixo valor comercial, cujos espaços
livres surgidos são ocupados com o plantio de outras espécies com importância econômica (ARAUJO FILHO et al.,
2006). São introduzidas nos espaços livres criados a partir da retirada das espécies, plantas responsáveis pela fixação de
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água e nutrientes no solo em ciclos menores, como a palma forrageira (Opuntia cochenillifera (L.) P. Mill.), o feijão
guandú (Cajanus cajan L.), feijão de porco (Canavalia ensiformes L) entre outras (FIGURA 1-A).
- Rebaixamento das plantas: broca manual de espécies lenhosas que servem para a alimentação animal a uma altura de
20 a 30 cm. É possível obter aumento na disponibilidade da forragem de árvores e arbustos mantendo-a ao alcance dos
animais no campo, ou transformando-o em feno e servindo ao rebanho no coxo (ARAUJO FILHO et al., 2006). Com
esta técnica é possível aumentar a disponibilidade de forragem e garantir a continuidade das espécies vegetais de maior
importância para o sistema. Em uma planta que tenha três hastes, rebaixam-se duas e conserva-se uma como ela estiver,
para que esta possa produzir flores e sementes, que por sua vez ajudam a manter o equilíbrio do sistema (FIGURA 1-B).
- Enriquecimento da caatinga: é a introdução de espécies com características, forrageiras, pasto apícola, lenhosas e
frutíferas. A intervenção varia de acordo com os interesses que se tenha com o sistema, podendo ser espécies nativas ou
exóticas (FIGURA 1-C).
b) Cisterna de Placa
As cisternas são construídas com cimento, areia, ferro e arame galvanizado e com capacidade para armazenar 16 mil
litros de água potável. O Programa Um Milhão de Cisternas - P1MC é uma das ações do Programa de Formação e
Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido da Articulação do Semiárido - ASA, uma rede formada por mil
organizações da sociedade civil que atuam na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com essa região.
O objetivo do P1MC é atender cerca de cinco milhões de pessoas, com água potável para beber e cozinhar, através das
cisternas de placas. Juntas, elas formam uma infraestrutura descentralizada de abastecimento com capacidade para 16
bilhões de litros de água.
O programa é destinado às famílias com renda até meio salário mínimo por pessoa, incluídas no Cadastro Único do
Governo Federal e que contenham o Número de Identificação Social - NIS. Além disso, é preciso residir
permanentemente na área rural e não ter acesso ao sistema público de abastecimento de água. No PA Sítio do Góis
existem cisternas nos quintais de todas as moradias.
c) Quintais Produtivos
Os quintais das famílias do PA Sítio do Góis medem 30m de largura por 50m de comprimento, formando uma área
média de 1.500 m². Os espaços são aproveitados para complementação da renda e segurança alimentar da família, com
ênfase ao aproveitamento de mão-de-obra feminina. Os quintais estão sendo usados para cultivo de frutas e hortaliças,
tendo como fonte de irrigação as águas servidas. Além disso, criam animais de pequeno porte como galinha, pato e
guiné (FIGURA 1-D).
No PA Sítio do Góis existe um grupo de mulheres organizadas que tem possibilitado a geração de renda adicional para
as famílias. Especificamente no ano de 2011, quinze mulheres do grupo foram contempladas com recursos do programa
Produção Agroecológica Integrada e Sustentável - PAIS. A ideia do projeto financiado pela Petrobras e executado pela
COOPERVIDA em parceria com o PDHC, é desenvolver a criação de aves (galinha caipira) integrada com a produção
de hortaliças agroecológicas.
d) Caprinocultura
No P.A. Sítio do Góis, segundo dados levantados pela COOPERVIDA (2013) um grupo de 22 caprinocultores
organizados possui um rebanho de 856 cabeças. Esse grupo, com apoio de parceiros, é responsável pala realização de
um grande evento anual de valorização da cadeia produtiva da caprinocultura, que é o Torneio Leiteiro Caprino de Sítio
do Góis.
Com a experiência acumulada ao longo dos anos os criadores do PA Sítio do Góis foram adquirindo e aperfeiçoando
suas habilidades para selecionarem os animais com maior potencial genético de acordo com a aptidão e interesse do
mercado consumidor (leite ou carne).
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Figura 1: A – Raleamento por faixa. B – Rebaixamento por faixa.
C – Enriquecimento com Macambira (Bromelia laciniosa Mart). D – Quintal produtivo.
Fonte: Autores do Trabalho.
e) Apicultura
A apicultura consiste na criação de abelhas (Apis mellifera L.) com intuito de produzir mel e outros produtos,
objetivando rendimento econômico. Segundo Martins (2005) a criação de abelhas é uma atividade desenvolvida nos
mais diversos estados brasileiros e, particularmente, no Rio Grande do Norte encontra condições climáticas e ambientais
bastante propícias. Um aspecto social relevante na produção do mel e seus derivados, na realidade deste estado, é o fato
de ser desenvolvida normalmente por agricultores familiares. Segundo Francisco de Assis Tavares, responsável pela
contabilização do mel extraído pelo Grupo de Apicultores “Florada do Góis”, constituído por 25 membros, a produção
média/ano do grupo é de 18 toneladas.
Para o Engenheiro Agrônomo da COOPERVIDA, Flaviano Barbosa de Lira, a criação de abelhas no P.A. Sítio Góis
ganhou destaque a partir do ano de 2003 com os investimentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar - PRONAF, linha de crédito criada pelo Governo Federal e gerenciada pelo Banco do Nordeste do Brasil para
dar suporte à produção da agricultura familiar. “As famílias desconfiavam da atividade. Investir na criação de abelhas
naquela época nesta região era novidade. Só no ano seguinte [2004], quando houve uma das melhores safras de mel na
região da chapada, é que muitas famílias perderam o medo e passaram e investir na apicultura.”
Convivência no Semiárido na ótica das lideranças comunitárias e da assessoria técnica:
As áreas de clima semiárido do Nordeste brasileiro têm um histórico de muita dificuldade e desvalorização das
potencialidades locais, notadamente por suas limitações impostas pelo clima, como pela ausência histórica de políticas
públicas adaptadas à região. Segundo a ASA (2001), as tecnologias sociais de acesso a recursos hídricos para consumo
humano e produção são as formas mais eficientes de garantir a descentralização de água e alimento no Nordeste,
diminuindo a desigualdade e possibilitando segurança alimentar para as famílias camponesas.
A respeito do PA Sítio do Góis é perceptível que o estágio atual de desenvolvimento da comunidade está num patamar
de qualidade de vida melhor que o anterior ao período da desapropriação da terra. No entanto, ainda é incipiente falar
em sustentabilidade. O avanço em relação à propriedade da terra é o que a comunidade mais enfatiza como melhoria.
“Não tínhamos liberdade sequer de decidir o que iríamos plantar e nem a quem vender, porque tínhamos um patrão para
pastorar a gente...” cita o agricultor, apicultor e criador de cabras, José Mario de Freitas.
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Para Maria Irene de Morais, vice-presidente da associação do assentamento foi a melhor coisa que aconteceu na vida
dela: “hoje eu trabalho em várias atividades, tenho cabras de leite, quintal produtivo com criação de galinha e cultivo de
hortaliças e frutíferas, trabalho no roçado com culturas de sequeiro e ainda faço manejo da caatinga no meu lote para
potencializar a florada para as abelhas produzirem mel”.
Para a assessoria técnica da COOPERVIDA que atua com grupos de mulheres e de jovens, o Sítio do Góis é um dos
projetos de assentamento de Apodi mais estruturados em termos de organização social e produtiva, com destaque para o
processo de transição agroecológica, uma vez que as famílias têm compreendido gradativamente sobre os impactos da
produção convencional para a saúde e o ambiente.
Com efeito, as políticas públicas ainda não supriram a complexidade de demandas na comunidade. Aspectos que
extrapolam a questão produtiva e econômica, como o acesso à educação de qualidade, saúde, mobilidade e segurança,
ainda não foram pautados de forma suficiente. No aspecto econômico, o domínio das cadeias produtivas, ou seja, a
agregação de valor daquilo que é produzido, notadamente com a agroindustrialização será um passo fundamental para a
manutenção daquelas famílias. Tudo isso precisa ocorrer como política integrada, levando em conta as demais áreas
rurais e as relações campo-cidade.
CONCLUSÕES
O paradigma da convivência de agricultores e agricultoras familiares nas condições do semiárido tem sido objeto de
diversas análises de estudiosos, movimentos sociais, entidades governamentais e não governamentais e do próprio
Estado e, com freqüência, as conclusões são divergentes, notadamente quando a análise é feita com viés político, sem
abranger toda a complexidade das relações que uma comunidade tem nos seus aspectos econômicos, sociais e
ambientais.
No PA Sítio do Góis em Apodi-RN, os avanços obtidos na relação de produção e nas melhorias de renda e moradia, são
passos fundamentais, mas que não podem ser confundidos com desenvolvimento sustentável. Mesmo no aspecto
produtivo, a adoção de técnicas agroecológicas ainda se encontra no nível de transição. É um processo lento.
As estratégias de convivência no semiárido verificadas no assentamento estão centradas na implantação de tecnologias
adaptadas às baixas precipitações anuais, elevadas temperaturas e exploração racional das espécies vegetais e animais. O
papel da assessoria técnica, dos programas governamentais de assistência técnica e dos movimentos sociais foram e
continuam sendo muito importantes. Por outro lado, a dependência dessas ações e o papel das diversas entidades é
paradoxalmente a confirmação da fragilidade da sustentabilidade local.
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