Artigos Científicos Performance Musical
Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 233p., n.1, 2015
SOUSA, N.B.; MELLO, E.L.; SILVA, M.A.A. Escolas de canto na opinião de professores atuantes no Brasil.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.15 - n.1, 2015, p. 40-50
Escolas de canto na opinião de professores atuantes no Brasil
Nadja Barbosa de Sousa (PUC de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil)
[email protected]
Ênio Lopes Mello (PUC de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil)
[email protected]
Marta Assumpção de Andrada e Silva ((PUC de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil)
[email protected]
Resumo: Fazer referência às escolas de canto lírico é assunto que suscita divergência de opiniões entre cantores e
professores da área pois acredita-se que tais correntes entraram em desuso. O objetivo desse artigo, que teve participação de 72 professores de canto atuantes no Brasil, foi investigar se as escolas de canto ainda são referidas e quais
correntes são mais difundidas. Ao responderem ao questionário da pesquisa, 08 participantes não referiram escola e
64 mencionaram principalmente a alemã, a francesa e a italiana, esta última em destaque. No Brasil, faz-se alusão às
escolas, porém não a uma única corrente. A pedagogia vocal utiliza uma mistura de técnicas que além da qualidade
vocal visa a singularidade do cantor.
Palavras-chave: Escolas Nacionais de Canto, Professor de Canto, Pedagogia Vocal, Canto Lírico, Voz.
National schools of singing in the opinion of Brazilian voice teachers
Abstract: The reference to national schools of singing is controversy among professionals because over time these
schools went into disuse. The related literature is scarce, a fact which raises discussions and doubts about the existence of such currents. The purpose of this article, which counted with the collaboration of 72 classical singing
teachers working in Brazil, was to investigate whether these teachers still refer to schools of singing in their teaching and characterize, if so,which are the most widespread. According to the questionnaire, 08 participants said they
did not follow any school and 64 mentioned, among others, the German, French and Italian schools, with special
emphasis to this last school.
Keywords: National Schools of Singing, Teachers of Singing, Vocal pedagogy, Classical Singing, Voice.
Escuelas de canto enla opiniónde los docentesque trabajanen Brasil
Resumen: Hablar acerca de las escuelas de canto lírico es un tema que planteala divergencia de opiniones entre los
cantantes y maestros de canto, porque se cree que las escuelas tradicionales están en desuso. El propósito de este artículo, el cual contó con la participación de 72 profesores de canto de trabajo en Brasil, fue investigar si las escuelas
de canto son referencias en los tiempos actuales y que corientes son las más ampliamente utilizadas. Al responder a
las preguntas de la investigación, 08 participantes no informaron la escuela y 64 se menciona principalmente el alemán, el francés y el italiano, el último tuvo mayor prominencia. En Brasil, hay una alusión a las escuelas, pero no a
una sola corriente. La pedagogía vocal utiliza una combinación de técnicas que además de lacalidad de la vozse dirige a la singularidad del cantante.
Palavras clave: Escuelas Nacional de canto, Profesor de canto, Pedagogia vocal, canto lirico, voz.
1.Introdução
Fazer referência às escolas de canto lírico é assunto que suscita divergência de opiniões entre cantores e professores da área, pois acredita-se que muitas correntes de ensino entraram em desuso e perderam identidade, com o passar do tempo, devido ao surgimento de novos estilos de composições vocais. Para certos autores (COBB-JORDAN, 2001;
PACHECO, 2006; COELHO, 2009 LOVELOCK, 2013) as diversas técnicas estilísticas de canto sofreram influência umas das outras, desse modo, indaga-se até mesmo a existência de
diferentes escolas. A literatura sobre a temática é escassa, fato que acentua discussões diversas e empíricas a respeito.
Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 233p., n.1, 2015
Recebido em: 19/04/2015 - Aprovado em: 30/06/2015
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Ao considerar esse fato, questiona-se o que docentes na área do canto lírico no
Brasil afirmam a respeito do assunto: o que são escolas de canto, em quais aspectos elas diferem e quando os diferentes estilos se estabeleceram? Será que ainda são referidas no ensino do canto?
Autores (DUPUY-STUTZMANN, 2002; MILLER, 2002; HOLLAND, 2008) convergem quanto à existência de escolas nacionais. Outros (PESSOTI, 2006; GOMES, 2008;
SOUSA, MELLO e ANDRADA E SILVA, 2010; MANGINI e ANDRADA E SILVA, 2013) investem em pesquisas na busca de maior compreensão e conhecimento sobre o tema.
O objetivo do artigo foi investigar se professores de canto lírico atuantes no Brasil
fazem referência às escolas de canto aos seus alunos e quais correntes são mais difundidas
entre eles.
2. Método
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e é parte da dissertação de mestrado da primeira autora deste artigo. Houve participação de 72 professores de canto lírico
atuantes no Brasil. Eles foram contatados via e-mail, por meio da técnica de pesquisa bola-de-neve (snowball) (TURATO, 2011) e convidados à participação. Após aceitação, responderam a um questionário aberto elaborado especificamente para o estudo. O conteúdo do
questionário inquiriu dados de caracterização da amostra (iniciais do nome, gênero, formação, tempo de docência, locais de atuação e residência) e sete perguntas abertas sobre definições e métodos de trabalho referentes à projeção vocal cantada, utilizados por professores
de canto erudito.
Para o presente artigo foram analisadas as duas primeiras perguntas do questionário: “Você segue alguma ou mais de uma escola de canto? Qual(is)?” e “Porque você escolheu
essa(s) escola(s) para respaldar seu trabalho?”.
Após leitura e análise das respostas, os dados foram organizados em tabelas e expostos qualitativamente, de maneira descritiva.
3. Resultados
A idade dos participantes variou entre 20 a 72 anos.
Na tabela 1 constam os dados de gênero, formação, tempo de experiência docente,
instituições onde lecionam e locais onde residem.
Houve participação de professores de canto atuantes nas cinco regiões do país,
cujos estados são elencados na ordem decrescente, ou seja, de maior a menor número de sujeitos participantes.
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Tabela 1: Distribuição dos professores de canto, em número (n) e em porcentagem (%), segundo gênero, tipos de formação,
tempo de docência, instituições de atuação e locais de atuação (n=72).
Legenda: n – número de participantes.
A tabela 2 contempla os resultados das respostas às perguntas: “Você segue alguma
ou mais de uma escola de canto? Qual(is)?” e “Porque você escolheu essa(s) escola(s) para
respaldar seu trabalho?”.
Dentre os 72 participantes, 64 professores afirmaram que referem uma ou mais de
uma escola de canto na sua prática, bem como descreveram e justificaram os motivos de
escolha.
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Tabela 2: Distribuição dos professores de canto, em número (n) e em porcentagem (%), segundo as escolas citadas e os motivos de justificativa de escolha pelas escolas.
*Número de quantas vezes a escola foi citada
**Apenas 64 participantes referiram e justificaram a escolha pelas escolas citadas.
4. Discussão
Breves comentários sobre os achados dispostos na tabela 1 são pertinentes. Notouse que o estudo teve predomínio de participação do gênero feminino (70,8%) decorrente da
aplicação da técnica snowball (TURATO, 2011), na captação de sujeitos para a pesquisa.
Portanto, que mais mulheres foram indicadas e convidadas a participar. Dentre os entrevistados, 51,3% são graduados e/ou especialistas e 24,9% são mestres e/ou doutores em Canto
(e em áreas correlacionadas), fato que denota o movimento desses profissionais na busca por
amplo conhecimento dessa arte tão subjetiva que é o canto. Quanto ao tempo de ensino, o
grupo que tem experiência entre 2 a 10 anos se destacou em maior número de participantes (54,1%). Contudo, foge ao escopo da pesquisa pontuar quem tem mais experiência ou
não. Jugou-se pertinente apresentar esses dados para situar o leitor quanto à caracterização
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da amostra. Também não foi proposital o maior destaque de professores nos estados de São
Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Esse resultado se justifica pelo mesmo motivo da predominância do gênero feminino entre os entrevistados.
Conforme consta na tabela 2, entre o total de 72 sujeitos, 8 (11,1%) afirmaram enfaticamente não fazerem alusão às escolas no cotidiano com os alunos. Segundo a opinião
desses participantes, as escolas contêm regras preestabelecidas que podem limitar o aluno
do ponto de vista técnico e induzir a imitações. No entanto, sugere-se um outro olhar para
essa questão, ao considerar que, quando se relaciona escola a estilo, a concepção de escola se
torna mais abrangente do que um conjunto de regras isoladas sobre as técnicas do canto. De
maneira geral, quando se pensa no estilo musical de um determinado país, é possível mensurar características nacionais da música de cada local, e nesse ponto a literatura é vasta (DE
CANDÉ, 2001; ELLIOT, 2006; CARPEAUX, 2009; LOVELOCK, 2013). Nessa direção, buscar
conhecer as técnicas correspondentes aos estilos dos quais se tem registro, bem como entender as mudanças que sofreram em decorrência do surgimento das novas tendências com o
passar do tempo, pode auxiliar na interpretação de um repertório específico e preservação
das características da obra cantada. No entanto, essa diversidade de estilos pode confundir a compreensão do cantor e professor de canto (DUPUY-STUTZMANN, 2002; GOMES,
2008). Por essa razão, a busca por conhecimento é imprescindível. Inevitavelmente, em um
mesmo país os estilos musicais variam conforme o período literário, as concepções dos
compositores, o contexto histórico, político e social, idioma e ideais de sonoridade nas diversas fases de composição em toda a música (SILVA e BAKER, 1922). Trata-se de características de estilo em função do tipo de repertório. Para ilustrar esse pensamento, toma-se como
exemplo as particularidades técnicas da chanson (canção francesa) do século XVIII, que diferem das de uma Lied (canção alemã) do mesmo período (DUPUY-STUTZMANN, 2002). O
mesmo ocorre nas óperas, que representam o auge da composição vocal da música erudita
ocidental. A ópera de um mesmo país sofre mudanças conforme o surgimento e transição
de período literário, consequentemente as características das vozes e da música em geral,
em cada contexto, são diversificadas (COELHO, 1999; COELHO, 2009; COELHO, 2011). Sob
essa ótica, o conhecimento das várias tendências existentes deve ser explorado e servir de
respaldo ao cantor, com isso, torna-se possível experimentar técnicas que se adequam ao
tipo vocal e auxiliar na escolha do repertório. Pondera-se ainda que tal entendimento pode
conduzir o cantor a fugir de inclinações pessoais e acomodações frente a informações meramente empíricas e subjetivas sobre as técnicas do canto. Nesse sentido, as escolas europeias oferecem um leque de possibilidades de interpretações, pois elas próprias configuram
os estilos da música em questão (MILLER, 2002; LOVELOCK, 2013).
Um total de 88,8% professores participantes afirmou que segue uma ou mais de
uma escola de canto e a diversidade de citações foi apontada na tabela 2. Houve predominância pelas escolas nacionais europeias, principalmente pela italiana (40,2%). A escolha
desses participantes se apoiou sob a justificativa de que essa corrente é mais completa nos
aspectos respiratórios, na qualidade da emissão vocal, na ressonância e na ação conjunta de
todo o corpo durante o canto. Para MILLER (2002), a escola italiana não concentra as técnicas de produção da voz no canto em partes isoladas da musculatura do cantor, mas em
sua totalidade. O aspecto da ressonância não é concentrado em um ponto específico do trato, portanto enfatiza o som distribuído em todas as cavidades ressoadoras da voz. O mesmo ocorre com a respiração, que mescla a musculatura costo-diafragmática-abdominal. Por
isso, esses professores apontaram a concepção italiana como a “mais completa”, nesse sentido. Autores (ELLIOT, 2006; PESSOTI, 2006; GOMES, 2008) se referiram ao uso das técnicas italianas como as predecessoras das outras técnicas vocais. O próprio idioma italiano é
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uma língua favorável à emissão da voz no canto, o que torna exequível toda a ornamentação vocal exigida nesse estilo específico (MILLER, 2002; PESSOTI, 2006; HOLLAND, 2008).
Ainda de acordo com os resultados apresentados na tabela 2, alguns professores
(34,7%) referiram que seguem uma combinação das concepções de várias escolas na sua
prática. As correntes mais difundidas, italiana, alemã e francesa foram as mais citadas nessa combinação. Atenta-se para o fato de que, mesmo quando essas três escolas foram citadas em conjunto, a italiana predominou sob o mesmo argumento apontado acima, quando
citada isoladamente. Houve referência à escola alemã como predominante na didática apenas por três participantes. A francesa não foi citada isoladamente, embora, percebe-se que,
do legado dessa escola para o canto, um dos aspectos mais utilizados é a expressão cantar
“na máscara”, oriunda em função da nasalidade do idioma francês (DUPUY-STUTZMANN,
2002; SOUSA, MELLO e ANDRADA E SILVA, 2010). Esse termo foi enfaticamente citado
entre os sujeitos da amostra da pesquisa, sem necessariamente ser feita referência à escola
francesa. Essa constatação conduz a diferentes reflexões: se com o passar do tempo, houve transformações na composição de toda a música, obviamente as escolas foram impactadas e se influenciaram entre si (COBB-JORDAN, 2001). Isso sustenta o argumento de que o
preciosismo de escola “pura” de canto entrou em desuso (LOVELOCK, 2013). Portanto, essa
opinião apoia aqueles que consideram que a atual visão de escola não é cartesiana e não se
limita a um círculo fechado de regras. Dessa forma, é comum um professor usar uma terminologia que é mais enfatizada em determinado estilo, bem como eleger e reunir vários elementos de outra corrente e nortear sua didática. Vale ressaltar que, mesmo que a expressão
“na máscara” seja uma típica característica da escola francesa, é utilizada não apenas nesse
estilo, mas universalmente, pois se refere à expressão “cantar na frente”, ou “para frente”,
que é comum entre outras escolas (SOUSA, MELLO e ANDRADA E SILVA, 2010).
Na linha “outras escolas” da tabela 2 foram citados os nomes de renomados professores de canto que, com base na sua experiência pessoal e experiência nos palcos e exercício da docência, criaram sua própria escola. Isso mostra como as técnicas de canto atravessaram o tempo e foram sobrepostas umas às outras também sob a concepção do intérprete.
Essa é uma situação e tendência bastante atual. Professores de canto que seguiram uma
expressiva carreira nos palcos no Brasil e no exterior, conduzidos por maestros de várias
nacionalidades, sem dúvida adquiriram uma bagagem técnica, o que faz com que eles externem essa ampla experiência (COBB-JORDAN, 2001). Naturalmente, esse professor imprimirá no aluno muito do seu estilo próprio. Isso lhe confere liberdade para reunir elementos
diversos, de várias escolas e criar sua própria didática de canto. Para HOLLAND (2008) essa
é uma visão de abrangência internacional. A autora concorda que professores, ao integrarem aspectos oriundos de várias escolas que eles julgam eficientes, do ponto de vista pedagógico, faz com que se mantenham fieis e cautelosos quanto a um aspecto muito importante
na didática: preservação de caracterísitcas individuais do cantor. O fator da individualidade
será comentado mais adiante.
Houve professores (tabela 2) que referiram as técnicas do yoga e de Alexander como
complementares e trabalhos auxiliares no desenvolvimento técnico da voz. Salienta-se que
o yoga e o método Alexander não são técnicas vocais, portanto não representem escolas de
canto. Contudo, esses recursos são utilizados por professores na intenção de complementar
e facilitar o entendimento sobre respiração, alinhamento de postura e consciência corporal,
que são imprescindíveis no canto (MELLO e ANDRADA E SILVA, 2008). Também houve referência ao belting como complementar no desenvolvimento técnico vocal do aluno. Todas
essas técnicas, quando são associadas à preparação da voz, configuram uma abordagem
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atual sobre as escolas de canto. Nessa direção, o objetivo das técnicas complementares é garantir controle na emissão e qualidade vocal por meio do autoconhecimento.
Na última parte da tabela 2 foram elencadas as respostas à pergunta que inquiriu os
motivos pela escolha das escolas apontadas. As respostas contemplaram quatro principais
motivos. O primeiro mais citado entre 31,9% dos participantes foi uma melhor adequação
da determinada escola às exigências técnicas do canto lírico, portanto, “mais completa”, na
opinião desse grupo. Nesse ponto, a escola italiana se destacou. Vale ressaltar que a opinião
de que determinada escola é mais completa em relação à outra foi o ponto de vista pessoal
dos participantes que assim referiram. No entanto, ponderamos que, ao compararmos as diferentes características das escolas de canto, sejamos cautelosos em apontar qual seja a mais
correta ou adequada, uma vez que, em cada estilo, as técnicas variam conforme as exigências musicais das obras correspondentes e conforme características nacionais de cada país
(COBB-JORDAN, 2001; DUPUY-STUTZMANN, 2002; HOLLAND, 2008).
Ainda sobre a escola italiana, houve várias menções ao bel canto. Na literatura
há referência à escola belcantista como a principal tendência italiana e a que originou outros etilos até mesmo de outros países vizinhos (SILVA e BAKER, 1922; KIRKHAM, 2010;
ROBERTSON-KIRKLAND, 2014).
Apesar de considerar que o ensino do canto é muito individual e que cada cantor
reage diferentemente aos vários tipos de técnica, alguns professores (39,1%) foram enfáticos
em justificar o segundo principal motivo de escolha pelas escolas citadas entre eles. Esse
grupo afirmou que repassa aos seus alunos a orientação que recebeu de seus professores.
Com base nessa justificativa, somos dirigidos a considerar que o ensino do canto é fortemente baseado em uma cultura oral ao longo dos anos, e esse conhecimento transmitido
de professor para professor, transcende gerações. Foi assim desde o início da pedagogia vocal, em que não se dispunha de informações registradas em literatura. Os primeiros registros (século XVII) foram os tratados de canto, mas essas obras eram de difícil compreensão,
portanto, a prática do canto durante muito tempo foi mesmo baseada em imitação (SOUSA,
ANDRADA E SILVA e FERREIRA, 2010). Esse entendimento é compartilhado pelos participantes da pesquisa porque referiram que há muito que se pesquisar sobre o assunto, para
conhecermos de maneira mais concreta as particularidades das técnicas vocais e transmiti-las aos alunos com segurança.
Nesse sentido, HOLLAND (2008) alertou que a responsabilidade do professor de
canto é tamanha. Compete a esse profissional oferecer um embasamento efetivo sobre a produção da voz aos alunos em diferentes estilos. Da mesma forma, devem se manter livres de
preconceitos ou preferências estéticas e técnicas na sua didática, e lançar mão de diferentes abordagens que atendam a necessidade individual do aluno. Contudo, inevitavelmente,
cada profissional tende a seguir suas próprias preferências estéticas e transmir as instruções que obtive quando estudante. Porém, o professor deve sempre buscar ampliar e atualizar seus conhecimentos e cuidar para não desconsiderar a essência dos diferentes estilos.
Sobre a questão da “segurança” da técnica, se favorece ou não a saúde vocal, o professor pode contar com novos recursos e auxílio da ciência, que tem evoluído nos esudos
sobre voz cantada. O conhecimento adquirido por meio de pesquisas científicas tem avançado, não só nos cuidados clínicos, mas também na manutenção da saúde do profissional da voz em geral (MELLO e ANDRADA E SILVA, 2008; MELLO et al, 2009; LOIOLA e
FERREIRA, 2010; SOUSA e ANDRADA E SILVA, 2012). Assim, está ao alcance do profissional da atualidade a possibilidade de adquirir uma nova compreensão científica da voz e assim respaldar e refinar as abordagens de treinamento vocal do aluno. Isso garante uma preparação consistente, saudável e um treino mais eficiente da voz cantada (HOLLAND, 2008).
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O terceiro motivo de justificativa pela escolha das escolas citadas entre 15,2% dos
entrevistados foi que determinada escola(s) preserva(m) a naturalidade da voz e características individuais do cantor. Esse resultado tem relação ao que foi comentado acima. É muito
gratificante saber que entre professores de canto, apesar daqueles que preferem um determinado tipo ou “cor” de som vocal, respeita as características do timbre de cada aluno.
Conforme comentado anteriormente, essa preservação é indispensável, antes de qualquer
outra questão, à saúde vocal do cantor, sem a qual, não se pode seguir uma longa carreira. Indubitavelmente, para que se preserve a individualidade exige-se do professor de canto
amplo conhecimento de estilo, para situar o aluno como deve transitar entre os estilos, de
acordo com a disponibilidade de sua voz (SILVA e BAKER, 1922; PACHECO, 2006).
O quarto e último motivo mais citado entre 9,7% dos professores como justificativa
às escolas de canto mencionadas foi: melhor adaptação de determinada(s) escola(s) ao repertório e idioma correspondente.
Na escolha do repertório, a abordagem do professor deve partir de uma contextualização histórica do desenvolvimento e tipo de música predominante em cada nação
(DUPUY-STUTZMANN, 2004). Preparar o aluno sob o viés teórico além do prático é um
caminho para a compreensão das intenções dos compositores, e isso facilita a interpretação. Portanto se justifica a necessidade de se ensinar ao aluno os estilos nacionais (DUPUYSTUTZMANN, 2002). Entende-se, por exemplo, que não é possível executar uma Lied com
precisão, mas pode configurar ignorância estilísitca permitir que o aluno desconsidere esse
estilo, que requer um timbre “colorido” (rico em harmônicos), que é característica nacional
da escola alemã (MILLER, 2002; COELHO, 2011). Como também, conceber a interpretação
de um papel de ópera italiana livre de dinâmica e ornamentos vocais, assim como empregar a sonoridade de voz que é exigida no italiano numa ópera francesa representa equívoco
e atropelo estilístico (COELHO, 1999; COELHO, 2009). Por outro lado, pondera-se o quanto
é difícil diferençar com propriedade as características e demandas dos diversos estilos. Isso
requer muito estudo e pesquisa direcionada.
DUPUY-STUTZMANN, (2002) acrescentou que o professor não deve se assustar
quando ouvir do aluno comentários como: “odeio música francesa...” (ou alemã, italiana,
russa, inglesa, etc.), mas, usar o comentário como incentivo para estudar e conhecer profundamente a variedade de exemplos e buscarem incessantemente compreender as nuances
vocais contidas no universo do canto.
Sobre a questão dos idiomas, a música erudita vocal representa claramente o legado de idiomas da Europa Ocidental. Nessa ordem, o professor de canto também enfrenta alguns desafios. Com tantas técnicas vocais e preferências tonais sendo ensinadas, vencer os
obstáculos linguísticos pode ser outra dificuldade a superar (PESSOTI, 2006).
HOOLLAND (2008) considerou que antes mesmo de escolher a instrução técnica
para determinado aluno, o papel do professor de canto é obter informação científica e conhecer os limites vocais do cantor para emititr determinados sons.
Ao enfatizar a importância da eficiência vocal, equilíbrio funcional, e desafiar os
alunos a examinarem criticamente as instruções que recebem, o professor de canto pode
embasar o ensino numa visão global e internacional sobre as diferentes técnicas de canto.
Com isso poderá se beneficiar dos elementos das escolas nacionais de canto aos quais possivelmente cada cantor se adaptará melhor a determinada abordagem. Atualmente é possível buscar essa riqueza de informações. Mas antes, é necessária outra compreensão além
do pensamento de estabelecer qual escola (estilo, ou corrente) é mais correta(o) ou não
(HOLLAND, 2008). Sobre a escolha de qual concepção seguir, a autora reforça que a agregação de elementos de diversas escolas de canto é responsável pelo sucesso internacional de
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grandes cantores do todo o mundo, que modificaram ideais regionais ou nacionais, de acordo com as demandas da voz. Isso é cada vez mais comum (HOLLAND, 2008). O que pode
ser muito negativo e agravar as confusões na interpretação da música erudita é desconsiderar os estilos característicos e as diferentes escolas de canto do passado, que surgiram paralelamente às composições dessas obras que ouvimos até hoje (HARNONCOURT, 1998).
Considerações finais
De acordo com os resultados da pesquisa, no Brasil, é frequente a alusão às escolas de canto, porém, não se enfatiza uma única corrente. Evidenciou-se nesse estudo que o
conhecimento sobre esse assunto é oriundo do ecletismo nos estilos de compositores tradicionais que fizeram história nos principais paises onde a música ocidental erudita se difundiu. Dessa forma, com o passar do tempo e as transformações em toda a música, o cenário
da pedagogia vocal se tornou uma mistura de técnicas e métodos que visam a singularidade
dos cantores. Isso faz com que os docentes da atualidade reúnam elementos de vários estilos e adaptem as técnicas correspondentes que melhor atendem a demanda vocal do aluno.
Ao questionar se os participantes do estudo seguem alguma escola de canto em sua
prática, as escolas mais referidas foram as tradicionais correntes europeias: italiana, francesa e alemã, com destaque para a italiana. Segundo esses participantes, os motivos que justificam a escolha pelas escolas apontadas foram: orientação recebida, melhor adaptação das
escolas às exigências técnicas do canto lírico, preservação da naturalidade da voz do cantor
e melhor adequação ao repertório e idioma correspondente a cada escola de canto.
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Nadja Barbosa de Sousa - Cantora lírica, Mestre e Doutora em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com período Sanduíche na Hochschule für Musik und Darstellende Kunst Frankfurt am
Main (Faculdade de Música e Artes Cênicas de Frankfurt), como bolsista CAPES (PDSE). Ex-integrante do Coral
Lírico do Theatro Municipal de São Paulo-SP.
Ênio Lopes Mello - Terapeuta corporal e vocal, Cantor, Mestre e Doutor em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e membro do LABORVOX (grupo de pesquisas em voz, vinculado ao Programa de
Estudos pós-graduados em Fonoaudiologia da PUC-SP).
Marta Assumpção de Andrada e Silva - Fonoaudióloga, Mestre em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Professora da Graduação e Vice-Coordenadora do Programa de Estudos Pós-graduados em Fonoaudiologia da PUC-SP e professora adjunta da graduação em Fonoaudiologia na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).
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