Morreu? Apareceu!
A publicização da morte em Arcos como fenômeno Folkcomunicacional
BONFIM, Filomena Maria Avelina – Professora doutora em Comunicação e Cultura UFRJ –
PUC Minas Arcos – MG.
MACEDO, Francisca Carolina Vidal – 7º período de Comunicação Social – Habilitação em
Publicidade e Propaganda – PUC Minas Arcos – MG.
MICHELLI, Fabyanna – 7º período de Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e
Propaganda – PUC Minas Arcos – MG.
OLIVEIRA, Tatielle Samara de – 7º período de Comunicação Social – Habilitação em
Jornalismo – PUC Minas Arcos – MG.
Resumo
O culto fúnebre é uma prática habitual nas mais diversas sociedades. Em Arcos, no entanto,
ele vem acrescido de particularidades que incluem a utilização da mídia alternativa. Assim,
quando há a morte de um membro da sociedade arcoense, familiares ou amigos dele fazem
com que a finitude daquela vida seja tornada pública. Para isso, um carro de som percorre as
ruas do município, informando o acontecimento, local do velório e sepultamento, além dos
horários. Essa prática se dá numa perspectiva de que a população – ao tomar conhecimento do
que aconteceu – vá prestar condolências àqueles que perderam um ente querido, numa
perspectiva de compartilhamento da dor. É nesse contexto que a pesquisa nasce. O objetivo é
a investigação científica sobre como a identidade regional pode interferir nas práticas
midiáticas de um povo, levando também em consideração, a inferência do folclore neste
processo. Por isso, valida-se do desejo em comprovar que a Publicização da Morte em Arcos
é um fenômeno de Folkcomunicação - teoria criada pelo doutor Luiz Beltrão e defendida em
1967, na Universidade de Brasília. É importante salientar que este é um trabalho de
monografia que está em fase de desenvolvimento.
Palavras-chaves: Publicização da Morte – Folkcomunicação - Mídia Alternativa – Identidade
Regional
Introdução: da morte ‘nasce’ uma investigação científica
Comunicação + Folclore = Folkcomunicação. A adição simplificada é a síntese do
resultado dos estudos do pesquisador Luiz Beltrão. A tese desenvolvida por ele, em 1967, na
Universidade de Brasília, tem como objetivo analisar as manifestações culturais como meios
de difusões informativas. Segundo Melo (2003, p.11), a “(...) a Folkcomunicação caracteriza1
se pela utilização de mecanismos artesanais de difusão simbólica para expressar, em
linguagem popular, mensagens previamente veiculadas pela indústria cultural”. Paralelamente
a este movimento, em Arcos1, Minas Gerais, a forma como o culto à morte acontece, emerge
como uma realidade que, aparentemente, agrega elementos folclóricos e comunicacionais. É
neste campo que a pesquisa nasce, com intuito de estudar e, consequentemente, mostrar ou
não – o que vai depender do resultado dos estudos – se ela pode ser considerada um fenômeno
Folkcomunicacional.
Nas páginas que se subscrevem, o leitor será convidado a conhecer como a morte é
cultuada em Arcos. O tema ganha propulsão no campo da Comunicação Social porque é pela
mídia – no caso a alternativa – que essa tradição se concretiza. No município, familiares e
amigos de uma pessoa que faleceu publicizam um momento de dor e privacidade.
O tema desta prática investigativa científica é Um paralelo da publicização da morte
em Arcos com as teorias da Folkcomunicação. Os pesquisadores tentarão elencar todas as
características de como um óbito é tornado público no município para, posteriormente,
correlaciná-las com as teorias do autor Luiz Beltrão, numa perspectiva de comprovar que em
Arcos emerge um fenômeno Folkcomunicacional. Esse é o objetivo geral da pesquisa.
Para concretização deste experimento científico, pretende-se cumprir quatro objetivos
específicos. O primeiro deles é o de apresentar o modelo de publicização da morte no
município, para que o leitor entenda em que contexto ele se manifesta, como e o motivo que
leva uma sociedade a mantê-lo. Por conseguinte, tem-se a pretensão inicial de conceituar
Folkcomunicação com base no pensamento de Luiz Beltrão.
1
Arcos é uma cidade localizada na região Oeste de Minas Gerais. É separada dos grandes centros não apenas
pela questão cultural, mas espacial. O município fica a 237 quilômetros da capital do Estado. De acordo com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica (IBGE), a cidade tem uma população estimada em 36 mil pessoas.
A economia local é baseada nas atividades advindas do extrativismo mineral, prestação de serviços, comércio e
agropecuária, com destaque para a lavoura de tomate. Foi povoada por açorianos em 1769, mas a emancipação
político-administrativa aconteceu apenas em 1938.
Características obituárias: Arcos possui dois cemitérios. Um deles, o mais antigo, é da paróquia Nossa Senhora
do Carmo e está localizado no centro, aos fundos do prédio da prefeitura. Só são enterrados nele pessoas que
adquirem um terreno, orçado em aproximadamente R$ 4 mil. O outro cemitério é municipal e fica no bairro
Novo Cruzeiro, uma área periférica do município. A Prefeitura doa a cova, o trabalho do coveiro e, inclusive,
transporte para que as pessoas que moram mais longe tenham condições de participar da‘despedida’ do morto. O
cemitério tem o nome de “Aristides Pires Andrade”, que era um ávido freqüentador de velórios em Arcos.
Conhecendo ou não o morto, ‘Tide Bota Ovo’ – apelido dado a ele – passava a noite toda velando o defunto e
ajudava a transportar o caixão até a cova. A cidade possui apenas uma funerária, a ‘Bom Pastor’, de propriedade
do sr. Dilermando Modesto Teixeira, também mais conhecido pelo apelido de ‘Dilo’.
2
1. Cada morte é um ‘flash’...
Arcos não é uma cidade prolífera de celebridades e são raras as vezes que um morador
do município ganha visibilidade na mídia. Exceto em uma situação: quando ele morre.
Levantamento do empresário Dilermando Modesto Teixeira, de 64 anos, que é dono da única
funerária da cidade, cerca de 98% dos falecimentos locais são divulgados pelo carro de som.
Os outros 2% referem-se aos ‘não-reclamados’2, que, por tal condição, não têm quem
divulgue a finitude da vida deles.
O modelo de publicização da morte pelo carro de som, que de acordo com Dilermando
Teixeira foi criado por ele, existe há aproximadamente 10 anos. Ele foi instituído para sanar
ruídos comunicacionais percebidos pelo próprio empresário fúnebre. Anteriormente, as
mortes eram divulgadas pelo sino da igreja católica - a matriz de Nossa Senhora do Carmo –
no centro da cidade. Os arcoenses – atores sociais que ‘encenam’ o cotidiano no município e
que, por isto, compactuam do mesmo modo de vida, cultura e tradição – sabiam que o barulho
emitido pelo toque advindo da torre da igreja, era índice de morte, por volta dos anos 50. Eles,
inclusive, distinguiam pelo som o gênero do moribundo. Assim, toque agudo indicava que
uma mulher tinha morrido; toque grave, a morte era de um homem.
Mas segundo Dilermando Teixeira, esta prática foi perdendo a eficácia com o
crescimento da cidade, pois, os moradores dos bairros mais distantes não ouviam o sino e não
ficavam sabendo da morte. Em meados da década de 60, o proprietário do bar ‘Triângulo’,
Olívio Vieira de Faria, criou um novo método de fazer os anúncios, por meio de um altofalante, instalado na porta do comércio. O modelo era similar ao do rádio-poste, no entanto, o
que se percebe é que em Arcos existia um ‘rádio-bar’. Porém, pelo mesmo motivo do
crescimento territorial do município, só quem transitasse pelas áreas mais centrais é que
tomariam conhecimento da morte.
Para sanar o problema, o empresário Dilermando Teixeira decidiu implantar o carro de
som. “Como ele percorre todas as ruas da cidade, é uma forma de toda população ficar
sabendo quem morreu”, explica. A proposta foi tão pertinente que, hoje, está simbolicamente
relacionada à finitude da vida no município. “Quando morre alguém e o anúncio atrasa por
algum motivo, as pessoas começam a perguntar: ‘Nossa, mas está demorando a anunciar’”.
Houve também a época da divulgação por boletins, antes dos anos 50. Mas, provavelmente
pela demora da tipografia em entregar o anúncio, este modelo não perdurou.
2
‘Não-reclamados’ é um termo utilizado no Instituto Médico Legal (IML) para denominar os cadáveres não
identificados e que, por isto, são enterrados como indigentes.
3
Para divulgar uma morte, o interessado pagará R$50, por duas horas de anúncio, o que
também dá direito a chamadas durante todo o dia na Rádio Cidade AM. O texto 3 veiculado é
padronizado e tem como trilha sonora a música Pour Elise, de Beethoven.
2. Luz, câmera, ação... Estrelando: a morte
A pesquisa A publicização da morte como fenômeno Folkcomunicacional se sustentará
em quatro palavras-chaves que, metaforicamente, serão a base deste experimento científico.
São elas: publicização da morte, mídia alternativa, identidade regional e folkcomunicação. No
decorrer de todo artigo, o leitor vai de deparar constantemente com os termos citados acima e,
por isso, é necessário que ele compreenda a significação de cada um isoladamente e no
contexto da pesquisa.
Inicialmente, eles serão definidos a partir dos estudos de outros pesquisadores que já
desenvolveram teorias acerca deles. Após esta fundamentação teórica, pretende-se
desenvolver novas conceituações de acordo com a questão espaço/temporal em que as
palavras estão inseridas e serão pesquisadas.
O título do projeto já contém uma das palavras que deve ser estudada: publicização da
morte. As pesquisadoras não conseguiram encontrar nenhum autor que abordasse o tema. No
entanto, ela (palavra-chave) será explicada a partir das definições da professora titular do I
Programa de Pós Graduação em Comunicação da Unisinos, Maria Lilia Dias de Castro, que
definiu publicização isoladamente.
Mesmo que não dicionarizado, o neologismo publicizar, e com ele
publicização (termo hoje praticamente consagrado na área, tem, na sua
constituição, a raiz comum public, à qual se agrega o sufixo izar,
elemento linguístico, que exprime uma relação causal, factiva que
resulta no entendimento de publicizar como ação de tornar público
algum fazer. (CASTRO)
3
Modelo de texto divulgado pelo carro de som: “A funerária Bom Pastor informa: nota de falecimento. José da
Silva (marido); Antônio, Maria Clara e Pedro (filhos), noras, genro, netos e demais familiares comunicam com
pesar o falecimento de: Joana Aparecida Silva, a ‘Joanita do Zé Caminhoneiro’. E convidam parentes e amigos
para seu sepultamento, a ser realizado hoje, às 15h, no cemitério municipal. O férito está sendo velado na
funerária Bom Pastor”. OBS: os nomes, locais e data são fictícios.
4
É o significado de ‘tornar público algum fazer’, citado por Castro, que será usado para
embasar a proposta de que a publicização da morte é uma forma encontrada pelas pessoas de
Arcos para ‘tornar público’ que alguém morreu, numa perspectiva de compartilhar um
momento de dor. A ação de divulgar o falecimento, que parte geralmente de algum parente do
morto, pode ser entendida como o ‘algum fazer’, proposto pela autora.
Por publicizar a morte deve ficar claro que não é um termo relacionado à publicidade
e/ou propaganda, afinal, no município ninguém tem o objetivo – pelo menos aparente – de
vender algum morto, alguma idéia relacionada ao defunto e, tampouco, consolidar a imagem
dele. A proposta é torná-la pública, difundindo o acontecimento, de forma que o maior
número de pessoas possível tenha acesso a ele. A princípio, em uma análise superficial, o
trabalho distinguirá os três termos – publicização, propaganda e publicidade – da seguinte
forma: propaganda é a utilização de suportes tecnológicos com o objetivo de difundir um
ideal ou fortalecer uma imagem institucional. Em contrapartida, à publicidade será atribuído
um sentido estrito de meio de consolidar uma venda, de acordo com Rabaça e Barbosa,
citados por Pinho (p. 16, 1990). “Qualquer forma de divulgação de produtos ou serviços,
através de anúncios geralmente pagos e veiculados sob a responsabilidade de um anunciante
identificado, com objetivo de interesse comercial”.
No entanto, a publicização - no caso da morte, em Arcos – terá outra abordagem,
pressuposto o contexto em que está inserida. Assim, por exemplo, para o dono do carro de
som (que veiculará o anúncio fúnebre), a publicização da morte recairá no conceito de
publicidade, pois ele, o ator social empresário de anúncio fúnebre, tem o interesse comercial
em propagar a morte, diferente da família do morto, que apenas quer difundir o acontecimento
pelos meios de comunicação alternativos, para que a sociedade arcoense sensibilize-se com a
dor vivida naquele momento da perda de um ente querido. Essa ‘sensibilização’ é manifestada
subjetivamente no receptor da mensagem fúnebre que, ao decodificá-la, vai acrescentar a ela
elementos da própria experiência ideológica e cultural em cultuar a morte, característica
geralmente presente nos indivíduos arcoenses, já que a cidade preserva essa prática.
Decorrente disso, o decodificar prestará as devidas condolências à família do morto, seja pela
participação no velório e/ou enterro.
Para ‘tornar pública’ a mensagem fúnebre é necessário que haja um canal entre ela e o
público receptor. Para isso, os anunciantes – parentes ou familiares que querem divulgar a
morte – poderiam usar jornais, rádios, internet ou qualquer outro suporte tecnológico
convencionado para este fim. No entanto, a população de Arcos não utiliza nenhum deles. No
município, o meio é o carro de som, uma segmentação da mídia alternativa.
5
Nessa linha, torna-se também fundamental para essa pesquisa o estudo da definição de
identidade regional. Ela será embasada na proposta de Ortiz (1985), que define apenas a
palavra identidade:
(...) identidade é uma construção simbólica (a meu ver necessária), o
que elimina, portanto, as dúvidas sobre a veracidade ou a falsidade do
que é produzido. Dito de outra forma, não existe uma identidade
autêntica, mas uma pluralidade de identidades, construídas por
diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos.
Portanto, o termo identidade regional, no universo desta pesquisa, está relacionado a
algo comum à cultura da população arcoense. Ato este que causa estranheza aos visitantes que
não estão acostumados a esta prática. Já faz parte da identidade da população, que se sente à
vontade com estes anúncios fúnebres, ao ponto de já conhecerem até a música que antecede a
publicação da mensagem.
Outro conceito essencial é o de Folkcomunicação. A princípio fica registrada a
contribuição que Corniani dará à pesquisa, ao delimitar o universo em que a teoria produzida
por Luiz Beltrão emerge:
O termo Folkcomunicação surge em decorrência dos estudos de Luiz
Beltrão com sua tese de doutorado (1967). Esta tese germinou de um
artigo da revista Comunicações & Problemas (1965), tratando das
esculturas, objetos, desenhos, e fotografias depositadas pelos devotos
nas igrejas, que possuíam nítida intenção informativa. Eram peças que
deixavam de ser acerto de contas celestiais, veiculando
jornalisticamente o potencial milagreiro dos santos protetores.
(CORNIANI)
Posteriormente, a pesquisa terá uma página dedicada à temática. A definição de mídia
alternativa inicialmente utilizada será a proposta pelo Sebrae de São Paulo, disponibilizada no
próprio site da instituição. “Mídias alternativas são todas aquelas que não se encaixam
dentro dos padrões das mídias tradicionais mais comuns do mercado, tais como:
jornal; revista; TV; rádio; Outdoor”. Abaixo, um breve histórico e considerações acerca dela
no universo desta pesquisa.
3. “Fulano de tal morreu”. Foi o carro de som que informou
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São inúmeros casos em que a comunicação se manifesta longe dos holofotes das
grandes mídias. Um deles, o principal a termos desta pesquisa, é o meio utilizado pela
população de Arcos para comunicar a morte de alguém: o carro de som.
O carro de som é um veículo de comunicação que tem uma linguagem
coloquial, uma mensagem objetiva, não trabalha com imagens e é
exclusivamente auditivo, ou seja, tem características próprias do rádio
e alcance comparado ao da televisão, com a diferença de que não
requer que o público tome a iniciativa, ou seja, não acontece como no
rádio e na televisão em que o uso deles depende da ação do
consumidor em ligar os aparelhos. Na realidade, o carro de som
invade a esfera privada da família e intimidades cotidianas. Muito
utilizado nas cidades do interior, ganha até do rádio, tanto em uso,
quanto em audiência. O segredo do sucesso e da alta penetração dessa
mídia está na cobertura (100% do público-alvo), preços muito
acessíveis, além da obrigatoriedade da recepção da mensagem, acima
já citada. (CARVALHO, et. al, 2005)
O carro de som é uma das ramificações da mídia alternativa. Para entendê-la,
inicialmente, torna-se importante recorrer à definição dicionarizada proposta a ela. Como é
um substantivo composto (da junção de mídia + alternativa), as palavras neste primeiro
momento serão discutidas de forma individual.
Mídia advém do latim media. É um substantivo feminino que significa meio de
comunicação (desconsiderando a efeito da pesquisa o substantivo masculino ‘o mídia’,
profissional do ramo da publicidade). “(...) Os meios noticiosos conferem notoriedade
pública a determinadas ocorrências, idéias e temáticas, democratizando o acesso às
(representações das) mesmas e tornando habitual o seu 'consumo'” (DALTOÉ, 2004). É a
mídia o canal que ligará o emissor ao receptor, e é por onde a mensagem codificada passará
até a possível decodificação. Bordenave (2003) cita diversos exemplos de meios de
comunicação. Dentre eles: a imprensa, rádio e cinema. No entanto, o capítulo dedicado à
temática desconsidera os meios alternativos, embora eles sejam mencionados em outros
trechos do livro O que é Comunicação, mas sem um nome que os identifique. Ou seja, eles
não são denominados, apenas citados como possibilidade de comunicação.
Alternativa também é um substantivo feminino. De acordo com Holanda (1993, p.25)
significa: “Sucessão de duas coisas mutuamente exclusivas; Opção entre duas coisas;
Exclusão recíproca entre duas proposições, admitida a possibilidade de ambas serem
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verdadeiras”. Em uma contextualização com o campo da Comunicação Social pode-se
entender alternativa como uma nova possibilidade de se fazer comunicação, ou ainda, um
novo meio de se propagar mensagens, que não sufoca ou sobressai aos demais, mas que
emerge na condição de outra possibilidade.
Segundo Peruzzo (1993) as mídias alternativas ganham ênfase entre os anos de 1883 a
1993, influenciadas pelo crescimento no interesse por parte de científicos acerca da
comunicação popular. Afinal é pela utilização de meios que divergem dos tradicionais que,
essencialmente, o povo – no sentido de massa – se comunica. São poucas as vezes, exceto em
casos que sejam ‘vendáveis’ aos grandes meios de comunicação, em que eles darão
visibilidade a esse público, em grande parte marginalizado pela questão cultural, financeira ou
geográfica. São os meios tidos como alternativos que se fomentam como ferramenta na
propagação de informações de todos os tipos, sejam elas de difusão de idéias, valores,
notícias, utilidade pública, dentre outras.
Anteriormente a esse período, até mesmo por uma questão histórica, o que se observa
é uma supervalorização dos meios tradicionais, que chegaram à América Latina, e
consecutivamente ao Brasil, sob influência dos colonizadores ibéricos (MELO, 1998). Por
nacionalidade européia – estes veículos de comunicação – iniciaram em um contexto
economicamente bem mais estabelecido do que o dos países latinos. Por isso, eles têm como
característica constituírem um sistema elitista. “(...) construídos a partir dos interesses das
minorias governantes que se beneficiaram das potencialidades da imprensa- livros e revistas”.
Os altos preços de anúncios na ‘grande-imprensa’, a exemplo da TV, também
constituem outro fato que dificulta o acesso a ela. Se os anúncios na TV são relativamente
altos se comparados à renda de grande parte dos empresários, tornam-se ainda mais
improváveis para a grande parcela da população, que é formada pela classe operária e, em
muitos dos casos, assalariada, exemplificada neste caso por Arcos.
Os meios alternativos também ganharam visibilidade por apoiarem o golpe de 64, já
que a censura silenciava a ‘grande-imprensa’. Data dessa época o surgimento oficial da
nomenclatura ‘alternativo’ no Brasil, com publicações oposicionistas que surgiram dentro
deste novo modelo de se fazer comunicação. Dentre elas: “O Pasquim” (1969), “Opinião”
(1972), “Movimento” (1975) e “Em Tempo” (1977)”.
Há um acervo extenso de pesquisadores que agregam mais significados à mídia
alternativa. Dentre eles, destaca-se Henrique Moreira Mazetti (2007). O teórico estuda a
expressão sob a ótica político-social. Assim, ele acredita que ela é um importante veículo
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usado contra inverdades publicadas pelos meios de comunicações tradicionais, ou quando
estes últimos se negam a publicar fatos que possam, por exemplo, prejudicá-los na ordem
econômica ou ainda escondam notícias por desinteresse particular, menosprezando interesses
coletivos. Este fenômeno denominado de ‘contra-informação’, como propriamente sugere,
busca novas perspectivas que vão além das informações tidas como oficiais.
Peruzzo (1998) também percebe o caráter de ‘contra-informação’ da mídia alternativa.
A autora aborda o fato de que a ‘grande-imprensa’ prioriza os interesses pessoais, políticos e
econômicos quando uma matéria jornalística é veiculada. Assim, o que é noticiado pode não
condizer com a realidade tal como ela é, indo contra o direito do indivíduo de ter acesso às
informações verídicas e isentas. Também tem congruência com a questão de que as camadas
mais pobres não têm dinheiro, por exemplo, para adquirir um jornal impresso. É neste
contexto que os meios alternativos emergem. Se a imprensa tradicional omite-se, é preciso
encontrar outros mecanismos de difusão de conteúdos informativos, pois – como define a
máxima – “Comunicar é preciso”. Então, se os meios tradicionais ainda exercem censura,
amordaçando e silenciando o povo – na maioria das vezes não pela violência física, mas por
negar oportunidades de liberdade de expressão para a massa – torna-se pertinente recorrer aos
alternativos.
Essa opressão dos meios tradicionais ao que é popular descende do período de
colonização brasileira. Assim, índios, escravos e trabalhadores braçais que não tinham
oportunidade de se expressarem nestas mídias instituídas, procuravam novas possibilidades de
difundir informações. “Para disseminar essa cultura mestiça, as massas empobrecidas do
nosso continente criaram modelos originais de comunicação popular, preservando seus
valores éticos e estéticos” (MELO, 1998, p. 387).
Os meios utilizados pela classe marginalizada, de acordo com o mesmo autor eram o
“canto, dança, poesia, humor e sátira” que “permaneciam fiéis aos valores populares,
resistindo à dependência externa e consolidando padrões nacionais ou regionais”.
Mazetti (2007) dá à mídia alternativa uma previsão positiva neste novo século,
domado pelo surgimento ‘na velocidade da luz’ de meios cada vez mais modernos de
comunicação, tais como a televisão digital. Para o teórico, esta proliferação de mídias,
acrescida ao boom de informação, possa ter causado no público uma reação de inércia. Ponto
a favor para os meios alternativos. “O excesso de informação a que somos oferecidos pode
estar fazendo com que a busca das mídias alternativas por ‘quebrar o silêncio’ se transforme
em uma tentativa de angariar a atenção das pessoas no meio de tanto ‘barulho’”. Até porque
sendo alternativas, essas mídias são constituídas de recursos que possam prender a atenção do
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público. Em Arcos, por exemplo, os comunicadores utilizam a música Pour Elise, de
Beethoven, para atrair a atenção do público. Assim, quando o toque musical é entoado, é
comum as pessoas pararem das atividades para prestarem atenção na mensagem. Algumas,
involuntariamente, já questionam: “A música da funerária. Quem morreu?”. A esse recurso
estilístico, usado para despertar a atenção do público e que é propício na mídia alternativa,
Assis (2006) – citado por Mazetti – denomina de “táticas lúdico-midiáticas”. Definida por
Mazetti (2007) como “(...) manifestações criativas de mídia ou que buscam quebrar a
‘seriedade’ como costumeiramente se trata a política”.
No entanto, o que interessa nesta pesquisa é entender a mídia alternativa como um
novo meio eficaz e eficiente de se difundir informação em Arcos, pois se os anunciantes –
familiares ou amigos do morto – recorressem à imprensa, por exemplo, talvez não houvesse
tempo hábil para a divulgação das mensagens fúnebres. Isto pelo fato de não haver um jornal
diário na cidade. O veículo que tem maior regularidade é um bissemanal, que circula as
quintas-feiras e domingos. A partir desta questão temporal, torna-se inviável a utilização da
imprensa, até porque se uma pessoa morrer na segunda-feira, o anúncio teria que esperar até a
próxima edição, na quinta, para ser publicado. Quando a população tivesse acesso a ele, já
seria tarde demais para ir ao velório, pois nesta altura, o corpo já teria sido velado, enterrado
e, possivelmente, os parentes próximos já deveriam estar mais conformados com a dor da
partida do ente.
A proposta de ‘contra-informação’ não se torna pertinente neste contexto, porque as
famílias não estão em aversão com a imprensa tradicional, apenas encontraram na mídia
alternativa uma nova possibilidade, que tem um custo/benefício rentável, acrescida à condição
temporal. Tendo em vista que o carro de som pode percorrer durante o dia todo as ruas de
Arcos – lógico que dentro do horário comercial – difundindo os anúncios fúnebres.
Desconsiderando também a TV. A informação divulgada por este meio não é tão interessante
– no contexto da morte – porque grande parte da população trabalha durante o dia e só tem
acesso ao aparelho à noite. Diferente da mídia sonora, que invade todos os ambientes,
inclusive os de trabalho.
4. Público X Privado: a dor da família transposta para a sociedade
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O ato de tornar as atividades públicas é intrínseco à condição humana. Desde os
primórdios, os homens o faziam, ao codificar cenas do cotidiano nas paredes das cavernas. As
imagens representadas eram projeções da vida cultural daquelas pessoas que ainda
desconheciam os códigos lingüísticos, mas que, de alguma forma, se comunicavam ou
publicizavam as ações diárias. Com a evolução dos tempos, a institucionalização da língua
falada e escrita, além do aparecimento de novos suportes tecnológicos, a forma de
publicização do dia-a-dia passou por mudanças, mas permaneceu enraizada na sociedade
contemporânea. A cidade de Arcos é um exemplo que comprova a teoria ao publicizar a
morte pelo carro de som, transpondo um momento privado – que inicialmente referiria apenas
ao ambiente familiar – para a esfera pública. Este ato faz alusão ao trabalho feito pelas
carpideiras4, no Brasil do século XIX.
Arcos mostra a importância que a população interiorana do oeste de Minas Gerais dá à
mídia alternativa. Mesmo que seja motivada pelo senso comum, a sociedade sabe que para
difundir a informação, mais eficaz que fazê-la pelo boca-a-boca, é utilizar meios
comunicacionais que atinjam a população, a exemplo do carro de som.
A aplicabilidade do ato de publicizar, no contexto de Arcos, também é objeto de
reflexão. Se geralmente são festas, marcas e produtos que se tornam públicos, com o objetivo
geralmente de venda ou consolidação de imagem, em Arcos é a morte o foco dos
comunicadores, que transformam em códigos lingüísticos – sonoro, no caso do carro de som –
o desejo dos familiares e amigos do morto, em divulgar a dor.
A pesquisa apresenta um novo viés para a Comunicação Social, que não se atém à
difusão de informação e/ou persuasão, mas exerce papel determinante para a cultura regional,
ao destacar traços marcantes da identidade do povo no oeste mineiro e preservar uma prática
de ares folclóricos e que não sofreu influências – pelo menos por enquanto – dos mass-media,
perdendo assim, características singulares no decorrer dos tempos. Esta prática
comunicacional parece similar ao modelo proposto pelo teórico Luiz Beltrão, em 1967,
denominado por ele de Folkcomunicação.
De acordo com o estudioso, a Folkcomunicação é a interface entre a comunicação e o
folclore, que se faz presente principalmente no que Adorno e Horkheimer denominaram de
‘cultura popular’, ou seja, o movimento adverso à cultura erudita. Deve-se entender que
Arcos, uma modesta cidade do interior, pode não refletir os avanços e mudanças susceptíveis
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Carpideiras eram mulheres que ganhavam para, em dias de velórios, saírem gritando e anunciando a morte.
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aos grandes centros, principalmente, na escolha dos meios de difusão. E por isso – ao ir contra
os atuais e modernos meios de propagar a informação, o município pode assumir a condição
de ‘marginalizado culturalmente’.
Como está enraizada na cultura local, o ato de publicizar a morte pode se manter por
gerações, já que a tradição é passada de pai para filho, da mesma forma que a publicização do
cotidiano advém de tempos remotos e permanece na atualidade. Principalmente pela
Folkcomunicação, já que uma das principais características deste modelo, é a transmissão de
informação pelo folclore.
5. Publicização da morte: uma manifestação folclórica/comunicacional
Os meios comunicacionais vão muito além dos convecionados como ‘mídia
tradicional’. Há inúmeras possibilidades de se transmitir conteúdos, e o folclore é um deles. É
através das manifestações da tradição cultural de um povo, que as novas gerações se
informam acerca de um determinado assunto, mantendo também viva aquela característica da
comunidade de pertença.
Por folclore, muitas das vezes, estão associados as lendas, personagens místicos,
música ou culinária, por exemplo. No entanto, há outros vieses, tais como os ‘usos e
costumes’, exemplificados no site Brasil Escola: “ritos de passagens, usanças agrícolas,
pastoris, medicina rústica e trajes”.
Nota-se que a população arcoense compactua de uma manifestação folclórica, que é o
costume, ao cultuar a morte, por meio da publicização. Pois, se não fosse pela extrema
valorização dela, não teria necessidade de torná-la pública, no intuito de comover a sociedade,
a participar desta última fase do ciclo biológico de um indivíduo, que é a finitude da vida. O
que se observa é que ela acontece sem hierarquias, ou seja, conforme o dito: ‘do povo para o
povo’. É neste contexto que se torna possível elencar traços que evidenciem este fenômeno de
Arcos, com o que Beltrão (2004, p. 11) denominou de Folkcomunicação. “A
Folkcomunicação constitui uma disciplina científica dedicada ao estudo dos agentes e dos
meios populares de informação de fatos e expressão de idéias”. Entende-se por essa afirmação
que ela estuda as manifestações populares que se tornaram parte do cotidiano e da cultura de
uma comunidade. Cada grupo – constituído por pessoas geograficamente ou ideologicamente
unidas – tem uma maneira particular de cultuar um fato que, para o outro grupo, pode não ter
significado algum.
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É evento comunicacional, pois, a tradição de gerou signos que são facilmente
decifráveis pelos habitantes do município. Assim, quando a música Pour Elise toca, por
exemplo, as pessoas já associam o som à morte. Essa prática é totalmente desconhecida pelos
estrangeiros – que não compactuam dos hábitos folclóricos arcoenses – e, por tal condição,
não decodificam a música como uma prévia de anúncio de morte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS, MAS NÃO, FUNESTAS
Começo, meio e fim. A vida segue a seguinte ordem cronológica. Este fim, como
sinônimo de morte, está relacionado ao término e não permite continuidade. Diferente do
meio científico, que a finitude de um trabalho é algo inatingível, pois, a ciência é passível de
mudanças e novas descobertas, o que a torna tão interessante e instigante. O presente trabalho
não tem, como o óbito na maioria dos casos, um caráter funesto. A partir dele, novos
experimentos e teorias podem ‘nascer’ e proliferar, porque uma realidade observada em Arcos
– uma pequena cidade do Oeste de Minas – pode se manifestar em tantos outros municípios
brasileiros e evidenciar que os meios alternativos exercem papel fundamental longe dos
grandes centros (e também dentro deles), não apenas como canais de informação, mas na
condição de meios mantenedores de uma tradição e de socialização entre os indivíduos que,
encontraram neles, uma forma de expressar e dividir com a sociedade um momento de dor e
sofrimento, que é a morte de um ente querido.
O artigo Morreu? Apareceu! – A Publicização da Morte em Arcos como Fenômeno
Folkcomunicacional é a síntese de uma pesquisa que está em desenvolvimento em Arcos, por
pesquisadoras da PUC Minas. A conclusão está prevista para novembro de 2008. Mas com as
comemorações do bicentenário da imprensa brasileira, mostrar a valorização que os arcoenses
dão – mesmo que subjetivamente – à mídia alternativa, tornou-se o desejo prioritário das
pesquisadoras, que desejam registrar nas páginas da história, o modelo arcoense de
publicização da morte. A proposta torna-se pertinente, pois, além de um marco histórico,
mostra também uma tendência que emerge, fazendo concorrência direta – no caso de Arcos –
aos meios tradicionais de comunicação. Devido à credibilidade e contribuição histórica que a
Rede Alfredo de Carvalho tem, a publicação do artigo no VI Congresso Nacional de História
da Mídia, que acontece em parceria com a Universidade Federal Fluminense, emerge como
uma possibilidade única de mostrar que, se não existe vida após a morte, um dado é certo:
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após a morte, existe visibilidade e um certo momento de fama proporcionados pelos meios
alternativos, pelo menos em Arcos.
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Morreu? Apareceu! A publicização da morte em Arcos