Davi José Martins Canabarro
22/8/1796, Taquari (RS)
12/4/1867, Santana do Livramento (RS)
Canabarro recusou apoio militar
argentino, por considerar-se mais
brasileiro do que republicano
Descendente de imigrantes açorianos, alistou-se num Regimento de
Milícias aos 17 anos. Destacou-se na carreira militar desde quando o
Brasil era ainda uma colônia portuguesa, lutando nas guerras da
Banda Oriental (1811-1812) e contra José Artigas, no Uruguai (18161821). Depois da Independência, lutou na guerra Cisplatina (18251828), contra os caudilhos Oribes e Rosas (1851-1852), contra Aguirre
em 1864, e nos três anos iniciais da guerra do Paraguai (1865-1870).
Aderiu à revolta farroupilha e serviu a República Rio-Grandense,
chegando ao posto de general e comandante-em-chefe do exército no
final do movimento. Recusou o auxílio argentino para combater o
Exército imperial brasileiro, por considerar-se "brasileiro, antes de
republicano". Participou da assinatura do tratado de paz assinado com
o
Império
brasileiro
em
1845.
Com a inesperada invasão do Rio Grande do Sul pelos paraguaios em
1865, foi acusado de traição e incompetência, mas logo ficou provada a
injustiça das acusações e Canabarro, aos 68 anos, esteve presente com
sua cavalaria na rendição dos paraguaios em Uruguaiana. Depois disso,
retirou-se para sua estância em Santana do Livramento, onde um
ferimento no pé evoluiu para uma grande infecção que terminou por
matá-lo.
“Onde estão agora esses buliçosos filhos do Continente, tão
majestosamente terríveis nos combates? Onde Bento Gonçalves,
Neto, Canabarro, Teixeira e tantos valorosos que não lembro? Oh!
Quantas vezes tenho desejado nestes campos italianos um só
esquadrão de vossos centauros avezados a carregar uma massa de
infantaria com o mesmo desembaraço como se fosse uma ponta de
gado? Que o Rio Grande ateste com uma modesta lápide o sítio em
que descansam seus ossos. E que vossas belíssimas patrícias cubram
de flores esses santuários de vossas glórias, é o que ardentemente
desejo.”
Giuseppe Garibaldi em carta a Domingos José de Almeida, em 10 de setembro de
1859.
Este Livro contém dados relativos ao processo de remoção e translado dos
restos mortais do General Farroupilha David Canabarro de Porto Alegre para
Sant’Ana do Livramento que se estendeu de 2005 à 2008.
Não tratarei sobre a história de Canabarro, embora esta esteja como “pano de
fundo”, pois meu objetivo é fazer um relato sobre as tratativas com
autoridades, familiares e o público em geral, com base
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em documentos, fatos, opiniões, material que a imprensa produziu sobre esse
evento. Boa parte desta obra é composta pela transcrição das notícias e
material divulgado na imprensa do Estado, todas as fontes aqui utilizadas
foram transcritas com toda a fidelidade e cópias autenticadas, desses
documentos, serão doadas ao Museu David Canabarro em Sant’Ana do
Livramento, após o lançamento deste livro.
Este translado, não seria possível sem o dedicado trabalho das pessoas que
compuseram a Comissão oficializada pelo então Secretário Estadual de
Cultura, Roque Jacoby, para este fim: Eu Edilson Villagran Martins, na
condição de Presidente, Antonio Augusto Fagundes, Elisa Largura, Iraci Zart,
Ivo Benfatto, Jerry Valiente, José Vilmar de Medeiros, Luis Clóvis Rodrigues
Fernandes, Manoelito Savaris e Natalina Cardoso Moreira Martins.
Esta Comissão trabalhou visando a realização do translado, acompanhando a
tramitação de documentos, autorizações e liberações necessárias ao processo
de translado dos restos mortais do General David Canabarro de Porto Alegre
para Sant’Ana do Livramento.
Todo o rico material produzido pela imprensa ao longo dos três anos de
trabalho dessa Comissão não poderia ficar engavetado, em meio a arquivos
privados, não somente por algumas peculiaridades sobre o General
Canabarro, descritas pelos descendentes e que a História não escreveu. Mas,
sobretudo, pela importância histórica que o próprio processo de translado
obteve, porque, de um lado, se trata do um dos grandes vultos da Revolução
Farroupilha e, de outro, pela dimensão que tomou este acontecimento em
termos de um debate público que envolveu todo o nosso Estado.
O processo de translado de uma figura histórica como esta, envolve sempre
vários fatores e mexem com fatos ou versões já consolidados historicamente.
Com isso, se reabriu o debate em torno da figura de Canabarro, quanto ao seu
papel no capítulo final da Revolução Farroupilha, em especial, quanto ao
episódio do ataque “surpresa” de Porongos. Creio que isso justificou o
processo de translado, pois fomentou a análise sobre a importância de nossos
heróis e, acima de tudo, um despertar de nossa memória, ao mesmo tempo em
que mobilizou vários segmentos sociais como pesquisadores, historiadores,
políticos, estudantes, ativistas sociais e outros tantos. Estamos vivendo
tempos em que símbolos patrióticos estão enormemente desgastados, onde
nossos Brasões são desrespeitados, onde as cores e símbolos das bandeiras,
brasileira e sul-rio-grandense são estampados e usados como peças de
vestuário comum. Creio firmemente que ação de transladar os restos mortais
do General Canabarro contribuiu de algum modo, para um despertar cívico de
uma grande parte da população gaúcha e brasileira que ainda preserva este
valor.
Há quem entenda que Canabarro não foi figura importante, na formação
histórica e política gaúcha, ou mesmo, que foi uma figura nefasta por sua
suposta “traição” na Batalha de Porongos –14 de novembro de 1844 - Pinheiro
Machado/RS.
Porém há fortes indícios, defendidos por diversos historiadores, de que o
desfecho da Batalha de Porongos, foi causado por um ofício de Caxias,
supostamente forjado por Francisco Pedro de Abreu (Moringue), para
incriminar e desmoralizar o líder farroupilha.
A suposta “traição”, creio ser fruto de uma avaliação parcial da história, pois
existem os que defendem e os que culpam David Canabarro pela derrota, cabe
à nós, pesquisadores e amantes da história ir atrás dos fatos e conhecer os
dois lados, para tirarmos nossas conclusões.
Lembremos que David Canabarro comandava a última força farroupilha, com
um contingente com cerca de 600 soldados (brancos e negros), muito menos
que as forças imperiais que enviaram ao combate 1.120 homens sob o
comando do Coronel Moringue. Muitos soldados de Canabarro morreram em
combate e praticamente a metade se tornou prisioneira. Os Lanceiros Negros
lutaram até o fim para defender os farroupilhas com bravura e poucas armas,
sonhando com sua alforria, como havia sido prometida.
O ofício encaminhado por Caxias ficou conhecido como “Carta de Porongos” e
sua autenticidade ainda hoje é questionada, já que a versão que se tornou
pública é uma cópia, e a original nunca foi encontrada.
Hoje em dia com o advento da tecnologia, através da internet, por exemplo,
podemos encontrar diversas informações importantes sobre a Batalha de
Porongos, todas com um grau de importância, que merecem serem lidas. Na
Revista de História (Biblioteca Nacional) encontramos bons textos sobre o
assunto, entre eles um que foi publicado em 19/11/2010, que fala sobre os
Lanceiros Negros e a “Carta de Porongos”, é um bom começo para pesquisar
sobre o acontecimento.
Canabarro foi um patriota e devoto da liberdade, pois sempre nos episódios
que ajudaram a definir, nossas fronteiras, sul rio-grandenses, as suas atitudes
garantiram e evitaram que forças estrangeiras invadissem nosso território. Por
exemplo, quando ele assim se manifestou, dirigindo-se a Dom Juan Manoel
Ortiz de Rosas, El Tigre de Palermo e então ditador argentino, quando este
ofereceu, visando interesses próprios, homens, munição e cavalos para
combater os Imperiais: “O primeiro de vossos soldados que transpuser a
fronteira, fornecerá o sangue com que assinaremos a paz com os Imperiais”.
Por isso, descrevo todos os fatos ocorridos nesse processo de translado, pois
como diz um ditado popular: “Quem não mostrar seus guardados, não entra
na História”.
David Canabarro não foi e nunca será uma unanimidade, mas sua
história e seus feitos não devem ser ignorados, pelo contrário, devem ser
preservados e respeitados por tudo que ele foi e conquistou. Todas as histórias
do mundo têm duas ou mais versões e com a nossa história não é diferente,
portanto devemos sempre ler com atenção as versões existentes e fazer um
análise criteriosa, para que os fatos fiquem definitivamente esclarecidos. A
história “verdadeira” é sempre uma narrativa, uma versão coerente dos fatos,
o que fazemos é sempre reler o passado com os olhos do presente e buscar no
passado elementos que realmente sejam comprobatórios ou concernentes de
pontos-de-vista que são mais nossos do que de nossos antepassados.
Todo este processo de translado foi importante e contribuiu, no meu entender,
para história de nosso Estado, porque lá adiante quando o futuro der uma
olhada para traz, vai saber que tivemos a sensibilidade de dar um lugar digno
e merecido a um herói, atendendo ao pedido de um outro herói já citado na
epigrafe deste texto.
A história continua.........
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