Curso Online A Escola no Combate ao Trabalho Infantil
Mitos e Verdades sobre o Trabalho Infantil
Propercio Antonio de Rezende1
1 – Mito
Para falar de mitos e verdades relacionadas ao trabalho infantil, vejamos, primeiro, o
conceito de mito. Todas as palavras ganham conceitos definidos em determinados
contextos. Assim, utilizaremos o conceito de mito, não no contexto de estudos mais
profundos como os estudos filosóficos ou simbólicos da mitologia, mas no contexto da
própria escola, uma vez que o objetivo deste texto é auxiliar os educadores na
compreensão da problemática da exploração do trabalho infantil com vistas a abordar este
tema com seus alunos.
Segundo o site Brasil Escola, bastante conhecido dos professores, “mitos são
histórias de caráter popular ou religioso que tem como objetivo a explicação de coisas
complexas, que passavam do entendimento das pessoas comuns na época de seus
surgimentos”2. Definições semelhantes serão encontradas também em outros sites
conceituados, como o UOL Educação3 ou Infoescola4, ou em bons dicionários.
Imaginemos, por exemplo, um ser primitivo que não tem a mínima condição de
compreender um raio. Ele cria, conscientemente ou não, uma história que traz uma
explicação para o raio, que passa a ser visto, por exemplo, como a manifestação da ira de
um determinado deus. Ainda que o ser primitivo continue sem poder controlar o raio, o fato
de agora compreendê-lo, pois ele acredita fielmente na explicação mitológica, lhe traz
algum conforto.
É interessante percebermos que o mito mantém uma ligação com a percepção da
realidade. O ser primitivo, no exemplo dado, não escolhe aleatoriamente o raio como
manifestação da ira divina, mas o faz, por conta deste (o raio) ser algo que aparenta a ira,
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Ex-conselheiro tutelar, Pós-graduado em Comunicação Social, Coordena os Cursos à Distância do Centro
de empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da Fundação Instituto de Administração.
Atua como consultor para direitos da criança e do adolescente e trabalha com capacitação para atores do
Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
2
Conforme <http://www.brasilescola.com/mitologia/>, acesso em 15 de outubro de 2012.
3
http://educacao.uol.com.br/artes/mito-e-arte.jhtm
4
http://www.infoescola.com/redacao/mito-ou-lenda/
seja pelo seu poder de destruição, pelo barulho que provoca etc. Também é importante
perceber que, havendo o mito, que não é real, ele passa a influenciar a realidade de
maneira objetiva. Não é verdade que exista um deus do trovão, mas, por conta desta
história desprovida de comprovação, o ser primitivo passa a mudar sua forma de agir,
criando, por exemplo, rituais em que busca agradar e acalmar o ‘deus do trovão’.
Sabiamente, disse Fernando Pessoa:
“Assim a lenda5 se escorre,
A entrar na realidade
E a fecundá-la decorre6”
Ou seja, o mito, mesmo não sendo verdade, cria verdades. Como diz uma
interessante e resumida análise do poema acima7, “o mito, a lenda, fecunda a realidade,
gerando nela movimento e emoção”. Resumindo: o mito, ou a ideia que está ‘na cabeça’ do
ser humano, o faz agir de determinada maneira, independente de esta ideia ser verdadeira
ou não.
Voltando nosso olhar para a temática deste texto, o trabalho infantil, mas
considerando a análise do poder do mito de gerar realidade, veremos que é exatamente
isso que acontece com os mitos sobre o trabalho infantil.
2 – Mitos e Trabalho Infantil
O conceito de mito, usado em relação ao trabalho infantil deve, para sermos
coerentes, ser relativizado. Não se trata de uma explicação para algo sobrenatural, mas
continua sendo uma explicação que, ainda que encontre reflexos na realidade, não possui
respaldo científico ou comprovação de ser verdadeira. Mas, da mesma forma que o mito
para o ser primitivo, os mitos sobre trabalho infantil para nós hoje, causam transformações
reais na sociedade, pois, com base neles, uma parcela significativa da sociedade se pauta
e toma atitudes e posturas. Da mesma forma que o ser primitivo criava rituais para agradar
deuses cuja existência não podia provar, nós, hoje, tomamos posturas e atitudes com base
em mitos (informações não verdadeiras) sobre o fenômeno do trabalho infantil.
Dando um exemplo, uma pessoa defende que os filhos devem trabalhar desde cedo,
porque isso será bom para eles. Ela se baseia numa crença (usada aqui também como
5
A palavra lenda é utilizada, no poema, como sinônimo de mito.
Disponível em < http://www.pessoa.art.br/?p=320> Acesso em 15 de outubro de 2012.
7
Os que desejarem podem acessar em
<http://www.umfernandopessoa.com/an%C3%A1lises/poema-ulisses.htm> Acesso em 15 de outubro de 2012.
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sinônimo de mito), para tomar esta decisão, sem ter a preocupação de estudar a situação e
comprovar, com base em fatos, se o trabalho realmente fará bem para os filhos. Com base
na sua crença, que não objetividade, toma atitudes que terão consequências objetivas para
os filhos. Voltando ao poema de Pessoa, poderíamos dizer que o mito do trabalho infantil,
que está na cabeça do pai, ‘escorre’ para a realidade e a ‘fecunda’, infelizmente fazendo
nascer os prejuízos para o filho.
3 – Mito e Senso Comum
Se partirmos do conceito de senso comum apresentado no Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa, veremos que senso comum é um
“conjunto de opiniões, ideias e concepções que, prevalecendo em um
determinado contexto social, se impõe como naturais e necessárias, não
evocando reflexões ou questionamentos”8.
Certamente o leitor não demorará a perceber que há claras relações entre senso
comum e mito, na concepção apresentada acima.
A definição é clara ao dizer que o senso comum é construído em um determinado
contexto social, e, depois disso, se impõe como natural e necessário. No caso específico
do trabalho infantil, se considerado o contexto anterior ao do mundo industrializado,
podemos afirmar que havia uma situação de trabalho instalada e caracterizada em uma
realidade que difere totalmente da atual.
Os filhos acompanhavam os pais na sua atuação laboral. Estes pais, ou outros que os
substituíssem por qualquer motivo, se tornavam verdadeiros mestres e, à medida que a
criança trabalhava, ela realmente aprendia uma profissão. O pai, na pequena sapataria, por
exemplo, numa relação, inclusive, de convivência familiar e de transmissão de valores,
formava um novo sapateiro, transmitindo seu saber ao filho e o preparando para um futuro
que, no mínimo, garantiria a sua subsistência numa profissão semelhante a de seus
antepassados. Não havia uma relação de exploração do trabalho propriamente dita, mas
de formação, de convivência e de educação, tanto no aspecto profissional, como nas
questões dos valores e da ética.
Considerar hoje, num contexto totalmente diferenciado, que o trabalho infantil é bom,
por exemplo, para um empacotador num mercado, é aplicar o senso comum, que se
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HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Editora Objetiva, 2001. 3008 p.
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cristalizou no entendimento das pessoas, tomando o trabalho como bom por si só, e, como
diz a definição, desconsiderando a necessidade de reflexões e questionamentos.
O exemplo dado não esgota a questão mas, como exemplo que é, pretende ilustrar o
processo de transformação do senso comum em verdade estabelecida que, não tendo
suporte na realidade e na reflexão, se transforma em mito.
Se considerarmos que muitos dos pais das crianças que estão hoje na escola
trabalharam na infância e assimilaram o senso comum, ou os mitos em relação ao trabalho
infantil, desde muito cedo, não deve haver espanto ao percebermos que estes pais
defendem esta verdade, socialmente construída, querendo que seus filhos trabalhem.
Por conta da sua vivência, conforme descrito acima, é aceitável que os pais tenham
esta postura. Ao contrário, não devemos aceitar com naturalidade que nossos educadores,
que carregam a responsabilidade de formar seres humanos reflexivos, continuem apenas
repetindo o senso comum ou os mitos criados no passado, sem se debruçar sobre o
conhecimento atualmente produzido sobre a questão. Espera-se que os educadores numa
atitude embasada no saber e na reflexão, e coerente com o mundo em que vivem, possam
se posicionar com autoridade e com argumentação lógica e coerente sobre esta temática.
4 – Mitos e considerações
Abaixo são indicados alguns mitos comumente defendidos sobre o trabalho infantil e
algumas considerações sobre a realidade que eles ajudam a encobrir.
4.1 – Trabalhar ajuda na formação do caráter.
Muitos defendem que o trabalho ajuda na formação do caráter da criança. Há que se
refletir, porém, que o ambiente de trabalho, ao contrário da família ou da escola, não tem
como objetivo a formação do caráter ou a transmissão de valores. No ambiente de trabalho
espera-se que haja produtividade. Não se trata, assim, de um local em que a formação da
criança está no foco principal das ações.
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Na escola, ou em programas e/ou projetos de atendimentos a crianças e
adolescentes, por exemplo, parte-se do princípio da existência de profissionais
capacitados, com qualificação e preparo para a formação profissional e cidadã das crianças
e adolescentes. Nos ambientes de trabalho, ao contrário, não há como garantir uma
convivência em que os valores e a preparação para o futuro estejam presentes. É comum,
neste ambiente, que ao invés de valores como cooperação e respeito, a criança encontre
situações de competitividade extrema, de valorização dos resultados e lucros acima da
valorização das pessoas, da exacerbada cobrança por resultados etc., sem que haja
oportunidades para a reflexão sobre estas realidades que são, muitas vezes, naturalizadas.
4.2 – No trabalho a criança aprende regras e disciplina.
Da mesma forma que a construção do caráter não deve ser delegada ao ambiente
profissional, a aprendizagem de regras e de disciplina deve se dar em ambientes focados
nestas questões. Ao trabalhar, a criança teoricamente aprenderá a cumprir horários,
porém, este aprendizado se dará por meio do controle dos superiores e da aplicação de
penalidades (como descontos de salários, por exemplo), e não de forma pedagógica
sendo, inclusive, estressante para muitas crianças e adolescentes.
Na escola, ou em projetos sociais, esportivos e culturais, a aprendizagem acontecerá
pelo diálogo, pela reflexão sobre os reais motivos e a real importância das regras. A criança
perceberá, verdadeiramente, que regras são importantes para a convivência em grupo,
para o seu crescimento e para que os objetivos sejam atingidos podendo, sempre que
indicado, participar de reflexões sobre estas questões. Como dito acima, o ambiente
profissional é isento desta característica reflexiva, sendo caracterizado pela pura imposição
das regras.
4.3 – Trabalhar ajuda na manutenção da família.
Colocar a responsabilidade da manutenção da família, mesmo que
compartilhadamente, sobre crianças e adolescentes é, inicialmente, uma inversão de
valores. A lei brasileira é clara ao definir que cabe à família a educação, a proteção e o
amparo às crianças e, na falta de condições para que as famílias o façam, cabe ao Estado
o apoio familiar. Esperar que crianças e adolescentes ajudem no sustento da família é
retirar esta responsabilidade de seus pais e do poder público, para colocar este fardo sobre
aqueles que deveriam ser protegidos.
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Além disso, o trabalho de crianças e adolescentes perpetua a pobreza destas famílias
ao passo que, por trabalharem, estas crianças e adolescentes não conseguem se preparar
para assumirem postos de trabalho que representem uma ascensão social para a família.
Gera-se, assim, um círculo vicioso em que as crianças que hoje trabalham, precisarão, no
futuro, do trabalho precoce de seus filhos. Crianças e adolescentes devem estudar para
terem, no futuro, condições de suprir as necessidades das famílias que vierem a formar,
sem explorar seus filhos, rompendo com o círculo vicioso que hoje está instalado entre as
famílias de classes sociais menos privilegiadas.
4.4 – É melhor trabalhar do que ficar na rua.
A situação de rua é vista, em geral, como perigosa para crianças e adolescentes,
porém, responder a este problema com a colocação precoce no mercado de trabalho não
representa uma solução, mas a substituição de um problema por outro, Ao tirar a criança
da rua, para colocá-la no trabalho, trocam-se os riscos que ela correria na rua pelos
prejuízos que encontra no trabalho precoce.
A resposta para este tipo de situação deve ser a garantia de educação integral e a
oferta de alternativas que realmente ofereçam algo de bom às crianças, como projetos no
contra turno escolar, nos quais elas realmente se preparem para serem cidadãos
produtivos e atuantes. Responder ao problema da falta de políticas públicas com a
colocação da criança no mercado de trabalho é fazer, mais uma vez, com que a criança
pague pela ineficiência do poder público que tem a obrigação de oferecer estes serviços.
4.5 – Criança que trabalha será beneficiada pela experiência no mundo do
trabalho.
As experiências que o trabalho precoce possibilita às crianças e adolescentes são,
praticamente em sua totalidade, de pouco valor enquanto formadoras para a atuação
profissional. Em geral são atividades repetitivas, operativas, que não exigem raciocínio e
que não preparam nem para uma profissão específica e nem para se destacar no mundo
do trabalho.
Ao contrário, a participação em projetos de âmbito cultural, social e esportivo faz com
que a criança aprenda a conviver, a trabalhar em grupo, a resolver problemas etc., além de
oferecer condições reais para que ela desenvolva a capacidade de se posicionar frente a
grupos, de falar em público, de se expressar, oferecendo, ainda, uma base cultural que
servirá como diferencial em situações futuras de seleção ou atuação profissional.
4.6 – A criança que trabalha com os pais aprende a profissão deles.
Inicialmente é preciso considerar se a atividade realizada pelos pais realmente
configura uma profissão. Recentemente um promotor autorizou adolescentes a trabalharem
como catadores de material reciclável em um lixão, justificando ser correto os meninos
“seguirem a carreira das mães”9, citando que seria uma situação de aprendizagem. Ora,
9
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6
Veja matéria completa em <http://www.istoe.com.br/reportagens/176151_TRABALHO+INFANTIL+LEGALIZADO>
Acesso em 15 de outubro de 2012
além de oficialmente não existir, no Brasil, a profissão de catador de recicláveis 10, é óbvio
que a posição do promotor, em considerar esta atividade uma carreira profissional, mantém
estas pessoas na situação de risco que correm nos lixões, desconsidera os prejuízos
físicos e intelectuais destes adolescentes e cristaliza a posição social destas famílias,
impedindo que seus filhos se preparem para ocupar melhores postos de trabalho no futuro.
Mesmo nas situações em que os filhos podem realmente aprender uma profissão ao
trabalharem com os pais, deve ser obedecida a legislação brasileira em relação ao trabalho
infantil, de forma a garantir que não haja prejuízos físicos, intelectuais ou psicológicos a
estes filhos. Se um pai trabalha em uma serralheria, por exemplo, onde existem máquinas
perigosas, ele deverá ensinar a profissão aos filhos na idade em que estes possuírem
condições gerais e reais de exercê-la, ou seja, após os 16 anos.
4.6 – Criança sem ter o que fazer causa problemas.
Há muitas outras formas de manifestação deste mito, como o famoso ditado “mente
vazia, oficina do diabo”, sendo que todas elas colocam o ócio ou a ausência de atividades
(ou talvez a palavra mais adequada seja ‘ausência de obrigações’), como algo prejudicial
ao desenvolvimento da criança. Mesmo entre as famílias mais abastadas é comum que as
crianças tenham agendas cheias e pouco tempo livre para brincar, ou mesmo para não
fazer nada.
Existem vários estudos que afirmam que este tempo livre é fundamental para o
desenvolvimento da criança e para uma vida saudável mesmo aos adultos, o mesmo
valendo para a importância do brincar, quando a criança, por meio das brincadeiras,
contextualiza a sua situação no mundo, dando significado para as coisas e crescendo
também como pessoa. Outro aspecto a ser considerado é que o preenchimento do tempo
das crianças deve ser valorizado e ter como foco o seu crescimento e o seu aprendizado.
Neste sentido, mais uma vez, utilizar o trabalho para este fim não é o mais indicado. Se
desejarmos que realmente a criança se desenvolva, o preenchimento de seu tempo deve
ser qualificado, com atividades culturais, esportivas, de convivência familiar e comunitária e
não com atividades de trabalho.
4.7 – Trabalhar não faz mal a ninguém.
Talvez este seja o mito, e a afirmação mais absurda de todas. Todos nós
conhecemos pessoas adultas que carregam prejuízos por causa do trabalho. Quantos não
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7
Ver <http://noticias.r7.com/economia/noticias/dilma-veta-regulamentacao-da-profissao-de-catador-de-materialreciclavel-20120111.html> Acesso em 15 de outubro de 2012.
possuem graves problemas de coluna por falta de mobiliário adequado ao trabalho, surdez,
prejuízo na visão, ou mutilações por conta de falta de equipamentos de segurança etc. Se
para o adulto o trabalho pode fazer mal, ainda pior é situação para as crianças, pois os
equipamentos não são adequados a elas e nem o seu desenvolvimento físico, intelectual e
emocional é adequado para o trabalho. Um exemplo corriqueiro, relacionado ao trabalho
doméstico, diz respeito à altura da pia, do fogão ou ao comprimento do cabo da vassoura.
São equipamentos que foram feitos para serem utilizados por pessoas adultas, com um
mínimo de altura.
Por outro lado, mesmo quando a criança é grande, estando aparentemente preparada
para utilizar estes equipamentos, sua formação óssea e/ou muscular ainda não está
totalmente desenvolvida. Sendo assim, um trabalho que seria correto, ou normal, para um
adulto, em termos de peso e esforço, por exemplo, pode causar danos irreversíveis a uma
criança. E para os que dizem: “eu trabalhei e não morri”, é preciso informar que mais de
seis mil pessoas morrem por dia, no mundo, por acidentes de trabalho, estando as crianças
entre as maiores taxas de mortalidade e danos irreparáveis.
4.8 – Se a criança estudar, não tem problema que trabalhe.
Além de todos os prejuízos que o trabalho precoce causa à criança, como os
prejuízos físicos, independente dela estar estudando ou não, a criança que trabalha,
mesmo que vá para a escola, estará em condições de desigualdade para acompanhar os
estudos se comparadas com as que não trabalham. O trabalho, ainda que realizado no
contra turno escolar, trará prejuízos para a educação, pois esta criança não terá tempo
suficiente para descansar, para estudar em casa, fazer tarefas ou trabalhos escolares,
além de nunca poder participar de atividades extras que a escola promova no contra turno
das aulas, como passeios ou visitas.
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8
A criança que trabalha vai para a escola cansada, se torna mais desatenta e tem
maiores dificuldades para participar das atividades intra e extraclasse. Pesquisas mostram
que a evasão escolar é maior entre as crianças que trabalham. Da mesma forma, estudos
focados no desenvolvimento e no crescimento econômico de diversos países mostram
claramente, que estes países investiram pesadamente em educação em tempo integral e
com qualidade. Não se tem notícia de algum país que tenha se desenvolvido se
aproveitando da força de trabalho de suas crianças e adolescentes.
5 – Considerações Finais
Certamente estes não são os únicos mitos que circulam pelo imaginário e pelo senso
comum da população brasileira em geral, porém, eles são suficientes para ilustrar a
importância de que, ao invés da repetição impensada do que se ouve falar, é preciso que
se analisem os fatos, as pesquisas, as informações consistentes e de fontes seguras que
existem sobre a problemática da exploração do trabalho infantil.
Segundo o dramaturgo inglês Robert Oxton Bolt, uma crença (considerada aqui como
sinônimo de mito), não é somente uma ideia que a mente possui, mas também uma ideia
que possui a mente. Ou seja, é preciso que educadores, e outros formadores de opinião e
de cultura, estejam atentos para não serem reféns de ideias e conceitos sobre os quais
jamais pararam para refletir ou estudar.
A cultura é uma construção social e, assim sendo, pode ser reconstruída. Há que se
considerar, num processo histórico dialético em que se insere uma sociedade, que esta
cultura não muda sozinha, e nem rapidamente, porém, a mudança será apressada na
proporção em que as temáticas forem citadas, colocadas para discussão, refutadas e
refletidas. Ainda que uma criança, que hoje é vítima do trabalho precoce, não possa ter sua
situação transformada imediatamente, por conta de diversos fatores, entre eles, certamente
a ineficiência ou inexistência de políticas públicas, se esta criança tiver consciência de que
está sendo explorada, terá uma postura diferenciada sobre sua realidade, não a tomando
por sinônimo de normalidade e não a reproduzindo com naturalidade.
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O trabalho infantil não será erradicado, e a cultura de aceitação desta prática não
mudará, sem ações intencionais, competentes, incisivas e permanentes, focadas na
conscientização da sociedade e na formação de uma nova opinião pública, baseada na
realidade e não em mitos ou no senso comum. A escola tem um papel fundamental neste
processo, junto com os demais operadores e defensores dos direitos de crianças e
adolescentes. Estas ações dão bons frutos, isso não se discute. Ainda que eles não sejam
colhidos pelas crianças e adolescentes que hoje trabalham precocemente, certamente
serão colhidos pelas gerações futuras.
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