Universidade Federal do Espírito Santo
Centro de Ciências Humanas e Naturais
Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal
METODOLOGIA CIENTÍFICA APLICADA A
BIOLOGIA ANIMAL
MATERIAL DE APOIO DIDÁTICO
Professor: Agnaldo Silva Martins
Vitória, 2005
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Aula 1 - Filosofando a ciência.
A ciência como uma manifestação do comportamento humano
♦ O homem dedica-se a ciência porque ela faz parte do comportamento
humano. Esse comportamento pode ser dividido em “genético” propiciado pela
evolução biológica, e “cultural” evoluído a partir da linguagem e transmissão
de conhecimento.
♦ A busca pela ciência não é necessariamente é uma manifestação cultural, mas
a cultura é certamente responsável pela realização da ciência.
As diversas manifestações culturais humanas
♦ A ciência é uma manifestação da cultura humana juntamente com a arte,
religião, moral e filosofia. Somam-se a essas os conhecimentos do cotidiano
transmitidos culturalmente conhecidos como senso comum.
♦ A moral e o senso comum referem-se ao lado prático do ser humano e,
portanto distanciam-se das demais, pois não buscam concepções ou essência
da realidade.
♦ A ciência e filosofia têm muito em comum, pois ambas buscam o
conhecimento de maneira racional, mas a ciência preocupa-se com parcelas
da realidade e a filosofia com o todo.
♦ Filosofia, arte e religião têm muito em comum, pois procuram dar uma
interpretação da realidade e forjar uma concepção do universo, porém diferem
em como buscar essa concepção. A arte e religião são subjetivas e não
requerem explicações ou demonstrações racionais.
♦ Dessa forma a filosofia aparece como uma manifestação integradora e
racional da cultura humana, com papel decisivo na formulação de concepções
e conceitos que norteiam a realização de diversas manifestações,
principalmente na ciência.
A filosofia a sua importância para a ciência
♦ A filosofia é a essência do conhecimento e resume-se em usar
conscientemente o pensamento de maneira lógica e objetiva para entender
tudo o que nos cerca. Tem duas características básicas: 1º orienta-se para a
totalidade dos objetos e 2º tem caráter racional e cognitivo desta orientação.
♦ Define-se a filosofia como: uma tentativa do espírito humano para chegar a
uma concepção do universo por meio da auto-reflexão sobre as suas funções
de valor teóricas e práticas.
♦ A filosofia aparece como uma matéria obsoleta para grande parte dos
cientistas, pois a consideram limitada para a compreensão da realidade se
comparada com a ciência moderna, com métodos sofisticados de percepção.
♦ A filosofia, no entanto é de fundamental importância ao cientista, pois é
através dela que se faz a reflexão do “por que” fazer ciência, “para que” fazer
ciência, “para quem” fazer ciência e “até onde” a ciência pode ir.
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
♦ A filosofia, por seu caráter holístico busca reflexão sobre todos os aspectos da
cultura humana, assim temos três grandes áreas da filosofia que englobam os
valores (ética, estética e religião), a ciência (teoria do conhecimento e lógica)
e a concepção do universo.
♦ A teoria do conhecimento, também chamada de Filosofia Fundamental ajuda
os cientistas na reflexão aprofundada sobre o verdadeiro papel da ciência e de
como poderemos chegar mais próximos da “verdade”.
♦ Discutiremos a seguir questões sobre a possibilidade de chegarmos a
verdade, a necessidade da razão ou experiência para chegarmos a verdade e
finalmente a essência da verdade (ou conhecimento).
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Aula 2 - Teoria do conhecimento: possíveis classificações.
Quanto à possibilidade do conhecimento: podemos realmente descobrir a
verdade?
•
Dogmatismo: Não há duvidas de que a verdade está ao nosso alcance.
Não visualiza uma relação entre sujeito e objeto e, portanto não há
problema em obter o conhecimento. Posição de confiança total na razão
humana.
•
Ceticismo: Não podemos descobrir a verdade. Não existem juízo nem
conhecimento verdadeiro. Atualmente o ceticismo mais comum no meio
científico é o positivismo que exclui a possibilidade do conhecimento
metafísico (não há conhecimento possível a partir do pensamento ou do
espírito humano).
•
Subjetivismo: A verdade é limitada ao sujeito que conhece e julga
(subjetiva). Não existem verdades universais.
•
Relativismo: A verdade é relativa, depende de fatores externos (o meio, a
época, a influência da cultura etc.). Não existem verdades universais.
•
Pragmatismo: Parte do conceito do ser humano como um ser prático, que
tem a inteligência a serviço de sua vontade. Nessa linha, o verdadeiro é o
útil, valioso, prazeroso, fomentador da vida.
•
Criticismo: É possível chegarmos à verdade, porém analisando,
desconfiando e criticando tudo. Não aceita despreocupadamente as coisas,
embora tenha uma posição positiva em relação ao conhecimento.
Quanto à origem do conhecimento: a verdade pode ser descoberta a partir
da razão (dedutivamente) ou a partir da intuição (indutivamente)?
•
Racionalismo: A verdade só existe quando é logicamente necessária e
universalmente válida. Não existem verdades parciais ou construídas a
partir da indução. É a base das ciências derivadas da matemática e física.
•
Empiricismo: A verdade só pode ser obtida a partir da experiência
(observação). Constrói-se a verdade acumulando-se experiências (método
indutivo). É a base das ciências naturais.
•
Intelectualismo: Podemos chegar a essência universal das coisas, mas
para isso temos que passar pela experiência para chegar a ela. Considera
a verdade como o núcleo de um cristal escuro. Quando o iluminamos
(experiência) conseguimos ver sua essência.
•
Apriorismo: Existem verdades universais apenas como conceitos (idéias).
A verdade tem que ser construída com a experiência. Exemplo:
considerando a verdade como um copo cheio de água, o apriorista
considera que temos o conceito ou forma (copo) que depois de preenchido
com a experiência (água) forma a verdade.
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Quanto à essência do conhecimento: Onde reside o conhecimento (sujeito,
objeto, absoluto, Deus)?
Soluções pré-metafísicas: Não diz respeito à origem do sujeito e do objeto.
•
Objetivismo: O objeto tem uma estrutura totalmente definida, a qual é
reconstruída pela consciência do sujeito.
•
Subjetivismo: Conhecimento centrado no sujeito. A verdade está contida no
mundo das idéias.
Soluções metafísicas: Discute-se de maneira lógica e racional a origem ou
essência do sujeito e objeto.
•
Realismo: Existem coisas reais, independentes da consciência. É dividido
em Realismo Ingênuo que os objetos são tal qual percebemos, o Realismo
Natural que distingue o objeto e seu conteúdo (o objeto é real, mas suas
propriedades são discutíveis) e Realismo Crítico que igualmente admite a
existência dos objetos, mas que suas propriedades (cor, cheiro, etc..) só
existem em nossa consciência.
•
Idealismo: Não existem coisas reais, independentes da consciência.
Divide-se em Idealismo Psicológico que considera que toda a realidade
está na consciência do sujeito e o Idealismo Lógico ou Objetivo que
considera que o objeto é um produto do pensamento lógico. As coisas são
apenas conceitos, não são reais, nem conteúdo de nossa consciência.
•
Fenomenalismo: Existem coisas reais, porém não podemos conhecer sua
essência (Kant).
Soluções teológicas: Parte-se do absoluto para definir objeto e ser.
Monista e panteísta: Há uma unidade de tudo (sujeito, objeto, pensamento, ser
consciência, coisas). Sujeito e objeto são dois aspectos da mesma realidade.
Nesse caso inexiste o problema do conhecimento pois sujeito e objeto estão
relacionados em sua origem. Isso é proposto por diversas correntes de
pensamento religioso oriental e por Spinozza.
Dualista e teísta: Tanto o ideal e a realidade, pensamento e ser coexistem em
harmonia, pois são coordenados por uma divindade que garante a ordem e
coerência de tudo (cristianismo e demais filosofias religiosas teístas). Assim como
a anterior elimina a necessidade da análise do conhecimento e da verdade do
ponto de vista lógico.
O conceito de verdade
A verdade significa a concordância do pensamento consigo mesmo.
Esse conceito completa-se com a utilização de dois critérios:
1) Critério idealista (utilizado pelas ciências formais, por exemplo,
matemática): ausência de contradição.
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2) Critério realista (utilizado pelas ciências naturais): presença de uma
evidência.
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Aula 3 - As buscas da ciência
•
Construção da verdade.
•
Ampliação do conhecimento.
•
Busca de ordem ou padrões na natureza ou em conceitos abstratos.
•
Criação de uma concepção do universo.
Diferenças entre ciência e senso comum
•
Senso comum é o conhecimento usado no dia-a-dia de qualquer pessoa,
usado para interpretar e organizar mentalmente o mundo a sua volta.
•
Ciência é o conhecimento adquirido de forma sistemática, metódica e
crítica de forma a torná-lo mais universal e demonstrável. Em outras
palavras, é a universalização do senso comum através da racionalidade e
do método.
SENSO COMUM
CIÊNCIA
Busca de princípios explicativos e visão
unitária da realidade: não apenas
classifica o conhecimento, mas o ordena
em relação a princípios explicativos.
Solução de problemas imediatos e
espontaneidade:
Sem
indagações
sobre o significado mais profundo das
coisas e sem planejamento (é adquirida
na medida em que é necessário).
Dúvida, investigação e conhecimento:
parte de lacunas de conhecimento para
iniciar um processo lógico de descoberta
até atingir o conhecimento.
Caráter
utilitarista:
refere-se
à
resolução de problemas cotidianos e
não se baseia em pressupostos
teóricos ou paradigmas. Exemplo:
medicina caseira.
Ideal de racionalidade e verdade sintática:
ausência
de
contradições
e
sistematização
de
conhecimento.
Coerência lógica com os enunciados,
teorias e leis existentes.
Subjetividade: geralmente é pouco
demonstrável
e,
portanto
muito
relacionado
a
quem
o
gerou,
normalmente através de métodos e
percepções
próprias.
Dificilmente
demonstrável.
Ideal da objetividade e a verdade
semântica:
resultados
devem
ser
demonstráveis através de evidências e
verificações.
Linguagem vaga: A descrição do
conhecimento baseado em senso
comum é pouco específica e, portanto
pouco sujeita a críticas, verificações e
reprodução dos resultados.
A verdade pragmática: resultados são
expostos à crítica e análise subjetiva pela
comunidade científica.
Linguagem específica e poder de crítica.
Desconhecimento dos limites de
validade: devido a ausência de método
e imprecisão na linguagem, é
impossível determinar objetivamente o
grau de aplicação do conhecimento
adquirido.
Caráter hipotético
científico.
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do
conhecimento
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Conceitos e preconceitos ligados à ciência
Ciência básica ou ciência aplicada?
•
Existe a separação entre as duas modalidades de ciência? A ciência
básica só existia na antiguidade, quando pouco se sabia? A ciência só é
válida se apresenta solução para problemas humanos? O saber pelo saber
é uma atitude irresponsável perante a realidade do mundo?
•
Não existe uma distinção entre ciência básica e aplicada. Se for aplicado
um método científico e se o conhecimento adquirido e novo e demonstrável
(testável), SEMPRE é ciência. Existem resultados que podem ser utilizados
imediatamente na resolução de problemas humanos e outros têm uma
aplicação indireta.
Ciência e sociedade
•
A ciência deve sempre demonstrar uma preocupação social? A sociedade
deve participar do processo científico? Até que ponto a sociedade deve ser
responsável pela manutenção da ciência?
•
A preocupação social da ciência deve ocorrer pelo rigor do método
aplicado e o cumprimento de prazos e resultados previstos em projetos, em
caso de financiamento público. A sociedade deve ter noção do que os
cientistas estão fazendo e qual a relevância imediata e indireta das
pesquisas para a melhoria das condições de vida. A medida em que a
sociedade conhece o que os cientistas fazem, como fazem, porque fazem
e que eles são pessoas comuns, esta disporá de mais recursos para
manter a ciência.
O dogmatismo e o cientificismo
•
Após a era industrial e o triunfo tecnológico, criou-se a noção de que a
ciência tem um imenso poder, é infalível e pode dominar o mundo. Essa
visão de confiança cega na ciência gera enormes distorções no próprio
meio científico. Recentemente tem se demonstrado em investigações da
física quântica que a ciência é limitada e falível. Não pode explicar tudo e
nem pode dar certeza de nada.
•
A VISÃO CRÍTICA E DE HUMILDADE DO PESQUISADOR DIANTE DAS
QUESTÕES DA NATUREZA E METAFÍSICAS É FUNDAMENTAL PARA O
DESEMVOLVIMENTO DA CIÊNCIA.
Ciência e saber
A busca do saber pelo saber deve ser o principal impulso da ciência. A
universidade constitui-se em um dos únicos redutos da atividade de aquisição do
saber desinteressado. Esse processo não implica na desconexão do indivíduo
com a realidade, a qual pode existir através da prática da cidadania. A vida
acadêmica é onerosa para a sociedade e deve ser valorizada pela busca do saber
prioritariamente para a humanidade e não para um fim específico.
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Aula 4 - A lógica da ciência e o Método científico.
Uma visão histórica do método da ciência
A histórica de lógica científica pode ser dividida em três grandes fases:
Ciência grega (Século VIII A.C. até o Século XVI, Ciência Moderna (Século
XVII até início do Século XX) e Ciência Comtemporânea (iNício do Século XX
até hoje).
Ciência Grega: Caracterizada pelo uso do pensamento filosófico (CIÊNCIA DO
DISCURSO) e ausência de um método de observação sistemática ou
experimentação. Pode ser dividida nos 1) Pré-Socráticos, que se baseavam na
especulação e explicação racional dos fenômenos percebidos, 2) Platônicos que
desconsidera totalmente os sentidos como fonte do saber, deixando o
conhecimento para o mundo das idéias (saber ideal) e 3) Aristotélicos, que partia
das observações dos fatos para construir um conceito universal.
Ciência moderna: Surge com o Renascimento, que introduziu a experimentação
científica e o indutivismo. Pode ser dividido em duas linhas:
1) Indução e Empirismo de Bacon que pregava o processo de
experimentação como início do processo científico seguido da formulação
de hipóteses, repetição do experimento por outros cientistas (confirmação),
repetição do experimento para teste de hipóteses (re-confirmação),
formulação das generalizações e leis.
2) Leitura do Livro da Natureza (Galileu): Prega a linha indutiva, porém
considerando a existência de princípios universais que regem todas as
coisas (desenvolvida por físicos e matemáticos).
A ciência moderna tem sua maior expressão no Método Científico descrito por
Newton em 1687. Baseia-se em observações como base do conhecimento, o qual
é utilizado para obtenção de generalizações ou teorias consideradas totalmente
verdadeiras. Através deste, descreve-se o Método Científico indutivo confirmável:
OBSERVAÇÃO DE ELEMENTOS QUE COMPÕEM O FENÔMENO
ANÁLISE DA RELAÇÃO QUANTITATIVA ENTRE OS ELEMENTOS QUE COMPÕEM O
FENOMENO
INDUÇÃO DE HIPOTESES QUANTITATIVAS
TESTE EXPERIMENTAL DAS HIPOTESES PARA VERIFICAÇÃO CONFIRMABILISTA
GENERALIZAÇÃO DOS RESULTADOS EM LEI
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Ciência contemporânea: A lógica dedutiva, a incerteza e a ruptura com o
cientificismo.
O questionamento da indução
Após o Século XX, a física desenvolveu a mecânica quântica e a teoria da
relatividade, entre outras idéias, que mostraram que estávamos longe de
conhecer verdades absolutas e universais (o maior exemplo disso é o princípio da
incerteza de Heisenberg). Mais que isso, a linguagem humana tinha limitações
para explicar alguns aspectos da natureza. Essas idéias impulsionaram a ruptura
com o cientificismo, o dogmatismo e a certeza da ciência.
O surgimento da lógica dedutiva
Nessa época surgiram os filósofos que criticaram a lógica indutiva. Segundo este,
é impossível fazer generalizações a partir de uma quantidade limitada de
observações. Quase sempre será impossível observar todos fatos relativos ao
experimento. A idéia de um cientista funcionando como uma mera câmera
registradora de imagens e organizando-as era logicamente insustentável.
A linha de Popper
Popper propõe então a lógica dedutiva como base para a ciência. Derruba-se o
Método Científico e substitui-se este por “Critérios” para se fazer ciência. Segundo
este se deve partir de uma hipótese e não da observação como base do
conhecimento. As principais características da lógica indutiva são:
1) Elaboração de hipóteses usando conhecimento pré-existente e
principalmente a inventividade humana (idéias “brotam” na mente humana
e sua origem é metafísica),
2) Elaboração de um procedimento (REPLICÁVEL) para testar ou falsear a
hipótese,
3) Não sendo possível falsear (negar) a hipótese, tem-se uma “verdade”
científica provisória.
4) Processo é todo baseado na crítica constante e na dúvida, eliminando a
necessidade da certeza como parâmetro essencial à ciência.
Descrição diagramática do método hipotético-dedutivo.
Problemas do método dedutivo:
1) O princípio da falseabilidade (negação) de hipóteses vai contra a natureza
humana.
2) Em ciências naturais é difícil estabelecer hipóteses em estudos pioneiros.
3) Muitas idéias podem não ser testáveis.
4) Até hoje sua aplicação é restrita a algumas áreas da ciência.
5) A idéia metafísica da inventividade humana pode ser considerada
incoerente com o desenvolvimento científico?
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Conclusões:
•
A Trilha de Ciência (Popper, 1972, páginas 303 a 308).
•
Existem alternativas as ciências naturais?
•
Sem falseabilidade não há ciência?
Problemas filosóficos ligados ao método científico
A contribuição de Descartes e o cartesianismo
Segundo Descartes, “um problema deve ser dividido em tantas partes quantas
necessárias para compreendê-lo”. Tal idéia gerou más interpretações e alguns
atribuem a elas a fragmentação da ciência moderna (exemplo, medicina). O real
significado da idéia de Descartes deve ser interpretado como uma dica útil na
prática científica e não uma filosofia anti-síntese.
O holismo
Diversas idéias, provenientes principalmente da ecologia de sistemas na época
moderna, levaram ao jargão: “o todo é mais do que a soma das partes”. Sua má
interpretação alimentou linhas dogmáticas e espiritualistas das ciências naturais.
A frase apenas exprime o aparecimento de novas propriedades de níveis de
organização maiores.
O debate de análise síntese
Ambos são necessários ao entendimento sendo o primeiro necessário à
construção da compreensão pelo pesquisador e o segundo necessário para a
conclusão, expressão e divulgação dos conhecimentos para a comunidade
científica.
As crenças científicas na ordem e em princípios organizadores.
O caráter subjetivo da ciência: a ciência é feita por pessoas e como tal está
sujeito a muitas interpretações tendenciosas não verificáveis nas entrelinhas dos
trabalhos científicos. Por isso a crítica e dúvida são sempre essenciais ao
desenvolvimento da ciência.
O problema da replicabilidade para algumas áreas das ciências naturais
(exemplo: ecologia).
A probabilidade e estatística como elemento decisivo na ciência
•
Segundo Popper, a probabilidade pode apenas corroborar com uma teoria
provisória e não fornecer uma definição ou certeza da verdade.
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•
A estatística tem sido aliada do método indutivo no sentido de atribuir-se a
ela um poder de resolução de questões científicas muito maiores do que
elas realmente têm. É comum observarmos pesquisas cujas conclusões
são baseadas inteiramente em testes estatísticos.
•
No século XX surgiram diversos métodos estatísticos (exemplo, análise
multivariada) que “viraram moda” e consideradas como a “solução para
todos os problemas” (panacea).
•
A estatística deve ser encarada como um conjunto de métodos para
aumentar o grau de objetividade de um resultado científico perante a
comunidade de cientistas que vão criticar o trabalho. Não deve gerar, por si
só, conclusões e sim corroborar hipóteses. A intuição e interpretação
analítica do pesquisador deve estar acima da “verdade matemática”.
•
É possível “mentir” usando a estatística.
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Aula 5 - O processo da ciência.
Estrutura da ciência: Redes de pesquisadores concentrados em universidades e
institutos de pesquisa. Como organizações independentes temos as associações
científicas e as editoras científicas. Difere de organizações políticas, religiosas e
militares.
Hierarquia na ciência: Existem na ciência títulos ou graus que distinguem
diferentes “níveis” de cientistas, mas ao contrário das organizações religiosas e
militares, não existe uma hierarquia artificial rígida. Esta deve ser estabelecida na
ciência basicamente pela diferença no conhecimento e experiência numa
determinada área.
Divulgação na ciência: Ocorre formalmente apenas em instâncias técnicas e de
acesso restrito aos cientistas (notas, artigos, revisões, capítulos de livros, livros).
Inexistem meios formais de divulgação ou popularização da ciência ou formação
de pessoas para esse fim.
A formação do pesquisador (aptidões): A formação do cientista é um processo
lento e gradual que requer treinamento para diversas habilidades. Basicamente
toda a pessoa que pretende dedicar-se à ciência deve ter sete características
básicas:
1) Curiosidade intelectual: Não há satisfação com explicações superficiais
para fenômenos ou idéias.
2) Espírito crítico: Colocação de tudo em dúvida e realização de análise crítica
de qualquer novo conhecimento que lhe é colocado.
3) Entusiasmo: Há paixão e gosto no trabalho realizado (não é por obrigação).
4) Independência intelectual: Confiança no próprio julgamento e, portanto,
sem muitas influencias dor outros. A novidade exige contestação, rebeldia,
posturas ousadas.
5) Dedicação e persistência: Dedicação ao trabalho de forma obstinada e não
há desistência fácil diante de dificuldades.
6) Ambição: Valorização das próprias idéias e realizações e luta para obter
crédito e fama pelos feitos.
7) Objetividade: Prolixidade, excesso de demonstrações de resultados e
testes excessivos impedem a transmissão do conhecimento científico.
Riscos e dificuldades:
•
A independência intelectual pode levar a obstinação por uma idéia e
por falta de aceitação de críticas, levando o pesquisador a um
caminho equivocado e grande perda de tempo.
•
A dedicação em excesso pode gerar a figura do cientista viciado em
trabalho, sem vida pessoal ou social, fazendo com que esse perca
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
contato com o mundo a sua volta. Isso pode levar as instabilidades
físicas e psicológicas e possíveis perdas de um longo trabalho
desenvolvido.
•
A ambição pode levar ao “carreirismo científico”, isto é, o alcance do
reconhecimento e da fama pode colocar em segundo plano a busca
pelo conhecimento.
A formação do pesquisador (treinamento e sua problemática no Brasil):
9 Formalmente o pesquisador é reconhecido através da obtenção do título de
doutor, porém esse não é o caminho obrigatório. O doutoramento é
meramente um indicador formal de que a pessoa foi submetida a um
treinamento e testes compatíveis com a vida de um pesquisador.
9 A pós-graduação no Brasil é relativamente recente e construiu-se através
da incorporação (por vezes equivocada) de conceitos de outras partes do
mundo. Para manter-se estável adotou uma estrutura rígida e burocrática.
Os principais problemas são:
1. Existência da dissertação ou tese como grande objetivo do treinamento:
Esse processo não reflete a realidade da pesquisa atual. Os problemas
derivados disso são a exigência de elaboração de documentos extensos e
com pouco conteúdo, realização de extensas revisões de literatura
geralmente desnecessárias, austeridade por regras formais deixando o
conteúdo para segundo plano.
2. Proficiência do segundo idioma estrangeiro: leva a uma dispersão de
energia no investimento de aprendizado no idioma que é mais relevante na
área científica de interesse.
3. Resultados sem aprendizado: as exigências atuais são rigorosas na
conclusão de um trabalho (técnicas), mas bem leves no aprendizado do
fazer ciência (reflexão). A produção científica fica dependente dos
estudantes e a formação é mais de técnicos do que de cientistas.
4. Prazos inadequados: com a carência de recursos, os prazos tornaram-se
menores, mas as exigências não diminuíram no mesmo grau. Mesmo
assim, os prazos exíguos são preenchidos com uma predominância de
atividades técnicas.
5. Excesso de aulas formais: existe uma supervalorização pela transmissão
de conhecimentos técnicos formais, geralmente já passados em níveis
anteriores. Não são estimulados o autodidatismo e a reflexão.
6. Exigência de produtividade científica numérica: um grande número de
publicações não significa que o aprendizado da ciência esteja sendo
eficiente. É essencial que seja buscado, antes de tudo, a qualidade e a
inovação para que isso seja reproduzido ao longo da carreira científica.
7. A falta de crítica ou a aversão a esta. Normalmente as notas das teses são
entre 9,0 e 10,0 pelo fato de a banca ser indicada pelo próprio
orientador/orientado, não ocorrer a defesa quando essa apresenta falhas
graves, os co-orientadores fazerem parte da banca. Por outro lado as
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críticas ou recusas de projetos e artigos são encarados como questões
pessoais.
UM NOVO MODELO DE PÓS-GRADUAÇÃO (Volpato, 2001):
Modelo inovador para treinamento de cientistas (doutores) no qual o aluno
tem um prazo para desenvolver habilidades (conhecimentos) que serão avaliados
por meio de entrevistas. Além disso, o aluno deve publicar um trabalho como
único autor. Elimina-se o mestrado e a necessidade de disciplinas.
Atuação ou “sobrevivência” do pesquisador no processo da ciência:
Para que o processo científico ocorra é necessária a adequação as seguintes
etapas:
1. Vinculação a uma instituição de pesquisa: Institutos de pesquisa são mais
indicados por terem objetivos totalmente voltados para a ciência, porém
apresentam maiores direcionamentos e limitações para pesquisas básicas.
Dependendo da área de atuação, nem sempre é essencial a vinculação a
instituições para realizar pesquisas.
2. Adesão ou criação de um grupo de pesquisa: Atualmente a ciência
inovadora requer métodos cada vez mais complexos e exigem o trabalho
em equipe. Adicionalmente, necessita-se de vários financiamentos para
manter uma linha de pesquisa. De fato, a maioria dos artigos científicos é
de autoria múltipla hoje em dia.
3. Criação de uma infra-estrutura de pesquisa: Em ciências naturais
geralmente envolve, espaço físico, equipamentos, comunicação telefônica
e internet.
4. Obtenção de financiamentos: Elaboração de projetos destinados a diversas
fontes de financiamento. Os financiamentos de pesquisas acadêmicas são
escassos. Alternativamente pode-se recorrer a fontes alternativas tais
como, empresas, consultorias (serviços), fundos setoriais, projetos
integrados, órgãos regionais.
Problemas de financiamento e algumas soluções:
1. A falácia da falta de recursos: Em meios científicos pouco desenvolvidos
fala-se da inexistência de recursos para pesquisa. Essa afirmação é
inverídica e geralmente reflete a necessidade de uma justificativa para a
inércia de um grupo de pesquisadores.
2. Relação Universidade-Empresa: Tem sido visto como o grande salvador do
financiamento da pesquisa, porém pode implicar na falta de liberdade do
pesquisador em obter conclusões válidas e transformar os laboratórios em
meros prestadores de serviços técnicos.
3. Fundos setoriais: Editais que utilizam recursos de royalties de empresas
produtoras de bens e serviços. Geralmente voltado para áreas tecnológicas
e para geração de resultados práticos imediatos.
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4. Prestação de serviços: Geralmente implica em novos recursos para um
laboratório, porém torna a lógica produtivista e mercantilista predominante,
o que prejudica o processo criativo. Além disso, os trabalhos de consultoria
geralmente não geram resultados científicos inovadores.
5. Direcionamento dos resultados: Em algumas situações pode existir uma
“pressão” camuflada ou explicita para que os resultados tenham
determinado conteúdo “para o bem da nação”, “para o bem da empresa”,
“para evitar distúrbios sociais” etc.. O cientista deve manter a todo o custo
sua independência nos resultados científicos. Igualmente a ciência não
deve governar ações sociais e políticas (vide Bertrand Russel, 1977 –
Sociedade científica).
Algumas possíveis soluções: 1) planejar pesquisas básicas de baixo custo,
ainda que não levem a resultados tão relevantes de início, de forma a sustentar
um processo científico inovador contínuo. 2) Obter financiamentos de fontes
diversas, (porém sem sobrecarga, para evitar que o pesquisador transforme-se
em um burocrata), visando melhorias na infra-estrutura e acúmulo de dados que
possam subsidiar trabalhos monográficos ou manter índices de produção
científica. 3) Evitar excessos de adequações da linha de pesquisa a projetos
aplicados. O prejuízo em perda de tempo pode ser maior que o lucro obtido pelo
financiamento.
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Aula 5 - O método da ciência.
Os passos para a realização de uma pesquisa: A ciência é um processo onde
são intercalados passos criativos e subjetivos e passos técnicos e lógicos. Os
passos são: 1. Observação espontânea, 2. Criação (idéia), 3. Revisão
bibliográfica, 4. Definição do problema (objetivo), 5. Planejamento, 6. Estudo
piloto, 7. Coleta de dados, 8. Análise e interpretação dos dados, 9. Conclusão e
10. Elaboração da comunicação científica. Os passos 1 e 2 são criativos e/ou
subjetivos, o passo 8 envolve criatividade e lógica, o 9 é puramente lógico e os
demais são técnicos e/ou lógicos.
Observação espontânea: Fato que gerou a motivação do pesquisador para
iniciar o trabalho. Depende da sensibilidade do pesquisador. Determina o
direcionamento da pesquisa, e sua justificativa. Geralmente compõe a primeira
frase de um trabalho científico.
Criação: A idéia é o núcleo da pesquisa, define o que vai ser pesquisado. Uma
idéia significa uma alternativa que soluciona eficazmente uma questão. Boas
idéias (que levam a conhecimentos novos) geralmente quebram as expectativas,
são ousadas. A criação é o único passo eminentemente científico.
Geralmente boas idéias são barradas por pressupostos ou preconceitos:
1) Só idéias que podem ser testadas estatisticamente valem a pena explorar.
2) O emprego de técnicas sofisticadas de coleta e análise de dados é
essencial para o emprego de uma boa idéia.
3) Devido ao progresso atual da ciência, as inovações só podem ocorrer em
assuntos muito específicos.
4) Existência de escolas de pensamento (filosófico ou metodológicos).
Exemplo: Cladismo, ecologia evolutiva, reducionismo.
5) Crença de que boas idéias só podem vir de técnicos especializados.
6) Incapacidade de imaginar o impossível.
7) Crença na estabilidade do conhecimento científico.
Dicas para ter boas idéias ou escolher a melhor idéia:
•
São geralmente formas simples, mas muito diferentes de olhar
problemas antigos (ou até soluções antigas!). Porém deve-se tomar
cuidado, pois o senso comum mostra que existem muitas idéias
simples e equivocadas para uma única idéia simples que tem futuro.
•
Escolha aquela que tem maior possibilidade de causar polêmica na
discussão científica sobre determinado assunto. Porém, avalie bem
se além de ousada, a idéia tem chances de ser sustentada.
17
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
•
Tenha certeza que sua idéia não vai gerar um trabalho para
confirmar o óbvio.
Elaboração de hipóteses: Sempre é possível fazermos perguntas sobre uma
pesquisa, mesmo que sejam gerais. A elaboração dessas perguntas ajuda a
nortear o planejamento do trabalho e devem ser feitas mesmo que não constem
no texto final ou não sejam testáveis. Exemplo: quando vamos fazer um
levantamento faunístico, é possível elaborar hipóteses? As hipóteses são
elementos importantes da fase conclusiva de trabalhos pioneiros (subproduto).
Levantamento bibliográfico: Essa fase serve para verificar se as idéias e as
hipóteses a serem testadas são originais e em caso negativo, contribuir para
ampliação do conhecimento na área e ajudar na construção de novas idéias e
hipóteses.
Fases do levantamento bibliográfico:
1- Pesquisa do conhecimento geral: leitura de livros ou trabalhos clássicos
sobre os conhecimentos estabelecidos no assunto. Lembrar que os artigos
são idéias a procura de uma aceitação.
2- Pesquisa do conhecimento específico: procura
relacionadas em diversos índices de busca.
de
palavras-chave
3- Seleção prévia dos artigos encontrados por título (relacionamento com a
área), depois pela qualidade da revista e se ainda forem muitos artigos,
pela leitura dos resumos.
4- Obtenção dos artigos: usar a seqüência – on-line, biblioteca local,
biblioteca de outras universidades, carta ao autor.
Observação: as bibliografias utilizadas não devem servir para fazer longas
resenhas. Devem-se grifar elementos que reforçam a importância de sua idéia ou
a importância do estudo do problema ou ainda que apresentem novos elementos
que auxiliem no refinamento da definição do problema.
Os objetivos: Elemento chave de qualquer trabalho. Expressam as perguntas a
serem respondidas de maneira sistemática e ordenadas. Todos os itens dos
objetivos devem ser observados nos métodos, resultados, discussão e
conclusões. Cuidado: medir uma temperatura ou identificar certos espécimes não
é objetivo de uma pesquisa, mas sim método. Em pesquisas científicas, o objetivo
geral já está expresso no próprio título. Os demais são objetivos operacionais (Ex:
testar se o estresse eleva o metabolismo em camundongos). Metas são diferentes
dos objetivos por estarem associadas geralmente ao cumprimento de etapas em
projetos ou relatórios técnicos. Servem para dar uma noção ao financiador de
como verificar se as tarefas estão sendo cumpridas (Ex: conclusão do protótipo
do motor XP5). Em projetos de pesquisa, as metas podem ser chamadas de
Indicadores.
18
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Planejamento: Fase na qual são previstos todos os recursos e meios para atingir
os objetivos. Envolve espaço físico, área de estudo, tempo, equipamentos,
materiais de consumo, delineamento experimental, possíveis técnicas de
exploração de dados, tratamento estatístico, montagem de base de dados,
elaboração de cronogramas, determinação do esforço amostral (tamanho de
amostra), previsão dos recursos humanos necessários. Esse processo culmina na
elaboração de um Projeto de pesquisa. Lembre-se: o Projeto de pesquisa é muito
diferente do artigo científico. No primeiro a ênfase está em mostrar que é
importante investir na elucidação daquele problema e que existem boas garantias
de que o trabalho vai chegar aos resultados esperados, no prazo esperado. Os
itens Introdução e Material e Métodos de um artigo não devem ser copiados do
projeto.
Amostragem ou teste piloto: Fundamental para uma execução adequada da
pesquisa. O projeto deve prever esse item sob o risco de atrasos no cronograma.
Os métodos previstos sempre são refinados ao longo da pesquisa. Por outro lado,
a coleta de alguns dados pode mostrar-se impossível ou supérflua e tem que ser
abandonada.
Coleta de dados: Pode ser de campo, laboratório ou bibliográfica (no caso de
revisões). Devem ser evitadas fontes de erros amostrais tais como:
•
Falta de fidedignidade, isto é, a variável medida é diferente do que se
pretendia,
•
Falta de precisão, isto é, a variável é correta, mas as variações na medição
são tão grandes que fica impossível afirmar se é devido a natureza dos
dados ou ao equipamento utilizado,
•
Tendências a registrar ou desprezar registros devido a subjetividade
(razões psicológicas). Geram vícios nas amostras. Vemos o que queremos
ver e desprezamos o que não nos agrada. Existem técnicas para amostrar
ao acaso (tabelas de números aleatórios e outras).
•
Erros amostrais decorrentes de procedimentos repetitivos feitos por
pessoal sem envolvimento com a pesquisa. Com o tempo é menor o rigor
com a coleta de dados.
Análise e interpretação dos dados:
A interpretação dos dados sempre envolve algo mágico... criativo.... É
nesta etapa da pesquisa que procuramos entender uma faceta do
discurso da natureza... o colorido de um conjunto caótico de números
e fatos. Sem ela, somos apenas coletores de dados... mas não
cientistas.
Organizando e limpando a base de dados: A análise só pode começar depois
de termos uma base de dados funcional. É necessário limpar a base de dados
bruta, eliminado variáveis e dados que não serão utilizados e considerados nas
19
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
análises. Esse procedimento, aparentemente banal, pode liberar mais de 50% do
tempo útil para análise científica.
Eliminando erros sistemáticos e ao acaso – análise de outliers: As variáveis
selecionadas devem ser plotadas umas contra as outras para identificar dados
discrepantes. Muitas vezes eles revelam erros de registro, digitação (ao acaso) e
erros de tendências (sistemáticos). Depois de consertados esses erros, os dados
discrepantes que sobram são outliers. São valores da amostra que se encontram
fora dos limites de + 2x (Desvio Padrão). Sua determinação depende também de
uma avaliação criteriosa do pesquisador. Podem ser eliminados, mas devem
aparecer nos resultados. Terminada essa fase, obtém-se a Base de dados
Definitiva.
Análise exploratória 1 - Detectando padrões óbvios pela análise de
dispersão: Elaborando-se gráficos de dispersão X,Y entre pares de variáveis
pode-se descobrir se existem relações a serem exploradas. Pode-se igualmente
detectar variáveis colineares ou correlacionadas de alguma forma. Existem
variáveis relacionadas não por causa-efeito mas por terem um causador comum.
É a única oportunidade de verificar o quão caóticos são seus dados e verificar as
primeiras tendências.
Análise exploratória 2 - Análise de categorias, um primeiro ordenamento do
caos: Para os padrões mais caóticos, podem-se agrupar algumas variáveis em
categorias (exemplo: classes de comprimento total) a fim de verificar tendências.
Essas categorias podem inclusive Ter algum significado (exemplo: categorias de
tamanhos em larvas, juvenis e adultos).
Análise exploratória 3 - Utilizando análises numéricas exploratórias
(multivariadas): Quando trabalhamos com muitas variáveis simultaneamente
(exemplo: comunidades ou muitos caracteres merísticos), não podemos fazer
análises de dispersão bidimensional. Podemos agrupar conjuntos de variáveis
relacionadas, mas os resultados nem sempre são bons. Nesse caso, usam-se
técnicas de análises exploratórias de dados tais como ANOVA, Agrupamento,
PCA etc.. Que servem para avaliar as primeiras tendências no conjunto de dados
e reduzir as matrizes. Não dispensa as análises anteriores e jamais pode ser vista
como resultado final de um trabalho.
Usando a estatística para testar hipóteses: Em pesquisas experimentais, a
estatística tem que ser prevista no planejamento. Para pesquisas descritivas
(exemplo: levantamentos de fauna), a estatística deve ser usada apenas depois
de detectados os padrões pelas análises exploratórias (exemplo: tamanhos são
maiores em temperaturas menores). Em ambos os casos, prefira sempre a
estatística não paramétrica, uma vez que ela não exige tantos pressupostos.
20
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Comparando corretamente seus resultados com os de outros autores:
Apenas constatar que o resultado de determinado autor coincide com o seu ou
que é discordante não define um trabalho científico. Se for concordante, então é
momento de traçar alguma generalização antes inexistente. Se não concorda, é
preciso explicar. Evite levar em conta literaturas de baixa qualidade, teses e
relatórios (literaturas cinza). Elas terão que ser citadas no artigo e dificilmente o
leitor terá acesso e em alguns casos, isso nem seria aconselhável. Algumas
revistas rejeitam artigos por excesso de literaturas cinza.
Diferenças entre resultados e conclusões: É muito comum confundir-se os
principais resultados com as conclusões. As conclusões só existem quando são
derivadas da confrontação dos resultados entre eles e estes com os de outros
autores. Geralmente as conclusões têm um grau de generalização maior do que
os resultados dos quais é derivada. A existência de conclusões diferencia um
trabalho científico de um relatório técnico.
Limites de generalizações nas conclusões: Normalmente os cientistas têm a
tendência de generalizar as conclusões num grau maior do que seria sensato
para (conscientemente ou não) tentar aumentar a importância de sua pesquisa.
As conclusões devem restringir-se aos dados que foram coletados (evidência).
Em se tratando de amostragens de uma população, quando ela é representativa,
podemos fazer generalizações para a população com algumas ressalvas. Isso
não impede, porém que façamos generalizações maiores, porém essas devem
ser colocadas como hipóteses, conjecturas, especulações, possibilidades. Não
devem ser suprimidas, pois é a base para futuras investigações (novas idéias).
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Aula 6 - A comunicação científica.
Passo decisivo para que uma pesquisa possa ser colocada a prova pela
comunidade científica. Infelizmente, nessa etapa pode haver interrupções ou
cancelamento do processo devido a: 1) Falhas no aprendizado escolar na
comunicação oral e escrita, 2) Obtenção de resultados insatisfatórios ou pouco
confiáveis, 3) Excesso de perfeccionismo, 4) Dificuldade de adequação as normas
de publicação.
Importante: A elaboração da comunicação científica não é o último passo da
ciência. A fase final é a aceitação da pesquisa pela maioria da comunidade
científica, o que pode ser comprovado pela citação do trabalho em inúmeras
publicações posteriores e pela simples publicação em uma revista de ponta.
A qualidade de uma comunicação científica: Todo o resultado de uma
pesquisa deve ser formatado em função do leitor e adequado a linha editorial de
uma revista. As principais características de uma comunicação científica
excelente são:
a) A comunicação deve trazer novidades para a ciência,
b) Os textos devem ser simples e claros, sem a necessidade de reler partes
para que seja entendido,
c) Deve haver uma relação custo-benefício positiva entre o esforço para ler o
artigo e o interesse no problema e nas conclusões obtidas,
d) Como o homem é prioritariamente um ser visual, prefere ver figuras a ler
tabelas e textos,
e) A comunicação deve prender a atenção, pois o volume de artigos para ler
hoje em dia é tão grande que o leitor vai optar sempre pelo mais
interessante,
f) A comunicação deve ser tão pequena quanto possível.
Passos para montar adequadamente uma comunicação científica
Verificando se existem informações suficientes para uma publicação: Se o
planejamento da pesquisa foi bem feito, basta verificar se as hipóteses foram
testadas ou se os objetivos foram alcançados. Coso contrário, tente verificar se os
resultados permitem chegar a conclusões que levam a uma inovação do
conhecimento.
Escolhendo o tipo de publicação: Resultados inéditos de uma pesquisa são
publicados somente na forma de Artigo científico e Nota Breve. Revisões,
Capítulos de livros e Livros são compilações ou sínteses de pesquisas realizadas.
Comunicações orais e pôsteres são meios do autor para discutir resultados de
uma pesquisa diretamente com a comunidade científica antes de publica-las.
Resumos ou resumos expandidos servem apenas para elaborar catálogos de
congressos, sem o artigo completo e passagem por um comitê editorial, não se
constitui em comunicação científica.
22
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Escolhendo o Idioma da publicação: Considerando que a ciência é universal,
deve-se elaborar a comunicação numa língua que pode ser lida pó um público
mais amplo possível. Esse idioma é o inglês. Isso independe da publicação ser
destinada a uma revista nacional ou internacional.
Escolhendo a revista: O resultado de uma pesquisa deve ser feito sempre com o
objetivo de ser publicado nas melhores revistas científicas da área. Os principais
motivos são:
1) Esses periódicos só publicam artigos em inglês, o que garante acesso a
toda a comunidade científica,
2) São indexados em catálogos de buscas, (Exemplo: Web of Science),
disponíveis em bibliotecas on line (Exemplo: Periódicos da CAPES) e
assinados pela maioria das bibliotecas especializadas no mundo todo o
que amplia ainda mais o acesso.
3) Devido a grande concorrência para publicar artigos nessas revistas (taxas
de rejeição podem ser superiores a 80%), os artigos são julgados pelas
maiores autoridades no assunto e dessa forma, a sua publicação já
significa automaticamente que a pesquisa é inovadora e está parcialmente
aceita pela comunidade científica.
Importante: a) Se um artigo não é bom o suficiente para ser publicado em uma
revista de primeira linha, então ele não é bom o suficiente para ser publicado. b)
Alguns artigos podem ser rejeitados por revistas estrangeiras por terem “interesse
regional”. Nesse caso, devemos contribuir para o progresso dos periódicos
nacionais valorizando boas revistas enviando bons artigos em inglês e sugerindo
nomes de peso para o corpo editorial.
Seqüência e itens imprescindíveis na montagem de um artigo científico
1) Redija as conclusões: São frases claras, no máximo 5 ou 6 que podem ser
resumidas em uma única grande conclusão. Não devem expressar os
argumentos que a sustentam e devem ser escritas no presente. Geralmente a
inclusão desse item em separado não é exigida pelas revistas, mas é
essencial para estruturar o restante do trabalho. Use sempre o tempo verbal
presente (A temperatura abaixo de 10o C causa mortalidade da espécie X).
2) Selecione os resultados: Apenas os necessários para embasar as conclusões.
Exclua os demais.
3) Elabore o texto e a arte final da apresentação dos resultados enfocando as
conclusões obtidas e as normas de apresentação da revista. O texto não é
uma descrição de uma figura ou uma tabela, mas sim o destaque das
informações que vão sustentar as conclusões. Um roteiro seria o seguinte: A
Figura 1 mostra a relação entre a variável “a” e “b”. Observa-se que em
valores de “a” maiores que “X”, ocorre uma inflexão, indicando a mudança de
comportamento.... Normalmente deve ser escrito no tempo presente (a Figura
1 mostra que a variável x relaciona-se positivamente com y).
4) Redija o item material e métodos: Coloque somente o que foi necessário para
a obtenção dos resultados descritos no item anterior. Exclua o restante. Deve-
23
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
se ter certeza que o leitor tenha condições de reproduzir os métodos e chegar
a resultados comparáveis. Uso o tempo verbal passado (foi medida a variável
X).
5) Escreva a discussão: Não é comparar os resultados com o de outros autores.
A bibliografia entra somente como informações além dos resultados que
corroboram, modificam ou contradizem as conclusões. Assim como a
Introdução, esse item deve ser voltado para convencer o leitor e “vender a
idéia” de que as conclusões são válidas e que as explicações alternativas, se
houverem, não satisfazem a resolução do problema. Na estrutura do texto,
inicie valorizando o trabalho, convencendo o leitor que os métodos aplicados
foram adequados e o trabalho realmente chegou a conhecimentos novos. Em
seguida, dois caminhos são possíveis: 1) Mostre a conclusão e depois
argumente em favor dela com seus resultados, outras informações e
argumentação lógica, 2) Discuta cada aspecto específico citando brevemente
os resultados mais importantes, as informações que corroboram, chegando a
argumentação para conclusão. O método 2 é menos indicado e mais difícil de
ser elaborado claramente.
6) Escreva a Introdução: Definição do problema e indicação ao leitor do que vai
ser encontrado no trabalho. Deve convencer o leitor de que o artigo será
interessante e traz algo realmente novo e intrigante. Inclui os itens:
Observação espontânea, descrição do problema a ser investigado,
fundamentação para escolha das variáveis, objetivos. Em alguns casos as
conclusões podem ser antecipadas como estratégia de marketing (estimula o
leitor a descobrir como o pesquisador chegou a esse resultado).
7) Defina o título: Deve ser elegante, curto, informativo, não enganoso e norteado
pela conclusão da pesquisa. Exemplo: “Avaliação da influência de rios
poluídos e não poluídos sobre o comportamento de desova de lambari
(Astyanax bimaculatus)”. Pode ser substituído por: “Efeito da poluição dos rios
na desova de lambari”. O nome da espécie pode ser definido apenas no
material e métodos quando o trabalho não tem enfoque sistemático.
8) Escreva os outros itens solicitados pela revista:
Resumo: geralmente não mais do que 300 palavras e deve conter no mínimo o
objetivo e as conclusões, os outros itens ficam se tiver espaço,
Running Title: título resumido para o cabeçalho da página, por exemplo:
poluição e desova de lambari.
Palavras chave: definição da espécie, o grupo, o local e método principal, sem
repetir o título. Pouco utilizado nos dias de hoje.
Agradecimentos: É essencial citar todas as pessoas que auxiliaram no
trabalho, mas sem adjetivos. Não cite aqui os financiadores, pois eles não
fizeram um favor. Devem ser creditados numa nota de rodapé (Pesquisa
financiada pelo CNPq, proc. No 123456).
Referências: deve conter informações que permitam o leitor encontrar a
referência, independente da formatação. Dessa forma, teses e relatórios
devem ter informações mais completas. Podem-se usar programas de citação
e formatação automática, tipo End-note, porém não dispensa uma revisão do
autor.
24
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Observação: A repartição lógica de um texto científico: A divisão de um texto
científico em “Título, Resumo, Introdução, Material e Métodos (Metodologia,
Methods), Resultados, Discussão, Agradecimentos e Bibliografia” não é
necessariamente a melhor possível. Em algumas situações é difícil separar
Material e Métodos de Resultados (métodos são encadeados), ou resultados
de discussão, resultando em prejuízos para a compreensão de uma
comunicação. No entanto, essa repartição é necessária para a padronização
das apresentações, facilitando o entendimento e acesso às informações
importantes.
O processo de publicação
Formate o resultado como Manuscrito: papel A4, espaço 2, letra times 12,
margens padrão, Lista de Tabelas e Figuras, Uma figura e tabela por página com
numeração a lápis e sem legenda. Isso facilita a análise pelos revisores. Às vezes
solicita-se a numeração das linhas para facilitar o referenciamento dos
comentários.
Elabore a carta de encaminhamento: Pode ser escrita como: “Dear editor, Please
find enclosed an original and two copies of the manuscript entitled ________ by _____
(autores), which is submitted for publication in _______(título da revista)”.
Envie pelo correio e verifique se a correspondência foi recebida via e-mail. Pode
haver extravios e mudanças no corpo editorial e perder-se muito tempo.
Corrigindo o manuscrito. Quando receber os pareceres dos revisores, não basta
consertar um artigo. É necessário elaborar uma descrição para cada revisor do
que foi modificado e onde. Se algo não foi atendido, deve ser muito bem
explicado por que, mas nesse caso não há garantia que o trabalho será
publicado.
Recebimento da confirmação da aceitação e provas: corrija o modelo para
publicação rapidamente (geralmente em 48 horas), mas sem modificar a
essência.
Recebimento do volume e número em que será publicado: somente após essa
fase, você poderá dizer que o artigo está “no prelo (in press)”.
Recebimento das separatas: normalmente 50 exemplares gratuitos para o
primeiro autor, o qual deve distribui-las para pesquisadores importantes na área
de estudo no Brasil e exterior que podem eventualmente citar seu trabalho.
Preparação de um pôster
O pôster não é uma forma adequada e eficiente de comunicação científica, porém
às vezes é a única opção em um congresso. Nesse caso, lembre-se que expor
um pôster é a mesma coisa que um feirante tentando vender produtos. Deve-se
chamar a atenção das pessoas para ver e discutir o trabalho. Assim, JAMAIS cole
no pôster o trabalho da mesma forma que ele é apresentado para leitura. Faça
figuras grandes e coloridas e elabore diagramas esquemáticos chamando
atenção para as principais conclusões. Cuidado com elaboração de pôsteres em
banners para impressão em plotters. Geram arquivos imensos e possíveis atrasos
e falhas na impressão.
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Comunicação oral
Representa o debate ou discussão pública do resultado de uma pesquisa. São
relevantes somente quando é feita para uma real parcela da comunidade
científica que faz pesquisas relevantes na área do trabalho. Evite congressos
muitos gerais, pois geralmente servem para treinamento e iniciação científica de
estudantes de graduação. Algumas dicas para fazer uma boa apresentação:
-
Elabore uma lista itemizada de tudo o que vai falar com palavras chaves.
Elas servem como catalisadores para buscar na memória as demais
informações,
-
Utilize eficientemente os recursos áudio-visuais. Use sempre letras e
figuras grandes e contraste. Se possível use apenas um recurso e que este
não exija iluminação especial para ser utilizado. Projetor de Slides e Data
Show oferecem grande qualidade visual, mas precisam de pouca luz, são
mais caros e menos acessíveis e dá menor flexibilidade para a
apresentação.
-
Respeitar os horários estabelecidos e mesmo que não existam tais
restrições, não obrigue a platéia a ficar assistindo a sua palestra mais
tempo que o necessário. Todos têm muitas coisas para fazer!
-
Usar o tempo impessoal para se referir ao trabalho. Exemplo: Esse
trabalho foi feito de tal maneira e não “Nós fizemos tal coisa”.
-
A linguagem corporal é importante. O palestrante “estátua” e o “dançarino”
podem dispersar a atenção da platéia. Movimente-se, mas sem
sobressaltos.
-
Ao falar, converse com a platéia para ficar mais informal. Evite fazer um
discurso.
-
Falar pausadamente para dar tempo de a platéia refletir sobre o que está
sendo exposto.
-
Mantenha a atenção do público voltando constantemente ao tema principal.
A parte da platéia que estiver “fora do ar” poderá retomar o fio da meada.
-
Sinalize o fim do trabalho para retomar atenção do público. Exemplo:
“finalizando, vamos mostrar que....”.
-
Use os possíveis distúrbios que podem ocorrer na apresentação para
retomar a atenção da platéia.
-
Podem ser detectados erros durante a apresentação. Tenha jogo de
cintura para admitir que errou e continuar a apresentação normalmente.
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Aula 7 - Riscos e dificuldades da ciência.
Armadilhas lógicas: A utilização do método indutivo torna muitas vezes o
resultado de uma pesquisa científica altamente parcial, pois permite a
interpretação de fenômenos observados com um número bastante limitado de
explicações, deixando de lado as demais, de forma consciente ou inconsciente.
Esses riscos podem ocorrer igualmente no método dedutivo, quando autores de
experimentos bem delineados tentam “provar” suas hipóteses antes do que negalas. Sempre é importante lembrar que dados que corroboram uma hipótese não a
tornam verdadeira, mas apenas diz que talvez ela esteja correta. Portanto, buscar
corroborações não testam uma hipótese, pois pode levar o pesquisador ignorar
uma informação que a derrubaria.
Por outro lado, se buscarmos sinceramente derrubar uma hipótese, não haverá
grandes prejuízos em ignorar fatos que a corroboram, pois o que define a sua
veracidade é a inexistência de fatos que a falseiam.
Bioética: Por razões óbvias, as questões de bioética têm sido muito mais
discutidas em divulgadas em relação ao elemento humano, havendo poucas
referências sobre outras formas de vida. Porém, vale ressaltar que um
procedimento ético é sempre tomar em consideração que o tamanho de amostras
ou de réplicas utilizadas em pesquisas científicas deve ser sempre o menor
possível, independente de ser ou não animal de cativeiro ou espécie com elevada
abundância ou mesmo com superpopulação na natureza.
Em experimentos de laboratório, devem-se examinar cuidadosamente todos os
procedimentos a serem adotados e verificar se existem alternativas que resultem
em ações menos dolorosas ou que causem menor distúrbio aos organismos
estudados.
Problemas éticos e de relacionamento do pesquisador: A ciência não é
apenas um processo que envolve a técnica, inventividade e trabalho perseverante
do pesquisador. É um processo de interação social que exige também um
comportamento ético e de trabalho em equipe. Alguns dos principais erros éticos
e de relacionamento que permeiam a vida do pesquisador são:
•
Inventar dados ou forçar a representação dos resultados para atingir os
objetivos de uma pesquisa,
•
Usar uma eventual capacidade superior de comunicação e expressão
escrita ou oral para convencer a comunidade científica em relação a
determinados resultados, os quais o próprio pesquisador admite para si
mesmo possuir falhas,
•
Criticar o desempenho científico, o grau de conhecimento ou a atuação
profissional de colegas ou pesquisadores do seu meio,
•
Não dar o crédito merecido a um órgão financiador pelo auxílio ou
instituição que viabilizou a pesquisa,
•
Criticar revisores e órgãos financiadores de pesquisa como represália pela
rejeição de artigos ou projetos,
27
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
•
Utilizar com pouco rigor recursos de financiamentos de pesquisa e justificar
essa atitude em função de usos impróprios de recursos em outras áreas (a
falácia do erro sendo justificado pelo outro),
•
Não ter espírito de equipe no trabalho em projetos integrados, não
aceitando, por exemplo, que os colegas da equipe tenham ritmos
diferentes do seu na condução do projeto ou tentando estabelecer
hierarquias internas para obter vantagens,
•
Lidar com pessoas fora do meio científico como pessoas inferiores,
•
Tratar sua profissão ou área de pesquisa como superior às demais e mais
importante para a solução dos problemas humanos, desprestigiando e
criticando as demais.
•
Não dar crédito a um colega do trabalho executado: PROBLEMA DAS
AUTORIAS.
A questão das autorias científicas: Em geral o principal problema ético do
pesquisador e que tem o maior potencial de causar conflitos, pois a atribuição
inadequada do crédito de um trabalho científico pode significar a invalidação de
todos os benefícios derivados de uma descoberta ou obtenção de um
conhecimento inovador. Para uma definição clara e sem mal-entendidos de
autorias de trabalhos científicos, é conveniente seguir os seguintes passos:
1) Faça uma discussão inicial sobre as autorias dos trabalhos científicos
ainda na fase de planejamento. Normalmente, essa discussão deve ser
provocada pelo responsável pelo projeto científico. Nessa fase, define-se o
tipo de participação de cada membro da equipe e então se conclui de
comum acordo, quem deve ser autor e quem deve entrar apenas nos
agradecimentos. Em geral pode entrar na autoria aqueles que participaram
de maneira decisiva em ao menos em duas das três etapas a seguir: a) a
concepção (criação e planejamento), b) a coleta de dados, c) a redação e
publicação. Outro critério é o de que um autor de trabalho científico deve
ser capaz de defendê-lo publicamente e ter participado de sua história.
2) Ao longo da execução do trabalho científico, eventualmente as
participações dos “prováveis autores” pode não ter se dado exatamente
como o planejado. Antes de iniciar a fase de redação do trabalho, é
conveniente haver uma nova discussão e redefinição de autores caso
necessário, utilizando-se os critérios acima. Nessa ocasião define-se a
ordem das autorias, sendo que o autor necessariamente deve ser aquele
que teve uma participação decisiva na concepção e na redação e
publicação. Havendo mais de um autor com essas características, pode-se
priorizar aquele que tiver maior participação na redação e publicação e
persistindo a dúvida, pode-se optar por aquele que também teve
participação na coleta de dados.
3) Antes de enviar o trabalho para publicação, o autor deve certificar-se de
que a atribuição das autorias não causou nenhum conflito ou
constrangimento e de que a citação dos demais colaboradores não foi
esquecida.
28
Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
4) Uma vez publicado o trabalho, o autor deve enviar separatas a todos os
colaboradores do trabalho com os devidos agradecimentos, além dos coautores.
A base de uma atribuição de autorias sem conflitos é a permanente discussão
desse aspecto em todas as fases do trabalho, mesmo que isso implique em
situações constrangedoras.
O problema das autorias espúrias: Infelizmente existem várias “técnicas”
vastamente aplicadas e até tidas como aceitas por membros da comunidade
científica para aumentar artificialmente o número de publicações. Um pesquisador
ético e com responsabilidade profissional deve evitar todas elas:
1) Colocar muitos co-autores em trabalhos científicos apenas por coleguismo,
2) Autoria solidária: vários autores realizam trabalhos científicos
independentemente, mas incluem-se mutuamente nas co-autorias dos
trabalhos dos colegas para aumentar a produção científica no currículo,
3) Pesquisadores que são chefes absolutos de laboratórios e por isso
consideram-se co-autores de todos os estudos desenvolvidos no local,
4) Exigência de estatísticos e detentores de equipamentos especiais que
sujeitam seu auxílio ou empréstimo do equipamento a uma co-autoria.
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Aula 8 - Avaliação da ciência.
O problema do mérito científico: Uma vez que os recursos destinados aos
projetos científicos são geralmente limitados, é muito importante o
estabelecimento de critérios justos de mérito científico que permitam premiar e
incentivar cientistas criativos e produtivos e evitar desperdícios com cientistas que
não correspondem às expectativas. Normalmente essa tarefa é bastante difícil e
subjetiva devido à inexistência de critérios ou indicadores de mérito de fácil
obtenção.
A necessidade de indicadores: Devido a grande quantidade de trabalhos
publicados, é impossível estabelecer um sistema de avaliação e certificação do
conteúdo total de tudo o que está sendo publicado. Dessa forma, tenta-se
estabelecer “indicadores” de mérito científico. Conseqüentemente esses
indicadores não representam provas irrefutáveis que de mérito, mas apenas
indícios que o pesquisador pode ter qualidade.
Indicadores de mérito: Vamos revisar uma lista de possíveis indicadores de
mérito científicos que são utilizados normalmente, avaliando seus prós e contras.
1- Produção quantitativa generalizada: O indicador é o número de
“produções” acadêmicas ao longo de toda a carreira profissional, incluindo,
artigos, capítulos de livros, resumos apresentados na forma de pôster ou
oral, resumos expandidos, anais em congressos, resenhas, relatórios
técnicos, catálogos, artigos em revistas e jornais de grande circulação etc...
Vantagem: somente para o “pesquisador” que produz muitas comunicações
não científicas. Desvantagem: Não distingue produção científica de outros
tipos de publicação.
Exemplo: algumas avaliações internas em universidades federais.
2- Produção quantitativa com pesos distintos: O indicador continua sendo o
número de produções e igualmente considera todos os tipos (ou a maioria
deles). Nesse caso, no entanto, atribui-se pesos diferenciados a artigos em
revistas, artigos em anais de congresso, resumos, capítulos de livros.
Vantagem: valoriza mais a produção realmente científica.
Desvantagem: Considera como mérito científico produções não científicas.
Exemplo: concurso público na UFES.
3- Produção quantitativa diferenciada: Indicador quantitativo simples, mas
considera apenas como produção os artigos completos em revistas e em
congressos e capítulos de livros ou livros dando pesos diferenciados a
estes.
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Vantagem: Dá mérito apenas a comunicações científicas.
Desvantagem: Não distingue a qualidade da publicação (indicador apenas
quantitativo). Exemplo: a maioria dos órgãos de financiamento de pesquisa no
Brasil.
4- Produção quantitativa com critérios de qualidade: Indicador quantitativo
similar ao item 3 mas com pesos diferenciados de acordo com a qualidade
do periódico que foi publicado.
Vantagem: Valoriza a produção de maior qualidade.
Desvantagem: o critério de atribuição de qualidade as publicações é discutível.
Exemplo: CAPES (lista Qualis feita com indicação dos próprios coordenadores
dos cursos de pós-graduação).
5- Produção quali-quantitativa com ponderações de grau de impacto:
Indicador quantitativo, mas cada produção é ponderada pelo seu grau de
impacto. O grau de impacto é calculado pelo “Citation Index”, isto é o índice
de citação bibliográfica. As revistas que são mais citadas em trabalhos de
revistas indexadas na mesma área têm maior grau de impacto.
Vantagem: Dá um peso grande a qualidade da publicação e sua influência no
meio científico.
Desvantagem: ainda é um critério quantitativo. É necessário pagar pelo
“Citation Index”.
Exemplo: Alguns organismos científicos internacionais.
6- Outros critérios que podem ser utilizados: Dependendo do tipo de
avaliação pode-se considerar também um fator de atribui peso superiores a
trabalhos cujo pesquisador é o primeiro autor e que foi elaborado com
menor número de autores. Para avaliações de concessão de bolsas e
auxílios considera-se também a produção em orientação e a produtividade
recente (últimos três anos).
Vantagem: refinam ainda mais os indicadores.
Desvantagem: são complexos e coloca em questão a valorização do trabalho
em equipe.
7- Critério qualitativo: Só é possível de ser aplicado quando ocorre julgamento
da produção por equipes especializadas. Normalmente ocorrem em
concursos e premiações científicas (exemplo: Premio Nobel). Nesse caso,
apenas um artigo já é suficiente para conferir o pesquisador mérito
científico para toda a vida.
Vantagem: Realmente valoriza o trabalho de qualidade.
Desvantagem: Aplicável em um número muito reduzido de situações devido
aos custos.
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Metodologia científica aplicada à biologia animal – Prof. Agnaldo Silva Martins - 2005
Problemas éticos da avaliação de mérito:
ƒ
Infelizmente existem pesquisadores que direcionam sua carreira no sentido
de atingir níveis ótimos de indicadores de mérito e não no sentido de fazer
ciência inovadora e de qualidade. Esse comportamento deve ser evitado.
ƒ
A maioria dos indicadores de mérito valorizam muito a produção
quantitativa tornando praticamente impossível que um pesquisador
desenvolva uma pesquisa inovadora que demore mais do que 4 ou 5 anos
para terminar.
ƒ
Revistas científicas de ponta são geralmente vinculadas a instituições de
países de primeiro mundo publicam em maior número artigos de
compatriotas ou de instituições renomadas, excluindo pesquisas
inovadoras de países mais pobres de obterem indicadores de qualidade.
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Aulas metodologia