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UMA ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA: PROBLEMAS E POSSIBILIDADES.
Elton John da Silva Farias
Paloma Porto Silva
Universidade Federal de Campina Grande
RESUMO
O objetivo desta comunicação é fazer uma análise de alguns aspectos da realidade do livro didático de
História a partir da vistoria de seis capítulos do livro didático “História da Civilização Ocidental”,
tentando demonstrar, de forma crítica, como os autores do mesmo trabalham os conteúdos históricos
propostos e como estes exploram o uso da linguagem escrita e iconográfica, de maneira tal a observarmos
se estes facilitam ou não a assimilação das idéias explicitadas no decorrer dos textos e se os mesmos
privilegiam ou não algum tipo de perspectiva teórico-metodológica. Para tanto observaremos a forma
como o corpo estrutural exposto atua na facilitação da proximidade entre os conteúdos ministrados pelo(a)
professor(a) e o raciocínio dos alunos que se mostram instigados a participação em sala de aula e que
muitas vezes não recebem a instrução adequada; quando não há, também, um desinteresse sensível.
Usamos como recorte temporal a cronologia que se estende inicialmente de fins da Revolução Francesa e
termina no que a historiografia convencionou chamar de Primeira Guerra Mundial. O porque desta escolha
deve-se, principalmente, ao fato de que o livro apresenta de início a idéia de uma fuga para com a dita
História “Geral” ou “Total” de explicação dos acontecimento e fatos históricos “relevantes” que centraliza
personagens, datas e fatos, mas, termina por nos apresentar, ao longo da leitura do texto, uma excessiva
incoerência discursiva e inconsistência metodológica, especialmente no que diz respeito a pretensão de se
incluírem na esfera de um modelo mais sofisticado de proposta de estudos históricos. Outro fator decisivo
para essa escolha é a demonstração direcionada a uma história regional que é, neste caso, definida como o
resultado da “conjunção” de práticas históricas que tiveram origem nas regiões próximas ao mar
Mediterrâneo, consistindo no que é constituído como civilização ocidental, tendo em vista que o
apresentado é, na verdade, uma leitura político-econômica do conhecimento histórico através de uma
leitura capitalista que tenta inserir o livro no contexto de uma “Ordem Mundial” na qual hoje estamos
contidos e que costumamos definir por globalização, o que leva-nos a achar que os fatos históricos
destacados pelos autores são demasiadamente restritos aos de uma cultura ocidental dominante, sem
abordar temáticas atreladas ao contexto oriental, o que, de certa forma, não acontece. Analisamos o livro
de maneira tal que demonstraremos ao leitor quais os aspectos estéticos deste e como a parte demonstra o
todo em uma relação de metonímia. Isto significa dizer que vemos as deficiências e inconsistências da sua
estrutura, remetendo ao fato que esta é uma prática comum a vários livros didáticos publicados no Brasil,
mas lembrando-nos que este livro não possui apenas carências mas também propostas pedagógicas
interessantes e deveras proveitosas, apesar de serem poucas. A renovação historiográfica, proposta nos
últimos anos no país, não é absorvida assiduamente pela proposta dos autores e, desta forma, fatores como
a iconografia, os recursos didáticos, a inovação nas maneiras de aquisição de conhecimento, entre outros
aspectos apreciados pela tentativa de sofisticação do livro didático brasileiro são recebidos pelo
esquecimento, forçando um empenho mais efetivo por parte do professor que terá grande dificuldade na
hora em que este for se deparar com a explanação em sala de aula, despertando , com isto, o desinteresse
por parte do alunado que não sente nenhum estímulo em folhear as páginas as quais estes irão vislumbrar.
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TRABALHO COMPLETO
Esta análise prévia de alguns capítulos do livro didático “História da Civilização Ocidental”1
busca demonstrar ao leitor uma alternativa de observar de forma crítica (independente de que esta seja
positiva ou negativa, os dois casos quando necessário for), para avaliar de que maneira os conteúdos que
abrangem o recorte temporal que se inicia na Revolução Francesa e estende-se até a Primeira Guerra
Mundial, em termos cronológicos, são apresentados pelos autores Antônio Pedro e Lizânias de Souza
Lima, ambos com formação na área de História, sendo o primeiro Doutor em História pela Universidade
de São Paulo e o segundo Mestre em História Social pela mesma instituição. Os dois contaram, ainda,
com a colaboração da Mestre em História Medieval pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Yone Carvalho.
Para podermos analisar este livro, nos remeteremos à bibliografia mencionada de forma tal que
possamos perceber quais aspectos compõem a estrutura física e escrita do mesmo, de que maneira os
conteúdos abordados são explorados, como o corpo textual facilita a compreensão por parte do alunado,
de que maneira o uso da iconografia permite a assimilação das idéias apresentadas no decorrer dos textos e
qual o viés histórico ou vertente historiográfica privilegiada pelos autores.
De antemão, devemos pensar uma análise de livro didático não só como uma mera vigilância do
trabalho realizado por seus idealizadores mas, também, como uma visita às relações entre professor, aluno
e livro. Estes três objetos, que são partes importantes nesta pesquisa para o entendimento da análise
proposta, precisam estar constantemente interagindo para que a aula de História não se torne, apenas, uma
simples exposição fria e mecânica de conhecimentos adquiridos (Bezerra, 1999). O professor se insere
neste contexto como parte fundamental do processo educacional e explicativo dos conteúdos didáticos, já
que seu empenho e sua capacidade teórica e retórica são imprescindíveis para uma boa apresentação,
discussão e, conseqüente, assimilação das temáticas abordadas. Há, nesta prática docente, dois fatores
deveras decisivos na hora da preparação e exposição de uma aula: as condições de trabalho e o próprio
interesse do professor. As condições oferecidas a um professor são extremamente importantes para o
desenvolvimento de seu trabalho, já que, caso este possua aparatos que o permitam ilustrar, exemplificar e
dar “vida” aos conteúdos, haverá uma possibilidade maior de se prender a atenção dos alunos. Entretanto,
o(a) profissional precisa estar atento(a) para que sua explanação não se torne “ingênua”, ou seja, ele(a)
deve se preocupar com o fato de que seus alunos podem encarar uma aula de História como irrelevante, já
que vista de maneira muito “fantasiosa”, a exposição pode ocasionar um desinteresse nítido, levando os
alunos a uma certa comodidade na hora de prestarem atenção ao que o professor está discursando e,
inclusive, no momento em que houver uma cobrança avaliativa, pois o alunado pode sentir uma
desnecessidade em preparar-se para a realização de uma prova. Há de se convir que por melhores que
sejam os subsídios oferecidos ao profissional, o mesmo só desenvolverá melhor suas atividades caso tenha
em mente a idéia de que seu trabalho é prazeroso ou, no mínimo, proveitoso, caso contrário não passará de
uma simples obrigação rotineira e cotidiana que com o passar dos anos poderá prejudicar a eficiência e a
desenvoltura do seu potencial de magistério, impedindo, portanto, um melhor desenvolvimento do
intelecto discente.
Em sua formação acadêmica, o professor enfrenta ou enfrentou (já que também, um dia, foi
aluno), os problemas do ensino nacional e a precariedade dos currículos de formação e dos parâmetros
educacionais transmitidos pelo nível superior de instrução. Estes profissionais demonstram sua
insatisfação com esta conjuntura ao se depararem com o mercado de trabalho e perceberem que o curso
superior não os preparou devida e adequadamente para serem professores propícios a suprirem as
demandas e as exigências mínimas para um exercício satisfatório de suas atividades como transmissores
do conhecimento e da experiência de vida. Geralmente, no quadro do magistério nacional de professores
de ensino médio e fundamental, não há a preocupação em garantir aos alunos os pré-requisitos essenciais,
de acordo com Marlene Cainelli, para o preparo de sua exposição em sala de aula:
1
Os capítulos aqui analisados serão o que compreendem os números 22 a 27.
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O profissional que trabalha com o pensamento, com relacionamentos, conflitos,
cotidianos, valores, preconceitos, afetividades, interesses diversos, que dele é
exigido raciocinar, comunicar, cooperar, ter imaginação, sentido crítico, saber
argumentar, negociar, avaliar, desenvolver atitudes e habilidades e também
conhecimento específico, no caso histórico, necessita de uma formação inicial
que considere o magistério como profissão a ser aprendida e não como
habilidade a ser desenvolvida por meio da instrumentação2.
Percebemos como é importante que o professor estimule o raciocínio crítico dos alunos e o seu
próprio, já que ele também tem conhecimento a assimilar vindo dos mesmos. Mas o que se vê é que além
dos professores (não todos, é claro), não darem tanta relevância ao que precisam ensinar aos alunos, os
mesmos, também, se utilizam de uma precária apresentação de conteúdos históricos como “verdadeiros” e
“insuperáveis” não envolvendo nem muito menos inserindo o aluno no contexto da exposição, fazendo
com que este não se sinta produtor da História, levando-o a crer que apenas os grandes heróis,
personagens e fatos estão contidos no discurso histórico. Os professores seguem fielmente livros didáticos
que:
transmitem um saber ‘legítimo’ que se faz útil por si só, visto ser considerado
como fim e não como meio passível de questionamento. No caso dos livros
didáticos brasileiros, a força desse discurso é corroborada – e reforçada – pelo
aval do MEC3.
Além de se prenderem a esta prática, estes mesmos professores, que têm o papel de escolher e
adotar o livro didático, a partir do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), reproduzem este
discurso autoritário que não intenciona ou mesmo estimula o aluno a propor questões e discussões sobre à
temática a qual o mesmo deveria estar atento. Vários fatores fazem com que o aluno perca a atenção à
aula, como a falta de interesse pessoal, a displicência, as conversas paralelas, as brincadeiras feitas por
alguns colegas de turma, entre muitos outros, mas o que estamos querendo demonstrar é que a inutilização
de um discurso histórico que relacione o aluno ao contexto das temáticas da sala de aula também contribui
bastante para este desinteresse.
Em várias oportunidades, ao lerem o livro, os alunos passam a acreditar que o que estão vendo
diante de si é a pura e simples “verdade” e que eles, por estarem numa posição inferior de poder em
relação ao professor e até ao próprio livro, não se sentem confortáveis a questiona-los, já que, muitas
vezes, a autoridade de um docente intimida a vontade do alunado de discutir, de tentar entender o
processo histórico que forma o mundo a sua volta. É importante mencionar que existem alunos que não se
preocupam em facilitar o trabalho do seu(ua) professor(a) e que adicionado ao que foi supracitado,
prejudicam o desempenho escolar de ambos os agentes – alunos e professores – em melhorar a qualidade
do ensino. O desinteresse e a própria falta de condições reforçam esta idéia e prejudicam a atuação
profissional e escolar de ambos.
Partindo, agora, para a análise mais direta dos capítulos do livro, iremos nos ater à discussão
acerca da problemática proposta para que um livro didático de História seja qualificado como “bom” ou
mesmo “suficiente”. Na verdade, é preciso que seu(s) autor(es) estejam atentos para as constantes
mudanças que perpassam o processo histórico da construção do saberes humanos, tendo em vista todas as
contribuições que a renovação historiográfica4 nos proporciona. É, portanto, incompreensível que ainda
existam autores que não estejam aptos a aceitar estas mudanças ou que não queiram, ao menos, abrir
2
CAINELLI, Marlene. “Diretrizes Curriculares, Currículos e Formação dos Profissionais de História”. In: ANAIS
do XX Simpósio da ANPUH. Florianópolis, Santa Catarina, Julho – 1999, p. 229.
3
VAZ, Paulo Bernardo F. et all. “Quem é Quem Nessa História? Iconografia do Livro Didático”. In: FRANÇA,
Vera Regina Veiga (org.). Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver. Belo Horizonte. Autêntica –
2002, p. 50.
4
Nomenclatura utilizada por Holien Gonçalves Bezerra. Cf. BEZERRA, 1999.
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espaço para uma discussão acerca destas inovações que são propostas pelos estudiosos na área, já que
permitem um diálogo entre as várias vertentes contidas na historiografia. Este pensamento, de acordo com
Bezerra:
Trata-se de manifestar algum grau de conhecimento das grandes linhas
historiográficas já de há muito incorporadas no processo da pesquisa e da
explicação históricas, como as propostas, por exemplo, da historiografia
francesa, o percurso da historiografia inglesa, as renovações do materialismo
histórico, para ficar apenas nas correntes mais conhecidas e praticadas pelos
historiadores brasileiros5.
Reforçando estas afirmações, podemos perceber que o livro pode e deve, relacionar as
experiências cotidianas e demonstrar exemplos que correlacionem o passado e o presente, sem, no entanto,
cometer anacronismos. É importante que o(s) autor(es) perceba(m) que os alunos não são desprovidos de
raciocínio e que podem identificar os conteúdos de acordo com o que já fora apresentado como
conhecimento de vida e o professor, como já foi dito, desempenha papel fundamental nesta relação entre o
diálogo aluno-livro, vejamos:
O livro deve partir do princípio de que o aluno não é uma cabeça vazia que
precisa ser preenchida com algum conteúdo, assimilado de qualquer forma.
Como ser humano, já vivenciou experiências com as quais poderá trabalhar para
adquirir novos conhecimentos, através de leituras, discussões e do empenho do
professor6.
O que deve ficar bem claro para nós, neste trabalho, é que um livro didático deve se desvincular
daquela maneira tradicional de estereotipar a História positivista que privilegia alguns grandes heróis,
algumas datas e fatos e que não se preocupa em explicar, nem identificar uma História voltada para uma
abordagem sociocultural que identifique as subjetividades das relações humanas, restringindo-se a uma
efetiva narração e apresentação da verdade absoluta construída historicamente.
Analisar parte do livro “História da Civilização Ocidental”, lançado pela editora FTD S.A., nos
permite perceber todas as idéias até agora supramencionadas. Vender livros didáticos, a partir da década
de 1970, passou de atividade meramente artesanal7, sem muitas pretensões mercadológicas, para dar
espaço a uma forte indústria editorial que se apresenta, hoje em dia, como a mantenedora e responsável
por mais da metade da demanda de livros vendidos em todo o país e do total de faturamento do setor. Este
panorama começou a ser traçado, a partir do momento em que houve a preocupação com a
homogeneização dos livros didáticos, inspirada no modelo que vigora nos Estados Unidos da América,
pois os mesmos estão praticamente substituindo, em muitos aspectos, o papel do professor como portador
de um discurso interdisciplinar e organizador das aulas e das atividades diárias, já que estão
desempenhando a tarefa de ofertar ao docente o “modelo ideal” de atividades didáticas e pedagógicas. A
prova é tanta que, com passar dos anos, paulatinamente, a qualidade da escrita e do recurso ilustrativo dos
mesmos vem sendo reavaliada e melhorada pensando nos seus consumidores. Não seria para menos, pois,
já que o objetivo agora é entrar em um mercado arduamente competitivo de vendagem, levando seus
produtores à idéia de que, nada mais comum, que fosse feito tudo ao alcance dos editores, revisores e dos
próprios autores para alcançar um melhor quadro visual para atrair leitores e isto foi sendo trabalhado a
partir de várias etapas de confecção. Uma das principais preocupações deste conjunto de profissionais,
além da constante necessidade de revisar e atualizar suas edições, é com a linguagem dos livros, pois com
5
BEZERRA, Holien Gonçalves. “O Processo de Avaliação de Livros Didáticos – História”. In: ANAIS do XX
Simpósio da ANPUH. Florianópolis, Santa Catarina, Julho – 1999, p. 197.
6
Ibidem, p. 198.
7
Termo identificado por Décio Gatti Júnior. Cf. GATTI JÚNIOR, 1999.
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seu pensamento voltado para a atenção de que este se tornasse mais acessível àqueles que tivessem que
gastar suas preciosas horas de vida frente a estas obras, tendo em vista que na época dos antigos manuais
escolares a parte escrita destes era muito aproximada do modelo acadêmico e que, a partir desta
necessidade comercial, foi-se percebendo que a única forma de atrair um maior público seria adequando a
linguagem para o público jovem brasileiro, como observa bem Décio Gatti Júnior na seguinte passagem:
Se antes os textos escolares podiam ser escritos em um vocabulário próximo do
acadêmico, neste período eles foram sendo adaptados às necessidades do público
leitor. A maioria dos autores teve que voltar sua escrita para a realidade escolar e
não para o público acadêmico8.
Muitas vezes, o livro didático é utilizado apenas como uma forma de resumir os conteúdos
históricos. A necessidade que as escolas têm de alcançar um determinado índice de aprovação nas provas
do vestibular faz com que o professor não se sinta obrigado a voltar sua exposição para um debate ou
mesmo um diálogo. Além disso, questões como o tempo de aula (de cinqüenta minutos, em média), a
quantidade enorme de assuntos, a preocupação com os “macetes” para as prováveis temáticas abordadas
numa prova que será decisiva para o futuro dos alunos, impedem que as aulas tornem-se dinâmicas e
atrativas.
Partindo agora para uma análise da apresentação do livro, percebemos uma grave falha no que se
relaciona aos créditos pela sua autoria, já que não é(são) especificado(s) seu(s) autor(es). O que nos
importa, entretanto, é constatar que é posta em prática a idéia da não aceitação de uma História Geral ou
Total para explicar os acontecimentos históricos. De fato, a apresentação propõe a assimilação da História
Geral, tentando mostrar ao seu leitor que o livro se insere nas tendências curriculares mais recentes,
realizando uma espécie de História integrada, sendo aberta a crítica ao uso, por parte de outros livros e da
própria divisão educacional do ensino de História, da expressão História Geral, tendo como argumento
que este não se insere nos parâmetros da atual reflexão historiográfica, tendo-se em vista que haveria uma
impossibilidade prática e teórica da utilização de tal termo, levando em consideração que, na verdade, o
conceito de uma “História Geral” parte do pressuposto de um ponto de vista europeu. Todavia, em
justificação, apresenta-se a proposta que a História da Civilização Ocidental, proposta pelos autores, foi o
resultado da “conjunção” de processos históricos que tiveram origem nas regiões próximas ao mar
Mediterrâneo. Desta forma, é utilizado o discurso de que a História Geral só caberia a ser posta em prática
caso houvesse uma justaposição de textos e de uma referência resultante de histórias locais e isoladas mas,
entretanto, inseridas em um contexto de caráter global partindo de uma lógica expansionista do
capitalismo, seguindo o ideal proposto por uma globalização que tenta “unir” os povos e culturas através
de uma leitura marxista do fazer e produzir o conhecimento histórico.
Esta introdução parece se manter coerente em seu discurso contrário a uma produção de “História
Geral” que centralize personagens, datas e fatos na qual os autores propõem uma história a partir da visão
eurocentrica de perceber o mundo. Entretanto, o que percebemos, ao longo da leitura de seu texto, é uma
incoerência de discurso e a falta de inconsistência metodológica, pois se percebe a pretensão de suas
linhas introdutórias, ao tentarem se inserir num modelo mais avançado de proposta dos estudos históricos;
mas o que se vê é uma tremenda perda da idéia inicial de seu texto no decorrer do livro. Os autores tentam
modificar o discurso tradicionalista, mas terminam por fazer o mesmo que discute Bezerra em sua
afirmação:
Não é suficiente enunciar, de maneira até sofisticada, proposições metodológicas
tentadoras e, no decorrer da exposição, continuar com as velhas fórmulas de
8
GATTI JÚNIOR, Décio. “Um Itinerário de Desigualdades: Livros Didáticos de História e Massificação do Ensino
na Escola Brasileira (1960 – 1990). In: ANAIS do XX Simpósio da ANPUH. Florianópolis, Santa Catarina, Julho –
1999, p. 218 – 219.
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descrever os processos históricos. Ou, o que é pior, anunciar um método e
praticar o inverso9.
Vejamos em uma pequena passagem deste livro, apenas como recurso explicativo e de exemplo
do capítulo sobre a unificação italiana, como seus autores apresentam a discussão e decorrem seu texto:
Buscando aliados para enfrentar a Áustria, Cavour entrou, ao lado da França e
da Inglaterra, na guerra da Criméia, contra os russos, em 1855. Já em 1858 os
resultados dessa participação se fizeram sentir: Cavour firmou com Napoleão III
uma aliança, pela qual as tropas francesas auxiliaram o reino do Piemonte a
libertar os Estados do norte da Itália do domínio austríaco; em troca a França
receberia a região de Nice e Sabóia, além de compensações financeiras e
comerciais10.
Portanto, percebe-se como a importância dada aos grandes personagens que “fizeram” a História
destes países é extremamente notória. Não há menções a práticas cotidianas e nem muito menos culturais,
não se recorre ao imaginário das pessoas e da sociedade; o que há, na verdade, é uma narrativa preocupada
unicamente com a história militar e territorial que define fronteiras a partir de declarações e vitórias de
guerras, como vimos nos exemplos. Há uma precariedade enorme no que diz respeito à explicação dos
conteúdos e todas as informações são meramente “jogadas” ao aluno, dificultando o trabalho até mesmo
do próprio professor que precisa se basear num História majoritariamente política, o que vem a causar
certo desinteresse por parte da maioria dos alunos.
No que diz respeito ao título deste livro, a princípio problemático, pois, de impacto, causa a
impressão de que os conteúdos trabalhados seriam apenas os da parte ocidental do globo e apenas
tratariam de uma cultural ocidentalizada. Entretanto, os autores são, de certa forma, coerentes com sua
proposta, pois remetem à idéia de que a História por eles proposta é vista a partir de um olhar direcionado
pelos ocidentais ou, apenas, por ocidentais. Os autores partem da prerrogativa que uma História realizada
por eles próprios só poderia ser realizada de maneira que a visão e o discurso tecidos sejam
ocidentalizados e estes mostram-se coerentes quanto a isso. Entretanto, esta proposta poderia, ao menos,
ser reformulada em cima do que já foi idealizado: uma sugestão para que, talvez, a proposta aparentasse
ser mais coerente com o título “História: Uma Visão Ocidental”. Caso isto fosse feito, poderíamos evitar
a pré-conceituação citada logo acima e teríamos uma melhor visão do livro proporcionando-o uma maior
coerência em seu discurso.
É interessante notar que este mesmo discurso pode ser embasado teoricamente em concordância
com o que a autora Rebeca Gontijo propõe em sua bibliografia, já que a mesma defende a idéia de que a
identidade nacional é passível de ser compreendida a partir de uma construção histórica resultante de um
processo que atribui sentidos e significados a uma comunidade que pode ser “imaginada”. Neste caso
específico, a comunidade é a civilização ocidental, não sendo, pois, exatamente, uma identidade nacional,
mas, sim, a concepção de uma identidade ocidental o que nos leva a crer que a idéia de Gontijo pode ser
perfeitamente atribuída ao contexto do título deste livro. Para ela, a concepção de História se fundamenta
não mais na repetição, apenas, do que o passado ensinava ou impunha, existindo predominância da
descontinuidade temporal não necessitando haver uma seqüenciação de datas inserindo, por conseqüência,
a população como sujeito histórico11.
9
BEZERRA, Holien Gonçalves. “O Processo de Avaliação de Livros Didáticos – História”. In: ANAIS do XX
Simpósio da ANPUH. Florianópolis, Santa Catarina, Julho – 1999, p. 200.
10
LIMA, Lizânias de Souza & PEDRO, Antônio. “Revoluções e Unificações do Século XIX Europeu”. In: História
da Civilização Ocidental. São Paulo. FTD S.A. 2005, p. 309 – 310.
11
GONTIJO, Rebeca. “Identidade Nacional e Ensino de História: a diversidade como ‘patrimônio sociocultural’”.
In: ABREU, Martha e SOIHET, Rachel (org.). Ensino de História: Conceitos, Temática e Metodologia. Rio de
Janeiro. Casa das Palavras/ Faperj – 2002.
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Em discurso semelhante, vemos Paulo Vaz et all afirmando que as representações dos valores e
crenças, próprias de uma comunidade imaginada, estão inseridas em uma cultura nacional definida por
processos históricos na qual, além dela, vemos que:
O processo educativo é propriamente um processo de ‘passagem’ e
conhecimento de valores de uma cultura, contribuinte para a formação do
sujeito. Interessante notar que a própria disciplina ‘História’ começou a figurar
como ciência a partir do período de formação dos estados nacionais, quando se
pretendia disseminar a idéia de um passado comum e, com isso, estabelecer uma
identidade nacional12.
Apesar da presença de um título coerente com o anunciado na introdução, há uma tremenda
precariedade quanto a estruturação do livro. O texto, como já vimos em exemplo acima, é extremamente
resumido, atrelado à generalização dos grandes feitos históricos e, acompanhando-se a isso, o fato de que,
em seus vários capítulos, há um uso de títulos generalizantes, dando idéia a um contexto total, sem a
apresentação de tópicos ou mesmo sub-tópicos, sendo estes praticamente inexistentes e apesar, voltamos a
dizer, de todo aquele discurso da apresentação, o livro é demasiadamente falho quanto à seqüenciação de
seu texto e do campo de compreensão e facilitação da aprendizagem que é extremamente restrito e não
demonstra que seus leitores são agentes do processo histórico. As revoluções e a discussão acerca das
práticas políticas e econômicas imperialistas compõem o Eixo Temático principal escolhido pelos autores
para explicar a época retratada neste trabalho. Vejamos alguns títulos propostos no decorrer dos seis
capítulos por nós analisados: a) no capítulo 22, o título é o seguinte “Brasil Independente: um império
na América” que é dividido em apenas dois subtítulos intitulados “O Império brasileiro: Primeiro
Reinado” e “A Regência: um período quase republicano”; b) já no capítulo 23 vemos o seguinte
“Revoluções e unificações do século XIX europeu”, já este com mais subtítulos, agora em número de
sete que são “Revoluções na França: 1830 e 1848”, “A revolução na Alemanha, na Áustria e na Itália”, “A
unificação alemã”, “A unificação italiana”, “Guerra civil na França: a Comuna de Paris”, “O liberalismo
burguês e o movimento operário” e “Aspectos culturais do século XIX: burguesia e cultura”; c) no
capítulo 24 vemos “A expansão da indústria e o imperialismo” acompanhado de mais seis subtítulos “A
Segunda Revolução Industrial”, “A Guerra Civil Americana e o nascimento de uma potência”, “A Europa
no final do século XIX”, “O Imperialismo: a partilha da África e da Ásia”, “O imperialismo na América
Latina” e “Transformações na Rússia do século XIX”; d) no capítulo 25 vemos “O Império brasileiro:
Segundo Reinado” seguido de seis subtítulos denominados “A Instauração”, “O apogeu do Império
brasileiro”, “A Guerra do Paraguai”, “ Modernização e contradições no Brasil Império”, “Final do
Império” e “A cultura no Brasil Império”; e) no capítulo 26 temos “A Primeira República brasileira” e
sete subtítulos dos quais “O movimento republicano”, “A República da Espada”, “A República dos
cafeicultores”, “Transformações e Crise”, “Industrialização no Brasil”, “Instabilidade social e política” e
“A cultura na ‘república dos cafeicultores’”; f) por fim, no capítulo 27 temos “A Primeira Guerra
Mundial e a Revolução Russa” com dois subtítulos apenas que são “O Conflito Mundial e suas
implicações” e “A Revolução Socialista Russa”.
Antes de mais nada é preciso lembrar que os autores inserem o Brasil em um contexto integrado
da História, vendo-o como participante de uma construção histórica visando pensar o país como
componente dessa História da Civilização Ocidental, evitando, portanto, realizar uma tradicional
“separação” da História do Brasil com a História “Geral”, o que pode ser considerado como ponto muito
positivo de sua estrutura, já que permite a possibilidade de facilitar ao professor a transmissão da idéia de
que o Brasil não está isolado do contexto histórico e que a sua própria História não começa apenas com a
chegada dos brancos “salvadores” portugueses e que a data desta chegada não é o “nascimento” da
12
VAZ, Paulo Bernardo F. et all. “Quem é quem nessa História? Iconografia do livro Didático”. In: FRANÇA, Vera
Regina Veiga (org.). Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver. Belo Horizonte. Autêntica – 2002, p.
48.
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História brasileira, pois muito antes destes europeus chegarem já existia presença humana neste território.
Estas “duas Histórias” se intercalam, e ao professor cabe desenvolver em sala que as mesmas estão, a
partir do “descobrimento”, sempre interagindo, relacionando-se com o que acontece nas demais regiões
do mundo ocidental. Percebemos, porém, na utilização de tais títulos, uma manutenção da velha forma de
escrever a História. Frases que levam os alunos a crer, se o professor não for bem instruído e se nele não
houver interesse, que os acontecimentos vêm e vão como se fossem independentes e não estivessem
interligados entre si, como se a História fosse “fria”, sem a mínima relação de conteúdos, sendo estas
frases predominantes durante todo o livro. Há algumas tentativas de mudar este quadro como podemos
observar no subtítulo “A cultura na ‘república dos cafeicultores’”, tentando dessa forma, ao nosso ver,
exibir uma abertura à idéia de que a república brasileira não foi feita apenas por sua classe dominante,
mas, infelizmente, a presença de passagens como esta são ínfimas, contudo, também não há tanta
preocupação em facilitar-se o entendimento. Vejamos:
Os positivistas procuravam influenciar os rumos da política da época. Com a
renúncia de Deodoro, em 1891, por exemplo, viram a possibilidade de realizar a
ditadura centralizada fundamentada por Comte. Não conseguiram, mas deixaram
fortes marcas na constituição estadual do Rio Grande do Sul, elaborada no
mesmo ano. O impacto dos positivistas ortodoxos na política brasileira foi, na
verdade, mínimo13.
Portanto, é interessante perceber que, mesmo de forma sutil, a presença de positivismos e dos
grandes fatos históricos como causas únicas da formação da História brasileira e, neste caso, as datas e os
principais personagens que compõem o quadro político de uma determinada época, no caso específico, a
República Velha brasileira. O que deveria não acontecer, de acordo com a autora Teresa Luporini, já que
os conteúdos deveriam abordar temáticas tanto culturais como “tradicionais”, mas o mais importante para
o livro é tentar, a partir da escrita, e para o professor, a partir da fala, fazer com que o alunado aprenda
antes de tudo a aprender, desenvolvendo sua capacidade crítica e sua capacidade de escrita, como
podemos ver:
Os critérios para a seleção de conteúdos pretendiam assegurar o domínio de
conceitos fundamentais (retomados em níveis de complexidade crescente);
garantir significância; o desenvolvimento de processos mentais (atitudes
científicas “aprender a aprender” e possibilidade de elaboração pessoal);
favorecer a descentralização: soluções curriculares locais/regionais14.
Algo que não vemos na realidade do ensino brasileiro e o livro didático deveria auxiliar e ajudar o
aluno, apresentado uma melhor proposta didática. Portanto, um ponto negativo do corpo deste livro,
causando um forte cansaço visual ao tentar-se lê-lo, é o fato de que as letras se mostram muito passíveis à
confusão óptica, pois estão posicionadas muito próximas umas das outras, apresentando-se como “secas” e
sem vida, deixando a leitura difícil, complicada e, no mínimo, cansativa, empobrecendo a assimilação e o
poder de raciocínio crítico por parte de seus leitores, o que não causa estímulo a nenhum aluno que se
predisponha a tentativa de ler seu conteúdo, a não ser que esteja extremamente necessitado ou não possua
nenhum outro recurso, muito menos a alunos de ensino médio que em sua maioria não se interessam pelo
assunto, não sendo nem atrativo nem estimulante. Há, ainda, um privilégio quanto a apresentação do
modelo mais convencional de confecção do texto, sendo escasso o uso e o recurso de imagens, sendo que
as poucas que lá se fazem presentes estão deslocadas, pouco coerentes e, muito menos, contextualizadas
13
LIMA, Lizânias de Souza & PEDRO, Antônio. “A Primeira República Brasileira”. In: : História da Civilização
Ocidental. São Paulo. FTD S.A. 2005, p. 372 – 373.
14
LUPORINI, Teresa Jussara. “Permanências e Mudanças nas Propostas Curriculares Para o Ensino de História”. In:
ANAIS do XX Simpósio da ANPUH. Florianópolis, Santa Catarina, Julho – 1999, p. 238.
4754
com a proposta temática apresentada. As imagens estão um tanto perdidas e não explicam com clareza os
conteúdos destacados, ou seja, estão “soltas”, deslocadas nos espaços a elas conferidos, servindo apenas
como meras ilustrações, não servindo ao propósito que deveriam ater-se, quando muito servem são para
justificar a ostentação de personagens significativos, tendo, entretanto, como único ponto positivo a
maneira como as fontes são decodificadas, havendo, pois, certa coerência quanto aos seus referenciais. De
acordo com Jacques Aumont, “as ‘funções’ da imagem são as mesmas que, no curso da História, foram
também as de todas as produções propriamente humanas, que visavam estabelecer uma relação com o
mundo”15. Portanto, indo por esta visão, podemos assimilar esta idéia, afirmando que uma imagem tem
por dever apresentar ao leitor, no nosso caso o aluno de ensino médio, que há significado em sua
apresentação e que a mesma não está ali presente com o único intuito ilustrativo e que, ao contrário, ela
precisa facilitar a formação e o desenvolvimento intelectual e de poder discursivo dos seus leitores e
prepará-los para a apresentação realizada pelo professor.
Apesar do texto ser um pouco restritivo, o uso dos exercícios é bem elaborado. Ao invés de
apresentar perguntas que proponham respostas prontas e simplesmente retiradas dos próprios textos
didáticos, este livro mostra como recurso de análise de textos, atividades que, de certa forma, estimulam o
raciocínio crítico, fazendo um bom uso de imagens, apesar destas serem, ainda, restritivas, além da
presença de textos de época, documentações, etc., estimulando, por isso, o interesse nos conteúdos
propostos. Vejamos um exemplo de exercício para termos a idéia de como os autores trabalham. No
capítulo 24, “A Expansão da Indústria e o Imperialismo”, página 333, os autores propõem uma
interessante atividade de comparação de conteúdos, tentando, com isso, estimular o leitor a pensar os
assuntos abordados problematizando seus aspectos históricos. No citado exercício, os autores sugerem:
“Compare as formas de atuação do imperialismo europeu na América Latina, na África e na Ásia,
mostrando as diferenças entre essas formas de atuação, conforme cada uma dessas áreas”16 e, logo após,
repetem a estratégia pedindo ao aluno que “Compare a primeira fase da Revolução Industrial com a
segunda”17. Então, percebe-se que há uma tentativa explícita pelos autores de procurarem fazer com que
o aluno raciocine criticamente a partir de uma análise de momentos distintos que podem ser inseridos em
um mesmo contexto temporal ou que seguem uma mesma abordagem histórica, apesar de pertencerem a
épocas diferentes. Nota-se um avanço quanto a esse aspecto do livro, entretanto, se o professor não
desenvolver uma leitura ampla dos que está sendo proposto, o aluno não terá como desenvolver essa
atividade de uma maneira satisfatória, pois o corpo textual apresentado não oferecerá tantos subsídios para
a feitura da mesma.
Vemos, portanto, um aspecto bastante positivo neste livro, tendo em vista a precariedade de seus
conteúdos, mas em compensação, os autores, que deveriam oferecer material aos alunos apreciadores de
seu livro, nada apresentam como recurso de um estudo extra-livro que os ofereçam e os possibilitem
entender que há outros fronteiras quanto ao estudo da disciplina, a partir de outras fontes. Outras e novas
formas de adquirir conhecimento são bastante plausíveis e aplaudidas pela chamada renovação
historiográfica e fáceis de fornecer a alunos, mesmo aos mais carentes no que diz respeito a condição
financeira, como filmes, livros paradidáticos e de literatura, música, entre outras que atraiam a atenção dos
discentes para o estudo da História. Sabemos do desinteresse de muitos alunos quanto ao estudo desta
disciplina e qualquer recurso que seja utilizado para ajudar no acréscimo de conhecimento, não apenas
aumentando a quantidade de informações (e muitas vezes é o que faz o livro didático), é válido. Este
mesmo livro, que deveria ajudar o professor, neste âmbito, nada faz para melhorar a desenvoltura do
ensino, fazendo citação, apenas, dos textos básicos – acadêmicos, e vimos acima que este tipo de texto não
desperta vontade de leitura em alunos de ensino fundamental e médio – utilizados pelos próprios autores
na feitura e confecção do seu discurso, o que ao ver do alunado, se transforma em uma pesada barreira
para causar interesse ao alunado para aprender História. O professor, se quiser mostrar e oferecer fontes
15
AUMONT, Jacques. “A Parte do Espectador”. In: A Imagem. São Paulo. Papirus – 2004, p. 79 – 80.
LIMA, Lizânias de Souza & PEDRO, Antônio. “A Expansão da Indústria e o Imperialismo”. In: História da
Civilização Ocidental. São Paulo. FTD S.A. 2005, p. 333.
17
Idem.
16
4755
aos seus alunos, terá que perder um precioso tempo em que o mesmo poderia estar aprimorando seus
próprios conhecimentos, procurando alguma fonte que auxilie o aprendizado do alunado extra sala de
aula. Não encontramos nenhuma referência a sites na Internet que pudessem complementar as
informações obtidas, facilitando, assim, o contexto apresentado pelo livro. Precisamos entender que estes
recursos podem ser vistos pelos alunos como certo divertimento, transformando-se, para eles, em uma aula
produtiva que dê resultados, mas o professor precisa estar atento para que, ao invés disso, esta
oportunidade de envolver e contagiar os alunos não se torne uma experiência constrangedora e, de certa
forma, banal (por ser divertida) sem acrescentar nada à consciência analítica destes, não mudando,
também, em nada, esta maneira diferente de lecionar, para que se desprenda da tradicional forma de
ensinar, ao utilizar-se, apenas, de um quadro-negro em salas (prisões) fechadas.
Restritivo, excessivamente sucinto e pouco explicativo é como podemos definir este livro
didático, a partir dos capítulos que analisamos. Há um privilégio na abordagem da economia e da política,
partindo do pressuposto tradicionalista que escrever a História é tecer a narrativa acerca dos grandes
homens e das expressivas datas criadas historicamente para a explicação do processo cotidiano das
sociedades. O enaltecimento de reis, presidentes, generais, líderes de movimentos sociais, entre outros
desta mesma gama de pessoas importantes é exaustivamente realizado. Datas e fatos essenciais são
amplamente explorados pelos autores e , só como exemplo, podemos citar uma passagem do capítulo 23
no subtítulo “Guerra civil na França: a Comuna de Paris”:
Entre 21 e 27 de maio de 1871, travaram-se os combates, mas a Comuna não
resistiu a um exército numericamente superior, mais bem armado e apoiado pela
artilharia do Exército prussiano. Assim, em 27 de maio de 1871, o Exército
francês chegou ao centro da cidade, derrotando os focos de resistência ao seu
avanço18.
Outra passagem que exemplifica essa idéia é:
O assassinato do czar Alexandre II só fez aumentar a repressão aos que se
opunham à autocracia. Seu sucessor, Alexandre III, desencadeou uma onda
repressiva: banimentos, deportações, enforcamentos e a formação da polícia
política Okhrana, através da qual controlava a vida política e cultural do país19.
Temas como gênero, identidade e cidadania, por exemplo, são pouquíssimo abordados e quando
são, há uma generalização feita em cima dos principais movimentos e acontecimentos realizados pelos
homens, veja bem, homens ditos “de baixo” (pouca ou nenhuma citação a mulheres, apenas quando estas
“mudam” a História). A temática da religião é bem explorada mas apenas a partir do discurso político de
que os clérigos como bispos, padres e, principalmente, papas interferem no desenrolar dos acontecimentos
de época. Portanto, é necessário que haja uma revisão e reavaliação deste livro, pois o mesmo encontra-se
incoerente com a proposta lançada na sua introdução, no que diz respeito à discussão ao longo do proposto
sobre os conteúdos, já que privilegia disputas territoriais, políticas voltadas para a assinatura de acordos e
tratados, esquecendo, em demasia, das práticas culturais e do cotidiano.
Este trabalho se mostra amplamente preocupado com as propostas da renovação historiográfica,
no que diz respeito à inserção de novas problemáticas, de novas abordagens e de novos aportes teóricometodológicos. A vida e a História, acima de tudo, não são meras repetições dos acordos e atos políticos; a
economia não é a única regente de nossas práticas socias e não dita unicamente nossas vontades e anseios.
Exaustivamente, ao longo desta nossa produção acadêmica, tentamos perceber e demonstrar que o livro
18
LIMA, Lizânias de Souza & PEDRO, Antônio. “Revoluções e Unificações do Século XIX Europeu”. In: História
da Civilização Ocidental. São Paulo. FTD S.A. 2005, p. 311.
19
LIMA, Lizânias de Souza & PEDRO, Antônio. “A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa”. In: História
da Civilização Ocidental. São Paulo. FTD S.A. 2005, p. 380.
4756
didático não deve prender-se ao enaltecimento dos grandes heróis, fatos e datas e, para tanto, o professor
exerce papel fundamental na hora de apresentar uma aula de História a crianças e adolescentes que têm
vivências e experiências próprias e que já possuem particularidades que os remetem ou podem remeter a
novas descobertas e a vários questionamentos da sociedade a qual eles se inserem. A “História da
Civilização Ocidental” deveria mostrar aos seus participantes que a História influencia em uma melhor
formação para o entendimento do cotidiano e que são personagens ativas na construção e estruturação da
sociedade e da cultura, contribuindo para uma cidadania apta a conceder novos horizontes para o contexto
em que os alunos se inserem e seria interessante para os autores deste livro em questão perceberem que,
além da História política predominante, a dita Nova História também é digna de receber um espaço
considerável nas abordagens e na estrutura das entrelinhas do texto do livro para que a compreensão dos
acontecimentos históricos, mesmo que haja a necessidade de um estudo voltado para acontecimentos
importantes.
Referências Bibliográficas:
AUMONT, Jacques. “A Parte do Espectador”. In: A Imagem. São Paulo. Papirus – 2004.
BEZERRA, Holien Gonçalvez. “O Processo de Avaliação de Livros Didáticos”. In: ANAIS do XX
Simpósio da ANPUH. Florianópolis, Santa Catarina. Julho 1999, p. 195 – 202.
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GATTI JÚNIOR, Décio. “Um Itinerário de Desigualdades: Livros Didáticos de História e Massificação do
Ensino na Escola Brasileira (1960-1990)”. In: ANAIS do XX Simpósio da ANPUH. Florianópolis, Santa
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GONTIJO, Rebeca. “Identidade Nacional e Ensino de História: a diversidade como ‘patrimônio
sociocultural’”. In: ABREU, Martha & SOIHET, Rachel (org.). Ensino de História: Conceitos,
Temáticas e Metodologia. Rio de Janeiro. Casa das Palavras/Faperj – 2002.
LIMA, Lizânias de Souza & PEDRO, Antônio. História da Civilização Ocidental. São Paulo. FTD S.A.
2005, p. 292 – 389.
LUPORINI, Teresa Jussara. “Permanências e Mudanças nas Propostas Curriculares Para o Ensino de
História”. In: ANAIS do XX Simpósio da ANPUH. Florianópolis, Santa Catarina. Julho 1999, p. 235 –
244.
VAZ, Paulo Bernardo F. et all. “Quem é quem nessa História? Iconografia do livro Didático”. In:
FRANÇA, Vera Regina Veiga (org.). Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver. Belo
Horizonte. Autêntica – 2002.
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Uma análise do livro didático de história: problemas e possibilidades